Quando Sam chegou na casa da floresta o horário já era avançado, os seus movimentos eram quase robóticos pelo cansaço. Guardar a bicicleta, confirmar que nem El ou Hopper tinham aparecido, entrar no banheiro e se sentir miserável enquanto tentava tirar da sua pele o cheiro asqueroso daquele buraco. O humor sombrio que sentia nos últimos dias pareceu ficar mais forte depois daquela noite, se olhando no espelho encarou a marca avermelhada em volta do pescoço, estava com tantas escoriações pelo corpo agora e se não fosse por Billy não teria nem uma vida para poder reclamar dela.
Não era seu plano inicial envolver o irmão mais velho de Max em seus problemas, muito pelo contrário, em um momento desejou que ele estivesse bem para que a amiga não sofresse tanto e no seguinte era ela quem estava sendo esmagada. A única parte boa foi que a explosão de emoções a fez ter certeza de que ele não se aproximaria mais. Ninguém com massa encefálica o suficiente ficaria próximo de uma garota esquisita que se enfia em tocas de monstros apenas para levá-la para a cama, uma foda não valia os perigos.
Naquela noite aceitou sua fraqueza e chorou por seus infortúnios, estava cansada de tentar ser otimista então adiou para o dia seguinte qualquer decisão importante ou racional. Sabia que o que estava passando não pararia em um livro de história com grandes feitos, mas se parasse ela seria a garota azarada que se mudou para uma cidade amaldiçoada, voltou dois anos no passado e morreu longe de todos que amava. Um destino injusto de fato.
..
Na manhã seguinte acordou um pouco mais resignada sobre sua situação, de certa forma passar a noite se sentindo miserável descarregou todas as sensações negativas sobrando espaço apenas para uma nova determinação. Depois de comer waffles, que era basicamente a única comida na cabana, e colocar suas roupas agora limpas, começou a montar um plano de ação.
– Você deve lamentar o seu azar enquanto se movimenta, Samantha. Ficar parada no mesmo lugar não ajuda em nada – se motivou enquanto revirava seus bolsos por algum dinheiro encontrando algumas moedas.
O buraco que entrou na noite passada era definitivamente algo vindo do Mundo Invertido como tudo o que tinha cruzado até agora. Se tinha alguma coisa a ver com a sua vinda para 84 não sabia, porém precisava estar pronta caso fosse pega novamente. Esse negócio de vinhas se enrolando em suas pernas para logo em seguida levá-la ao chão não era nada divertido. Isso a fez se lembrar do canivete que deveria estar em seu bolso e, consequentemente, a se lembrar de Billy. Ele deve ter perdido enquanto fugiam daquela loucura.
Como toda experiência é uma lição, havia algo positivo que aprendeu sobre as vinhas, elas odiavam o fogo. Quando os homens vestidos de branco entraram ateando fogo viu os cipós se encolherem como se não só as chamas mas também o calor as machucassem. Era por isso, e somente por isso, que estava agora em frente a um pote cheio de moedas e algumas notas decidida a pegar dinheiro emprestado sem a autorização do dono, caso contrário jamais mexeria no jarro dentro do quarto que o delegado Hopper tão educadamente cedeu. Adicionar “ladra” nos seus feitos estava fora de cogitação, pagaria de volta nem que fosse com serviços voluntários.
Precisava se armar dentro das suas limitações então depois de passar um pano em seus tênis sujos pedalou em direção ao centro da cidade até encontrar o que precisava. De uma loja saiu com uma sacola com um spray de cabelo e um isqueiro, estava disposta a torrar aqueles malditos cipós até virarem cinzas se fosse preciso. A próxima parte de seu plano era esperar por mais aquela tarde e se El ou Hopper não aparecessem teria que pedir ajuda para um dos meninos, era impossível que não acreditassem em sua história então tudo deveria ficar bem. Pedalando pelas ruas com a sacola pendurada no guidão ouviu alguém gritar seu nome.
– Sam! Sam! – olhando para trás viu Lucas se aproximando também em uma bicicleta. – Eu tenho provas.
– Do que está falando? – perguntou incerta. O tom de voz do garoto diminuiu para um conspiratório.
– Sobre o que contei para vocês ontem. Eu tenho provas, agora a Max vai acreditar em mim.
– E como ela vai acreditar em você? – Sam se sentiu subitamente nervosa acreditando que ele também escavou o chão da floresta e achou a toca das vinhas assassinas.
– Não dá tempo de explicar agora, preciso passar na Max, convencer ela e ir até o Dustin. Você quer ir junto?
Encarando a sacola no guidão decidiu que não tinha o que temer. Ao menos não muito. Estava um pouco melhor armada dessa vez, sabia se defender e pelas suas contas três crianças estariam sozinhas. Parecia com a época em que era babá na Carolina do Norte, tirando que nenhuma das crianças dos Wilson eram tão problemáticas assim.
– Eu topo.
Como não fazia ideia de onde os Hargrove moravam, deixou que Lucas liderasse o caminho pelas ruas de Hawkins. Quando pegaram uma em específico enxergou o carro chamativo de longe sabendo instantaneamente qual era a casa. Inesperadamente sentiu o estômago revirar em expectativa, não era uma boa ideia ser vista, ao menos não depois de como tinham se separado.
– Vamos – Lucas chamou descendo da bicicleta depois que pararam e indo em direção a porta amarela.
Se aproximou com passos incertos da entrada. Ficaria o mais afastada possível de ser vista, talvez se jogasse nos arbustos ali perto caso Billy abrisse a porta; as últimas noites devem ter danificado a parte racional de seu cérebro para fazê-la se importar com a opinião de um garoto tão babaca. Perto da porta ouviu o som alto de rock vindo da casa, Max não era o tipo de pessoa que ouvia metal então só podia ser uma pessoa.
– Acho que ela não está – tentou dissuadir o garoto, porém Lucas era mais corajoso do que ela.
– Tem alguém em casa, qualquer coisa podemos perguntar para onde ela foi – a resposta que recebeu não a deixou satisfeita, muito menos o som da campainha sendo apertada repetidas vezes. Aquilo parecia atingir diretamente os seus nervos ansiosos.
Assim que a porta foi aberta a cabeleira ruiva de Max pôde ser vista, ela estava em casa afinal. Mas Sam estava prestando atenção em outra coisa, de costas para a entrada Billy levantava e abaixava um peso enorme ao som de Round and Round da Rett. Quando a amiga contou que o meio-irmão parecia enlouquecer todas as garotas por onde passava não deu muito crédito, porém via o porquê de tanta comoção. O estilo desleixado, os flertes baratos e, agora tinha conhecimento mais claro disso, o corpo dele eram todos meios de atingir seus objetivos. Definitivamente um golpe ambulante, um dos muito bons onde você precisa se manter sempre atenta para não cair.
Aquém de seus devaneios a mais nova saiu apressada fechando a porta para seu alívio. Convencê-la não foi tão difícil, ainda mais com Sam indo junto. Lucas ficou tão animado que não pareceu se importar quando foi chamado de perseguidor, o amor deixava mesmo as pessoas mais idiotas. Ficou combinado para eles darem a volta na casa e pegar a garota na janela de seu quarto, estava claro de que teriam que ser o mais sorrateiros possível, quando chegaram ao ferro-velho Sam se arrependeu de não ter comprado uma garrafa de água também, estava exausta de cobrir a cidade a pedaladas e descobrir que sem um carro todos os lugares ficavam longe. No meio dos automóveis enferrujados enxergou os cachos de Dustin e o topete de Steve, os dois garotos jogando carne crua no chão. O que diabos estavam fazendo?
– Eu disse mal passada! – Lucas gritou anunciando sua chegada. Nem Steve e nem Dustin pareciam felizes em ver as duas novas adições ao grupo.
Dando de ombros os três desceram até o que esperavam ser a tal prova, eles estavam prontos para apresentarem formalmente Sam a Steve quando uma voz carregada de irritação congelou todos no lugar.
– Então isso é ficar no seu quarto, sua merdinha? Qual a sua desculpa para tentar me foder dessa vez?
Cinco pares de olhos encararam Billy Hargrove, braços cruzados e feição de ódio, parado no caminho por onde tinham acabado de descer. A postura de Max endureceu ao seu lado, medo em seus olhos claros.
– Billy – o nome do meio-irmão escapou em um sussurro.
O garoto desceu a passos pesados até onde os cinco estavam. Sam não se importava se ele era duas vezes maior do que ela ou não, todas as histórias que a amiga tinha contado somadas ao que viu dele nos últimos dias se chocaram na sua mente. Havia uma parte dele que tinha que ser racional, nem que fosse na base de sacudidas.
– Vamos lá, Max, me conta o porquê de você estar na droga de um ferro-velho com esses moleques quando deveria estar em casa?
– Calma aí cara – Steve tentou acalmar os ânimos tomando a frente, mas sua ação teve efeito contrário.
– O que está fazendo aqui com os pirralhos, Harrington? – a mão de Billy empurrou o peito dele para o lado. – Eu sei que sua namorada te trocou, mas andar com crianças? Isso é o fundo do poço.
Com os ânimos alterados e o controle da situação a ponto de ir para o espaço, Sam tomou a frente já que aparentemente era a única pessoa com loucura o suficiente para isso. Babá de crianças, babá de adolescentes… não parecia ter nenhuma diferença agora.
– Você vem comigo – determinou enquanto afastava Billy de Steve e o puxava pelo braço até um canto mais afastado para não serem ouvidos. – O que você está fazendo aqui?
O garoto a olhou como se a pergunta feita fosse apenas para brincar com ele, o sorriso incrédulo que decorou seus lábios era um pouco irritante. Antes estivesse com a droga do cigarro ocupando a boca.
– Eu te faço a mesma pergunta, doçura. Ou também não sabe o que faz aqui?
A crítica por trás de suas palavras a acertou direto no orgulho. Foi uma péssima decisão ter buscado a ajuda dele.
– Você está bravo comigo? Ok, até pode ser – correu uma das mãos pelo cabelo em frustração. – Não menti quando disse que não sabia o que era aquilo ontem a noite, não faço a mínima ideia, mas aquelas crianças sabem de alguma coisa e estão preparadas para enfrentar.
– E você acha que é uma boa ideia se juntar ao exército da salvação? – sarcasmo escorreu pelo tom voz dele. Era mesmo uma ideia idiota para quem tinha escolha, só que a dela foi tirada assim que voltou no tempo. – Aquela coisa que vimos ontem mata, você mesma quase foi morta. Foda-se o que esses merdinhas querem fazer, a Maxine não vai ficar aqui. Estou dando o fora e você também deveria.
Ele era tão cabeça dura que desconfiava que se tentasse acertar uma vinha com ela surtiria mais efeito do que o fogo. Garoto difícil.
– Espera. Não é porque você vai ignorar o que vimos que aquilo vai deixar de existir como mágica. Quer sair e levar sua irmã? Certo, não posso te impedir – a mão dela estava segurando o ombro dele impedindo que se afastasse. – Eu vou ficar. Ou você acha que o garoto do taco e dois pré-adolescentes dão conta sozinhos? Nós dois quase não saímos com vida, se não fosse você eu não teria saído com vida. Se eu insistir em continuar aqui como você insistiu em ficar comigo ontem espero também fazer a diferença para eles.
Sam não estava pensando no quanto da história alteraria com a inclusão das suas decisões, sabia apenas o que tinha vivido até agora e não estava em seu DNA deixar outras pessoas na mão. Se estava com medo? Pavor era um termo mais adequado. Temia ser pega novamente pelos cipós, ter seus ossos esmagados e o pescoço apertado até que todo o ar sumisse de seus pulmões. Olhando para o lado viu um pouco mais distante as quatro cabeças grudadas em discussão. Temia também que outras pessoas passassem por isso.
– Você é maluca – a resposta veio logo em seguida. Billy a encarou com os olhos semicerrados, o sol deixando suas íris mais claras e as sardas aparentes. Admitiu de forma relutante como ele parecia ainda mais bonito quando não estava sendo um idiota. – Vamos ver no que os otários se meteram, mas se alguma coisa der errada eu enfio a bunda da Maxine e a sua no meu carro e damos o fora daqui.
Não esperava realmente convencê-lo a se juntar a eles com suas palavras, então foi com grata surpresa que piscou os olhos em confusão. Queria falar sobre isso, mas algo chamou sua atenção.
– Você disse “carro”?
– O meu carro.
– Você chegou aqui de carro? – ela perguntou incrédula. – Aliás, como você chegou aqui? Como nos encontrou?
– De carro, é óbvio. Será que você não bateu a cabeça com força ontem? – com a mão nas costas da garota Billy guiou o caminho até onde os outros esperavam com expectativa. – Difícil era não encontrar vocês. Sério que “mórmons falantes” era a melhor desculpa que a Max tinha? Vi pela janela dela quando as duas e o garoto ali saíram de bicicleta.
Eles se aproximaram do restante do grupo, Max parecia culpada e assustada com a bronca que esperava levar. Talvez hoje fosse diferente, talvez enxergar que existe um mundo inteiro além do seu nariz fizesse com que Billy Hargrove levasse outras pessoas em consideração como fez na noite passada. Sam conseguiu enxergar em seu desespero a pessoa que ouviu que ele foi nos últimos momentos de sua vida.
– E como não ouvimos o som do seu motor? – perguntou verdadeiramente curiosa em não terem ouvido aquele carro barulhento.
– Porque eu não quis.
– É sério que você pode andar pela cidade sem chamar atenção, mas prefere passar como se fosse um carro de corrida? – de alguma forma os dois tinham caído em uma conversa particular ignorando toda a tensão esquisita que era ter tanta gente ali.
– Vocês dois querem explicar o que está acontecendo? – Max pediu com uma ruga entre as sobrancelhas.
– Eu acho que consegui uma ajuda extra – Sam sorriu para os rostos incrédulos na sua frente como se não tivesse acabado de soltar uma bomba.
..
Dizer que Billy foi aceito era tão esquisito quanto achar que ele queria ser aceito, logo podia ser dito que o grupo apenas deu de ombros para as três novas adições sem maiores discussões. É claro que foi necessário contar por alto o que tinham visto na noite anterior e ouvir tudo sobre o Dart, a lesma espacial de Dustin vinda diretamente do Mundo Invertido, depois disso foi mais fácil que cada um tomasse o seu posto sem maiores dramas. Ou era o que esperava.
Eles deveriam lacrar um ônibus velho com pedaços de madeira e chapas de ferro que encontrassem para servir como abrigo, atrair a criatura e capturar. Na teoria era fácil, mas com Steve liderando as coisas tendiam a ficar caóticas de vez em quando. Lucas e Dustin tinham sumido, Max se mantinha o mais afastada possível do meio-irmão depois dele dizer que tinham uma conversa pendente e Billy resistia a qualquer ordem que recebia.
– Escurece em quarenta minutos – Steve gritou de algum lugar e Sam viu o exato momento em que um sorriso sacana brotou no rosto do outro garoto, lá vinha uma nova rodada de provocações, precisaria agir como uma adulta antes que alguém se matasse.
– Comigo, Hargrove – chamou desviando a atenção dele.
– Com você para qualquer lugar.
Ouviu o tom provocante seguindo os seus passos para dentro do ônibus, eles precisavam vedar todas as janelas e a energia dele seria melhor gasta ali dentro onde não teria ninguém para tirar do sério. Ou era o que esperava quando terminou de colocar sua sacola com o spray de cabelo no chão, se virou e o viu encostado em um banco antigo encarando sua bunda como se fosse o mais novo vídeo game lançado.
– Ei, mantenha os olhos em áreas seguras. Preciso de ajuda aqui – estalou os dedos chamando atenção para seu rosto.
Billy não seria ele mesmo se não subisse o olhar com lentidão deliberada por seu corpo em clara apreciação, porém quando chegou em seu rosto muito do riso fácil sumiu da expressão de patife que tinha. A passos firmes o garoto se aproximou colocando a mão em seu pescoço, até o momento todo o contato físico que tiveram não tinha passado de flertes seguros, nada tão íntimo como a carícia que estava sentindo agora. Seu cérebro demorou alguns segundos para entender no que ele estava passando os dedos, era na marca arroxeada que as vinhas deixaram em sua pele.
– Foi de ontem? – a pergunta dele soou sombria, não havia mais cantadas baratas, risadinhas sacanas ou zombaria. Sua própria mão foi até o pescoço disputar espaço.
– Logo vai sumir – determinou dando um passo para trás em busca de distância. Aquele garoto era uma incógnita, ele vivia sustentando a pose de quem não dava a mínima para os outros, era grosseiro com quem não se interessava e fazia questão de ser irritante na maior parte do tempo. Mas às vezes algo mudava em sua atitude e ele parecia apenas um adolescente normal. – Preciso te agradecer por ter me salvado. Ontem eu estava tão… tão assustada que não consegui te falar isso. Obrigada por estar lá, eu provavelmente estaria comendo terra se não tivesse sido tão teimoso em ir comigo.
– Então é isso o que significa fazer a diferença? – ele perguntou com uma sobrancelha levantada parecendo compreender o seu ponto de vista de mais cedo. Mexendo no bolso da calça jeans retirou algo metálico de lá, era o canivete. – Eu não sou um super-herói, nós só tivemos sorte.
Esticando a mão pegou o objeto estendido abrindo a lâmina que tinha sido a responsável por tirá-la das duas últimas enrascadas em que se meteu, era uma lembrança do avô e por isso encarou as iniciais dele gravadas no cabo. Queria dizer que “sorte” não era bem o que tinha acontecido, a ação rápida dele foi tão importante quanto o canivete ou os homens de branco. Mas talvez estivesse certo, aquele garoto estava mais para um anti-herói.
– Super-heróis são subestimados de qualquer forma – buscou aliviar o clima pesado enquanto se movimentava para lacrar o lado de dentro.
– Diz isso para os nerds fãs do Homem Aranha – Sam até pensou em perguntar como conhecia o herói em questão quando ele continuou. – O que é isso nessa sacola?
– Minha arma contra criaturas nojentas – se virou com uma grade em mãos, se ele segurasse a outra ponta conseguiriam prender na janela.
– Você vai vencer de um cipó usando spray de cabelo?
– Leia o rótulo, garotão, esse negócio é inflamável. É só acender um isqueiro e queimar aquela droga. Agora se não for um incômodo, será que pode me ajudar?
– Inteligente – ele ponderou indo até onde ela estava e segurando a grade no lugar indicado. – Eu gosto de garotas inteligentes, elas geralmente são muito sexys. Você não teria um óculos escondido em algum lugar teria?
Estavam de volta aos flertes ao que tudo indicava.
– Quer parar com as fantasias sexuais e vir me ajudar?
O sol estava quase se pondo quando terminaram de lacrar todos os cantos possíveis do ônibus tanto por dentro quanto por fora, agora precisavam apenas esperar que a noite caísse para que o Dart seguisse a trilha de carne crua. Ficar sentados encarando uns aos outros enquanto esperam o tempo passar fez Sam perceber o tipo de grupo esquisito que formavam, cada um ali tinha algo que o movia, uma identificação totalmente diferente da dos outros, mas que de alguma forma os tinha reunido. É claro que seria mais fácil se Billy não soltasse uma piadinha esporadicamente, ou se Steve não parecesse querer devolver as provocações atirando o isqueiro de metal na testa dele. Algo que percebeu mais cedo foi o líquido inflamável que ele e Dustin tinham espalhado, era óbvio que a essa altura saberiam como combater aquelas coisas.
Max foi a próxima pessoa a quebrar o silêncio ainda duvidando sobre a história de monstros de outra dimensão, ninguém poderia culpá-la já que aquele era o tipo de coisa que só dava para acreditar depois de ver com os próprios olhos. Quando Dustin foi grosseiro com ela a aparente paz foi ameaçada por alguns segundos, Billy se remexeu dando indícios de que iria interferir e novamente Sam precisou pará-lo dizendo que a garota mais nova poderia muito bem lidar com a situação, o que não foi mentira já que após uma resposta desdenhosa ela subiu para a parte alta onde Lucas estava vigiando.
Sam viu o seu cansaço refletir em Steve quando se encararam antes do garoto se virar trocando algumas palavras com Dustin que ninguém mais entendeu, era bom que Dart aparecesse logo, caso contrário não precisariam de monstros para começarem uma confusão. Na parte de cima Max começou uma conversa com Lucas, era como um desabafo e apesar dos sussurros muita parte podia ser ouvida de onde estavam. Quando o tópico mudou para Billy e suas atitudes idiotas foi impossível não encará-lo. Seu perfil parecia duro como pedra, olhar frio e maxilar contraído. “Bravo” foi uma definição perfeita que a meio-irmã encontrou para ele, havia muita raiva na forma como tentava resolver os problemas ou controlar as situações, raiva pronta para explodir no primeiro desavisado.
Assim que Max disse não querer ser igual a ele, Billy se levantou indo para a parte traseira do ônibus. Quando conheceu a amiga no futuro atribuiu tudo de ruim pelo qual ela estava passando ao meio-irmão. Se ele não fosse um babaca, se não irritasse todos ao seu redor, se tivesse tentado agir melhor… Eram tantos “se” e todos caiam por terra ao ver como o garoto também estava sendo prejudicado com toda a mudança repentina pela qual estavam passando. Nada justificaria sua forma de lidar com um problema, mas Sam sentiu pena ao ver quão perdido ele estava.
Seus devaneios foram interrompidos por um som de gelar a alma, era como o grito de um animal. Todos se levantaram indo até as brechas deixadas nas janelas tentando enxergar algo na escuridão, na parte de cima Lucas gritou ter encontrado movimento à esquerda, a neblina alta dificultava a visão sendo possível ver um vulto abaixado nas quatro patas bem maior do que o que tinha visto na escola.
– Isso definitivamente não se parece com as vinhas – Billy sussurrou agora parado ao seu lado.
Quando a criatura não mordeu a isca todos começaram a ficar ansiosos, parecia até saber que assim que chegasse na carne crua viraria churrasco. Algo precisava ser feito e Steve achou uma boa ideia pegar o seu taco cheio de pregos para bancar a isca viva, nada como carne em movimento para tentar um bicho de outra dimensão.
As coisas pareciam ir bem mesmo com um deles do lado de fora até algo chamar sua atenção um pouco mais para a direita. Foi preciso apertar os olhos para entender que o vulto não era alguma sucata, mas sim um segundo Dart. Lucas gritou chamando a atenção de Steve para os novos inimigos, logo o caos estava por toda parte. Quantas daquelas coisas existiam? Pegando uma barra de metal encostada em um dos bancos, Sam atravessou a porta aberta pela qual Dustin estava parado mandando abortar a missão. Assim que saiu vozes gritaram por seu nome, ignorou todos para se manter focada no objetivo antes que realmente estivessem ferrados. A primeira criatura foi acertada por Steve como forma de defesa, a segunda foi sua vez de acertar assim que conseguiu se aproximar; pôde sentir todo o peso do impacto do metal com o corpo duro feito pedra, a barra chegando a entortar em suas mãos.
Vozes desesperadas gritavam pelos dois enquanto eles corriam em direção à porta do ônibus, o problema é que duas pernas não conseguiam ser tão velozes quanto quatro patas. Steve foi o primeiro a entrar, quando Sam se aproximou sentiu os braços de Billy rodearem sua cintura trazendo-a para dentro com rapidez, ainda assim sentiu algo afiado raspando em seu braço esquerdo abrindo um rasgo imenso na manga da jaqueta e arranhando a pele. Do chão viu o exato momento em que ele apontou o spray de cabelo na direção da criatura, acendeu o isqueiro e deixou que o líquido virasse chama em forma de barreira. Essa vantagem permitiu que a porta fosse fechada.
Os próximos minutos foram de puro terror. Lucas tinha se juntado a eles na parte de baixo enquanto os monstros se chocavam com o ônibus fazendo tudo balançar. O som de vidro quebrando foi ouvido ao mesmo tempo em que garras atravessaram uma parte da barreira que fizeram. Com o espaço fechado era difícil usarem fogo sem se queimarem, então precisaram usar das outras barras que tinham para tentar manter o lugar seguro.
– Alguém sabia que o Dart tinha amigos? – perguntou acertando com força um braço esverdeado, quase reptiliano, próximo.
– E que provavelmente são inteligentes? – Max passou correndo para o outro lado.
Dustin estava tentando pedir ajuda em seu rádio, eram tantas vozes, gritos e urros bestiais que as coisas começaram a ficar confusas. O som de passos foi ouvido na parte de cima, como ninguém esperava que o plano falhasse ou um ataque organizado a abertura que dava acesso a torre de vigia tinha continuado aberta. Seis cabeças se voltaram para cima ao mesmo tempo. Max, que estava mais próxima, gritou quando a figura assustadora apareceu sendo iluminada pela lua. Billy empurrou a menina para o lado apontando sua barra de ferro na direção dela, Sam viu o exato momento em que ela grunhiu satisfeita e sua boca se abriu como uma flor de quatro pétalas, dentro dentes pontiagudos decoravam cada canto possível. Mal teve tempo de pensar que agora sim estavam ferradas quando o monstro recuou, soltou um grito para o alto e saiu correndo. Ninguém pareceu querer dizer nada enquanto Steve abria a porta do ônibus tomando a liderança para fora. Seria uma nova emboscada? Os três adolescentes saíram primeiro, Billy sempre se mantendo próximo de onde ela estava de forma protetora, mas não havia nenhum sinal do que os tinha atacado.
– O que houve? – Lucas perguntou com um tremor na voz.
– Vocês assustaram eles? – Dustin tentou encontrar lógica na situação.
– Não – Steve respondeu. – De jeito nenhum. Estão indo a algum lugar.
– E não vamos ficar aqui parados para descobrir – Billy abaixou sua barra encarando as únicas garotas do grupo. – Vamos dar o fora daqui, vocês duas comigo e sem reclamar.
Sam estava machucada e cansada demais para reclamar por estar recebendo ordens. Soltando a barra de ferro no chão foi até os mais novos ver se todos estavam bem.
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