Quando a garota chegou em casa, o cabelo colado na nuca pelo suor, Madonna soava alto vindo do quarto de El. Por alguns segundos Sam parou e encarou a porta fechada, Mike dificilmente escolheria essa trilha sonora para esconder os estalidos dos beijos. Deu três batidas na madeira antes de girar a maçaneta, dentro Max dançava enquanto El lia uma revista teen do momento.
– Hey, você chegou – El a saudou sem perceber a tensão em seus ombros. Porém não seria fácil passar despercebida por Max.
– Você não voltou com o Billy? – a garota ruiva indagou ao parar de dançar e se sentar na cama ao lado da outra menina.
– Se ao menos eu tivesse visto o Billy – Sam deu de ombros.
A verdade é que estava brava. Não era como se tivesse sido ela a marcar de se encontrarem, o convite tinha vindo dele. Billy tinha feito com que ela andasse por toda aquela floresta bem no meio do verão para ficar esperando enquanto os mosquitos tentavam sugar seu sangue. E até agora não tinha nenhuma desculpa sobre o ocorrido.
– Estranho. Nós o vimos passando de carro antes de virmos para cá – Max se virou para a outra garota em busca de apoio em suas palavras. – Achei que estava indo te encontrar pelo horário.
– O Billy estava no carro, ele e uma garota – El complementou.
Sam viu o exato momento em que Max acotovelou as costelas da amiga. Era um pouco tarde para voltar com qualquer palavra dita. Onde quer que ele tenha ido não foi para se encontrar com ela.
Ainda com muito com o que pensar – com coisas verdadeiramente sérias como as pastas que encontrou na casa do avô – e não sobre o bolo que levou, deu de ombros fingindo desinteresse. Depois de um aceno para as meninas mais jovens foi até o banheiro para aplacar um pouco o calor, após um banho refrescante decidiu descansar em sua cama, no entanto aquela não era uma boa noite para o silêncio. Não muito tempo depois, Hopper chegou pisando duro. Do pouco que conseguiu captar, o delegado achou que era Mike no quarto com El e no momento em que Sam, casada de olhar para o teto do próprio quarto, passou para ir com as garotas, ele estava exultante com o não aparecimento do garoto Wheeler. O ápice da sua noite parecia ser se inclinar na sua poltrona para assistir Magnum P.I. sem ao menos tentar esconder sua felicidade.
Dentro do quarto de El ela encontrou as mais novas com uma adaptação esquisita do jogo de girar a garrafa – com papéis que iam do nome de Nancy Wheeler até o professor deles, o Sr. Clarke, – só que ao invés de escolher quem você beijaria, elas escolheriam qual mente seria espiada. Infantil, sabia disso, mas qualquer coisa valia desde que ocupasse sua mente.
– Vocês têm certeza? – ainda tentou perguntar.
– Vai ser legal, você vai ver. Não é El?
– Muito.
O primeiro nome a ser apontado pela garrafa foi o do Sr. Wheeler, todas concordaram que o patriarca era tão interessante quanto a poeira acumulada na quina do teto da sala. Era quase a mesma coisa de assistir Hopper assistindo Magnum; chato. Quando a garrafa de Coca-Cola foi girada novamente e o bico apontou para o nome de Billy, Sam achou que a brincadeira era uma péssima ideia. Quem mesmo tinha escolhido aqueles nomes?
– Certo, mas devo alertá-la – Max começou enquanto levantava para pegar o rádio e a venda para a amiga. – Se ele estiver com uma garota ou fazendo algo nojento, saia de lá antes que fique traumatizada para sempre.
– Acho que vocês deveriam girar essa garrafa de novo – tentou dissuadi-las. Nada de bom poderia sair dali.
– Eu também acho que pode ser uma roubada, mas quero saber o que de tão importante ele tinha para fazer que não foi a encontro – Max era uma boa amiga não importava o período de tempo e se precisava ser sincera, estava sim curiosa para saber o que tinha acontecido. – E você, El, estou avisando. Qualquer coisa cai fora.
El entrou naquele processo que já conhecia: ruído de estática, venda nos olhos e concentração. Enquanto ela se concentrava, as outras duas aguardavam ansiosas por notícias. Sam não negava que o que ela queria ouvir e o que provavelmente ouviria eram coisas diferentes, sabia disso.
– Eu o encontrei – a menina alertou.
– O que ele está fazendo?
– Não sei. Ele está no chão... – sangue escorria pelo nariz dela e sua respiração se mostrava acelerada. – Falando com alguém.
Havia algo na postura de El que a estava perturbando, não parecia o de sempre. Era como se demandasse força extra para ela estar na mente de Billy. Não demorou muito para a garota levar as mãos até a venda e tirar dos olhos, suas mãos estavam trêmulas, seus olhos piscavam várias e várias vezes, a respiração arfante como de quem corre uma maratona.
“O que foi? O que houve?”, as outras duas perguntavam preocupadas.
Sam e Max tentaram acalmar El o melhor que conseguiram para depois ouvirem seu estranho relato. A telepata contou sobre toda a esquisitice da experiência, de Billy no chão com uma garota que gritava seu nome. O que quer que aquele idiota estivesse fazendo a meia-irmã estava certa em alertar com antecedência. Era normal que a garota criada por tantos anos fechada num laboratório não entendesse o que estava acontecendo, então era bom que tivesse saído antes que visse mais do que deveria.
Constrangida e chateada por ter ficado parada no meio da floresta esperando por uma pessoa que estava tendo uma noite agitada no chão de só Deus sabia onde, Sam deixou que Max lidasse com as perguntas que Eleven tinha a fazer sobre aquela dinâmica “esquisita”. Estava aquém de sua atual capacidade explicar qualquer coisa sobre Billy.
..
O dia seguinte começou preguiçoso, mal tinha conseguido abrir os olhos quando encontrou os rostos de Eleven e Max. “Vamos, temos algo a investigar” foi o que falaram antes de colocá-la sentada e apressarem seus movimentos sonolentos. Sam saiu de casa, em uma manhã escura de prenúncio de tempestade, com um waffle na boca. Na geladeira deixaram um bilhete dizendo que El dormiria na casa dos Hargrove e que ela voltaria mais tarde.
– Vai começar a chover – Max resmungou enquanto caminhavam pelas ruas quase desertas. El seguia irredutível, determinada a descobrir o que achava ser um mistério, mas não passava de uma noite de sexo. – Deveríamos estar no shopping ou vendo um filme.
– Ou tomando um sorvete. Vocês sabem que temos ótimos descontos na Scoops com Steve lá, certo? – também tentou dissuadir a mais nova. O que elas descobririam na casa dos Hargrove? Quem foi a nova transa do Billy?
– Vocês não acreditam em mim? – Eleven perguntou parecendo chateada.
– Acredito que tenha visto algo bem estranho, mas você disse que o Mike sentiu sua presença antes, não foi? – Max tentou novamente. – Talvez tenha sido isso. Talvez o Billy tenha...
– Sentido ela de alguma forma – Sam completou. Como não sabiam como funcionava o “Vazio” só poderiam especular, mas se alguém estivesse entrando na sua mente era provável que você sentisse, não?
– Isso! – a garota ruiva concordou.
– Mas e os gritos?
E lá estavam elas novamente na história dos gritos. Mais paciente para explicar aquela dinâmica, Max tomou a frente novamente para contar que os “gritos” não eram uma novidade para ela em se tratando do irmão com garotas. Sam apenas escutou levemente constrangida.
– Eu sei, mas é o seguinte. Quando o Billy está sozinho com uma garota, elas fazem uns barulhos bem estranhos.
El se virou encarando a garota mais velha em busca de uma confirmação do que a amiga tinha falado, já Samantha subitamente achou interessante uma pedrinha na rua. Iria chutando ela até a casa dos Hargrove se fosse necessário. Percebendo que ali não teria respostas voltou a encarar Max.
– Elas gritam?
– Sim, mas são gritos felizes.
– Gritos felizes? O que é isso?
As coisas estavam piorando cada vez mais, El ainda era uma criança pequena no corpo de uma quase adolescente. A maioria dos assuntos que envolviam relacionamentos entre casais eram constrangedores e Max conseguiu embolar ainda mais.
– Sam você já deu algum grito feliz? – Eleven perguntou surpreendendo as duas garotas e fazendo a mais velha tropeçar na pedrinha. – Você e o Billy ficam bastante sozinhos.
Se o olhar confuso que ela encontrou não fosse tão genuíno, teria deixado o palavrão que quase não conseguiu engolir escapar. Apenas um “puta que pariu” bem dado a faria sobreviver àquela pergunta.
– Não! – sua voz saiu um pouco mais alta do que deveria. – Quero dizer, não. Mas a Max está certa, não deve ser nada e ele está só... se divertindo.
– Quer saber? Vou te emprestar as revistas da minha mãe – a garota ruiva começou a falar, porém estavam agora em frente à casa dos Hargrove e elas pararam encarando a entrada. – O carro dele não está aqui.
Depois de confirmarem que El queria mesmo entrar, as três foram para o quarto de Billy. A decoração desleixada não era nenhuma surpresa; roupas, calçados, pesos e embalagens de comida eram apenas a superfície do que poderia ser encontrado ali. Era esquisito invadir a privacidade dele assim. Max deu início às buscas abrindo uma gaveta com revistas pornográficas dentro fazendo com que ela e Sam revirassem os olhos, seria apenas esse tipo de conteúdo que achariam, mas se isso acalmasse Eleven então tudo bem. O único problema é que talvez não conseguisse mais olhar na cara dele por alguns bons dias.
O quarto estava aparentemente limpo – se é que esse seria o adjetivo certo – pois quando dizia “limpo” era no sentido mais superficial possível da palavra. No banheiro o cenário acabou sofrendo uma volta de 180 graus, não porque estivesse mais organizado, mas porque lá dentro até mesmo ela, cética até o momento, começou a admitir que algo estava fora do lugar. A banheira estava cheia de gelo, até fazia sentido serem para os músculos dele como foi apontado, só que El não estava convencida e continuou procurando até encontrar uma bolsa de salva-vidas e um apito dentro de um armário com uma mancha de sangue na porta.
– Isso não é do Billy, ele não usa pochete nos turnos dele – e disso Sam tinha certeza quando falou.
Aos poucos começou a sentir um calafrio de que tinha algo errado, seu coração começou a querer acelerar quando a possibilidade de ter falhado em protegê-lo lhe saltou à mente. Será que enquanto esteve cega, preocupada com o que tinha encontrado do avô, o Devorador de Mentes conseguiu capturá-lo?
..
Agora vestindo capas de chuva, as garotas foram até a piscina para continuarem com a investigação, Max tinha emprestado a bicicleta antiga de Billy para que Sam usasse e levou El em sua garupa. No balcão elas descobriram que a pochete pertencia a Heather, tinha quase certeza de que essa era a garota morena que tomava o turno de salva-vidas antes do dele.
Descobrir que Heather tinha faltado no trabalho era coincidência demais, tanta quanto o tempo absurdamente longo em que não tinha notícias do amigo ou de seu carro barulhento. Depois de conseguirem uma foto da salva-vidas – que, coincidência ou não, era a mesma menina que viram no carro dele na tarde anterior – foram com Eleven até a área das duchas para que ela a encontrasse pelo Vazio. Max e Sam novamente esperaram com expectativa, a garota mais velha mal conseguia conter a ansiedade enquanto batia o pé no chão. Não podia ter falhado em seu propósito, não quando teve essa chance.
El dizia ter visto uma porta vermelha, uma banheira cheia de gelo dentro e de Heather pedindo socorro. Depois de acalmarem a menina assustada decidiram rodar Hawkins até encontrar a casa de porta vermelha. Se Billy tinha algo com isso eles com certeza estariam juntos, se lembrava vagamente de contarem no futuro que o propósito da criatura do Mundo Invertido que tomou ele era de criar um exército.
Entrar na casa de desconhecidos sem ser esperado ou convidado era errado, porém dadas as circunstâncias fez vista grossa a invasão quando encontraram a tal casa de porta vermelha. Ela mesma tinha invadido a casa do avô na noite anterior, então que sorte a delas ao descobrirem em fotos na parede que a porta vermelha que El viu no Vazio era justamente da casa onde Heather morava.
Do corredor ouviram risadas altas na sala ao lado, curiosas demais para o próprio bem, as três arrastaram seus passos – molhando o carpete bonito já que estavam ensopadas – até o lugar do som. Em uma sala elegantemente decorada havia uma mesa de jantar com um assado no centro e vinho, um homem e uma mulher mais velhos ocupavam as cabeceiras enquanto concordavam dizendo “ele é tão engraçado”. Por um momento Sam esperou encontrar com Billy ali, então foi estranho encarar apenas os dois desconhecidos que invadiram a casa.
– Quem são vocês? – a mulher perguntou com uma ruga na testa. Houve um momento de silêncio constrangedor onde talvez nenhuma palavra fosse boa o suficiente para explicar até que uma delas tomasse a frente.
– Não queríamos interromper – Max era a que melhor encontrou traquejo social naquele momento. – Nós batemos, mas não devem ter ouvido por causa da tempestade.
– E quem são vocês que estão pingando por toda minha sala? – perguntou o homem que parecia menos simpático.
Quando Max voltou a falar para apresentá-las dizendo seus nomes, Sam pareceu despertar de seu torpor. Estava tão entretida com pequenos sinais que quase tinha se esquecido de onde estava. No entanto, ela tinha certeza de ter visto uma sombra parada próxima a uma entrada atrás da mesa de jantar.
– Cadê ela? – Eleven interrompeu deixando os dois adultos confusos.
Antes que as outras duas tentassem consertar aquela pergunta estranha e toda a situação absurda, Heather saiu pela entrada do que agora acreditava ser a cozinha trazendo uma travessa na mão.
– Queimaram um pouco, me desculpem – a jovem salva-vidas, sã e salva, falou.
Um momento bastante constrangedor se instalou, El era uma garota simples que falava o que vinha em sua cabeça e quando quase contou que viu Heather em uma banheira de gelo pedindo socorro Sam precisou intervir. Certamente havia um mistério ali, mas nem tudo poderia ser falado com leviandade.
– Sabe o que é? É que a Heather trabalha na piscina com o irmão mais velho da Max aqui e como não o vimos o dia inteiro queríamos saber se ela o tinha visto.
Heather parecia quase calma demais não fosse seus movimentos robóticos.
– Billy está desaparecido? – a garota perguntou depois de colocar a travessa na mesa. – Você é a amiga dele, né? Esteve na piscina outro dia.
– Isso mesmo. Será que você o viu?
Heather sorriu para elas como a perfeita imagem de um comercial de margarina. Não aparentava nenhuma emoção em suas ações além da mecanização previamente calculada.
– Não vejo Billy desde ontem a noite, sinto muito – foi a estranha resposta que receberam. Então a jovem pareceu pensar melhor, pegou novamente a bandeja e estendeu. – Querem um cookie? Acabaram de sair do forno.
Depois de agradecerem a oferta e pedirem desculpas pela invasão o trio voltou a sair para a chuva em direção as bicicletas, antes de levantar a sua Sam sentiu que estava sendo vigiada e ao se virar encontrou a cortina da casa de Heather se mexendo. Estranho demais já que lá dentro não estava ventando.
– Viu, El, a Heather está bem. Acho que você se confundiu – Max gritou por sobre o som dos trovões enquanto pedalava.
Eleven não parecia nada satisfeita e para ser sincera nem mesmo Sam estava. Tinha notado algo que talvez as outras duas não notaram por estarem preocupadas demais sobre onde estava Heather. Na mesa de jantar pareceu que havia um lugar extra fora as pessoas que viram na sala, nos quadros não havia indícios de que a salva-vidas tinha irmãos e na cozinha tinha certeza de ter visto uma sombra grande parada junto ao batente porta, espreitando, parada mesmo depois que a garota saiu de lá com sua bandeja de cookies. Além de tudo isso, tinha certeza de que o casal tinha falado “ele é tão engraçado”, ele quem?
Depois de deixar as garotas nos Hargrove pedalou de volta até a cabana com a bicicleta emprestada no meio da tempestade. Só esperava que aquela sombra não fosse do Billy.
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