Quando a manhã seguinte chegou, Deku guardou para si o segredo da descoberta. Não que ele quisesse esconder algo da tribo, mas havia uma certa magia em surpreender-se com a verdade pela primeira vez sem saber o que iria acontecer - ainda que tivesse o fato de que Deku tinha receio de contar para a tribo sobre a cidade e descobrir depois que ela era apenas uma imaginação de sua cabeça, o que não iria terminar bem para ele, sem dúvida.
Ele controlou seu ânimo enquanto todos tomaram o café e aprontaram tudo para continuar a viagem. Deku até pediu para seguir bem na frente, mas ninguém achou aquilo estranho, afinal de contas ele sempre estava às voltas pela caravana.
Aos poucos eles foram subindo as colinas em direção a cidade, e quanto mais se aproximavam, mais Deku sentia um aperto em seu peito. Não que ele acreditasse que o que tinha visto fosse mentira, mas ao mesmo tempo ele queria que fosse mais do que a verdade nua e crua, que não houvesse nada que mudasse aquilo, que estragasse sua animação, e a esperança que surgia no coração.
No final da última parte da colina, Deku tinha seu olhar nos guerreiros que puxavam a frente. Assim que terminassem a subida eles poderiam ver o vale. Deku queria ter certeza que estava pronto para o que eles iriam presenciar, e fechou os olhos por um momento para pedir ao Grande Yagi que os mandasse uma iluminação, alguma benção, de qualquer forma que fosse.
“Chefe!” Um deles gritou para Deku, parado bem em cima do topo da colina.
Deku sentiu seu coração batendo mais forte e ele foi caminhando os últimos passos até ali em cima. Mais guerreiros ao seu redor, e algumas pessoas também, iam parando com calma, olhando para o vale e expressando sua surpresa.
Com os poucos passos que o separavam do topo, Deku sentiu uma onda de emoção em seu corpo, que chegou ao mais alto quando ele avistou por cima do monte e viu um grande lago de água azul ao longe, cercado de casas e todos os tipos de construção. Deku soltou um suspiro de alívio, um tanto de ar que estava preso em seu corpo e ele nem tinha percebido.
Ele não tinha sonhado.
“Chefe, nós chegamos?” Outro dos guerreiros pediu, bem no momento em que Mestre Aizawa chegou por ali com Mestre Hizashi, ambos em seus cavalos.
Deku não falou nada, esperou apenas que os homens vissem a vila, e quando o fizeram soltaram uma exclamação de surpresa. Mestre Aizawa olhou para Deku, sorrindo.
“Nós chegamos?” Pediu o mestre, quase sem parecer acreditar.
“Acredito que sim,” confirmou Deku.
Todos se viraram para começar a descida. Talvez o maior desafio deles estivesse apenas começando.
-
De longe era difícil ver a extensão desse agrupamento, e como as pessoas iriam reagir a ver uma caravana assim tão grande chegando. Essa cidade em volta do lago era grande, maior que a tribo deles, mas as casas eram espalhadas por toda a margem, como se não houvesse um centro onde as pessoas se reuniam, mas era complicado fazer um julgamento de longe.
Deku olhou para os lados e viu pessoas trabalhando nos campos, mesmo que eles não estivessem tão verdes, afinal de contas a estação fria estava aí. Deu também para ver algumas pessoas se banhando no lago, e outros simplesmente saindo de suas casas para olhar para eles.
Era necessário encontrar o líder dessa gente para que Deku pudesse conversar e decidir o que seria deles exatamente. Parecia quase um sonho que eles finalmente tinham chegado ao final da jornada, mas ao mesmo tempo Deku sentia um certo vazio em seu peito. A viagem foi longa e cansativa, e agora eles teriam muito mais coisas para fazer.
Eles haviam chegado na cidade, mas de heróica ela não tinha nada. Era um aglomerado de casas, mas era um lugar pelo menos mais seguro e longe do Rei Tomura.
Quanto mais eles se aproximavam da vila, mais pessoas saíam de suas casas. Deku viu um homem caminhando à frente de todos para parar a caravana antes que chegassem na cidade, e Deku saiu do meio do grupo para encontrar com o homem. Eles pararam antes de chegar perto dele, e Deku caminhou o resto do caminho sozinho.
“É com muito respeito que nós chegamos aqui,” anunciou Deku, esperando para ver se o homem iria o entender. Ele assentiu com a cabeça.
“O que os traz aqui?” Pediu o homem.
‘Buscamos refúgio. Não sei o quanto vocês sabem do mundo ao redor, mas um rei tirano nos expulsou de nossas terras e nos perseguiu pelo deserto, mas nós derrotamos o que pudemos de seus soldados e fugimos dele,” falou Deku.
O homem à sua frente apenas o analisou por um momento, e logo confirmou com a cabeça.
“Nós sabemos muito bem quem é o Rei Tomura, e muitas das pessoas que hoje vivem aqui desertaram ou conseguiram escapar de sua tirania. Mas nunca antes acolhemos tantas pessoas de uma vez só.”
Era óbvio em seu rosto a preocupação, e Deku sabia que aquilo era algo importante a se pensar. Como chegar em um lugar e demandar sustento sem oferecer nada?
“Nós sabemos que somos muitos, porém temos muito a oferecer também. Nossa tribo trouxe animais, mantimentos, materiais para construção e muita força de trabalho, sem falar de muitos guerreiros. Estamos dispostos a oferecer ajuda para que possamos proteger mais pessoas,” disse Deku.
Foi só então que ele percebeu que não tinha dito seu nome, e nem pedido o nome do homem com quem falava.
“Eu sou Deku, chefe da tribo. Você talvez nunca ouviu falar de mim, mas nosso último chefe era o saudoso Grande Yagi.”
E com aquelas palavras o homem mostrou uma cara de surpresa, e reconhecimento.
“Grande Yagi? Eu conheci ele, muito tempo atrás. Nos encontramos no deserto uma vez. Mas então ele…”
“Infelizmente sim. Perdemos ele numa invasão do Rei Tomura.”
O homem assentiu, sua cara mais triste do que antes.
“Chefe Deku, é um prazer conhecer você. Eu sou Tsukauchi. Não me considero chefe do nosso agrupamento, mas sou a pessoa que ajuda a manter a ordem. Não posso lhe garantir aceitação total pelas pessoas, mas posso dizer que sempre tem lugar pra mais alguém aqui.”
Os dois trocaram um aperto de mãos.
“Onde você acha que seria um lugar melhor para nós podermos nos instalar?” Pediu Deku.
“A margem sul tem menos casas e pessoas morando. Fica na planície mais baixa, que infelizmente é alagada pelo degelo das montanhas durante a estação quente, mas é o único lugar disponível para tanta gente. Creio que podemos ver um lugar melhor depois,” ofereceu o homem, e ele parecia sincero, mesmo que um pouco alarmado.
Ele bem disse que talvez a aceitação fosse algo mais complicado, mas eles não tiveram um caminho nada fácil até agora, então Deku estava pronto para batalhar ainda mais.
“Muito obrigado,” disse Deku a Tsukauchi antes de começar a guiar seu povo para o lado sul.
Eles ficaram a observar como as pessoas assistiam a tribo durante a caminhada. Parecia até estranho estar ali tão perto dessa gente, mas se sentir longe ao mesmo tempo. A caravana continuou o caminho até a planície sul, que não estava alagada agora, mas Deku já ficou a pensar o que deveria fazer no futuro.
Contudo, o momento era dedicado ao presente.
Sem ter tido tempo de ficar com Bakugo, já que ele havia ido para trás outra vez, mesmo com sua recuperação ainda em andamento, Deku foi direcionando a tribo para o melhor lugar perto do lago. Ele não queria ficar muito perto, mas nem muito longe da água. Também não queria atrapalhar as outras pessoas, que pareciam curiosas com a chegada deles, mas ainda distantes.
Quando finalmente chegaram no local vazio, as pessoas começaram a descer de suas carroças e abrir trouxas, arrumar barracas e descansar. Eles precisavam comer e recarregar as energias, deixar o corpo se acostumar a esse novo lugar. Ao longe Deku podia ver que as pessoas da cozinha tinham começado a planejar uma refeição, e ele foi logo até eles para fazer um pedido especial.
“Eu sei que isso vai ser difícil, mas será que nós podemos preparar o dobro de carne do que o normal? Assim podemos colocar em alguns potes de barro e levar até o centro da vila, pois eu gostaria de oferecer alguma coisa nesse primeiro dia,” pediu Deku. E mesmo com seus rostos cansados, as moças assentiram, e se puseram ao trabalho, indo atrás do gado que trouxeram para abater.
Sem precisar mandar ninguém, todos foram instalando suas barracas. Deku sabia que logo eles teriam que fazer as suas casas definitivas, pois estariam ali por um tempo, essa era sua esperança ao menos.
Deku encontrou Bakugo apenas quando viu sua barraca no chão, já que Bakugo ainda não podia montar ela sozinho. Cansado, Deku cortou a distância entre os dois, e sem falar nada colocou seus braços ao redor do guerreiro, enterrando seu rosto no pescoço de Bakugo. Só então Deku sentiu o cansaço e a tensão sumindo de seu corpo, mesmo que ele continuasse exausto.
“Isso é verdade?” Ele pediu pra Bakugo, não acreditando que haviam finalmente chegado.
“Acho que sim. Pelo menos o seu corpo no meu é mais do que real,” ele disse.
Deku riu baixinho. Ele levantou sua cabeça e olhou para Bakugo.
“Muito obrigado por ser minha rocha nesse momento. Eu fico muito agradecido.”
Bakugo não respondeu com palavras, mas deixou seus lábios tocarem nos de Deku, esperando um beijo calmo e sem pressa. No fundo de sua mente, Deku lembrou das palavras de Aizawa, e como ele deveria tentar se portar no meio desse mundo novo, mas Deku nem se importou com aquilo. Eles estavam longe das outras pessoas - o chefe deles fez questão de garantir isso.
Era difícil saber exatamente quais eram as intenções deles, mas Deku entendia que quem chegou ali de surpresa foram eles, e que não deveria ser fácil lidar com aquilo.
Quando os dois se soltaram eles começaram a armar a barraca para aquela noite, e depois que terminaram Deku foi ajudar outras pessoas, pois ele queria todo mundo ali com seu acampamento pronto para poder descansar naquela noite.
Deku encontrou sua mãe pelo meio da tribo, e ela nem disse nada antes de dar um abraço nele.
“Meu filho, estou tão orgulhosa de você,” ela falou, colocando suas mãos nas bochechas de Deku, como se ele ainda fosse uma criança. Sinceramente, em alguns momentos aquilo era o que ele mais queria.
“Ainda não sei o que eu consegui exatamente, mas espero que seja bom.”
“Como assim você não sabe o que conseguiu?” A mãe dele falou, franzindo a testa. “Você guiou toda nossa tribo até um lugar melhor, conseguiu proteger a todos dos avanços do Rei, e aqui estamos nós, podendo olhar para o amanhã com uma nova esperança. O que mais você precisa para ter certeza que estamos no caminho certo?” Ela pediu.
Deku mandou um sorriso para sua mãe, mas ele não era tão honesto como Deku gostaria que fosse.
“Eu sei mãe. Vou tentar esperar o melhor,” ele garantiu antes de dar mais um abraço nela e seguir seu caminho.
Contudo, Deku se sentia dividido, aquela que era a verdade. Depois do ataque no deserto eles conseguiram escapar e chegar até onde queriam chegar, mas o mito da Cidade dos Heróis parecia não ter muita realidade envolvida. Mesmo assim, esse lugar parecia bastante fértil e com muito potencial para eles, Deku só queria ter certeza que ele estava fazendo o certo.
Ao mesmo tempo, não era possível ignorar o aperto no peito ao pensar na possibilidade de ter que lutar com Tomura outra vez. Parecia até inevitável que isso iria acontecer, talvez não logo, talvez somente anos no futuro, mas assim como eles conseguiram vencer o deserto, o rei tirano também poderia ter sucesso, e suas tropas poderiam chegar ali na beira do lago para terminar o que começaram quando Grande Yagi morreu.
Deku sabia que esse momento era para a tribo descansar, mas sua mente não queria aquilo. Quase que instintivamente ele estava em alerta, já pensando no que deveria ser feito nos próximos dias.
Contudo, foi só olhar para Bakugo no meio da multidão para ele se lembrar que de nada adiantava ele ficar vidrado no futuro se não vivesse o presente.
Deku tentou deixar suas preocupações de lado e foi procurar pelo seu presente.
O melhor de todos.
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