"Preciso dormir"
Mostro o caderno para Harry. Eu não escrevi isso somente por ter ficado confusa com meus pensamentos, mas eu estava realmente cansada.
Harry virou o rosto para o caderno. Eu acompanhei movimento da sua mão, enquanto ele escrevia.
"DESCULPA"
Franzo a testa para ele. Escrevo rápido e mostro:
"Pelo o quê?"
"ESTOU ATRAPALHANDO VOCÊ"
"Não. Só estou cansada." Escrevi.
"VÊ? EU ATRAPALHO VOCÊ"
Disposta a mudar o rumo da conversa, que não vai nos levar à lugar algum, mudo de assunto.
"Gostei da camisa." Mostro para ele e, é verdade.
"MENTIRA"
"É verdade."
"NÃO ACREDITO EM VOCÊ"
"Porquê?"
"NÃO ESTAMOS ATUANDO EM UMA PEÇA.
Harry levantou-se da cama e puxou as cortinas da sua janela para fecha-la. Faço uma careta por dentro. Harry é muito cabeça dura! Ponho o caderno ao lado do travesseiro e tranco a janela. Deitada na cama tudo o que consigo fazer é rolar de um lado para o outro. Eu não consigo dormir, e só consiguia pensar no que tinha acabado de acontecer à alguns minutos atrás.
Ainda assim, à única conclusão que chego com tudo isso, é que eu definitivamente não nasci para entender Harry.
E eu peguei no sono por volta de meia-noite.
Ao meio-dia, quando a aula de teatro acabou Kim me deu uma carona até a minha casa. Fiquei por um momento do lado de fora, sentada no banco de madeira com o envelope negro em minhas mãos. Eu não queria abri-lo. Não queria me deparar com algo que me magoasse. Enrique continuava me mandando os envelopes, mas se dessa vez ele tivesse escrito: "ACABOU POR AQUI. SE FOR TÃO INTELIGENTE COMO PARECE, ESQUEÇA QUE O P.E EXISTE."
Esqueça.
Esqueça.
Esqueça.
Varro esse pensamento para o fundo da minha mente e abro o envelope, sentindo meu estômago revirar. E então escuto à voz familiar da mãe de Kim conversando com minha mãe na sala. Para controlar a vontade de grudar minha cara no vidro da janela, puxo as pernas até o queixo e abraço meus joelhos. Para começar, acho que estou oficialmente ferrada. Quero enrolar o máximo possível aqui fora, pois não faço ideia do que a mãe da Kim veio fazer aqui. E estou começando a acreditar que menti para mim mesma dizendo que conseguiria guardar o segredo da minha melhor amiga por muito mais tempo.
Enfio o envelope dentro da bolsa, lembrando a mim mesma que vou lê-lo na segurança do meu quarto, se eu sobreviver à Kim depois dessa tarde.
Levanto do banco e ligo para Kim.
— Oi, Izza. É importante? Ainda estou dirigindo...
— Volte para a minha casa— anunciei tentando manter o pânico de ter que enfrentar a mãe de Kim, longe da minha voz.— Sua mãe tá aqui.
Kim emitiu um chiado.
— O que você disse?
— Se for o que estou pensando, não sei se vou conseguir enrolar ela por muito tempo.
— Ahn, tudo bem— disse ela, tentando não soar espantada.— Já estou voltando.
Guardo o celular no bolso traseiro da minha calça cigarrete. Respiro fundo como se isso pudesse de alguma forma me encorajar a entrar, e cruzo os dedos para me dar sorte.
Abri a porta.
A Sra. Horan e minha mãe estavam sentadas no sofá.
— Izza!— disse mamãe.— A Maura veio conversar com você.
— Hum, oi— cumprimentei.
Tive que me esforçar bastante para não deixar transparecer nada no meu rosto que me comprometesse, enquanto me dirigia até o outro sofá.
A Sra. Horan pousou a xícara de café na mesa de centro, fazendo barulho.
— Me conte, Isabella— disse ela.— Sabe o que está acontecendo com a Kim? Ela sempre foi muito agitada. E agora fica triste pelos cantos. Eu tentei conversar com ela, mas não descobri nada. Eu acho que a Kim está me escondendo alguma coisa. E queria saber se você sabe o que é.
— Eu não sei de nada.
Ergui um dos ombros tentando parecer indiferente.
— Izza...— começou mamãe, me lançando um olhar incisivo.
— Sra. Horan, acho que a pirâmide etária de Stratford vai precisar ser recalculada.
A Sra. Horan ergue as sobrancelhas.
— Ah, é? Porquê diz isso, Isabella?
— Kim está grávida— confesso.
A Sra. Horan arregalou os olhos.
— Kim. Grávida?— diz ela, pondo-se de pé.
— Calma Sra. Horan— ergo as mãos.— Foi um acidente.
— Kim foi imprudente— declarou, irritada.— Ela só tem dezessete anos. Ainda não terminou o Ensino Médio. Ela nem sequer arranjou um emprego.— Ela vira-se para a minha mãe.— Como ela vai fazer faculdade?
— Onde quer chegar com isso, Maura?— pergunta minha mãe, mantendo a calma.
— Ah, por Deus. Vai ser mais uma boca para alimentar. Mais contas para pagar. E o que vão falar dela? Que futuro ela vai ter? Como ela vai alugar uma casa para morar?
— Sra. Horan, por favor. Kim só tem dezessete anos— interrompo.— Como ela vai alugar uma casa e cuidar de um bebê sozinha?
— Ela não soube fazer um filho, com Deus sabe quem?— disse ela ao sentar-se novamente.— Agora ela vai ter que se virar. Kim já está bem crescidinha para acordar pra vida.
— Não julgue Kim, sem conversar antes com ela.— Mamãe colocou a mão no ombro da Sra. Horan.— Isso deve ser coisas de adolescentes. Não é nada grave.— Ela vira-se para mim.— Não é filha? Isabella, não é verdade?
Saio da teia de pensamentos que me prendiam, balançando a cabeça ligeiramente. Eu havia imaginado tudo aquilo, e suspiro de alívio.
— Não é nada demais— digo tentando dar um sorriso convincente.
Eu ainda tinha esperança de ver Kim entrando por aquela porta a qualquer momento, e contando toda a verdade para a mãe dela. Pois eu não me sentia a vontade em fazê-lo. O segredo é da minha melhor amiga. Não é meu.
Em um minuto Kim escancarou a porta da frente preenchendo o silêncio tenso. E em outro a Sra. Horan a encarou exigindo explicações.
— Mãe, eu tenho um problema para resolver e preciso que me ajude.— Kim olhou da mãe dela para mim, e depois olhou para a mãe dela de novo.
— O problema é grande, Kim?
— Ainda não.— Afirmou Kim.— Mas vai crescer. Podemos conversar em casa?
A Sra. Horan sacudiu a cabeça.
— Tudo bem— disse ela finalmente.— Vamos.
São cinco e quarenta e oito da tarde. Eu já tinha ligado para Kim cinco vezes, e mandado dez mensagens de texto para ela, e não tive nenhum retorno. Harry vem me buscar às sete horas, e eu não poderia estar mais agoniada.
Eu imaginei como seria nossa noite, se ele lembraria de vir me buscar. E, Deus. Já estou quase roendo minhas unhas. Quanto tempo eu estou aqui encarando a janela do quarto dele?
Já escolhi minhas roupas, optei por usar uma saia branca, meia-calça, e blusa azul colada de meia-manga. Mal consigo conter meu estado de espírito ao entrar no banheiro. Ah...a água quente e o cheiro de baunilha do meu sabonete relaxa meus músculos e dissipa meus pensamentos, aproveito para depilar os poucos pêlos das minhas pernas que apareceram no decorrer dessa semana.
Enrolo a toalha no corpo, evidentemente eu estava errada sobre meu nervosismo ter ido embora junto com a água pelo ralo do banheiro. Ele voltou com tudo quanto o meu celular tocou. Será que é o Harry? Talvez ele tenha ligado para desmarcar o cinema.
Não.
Tento não pensar nisso, quando pego o celular.
— Ela já sabe de tudo, Izza— disse kim, antes que eu pensasse em dizer "Alô".
— E ai?— umideço os lábios.
— Foi bem pior do que imaginei.
— Espera, ela te expulsou de casa?
— Não. Pra falar a verdade, ela quase me bateu. Falou que isso era coisa de vadia... Depois ligou para o meu pai. Ela tá conversando com ele agora. Não sei o que está acontecendo. Eu me tranquei no meu quarto e liguei pra você. Eu nem tenho mais cara para olhar pra ela agora.— Ela choraminga.
— Quer que eu vá dormir ai com você?
Estou com as mãos geladas e meu coração está batendo forte. É estranho. Eu quero, e ao mesmo tempo não quero sair com Harry esta noite. Estou mais nervosa do que das outras vezes, aparentemente sem motivo algum. Então, sim. Eu estava torcendo para Kim me querer ao lado dela, nesse momento tão difícil para nós duas.
— Tá brincando comigo?— disse Kim, um pouco afobada demais.— Você vai sair com o Harry e vai me contar tudo quanto chegar, viu mocinha. Não é porque eu corro o risco de ficar de castigo pelo resto da minha vida, que vou deixar de apreciar uma boa fofoca.
— Tudo bem— eu disse, achando graça.
E Kim desligou.
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