As portas abriram e tudo se tornou silencioso.
Engoliu em seco, antes de levantar o olhar da mancha que estava em seu sapato. Um sorriso brotou-lhe nos lábios, ao deparar-se com a face que, assim como a dele, despia-se de qualquer vergonha. Enfim poderiam ser plenos, estar juntos. O pecado já os havia abandonado, bem como o gosto amargo que proporcionava aos beijos trocados.
Os convidados ficaram de pé e, assim como ele, absorveram, maravilhados, a luz que emanava daquela mulher vestida de branco.
In Ha estava linda.
Como num clichê romântico, a seguiu-se em câmera lenta aos seus olhos apaixonados: Ela caminhou até ele segurando um buquê, não sabia dizer qual flores o construiam, ou quais eram suas cores– nunca fora bom com plantas, não seria ali, num momento em que a adrenalina lhe tomava por completo, que um possível talento para botânica surgiria.
Os saltos do sapatos dela harmonizavam com as batidas aceleradas de seu coração. Era tudo o que podia escutar. Um passo e seu coração acelerava, um outro e já parecia que saltaria pela garganta. Seria capaz de vomita-lo ali mesmo. Só para mostra-la quão tamanha era sua felicidade, tinha a certeza de que os músculos do seu coração contorciam-se num sorriso.
Se todas as lendas sobre anjos caídos fossem reais, Dal Po estava convicto de que presenciava a aparição de um. Um anjo que caíra sem paraquedas, ou qualquer proteção, bem no centro do seu coração. E que, com o tempo, fora devorando cada um dos muros protetores, fora destruindo cada uma das paredes de concreto, fora espalhando as dúvidas onde, antes, só havia certezas, até não restar mais nada. Apenas ela. Ela em todas as direções. Ela em todos os lugares.
- Aigoo... – O irmão revirou os olhos ao aproximar-se dele, parecia relutante quanto a fazer o que estava prestes a fazer. Dal Po tinha vontade de liberar a tensão acumulada com uma grande gargalhada, mas ainda não era momento para tal. - Cuide bem da minha filha, seu Punk.
- É uma promessa. – Disse tentando soar o mais firme possível. Sorriu ao sentir a mão delicada ser depositada sobre sua. Quantas vezes ele sonhara com aquele momento, em que as palmas se encostariam, os olhares se cruzariam e então, como no fim de uma bela estória, eles trocariam votos e juras? Incontáveis vezes. Acenou com a cabeça para o pai de sua noiva e voltou, mais uma vez, toda a atenção para ela. O cabelo estava solto e caia-lhe em cascatas sobre os ombros, o colo era adornado por um colar simples. Tudo nela era assim, simples, na mesma proporção em que era complexadamente belo. Envolveu-lhe a face com ambas as mãos. Ela estava fria, assim como ele.
- Dal Po á – In Ha sussurrou encostando o nariz ao seu, para depois encostar-lhe fronte com fronte. Gostava da maneira que ela falava seu nome, como o á se perdia entre as terminações finais, como se confundia com os sons, com as batidas do seu coração. Dal Po á. Desejava que lhe chamasse uma vida inteira, que lhe chamasse para sempre.
- Sei que não posso te impedir de sofrer, de chorar, ou de se machucar. Sei que não tenho o poder para te proteger de todos os males do mundo. Mas eu quero que você saiba, que darei meu melhor. Se você sofrer, ficarei ao seu lado até que melhore. Se você chorar, serei seu ombro amigo e confidente. Secarei suas lágrimas. Colocarei um sorriso no seu rosto novamente. Se você se machucar, buscarei o remédio, seja qual for. Eu prometo In Ha, prometo que vou cuidar de você.
- Eu... – Disse afastando-se um pouco dele. – Eu acho que você está louco.
- O quê? – Sentiu o estomago contorce-se, ela o estava rejeitando na frente de todos? O estava rejeitando no dia do casamento? Mas...
- Dal Po, acorda! – A palma da mão, que antes parecia tão delicada, foi de encontro a sua cabeça. Muito provavelmente aquele tapa deixaria uma marca.
- O que há com você? – Gritou o mais alto que pôde, nunca gritara com ela. Lembrou-se, no mesmo instante, dos convidados, que assistiam aquela cena, calados. Virou-se para encara-los, sendo surpreendido pela ausência, não só daqueles que antes estavam ali, mas também de tudo. Os bancos marrons, as flores brancas, o altar, as cortinas que dançavam de um lado para o outro.
O lugar em que ele estava havia sumido. Apenas ele, In Ha e o seu quarto, que às vezes parecia ser tão apertado e incomodo quanto um elevador, restaram. Aquele não era um dia em que os anjos apareceriam na sua frente, ou que as juras de amor seriam trocadas. Aquele era um dia, apenas. E mais um sonho para sua lista de incontáveis vezes.
- Com quem você estava sonhando? – A sobrinha arqueou a sobrancelha esquerda, pelas suas contas àquela era sua mania número quatro. Quando estava demasiado curiosa arqueava a sobrancelha esquerda, somente a esquerda.
- Eu não estava sonhando. – Mentiu. Sentia, constantemente, vontade de rir quando mentia, principalmente quando a mentira tinha por destinatário a Pinóquio de sua família. Era, de alguma forma, uma piada particular.
No entanto, se aquele não era um dia para realizações de desejos férteis – e infundados – era para o mal estar. Algo rodopiou dentro dele, como um bailarino de dança contemporânea, indo para lá e para cá. Trazendo-lhe sensações inovadoras e igualmente desagradáveis. Sentiu-se nauseado, sua cabeça começou a rodopiar, assim como o tal que circulava em suas entranhas. Tinha certeza de que ia vomitar.
Envolveu a barriga fortemente com os próprios braços, contorcendo-se e jogando, ao mesmo tempo, o peso de seu corpo para o lado oposto ao que In Ha estava. Já podia escutar o irmão mais velho reclamar do cheiro que ficaria no quarto. Mas não queria preocupar-se com isso, não ainda, tinha de se livrar daquela dor o quanto antes, daquelas invisíveis que pareciam sufoca-lo.
A repugnância era tamanha que o fez arrepiar e um gosto amargo dominar-lhe a língua. Então um soluço escapou de seus lábios e todo o desconforto sumiu, instantaneamente. Exatamente como horas antes. Como um simples soluço podia causar-lhe tamanha dor? Talvez estivesse com problemas respiratórios? Iria ao médico assim que tivesse tempo.
- Dal Po á – In Ha aproximou-se ainda mais colocando a mão sobre sua testa – Você está bem? Eu estou preocupada.
- Aish... – Forçou um sorriso e entrelaçou os dedos nos cabelos dela – Eu estou muito bem, seu tio é fort.. – Não teve tempo sequer de concluir a frase, o bailarino voltou a dançar furiosamente dentro dele. Arregalou os olhos e levantou-se da cama, quando mais um soluço fez o incômodo sumir, como se nunca tivesse existido.
- Dal P...
- Eu preciso ficar sozinho. – Apontou para a porta, aquilo não estaria acontecendo com ele, estaria? Seria aquele outro sonho? Sim, tinha de ser. – Choi Dal Po, acorde! – Bateu a própria cabeça no armário, repetindo o ato segundo depois, ao notar que ainda não havia acordado. – Choi Dal Po – Bateu-se contra o móvel mais uma vez. – Choi Dal Po, acorde. – Mais outra vez. – Acorde – Mais outra. E muitas vezes mais, até que o cheiro de sangue tomou conta de suas narinas.
Braços magros o puxaram para longe daquele armário. Os braços de sua consciência, certamente. Ele estava acordando à medida que ia ficando leve, estava indo embora do sonho à medida que aquele cheiro lhe inundava por inteiro. Estava acordando. Rodopiando para o escuro. Onde ficaria são e salvo.
▫▫▫
Levou uma das mãos até a cabeça que latejava sem parar. Quando um sonho poderia ser tão concreto ao ponto de fazê-lo sentir curativos sobre possíveis cortes? Tão real a ponto de fazê-lo sentir o odor quase embriagante de um hospital?
Talvez estivesse lendo fantasia demais.
- Dal Po á! – Ela exclamou assim que abriu os olhos. – Você me deu um susto! Por que você fez aquilo? Você está com algum problema? Está agindo estranho desde ontem e
- Aish... – Segurou-lhe os lábios para que parasse de falar. – Eu só dormi um pouco mais hoje
- Dal Po...
- Hm?
- Você não lembra? – In Ha olhou em volta, como se aquele gesto fosse o dizer alguma coisa. No entanto, nem sequer sabia que deveria lembrar-se de algo. Aquele dia era um dia especial? Algum aniversário talvez?
- Aigoo, eu esqueci o seu aniversário?
- Choi Dal Po – Ela pousou as mãos em volta de seus ombros para força-lo a encara-la– Olhe a sua volta...
- Aish... – Fosse dizer o que fosse, as palavras ficaram perdidas. Entre um paralelo de irreal e real. Levou ambas as mãos a cabeça. Lá estavam os curativos que cobriam suas feridas, os curativos que provavam que aquilo não fora um sonho. Ele estava em um hospital. Ele havia batido em si mesmo repetidas vezes, até ficar tão tonto que já não conseguia mais discernir o concreto do imaginário.
Então suas suspeitas também eram reais?
- In Ha – Tomou a mão dela entre as suas, precisava se sentir seguro. De alguma maneira, precisava. – Me faça uma pergunta.
- Hm?
- Rápido, me faça qualquer pergunta.
- Dal Po, você..
- IN HA!
- É… é … Kwenchana?
- Kwenchana. – Mentiu conscientemente, sabendo o que se passaria a seguir. Contorceu-se internamente e, aquele que menos queria apareceu novamente. Um soluço. In Ha o encarou de cenho franzido enquanto uma sinfonia de soluços escapavam por sua garganta. A única saída para ele era falar a verdade. – Any, eu não estou bem.
Como poderia estar bem depois de descobrir, que de algum modo, ele agora era um Pinóquio?
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