Cruzei os braços diante do meu peito, tentando esconder meu abalo.
— Minha verdade?
— Eu sei o que você tem, Bieber. Ao contrário de Steve, eu nunca tive dúvidas.
Eu encarei-o com enfado.
— E o que eu tenho, então? – desafiei-o.
— Você oscila entre os momentos de surto e lucidez. Na maior parte do tempo é aparentemente centrado e conclusivo, e possui um raciocínio rápido e surpreendentemente lógico.
— O tratamento contribuiu para isso — ressaltei displicente.
— A doença que Steve diagnosticou, não possui uma cura. O tratamento é a longo prazo. Resumindo: sem medicamentos, sem qualquer melhora. E você deixou de usar os seus, não é mesmo?
Contraí minhas sobrancelhas.
— Aonde quer chegar com isso?
— Já ouviu falar de psicose maníaco-depressiva?
— Se eu fosse o expert em doenças mentais, não estaria aqui, pedindo a sua ajuda.
Ele riu e eu me segurei dificilmente para não agredi-lo.
— É uma escolha nossa sermos leigos ou explorarmos os nossos conhecimentos, Bieber.
— Eu não tenho tempo para os seus cinismos, Mason — rosnei rudemente e ele me analisou minuciosamente.
— Psicose maníaco-depressiva, atualmente mais conhecida como Transtorno Bipolar. Uma condição onde se oscila drasticamente entre a mania, um estado de euforia, e a depressão, ocorrendo em ciclos rápidos ou intervalos de maior tempo — ele explicou irritantemente efetivo, sentando-se largado em sua poltrona. — Um paciente com diagnóstico de depressão apresenta níveis de humor, atividade, disposição e motivação rebaixados, sendo que, ao se recuperar, volta ao estado normal de equilíbrio. Quando o episódio está dentro do transtorno bipolar, ao sair da depressão o paciente tende a entrar em um estado de humor oposto ao anterior, apresentando euforia intensa, seguida de hiperatividade. Em algumas pessoas, no entanto, os sintomas de mania e depressão podem ocorrer juntos, em um estado bipolar misto; dominado por um humor muito triste e sem esperança, enquanto se sente energizado ao mesmo tempo. — Ele fez uma pausa dramática. — O que, aparentemente, é o seu caso.
— Estado bipolar misto? — repeti e ele assentiu. — Acontece que Steve diagnosticou a bipolaridade.
— Mas não a tratou — ele afirmou, firmemente.
— Não diga o que você não sabe — rebati, entre dentes.
— Steve pressupôs a bipolaridade, mas medicou você apenas contra a esquizofrenia que ele acreditava existir.
— E existe — adverti.
Ele negou calmamente com a cabeça.
— Não. Não existe.
— Está supondo que eu não... que eu não sou esquizofrênico? — perguntei baixo, descrente.
— Não estou supondo, estou afirmando.
A saliva secou em minha boca.
— A esquizofrenia é caracterizada pela desintegração da personalidade e perda de contato com a realidade — Mason prosseguiu. — Um distúrbio mental, uma psicose crônica que pode causar deterioração da capacidade funcional. Exemplificando, uma pessoa com esquizofrenia é completamente debilitada e comprometida. Logo, a razão por você saber distinguir o que é real e é irreal após as supostas crises, é dado ao fato de que você, de modo óbvio, não é esquizofrênico.
— Então, de onde vêm as vozes e as alucinações? — disparei, arredio. — Não fazem parte do transtorno bipolar, eu presumo.
Eu não estava acreditando nele, afinal de contas, era Mason Curtis diante de mim; um sujeito capaz de tudo, sobretudo, um grande manipulador. Eu estava apenas tentando fazê-lo crer que obtinha sucesso em sua tentativa de me burlar. Porque, no fim das contas, suas suposições eram melhores do que nada.
— Não fazem mesmo. Quando eu tratei você aos 10 anos, você estava sofrendo um quadro de depressão, e acabou tendo uma amnésia dissociativa. Basicamente, fez com que seu cérebro reprimisse memórias importantes, que habitualmente se envolvem aos eventos traumáticos, tais como acidentes ou lutos imprevistos, e é mais frequente que seja parcial e seletiva. E isso o levou para o estágio mais grave, a depressão psicótica — ele explicou calmamente. — Esse tipo de transtorno tem uma taxa muito baixa de diagnóstico simples, porque pode ser interpretado como esquizofrenia, transtorno esquizoafetivo, ou mesmo uma forma diferente de pressão maior. Mas, a depressão psicótica ocorre geralmente sob a forma de episódios onde os sintomas psicóticos são marcantes, envolvendo principalmente alucinações e delírios, em que o paciente muitas vezes ouve vozes em sua cabeça, que podem ser bastante ameaçadoras ou críticas.
“Na maioria das vezes, essas vozes são acusatórias e, assim, induzem a tendências suicidas. As ofensas são direcionadas a si, autodepreciativas. E o indivíduo pode ser um dia hiperativo e extremamente lento no próximo. Capacidade de sono também é afetada de maneira que tanto incapacidade de dormir e sonolência excessiva tendem a ocorrer de forma oscilante. Alucinações visuais, embora menos comuns, também podem ser experimentadas durante tais episódios de depressão. Os delírios referem-se à fase de romper com a realidade, em que o cérebro interpreta os fenômenos naturais ou eventos e produz sentimentos ou pensamentos incoerentes com o mundo real. Delírios de culpa, mania de perseguição, sentimento de inutilidade, e desastre iminente são característicos.
As informações se transforam em um grande amontoado nebuloso e desconexo em minha cabeça e eu senti como se as paredes estivessem se fechando ao meu redor.
— Eu teria o ajudado quanto a tudo isso, se Steve não tivesse interrompido o tratamento, para segui-lo por conta o própria, sem ao menos saber o que você realmente tinha. E eu tentei convencê-lo de que era melhor que eu continuasse o acompanhando, mas ele proibiu minha aproximação.
— Ele disse que você cobrou muito caro para me tratar — deixei escapar, estupidamente dando a brecha que ele queria.
— Durante os dois anos que tratei de você, eu arquei com as despesas. Você veio aqui várias vezes, demonstrava interesse em minha filha... Eu não achei que os caminhos voltariam a se cruzar.
Não tinha como eu simplesmente ter esquecido tudo isso. Não podia ter.
— Por que está fazendo isso? — inquiri saber, apertando meus punhos. — Por que continua tentando manchar a imagem dele?
— Steve manchou a imagem dele sozinho. Quando o diretor da clínica perguntou o porquê do seu tratamento estar sendo finalizado tão repentinamente, Steve queria que eu mentisse que estava enviando você para uma internação em um hospital psiquiátrico fora da cidade. Mas eu não estava disposto a deixá-lo prosseguir com aquela loucura, então, contei toda verdade e eu tinha como provar.
— Você comprou quem provasse! Steve me contou!
— Steve era um mentiroso, Bieber.
— Ele não era um mentiroso! Ele... ele era a minha família.
— Você não tinha o mesmo significado para ele.
A audácia dele fez a fúria correr quente em minhas veias.
— Você não sabe de nada, Mason. Você não o conhecia, não como eu. Ele era de confiança, sempre foi. E você não tem noção do que é isso. Do é confiar nas pessoas, porque prefere sempre duvidar de tudo e todos, para se manter nessa sua maldita zona de conforto que é ser temido pelas pessoas, ao invés de respeitado.
As sobrancelhas dele franziram levemente.
— Acha que Steve perdeu o direito de exercer a profissão por ser honesto e meritório?
— Foi você que cuidou disso pessoalmente, não foi?
Eu não queria estar levando à conversa para o lado rancoroso, mas ele não estava me dando escolhas.
— Não, eu não precisei fazer nada. Ele cuidou de tudo por ser um inconsequente, por se achar no direito de burlar as regras e crer que tudo tinha que ser do jeito dele e não como verdadeiramente deveria ser.
— Steve foi uma concorrência grande pra você, quase lhe tirou o seu cargo e, aí, você decidiu jogar baixo. Como faz com todos que ameaçam passar à sua frente.
Mason forçou a risada.
— Steve era um lunático com um diploma nem um pouco merecido em mãos! Ele havia falsificado o documento, isso foi comprovado! E, por isso, foi caçado. Por isso, o perdeu! Ele estava respondendo um processo, só não ficou preso porque teve como pagar um bom advogado com a sua herança, que na época, estava sob a responsabilidade dele.
— Você armou tudo, fez com que duvidassem da honestidade dele, fez com que as pessoas tivessem uma ideia errada sobre ele e tirou tudo o que ele construiu com esforço e dignidade.
— Steve era muito bom em convencer, muito melhor que eu — ele acusou, incisivamente. — E ele tinha você nas mãos dele, Bieber, porque você era só uma criança, facilmente manipulável. Ele te contou uma história de ninar e você acreditou nela, pegou-a como história da sua vida e, então, ele fez você cavar cada vez mais fundo, até que você ficou soterrado demais para poder retornar sem nenhum tipo de verdadeira ajuda.
O ar faltou em meus pulmões, ele estava vergonhosamente me deixando em cima do muro.
— Steve jamais faria isso — titubeei.
— E os boatos ao seu respeito? Quem você acha os espalhou? Não houve nenhuma nota, nenhuma notícia no jornal ou qualquer coisa. Seus pais eram pessoas que pouco importavam para a mídia, Nob Hill é um lugar onde qualquer coisa pode ser escondida e, principalmente, esquecida. Steve construiu tudo de ruim que você tem agora, ele colocou esses medos em você!
Aquela acusação foi à gota d’água.
— Você não faz ideia do que está dizendo — protestei contidamente, visto que Mason mantinha o tom calmo em sua voz. — Steve era a melhor pessoa que eu conhecia e ele não merecia nada do que você fez, ele sempre cuidou de mim! Diferente de você, ele ajudava as pessoas sem querer algo em troca. Ele nunca contaria nada de ruim sobre mim, ele nunca faria isso. Eu estava lá quando o xerife contou que um dos policias comentou sobre o caso com a namorada, para assustá-la, e a história fora se espalhando, tornou-se uma maldita lenda. Então, não culpe Steve por nada disso. — Minha voz soou detestavelmente falha — Não o culpe... ele era o meu tio, era o melhor amigo do meu pai... ele era a família. Steve era tudo o que eu tinha.
— Finalmente chegamos ao ponto certo, Bieber — ele acentuou friamente. — Ele era tudo o que você tinha e ele fez de você um rato de laboratório, uma experiência que ele considerava bem-sucedida. Ainda que ele não tenha inventado os rumores ao seu respeito, isso não muda o fato de que ele o fez acreditar na verdade dele e não na sua, ele fez de você quem você é! Ele trancava você como se fosse um animal de zoológico, fazendo-o parecer uma ameaça.
— Ele me protegia da maldade dessa cidade, mas nunca quis me esconder. Eu escolhi viver escondido!
Mason suspirou densamente, nitidamente exasperado e fadigado. Eu o fitei com desprezo e ele pouco se importou.
— Ouça, eu não saberia dizer se você atentou contra seus pais ou não, mas posso lhe afirmar quanto ao equívoco de diagnóstico de Steve. Ele esteve o tempo todo ao seu lado e, mesmo assim, errou com você. E eu entendo que tenha absorvido as coisas que ele contou e, consequentemente, continue fugindo de sua própria verdade, por confiar nele. Mas, olha só o ponto em que você chegou, Bieber. Olhe só para esse momento.
Eu não podia mais aguentar aquilo. Não podia aguentar vê-lo tentando me influenciar daquela maneira doentia, pois não era Steve quem havia tentando me mostrar sua verdade, não era ele quem estava diante de mim naquele momento e sim o Mason, como sempre, tentando me corromper; era ele quem estava ali, tentando me fazer duvidar de meu tio e da integridade dele, para que eu deixasse de ser leal a minha família como sempre fui. Era Mason Curtis quem estava querendo me comprar com a sua farsa e me envolver com o poder de persuasão que fazia com que ele conduzisse muitas pessoas como se fossem marionetes em suas mãos. Entretanto, eu não permitiria que ele fizesse o mesmo comigo. Jamais.
— Savannah está certa sobre você. E talvez Steve tenha mesmo errado comigo, Mason, mas ele errou em me fazer crer que eu deveria dar credibilidade às pessoas e que deveria acreditar na mudança delas, por mais difícil que pudesse parecer. Porque você é um caso terminantemente perdido.
Eu estava prestes a sair, quando o vi se levantando e abrindo os primeiros botões de sua camisa social. Puxou-a de parte de seu ombro e eu avistei uma cicatriz esférica, de uma visível perfuração.
— Eu tinha um melhor amigo, quase irmão. Nós crescemos juntos, a mãe dele engravidou e foi expulsa de casa, o pai dele a abandonou um pouco depois de saber da gravidez e minha mãe a encontrou pedindo esmola na frente de um supermercado, e convenceu meu pai a acolhê-la. Depois que o bebê nasceu, ela permaneceu morando conosco, trabalhando em nossa casa, em troca de moradia e da melhor condição de vida para ela e o filho.
“Ezra era um ano mais novo que eu e era tratado como se fosse da família. Ele e Lilian nunca sofreram nenhum tipo de indiferença dentro da nossa casa e nós tínhamos por volta da sua idade, quando começamos a frequentar um clube de pôquer, porque desde muito novo eu apresentei ter surpreendente sorte nos jogos e, então, nós decidimos testar isso das maneiras mais extremas.
“Nessas empreitadas, ganhamos tanto dinheiro que eu nem podia acreditar, apesar de ter nascido em uma família afortunada. Foram momentos memoráveis e a melhor parte era termos aquelas experiências juntos. Certa vez, entretanto, ganhamos o triplo e Ezra me contou que havia arranjado problema com uns caras da pesada e que, por isso, eu deveria lhe dar todo o dinheiro que ganhamos. Eu achei a ideia absurda, claro. Porque eu estava querendo comprar uma moto de alto custo e meus pais estavam relutantes em me dar, então eu estava me empenhando para juntar meus lucros dos jogos.
“Sugeri que fôssemos juntos para barganhar, pagar parte da dívida e, na noite seguinte, levávamos o resto do dinheiro. Mas ele não aceitou e nós discutimos. Ele ficou tão bravo, que não aceitou nem mesmo sua parte. Tentei conversar com ele, tentei convencer ele, mas não teve jeito. Ezra se recusou a ir embora comigo e o bairro era barra pesada, mas eu já estava tão acostumado que confiei que, com ou sem ele, não fosse fazer diferença alguma. Fui abordado não muito distante do clube e apanhei tanto que eu pensei que fosse morrer. Pegaram todo o dinheiro, achei que era só o que eles queriam e, aí, me deixariam em paz. Mas, então, eu o vi.
“Os desgraçados me levantaram e disseram para Ezra atirar em mim, porque se me deixassem vivo, eu iria denunciá-los. Ele atirou sem pensar, sem nem mesmo dizer qualquer palavra e esboçar reação, olhando bem no fundo dos meus olhos. Estava escuro e eu vestia uma jaqueta preta, por isso, eles não tiveram muita noção de onde o tiro havia me acertado. Eles só fizeram o que tinha que ser feito e depois caíram fora, achando que eu estava morto. Acordei dois dias depois, no hospital, com um tiro no ombro e uma dor infernal.
“Meu melhor amigo, meu irmão, atirou em mim, porque aquelas caras lhe ofereceram um cargo alto e muito dinheiro para fazer parte da gangue deles. A dívida foi só uma desculpa que ele inventou para criar coragem, porque, no fim, eles me matariam de qualquer jeito. Esse era o propósito dele.
Mason suspirou e ajeitou sua camisa, fechando os botões, a expressão em seu rosto devastada por uma palpável angústia e eu nunca imaginei que fosse considerá-lo tão humano, quanto naquele momento.
— O que quero lhe dizer com tudo isso, é que você nunca conhece as pessoas, Justin. Nunca as conhece realmente. E é sempre atrás de quem você menos espera que está escondida a faca que vai te apunhalar nas costas, quando você baixar à guarda. — Ele preencheu novamente seu copo com bebida e entornou-o com agressividade. — A sociedade não é sua pior inimiga, eu não sou seu pior inimigo e provavelmente, apesar de tudo, Steve também não foi. Seu pior inimigo é você mesmo. Esse tempo todo os seus olhos estiveram abertos, mas ainda não sabem o que é enxergar.
Minha cabeça estava uma desordem, quando eu dei as costas para ele e sua potencial dissimulação, pois eu não queria mais pensar naquilo. Não queria me permitir ser soterrado por dúvidas causadas pelas mentiras daquele homem desprezível, que nada fazia para merecer a confiança de ninguém.
Ao retornar para a sala e ver a Savannah contente em me ver novamente, me permiti esquecer tudo o que o ele havia me dito. Porque eu era racional com ela, assim como eu era com Steve. E ele foi um homem digno, pensei convicto, alguém como o Mason Curtis não tinha o direito de dizer o contrário.
Ainda assim, mesmo que eu me empenhasse, em um momento e outro, principalmente quando ele igualmente juntou-se a nós, agindo com irritante naturalidade, pensamentos indesejáveis facilmente me dominavam.Uma vez que, muito provavelmente, Mason estivesse certo ao dizer que eu não conhecia a minha verdade, porque boa parte do que eu aprendi foi contado por Steve e ensinado por ele. Sendo assim, como eu poderia fazer para descobrir aquilo? Como eu saberia da minha verdade, quando eu nem mesmo sabia quem eu verdadeiramente era? Nada daquilo fazia o menor sentido e eu só queria parar de pensar tanto, só queria deixar aquela conversa detestável para trás e seguir em frente, procurar outra saída mais cabível.
No fim das contas, se existia mesmo a minha própria verdade, quem sabe fosse até melhor que eu não descobrisse de fato, visto que possivelmente a mesma possuiria muitas revelações que eu temia, sem ao menos saber, e preferia mantê-las ocultas.
[...]
Savannah.
Fazia três dias que eu não via o Justin.
Depois do jantar na casa dos meus pais, ele simplesmente desapareceu. Quando o vi retornando do escritório de meu pai, o questionei e ele naturalmente respondeu que apenas compartilharam uma dose de uísque e assuntos pouco interessantes. Naquela noite, eu acreditei nele e pensei que realmente não tivesse ocorrido nada, além disso, entre ambos. Mas, naquele instante, já não tinha mais tanta certeza.
No sábado, ao chegar em casa após trabalhar meio-período, eu novamente encontrei a casa vazia e deprimente. Naquela noite, teria um festival na cidade, com bandas de todos os estilos e a Lauren havia me convidado para ir, me convencendo a chamar o Justin, pois Nolan iria junto. Porém, quando falei sobre o sumiço dele – sobre ele potencialmente estar alojado no quartinho do de corredor atrás da escada, em meio a uma terrível crise existencial –, ela me convenceu de que seria melhor eu sair e espairecer. Dar espaço para ele e deixá-lo se recuperar ao seu tempo, já que ele possuía essa capacidade de resiliência parcial, mas que infelizmente não era duradoura.
Eu tinha acabado de me arrumar, quando ouvi a buzina em frente à casa e desci as escadas correndo. A noite estava fria, então escolhi uma calça jeans, um casaco pesado e botas; meu cabelo estava amarrado em rabo-de-cavalo e meu rosto limpo. Lauren estava perfeitamente bonita, com um vestido na cor salmão e sapatilhas, e Nolan com suas roupas tipicamente despojadas. Eles conversaram durante todo o trajeto e eu tentei me soltar de todas as maneiras, apesar de pensar continuamente no quanto queria que o Justin estivesse conosco.
Ao chegarmos ao festival, o local estava lotado. Tinha diversas barracas e no palco havia uma banda amadora, que animava os presentes. Eu tentei olhar aos arredores, com receio de ver o Andrew, mas, por sorte, ele parecia não estar presente.
Comi dois cachorros-quentes, pipoca, algodão doce e Nolan me deu um urso que ganhou no tiro ao alvo, visto que Lauren não gostava de pelúcias em geral. Era um trauma antigo.
Nos aproximamos do palco quando um DJ anunciou sua entrada e começou a tocar uma mistura de músicas interessantes, que nos rendeu um agradável momento e fez com que eu me sentisse menos deslocada.
Eu estava em uma barraca, comprando refrigerante, quando senti alguém cutucando o meu braço.
— Oi — o rapaz atrás disse, sorrindo e eu logo o reconheci.
— Oi, Hunter. Como vai?
— Bem — ele respondeu, encostando ao meu lado. — E você?
— Bem, também.
— Está sozinha?
Neguei, apontando para Lauren e Nolan.
— Aquele é o seu namorado? — ele perguntou e eu ri, negando outra vez.
— Ele não veio.
— Ele deve confiar muito no próprio taco para te deixar por aqui, vagando sozinha — ele disse casualmente e eu ri nervosamente, mal acreditando que ele realmente estivesse me flertando.
— Foi legal te ver — falei, após pagar o refrigerante e pegá-lo, começando a me afastar.
— Segunda vou visitá-la na biblioteca, entregar os livros que estão comigo e alugar mais — ele gritou e eu ergui meu dedo polegar em confirmação, apressando-me para longe.
— Quem era aquele cara dando ideia em você? — Nolan investigou, assim que me aproximei.
— Hunter Richards. Ele é cliente lá na biblioteca. Escravo dos livros, estudante de Medicina.
— Conhecendo tão bem a anatomia, ele devia se preocupar com o bem-estar do próprio corpo ao ficar por aí dando em cima de garotas comprometidas — Nolan rebateu, forçando a hostilidade.
Lauren e eu caímos na gargalhada.
— Deixa de ser antiquado — ela contestou e ele fingiu-se ofendido.
— J.Drew não está aqui, mas eu estou e estou de olho.
Rolei os olhos teatralmente e ele puxou-me pelo ombro, ficando entre mim e Lauren, como em nossa foto em meu colar medalhão.
— Esse momento deve ser registrado — falou, puxando o aparelho de celular dentro do seu bolso e importunando o homem em nossa frente, pedindo-o para bater a foto.
Lauren e eu rimos, mas acabamos fazendo um remake da fotografia.
Naquele ritmo, o resto de nossa noite juntos seguiu agradavelmente bem.
[...]
— Tchau — eu gritei, acenando, enquanto o carro se afastava.
Meus olhos estavam se fechando sozinhos e eu estava exausta. Tudo o que precisava era de um banho relaxante e uma boa noite de sono, aliviada pelo dia seguinte me reservar uma folga merecida. E eu esperava que o Justin reaparecesse.
Como um pedido caído dos céus, me sobressaltei ao ouvir a porta sendo aberta atrás de mim, enquanto me livrava do casaco e virei-me rapidamente.
— Oi — ele disse e beijou minha bochecha, em seguida, minha boca.
— Oi, por onde você andou? Eu pensei que... pensei...
Olhei para a escada e ele pareceu entender. Suspirou.
— Me desculpa, eu tive que ir para Beaverton às pressas. Ronald me ligou, Barb sofreu um acidente de carro. Eu não tive como avisar antes, hoje tentei ligar para você o dia todo, mas não consegui.
Estreitei as sobrancelhas e tentei me lembrar de onde estava o meu celular. Bati a mão em minha testa, lembrando-me de tê-lo esquecido na gaveta da biblioteca, onde eu sempre o deixava trancado, enquanto trabalhava.
— Esqueci no trabalho — justifiquei e ele suspirou, caminhou até o sofá e deitou-se esparramado. — Como o Rony está?
— Péssimo — ele respondeu de olhos fechados. — Ele queria que eu ficasse mais, mas eu estava preocupado com você.
Me senti culpada por ter passado a noite me divertindo, enquanto ele estava esforçando-se para dar apoio ao Ronald em um momento tão delicado.
— Não deveria se preocupar comigo, eu estou bem. Ele precisa mais de você.
Justin sentou-se e me chamou, para sentar em seu colo.
— Eu estava quase morto de saudade de você — declarou baixo, beijando meu queixo. — Eu volto lá em outro momento, ela está fora de risco. Teve algumas fraturas, a revolta dele é que ela está morando com o irresponsável que causou o acidente, praticando corrida ilegal.
— Coitado do Rony — murmurei penalizada, um pouco distraída ao sentir a mão do Justin infiltrando-se em minha blusa e acariciando minha cintura.
— Ele queria que nós fôssemos passar um tempo lá, para ver se conseguíamos colocar um pouco de juízo na cabeça dela e eu falei que não dava, por conta do seu emprego. Às vezes acho que ele pensa que eu sou faço milagres.
— Ou ele sabe a importância que você tem para ela.
Ele olhou-me, esboçando um sorriso enviesado.
— Isso é ciúme? — perguntou e eu neguei. — Calma, acima de você, só o céu, minha linda.
Eu ri e ele acariciou o meu rosto, puxou-me para beijá-lo.
— Um minuto sem você, parece uma eternidade. O que você fez comigo, Savannah? — ele perguntou em um sopro de voz, contra meus lábios.
— Eu não faço ideia, mas você não é tão vítima assim, porque fez o mesmo comigo — rebati e ele sorriu, beijou-me outra vez.
— Vamos sair para jantar amanhã?
Concordei rapidamente e ele me beijou avidamente, deixando-me ofegante.
— Você parece cansado — comentei, analisando o rosto dele.
— Eu estou legal. E você?
— Eu estava exausta, quando cheguei.
— Por onde esteve? — ele perguntou, aspirando uma mecha do meu cabelo.
— Fui ao festival, com a Lauren e o Nolan.
Ele enrugou a testa subitamente.
— Andrew Owen estava lá?
— Isso é ciúme? — rebati e ele riu. — Felizmente eu não o vi, mas tinha outro cara lá, bem interessado. Ele disse que meu namorado deve confiar muito no próprio taco para me deixar vagando sozinha.
Justin forçou o ar pretensioso, estufando o peito.
— Isso foi antes de eu dar uns amassos nele atrás do palco, é claro — provoquei-o e ele olhou-me chocado, antes de ameaçar me atacar com cócegas e me levantei e saí correndo.
Ele seguiu-me até a cozinha e eu fui para o outro lado do balcão. Ficamos nessa brincadeira de gato e rato, até ele conseguir me pegar e me empurrar de frente para o balcão, deu um tabefe em minha bunda e eu me sobressaltei por perigosamente gostar disso.
— Retire agora o que disse — ordenou e eu sacudi a cabeça em negativa.
Ele acertou-me outra vez e eu gargalhei. O tecido do vestido me impedia de sentir dor e sua proximidade fazia meu corpo corresponder violentamente. Eu estava pronta para recebê-lo e aquilo não era uma novidade. Eu ficava excitada com o mínimo de seus esforços.
— Eu não posso retirar a verdade.
— Savannah — ele me repreendeu e ergueu minha roupa. — Eu duvido que ele tenha feito do jeito certo — ele murmurou em meu ouvido, afastando minha calcinha e eu arfei ao senti-lo escorrendo um dedo para dentro de mim.
Resmunguei em desaprovação, quando ele afastou-se de mim, mas continuou prendendo-me. Eu ouvi-o abrindo o zíper e perifericamente o vi abaixando as calças. A expectativa foi grande para senti-lo dentro de mim e minhas pernas fraquejaram, assim que o senti deslizando minha calcinha, até despencar aos meus pés, e sua glande encaixou em minha entrada.
Ele me penetrou lentamente e eu adorei a sensação de recebê-lo naquele contexto. Era primitivo e instigante, um fetiche que eu nem mesmo sabia possuir. Fiquei na ponta dos pés, deitando-me mais contra a bancada, para facilitar sua invasão. Completamente submissa ao seu desejo, enquanto o sentia acariciando minhas costas e minhas nádegas, penetrando-me perturbadoramente fundo. Sua mão ocupando-se em me estimular o clitóris, encaminhando-me para um ápice inebriante e eu senti o seu líquido me preenchendo, algumas investidas depois.
Estávamos completamente ofegantes e ele ficou apoiado em mim, até recobrar as forças e se afastar. Me virei na direção dele, ainda escorada no balcão e suspirei, sorrindo.
— Nenhum taco é melhor que o seu — concluí em tom provocante e ele riu, aproximando-se e abaixando, puxou minha calcinha para cima, ajeitando-a em mim.
— Vamos subir e vou te mostrar mais do verdadeiro poder do meu taco — ele sussurrou em meu ouvido, puxando-me para o seu colo.
Sem relutar, eu simplesmente me submeti.
[...]
Despertei com uma movimentação no quarto e abri os olhos com dificuldade, deparando-me com o Justin aproximando-se da cama com uma bandeja servida com um café da manhã tentadoramente caprichado.
Esfreguei meus olhos e amarrei meu cabelo, que devia estar um caos, antes de me sentar e puxar o lençol contra o meu corpo, ao perceber que estava completamente despida. Pelo menos, eu não ficava mais tão envergonhada, depois de nossos momentos íntimos; ainda que os da noite – madrugada – passada houvessem sido mais intensos.
— Bom dia, amor — ele pronunciou-se eufórico e eu sorri espontaneamente.
— Bom dia, Jay. Você precisa parar de me mimar.
— Você precisa parar de reclamar — ele rebateu e eu achei graça.
Ele sentou-se ao meu lado na cama e eu me interessei por uma torrada, segurando o lençol apenas com uma mão, para apanhar uma com a outra.
Justin aproveitou-se de minha distração e abaixou o lençol, revelando meus seios. Eu o censurei com o olhar, enquanto mastigava.
— Não se preocupe, eu gosto de olhá-los.
— São pequenos e sem graça — retruquei, torcendo os lábios, antes de enfiar o resto da torrada na boca.
— São perfeitos. E eu adoro os seus mamilos, adoro senti-los em minha boca.
Ri nervosamente e me arrastei para o outro lado da cama, cuidadosamente estendendo-me para pegar sua camisa no chão e rapidamente vestindo-a.
— Você é mesmo um caso perdido — retruquei.
Ele riu.
Nós comemos, enquanto decidíamos em qual restaurante jantaríamos. No fim das contas, acabamos optando por ir ao mesmo que ele havia me levado em nosso primeiro encontro.
E eu tão ansiosa, quanto na primeira vez em que tivemos um encontro.
No entanto, quando Justin avisou que passaria parte da tarde fora, e eu não o pressionei a respeito do que faria, ao ver seu desinteresse em contar, eu o acompanhei até a porta e assisti o seu carro se afastando. O vento uivou de maneira agourenta, acompanhado de uma angústia dificilmente controlável, que reprimiu o meu peito.
Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.
Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.