Pov Maxon
Ninguém pode ter percebido, mas eu com certeza reparei que o clima na Rússia mudou drasticamente. Provavelmente porque ninguém sabia o que realmente tinha acontecido, então faz sentido que as coisas continuem iguais, mas para mim, bem, meu mundo virou de cabeça ao contrário. Girei tantas vezes sem rumo, perdido dentro de mim mesmo, e agora que finalmente encontrei meu lugar, as coisas não poderiam estar melhores. Mentira, poderiam sim, com certeza poderiam, como se por exemplo Alex tivesse se explodido sozinho em seu avião um ano atrás, ou se meu pai tivesse designado Aspen para lutar na guerra na Nova Ásia, mas digamos que não seria legal sair dizendo isso para os outros.
Eles já não gostam de mim normalmente, se disser algo não duvido que serei expulso. Então guardo o pingo de ressentimento para mim mesmo e me convenço de que tudo está bem, quando claramente não está, mas vamos fingir que sim por um tempo.
Voltei a sorrir depois de um ano rabugento. Voltei a rir e a aproveitar minha vida, porque agora eu tenho motivos para continuar em pé. Estava feliz porque as coisas finalmente estavam andando em seu devido rumo, porque já estava esgotado de brigar e porque finalmente e verdade foi revelada, parcialmente, mas do mesmo jeito revelada. Eu tenho um propósito na vida, uma direção a seguir, e sou eternamente grato por isso.
_Filho? Está bem?-minha mãe se senta ao meu lado na cama. Tenho certeza de que estava olhando para o teto, com um sorriso sonhador espalhado no rosto.
_Estou sim, porque a pergunta?- Me aconchego em seus braços enquanto ela passa suas mãos delicadas por meu cabelo. Havia tanto tempo que não conversava com ela assim. O último ano foi sinuoso para mim, mas para ela também.
_Você está diferente. Sei que ver America novamente foi um grande choque e sei que ficou mal durante todo esse tempo em que estivemos em Moscou, mas você parece bem, renovado.
_Eu estou. - respondo com um sorriso.
_O que aconteceu? Sabe que pode me contar. Sou sua mãe acima de tudo, não o julgarei. Me levanto triste por não poder compartilhar minha fonte de felicidade, mas se é o único jeito de ter minha filha, não vou estragar.
_Eu sei, mãe. E eu gostaria muito de dizer, mas realmente não posso. - me levanto e olho em seus olhos.
_Quando estiver pronto para me dizer, estarei aqui. - sorri terna. - Mas independente do que for, estou feliz por você. - a abraço e beijo o topo de sua testa, para que ela saia do quarto segundos depois. Estava voltando para a cama quando ouço o som das batidas na porta.
_Entra. - digo duvidoso e vejo um guarda russo adentrar o cômodo.
_Carta para o senhor, Alteza. - ele me entrega o pequeno bilhete e espera, parado no mesmo lugar, enquanto leio o que está escrito.
_Quem mandou?- pergunto antes de abri-la.
_Baronesa Woodwork.- Porque Marlee me entregaria uma carta. Sou tomado pela curiosidade e a abro.
Maxon
Já conversei com America sobre isso e ela concordou. Estarei nos jardins do Norte com Nastia e Kile às 14 horas. Faremos um piquenique e sua presença será muito bem-vinda! O guarda sabe onde estou e te guiará, esteja pronto.
Marlee.
Termino de ler e olho para o guarda que continua imóvel.
_Que horas são?-pergunto. Não fui para o almoço e não possuo um relógio, então não faço ideia de quanto tempo terei que esperar.
_14h e 5min. - arregalo os olhos. - Melhor irmos.
Atravessamos os corredores em silêncio. Não havia ninguém nos corredores para me ver, ou fazer qualquer tipo de perguntas sobre para onde ia e o que faria o que foi um grande alívio. Nunca tinha ido a essa parte do palácio, nem mesmo a essa ala dos jardins, mas admito que era muito mais bonito e colorido do que a parte onde conhecia. Era um campo aberto, com poucas árvores e flores espalhadas, onde se era possível ver o final da propriedade, bem no horizonte. No meio do campo verde havia uma toalha sobre a grama fofa, e em cima dela cestas de pães e bolos, jarras de sucos e flores decoravam o ambiente. O sol brilhante e o céu sem nuvens só deixavam a paisagem e o dia mais bonitos.
Marlee e as duas crianças já estavam lá, uma em cada uma de suas pernas, sorrindo graciosamente para a mãe e a tia. Me ilumino ao ver o rostinho de Nastia, com a língua para fora e os olhinhos azuis sorrindo para mim. Sou tomado por uma sensação de dever cumprido ao perceber que ela me reconhece. Ou pelo menos acho que é isso o que significa suas mãos começarem a se balançar e sua boca a se mexer, mas sem os dentinhos é impossível para ela falar qualquer coisa.
_Oi querida! Que saudade o papai estava!- meus lábios se abrem em um perfeito sorriso e tomo Nastia em meus braços, que ri deliciosamente. A beijo repetidas vezes e me sento ao lado de Marlee que agora deixa Kile, com já mais de um ano de idade, ao seu lado brincando com seus brinquedos.
_Sempre soube que você seria um ótimo pai. Desde o momento em que o vi com seus primos. -Marlee quebra o silêncio.
_É ótimo saber que pelo menos alguém tinha fé em mim. Porque eu não tinha certeza até ontem. Ainda não tenho. - deixo as palavras no ar e não tiro os olhos da minha pequena que agora brinca com um bichinho de pelúcia.
_Sei que gostaria que as coisas fossem diferentes, mas fico feliz que tenha algo para se segurar agora. -Kile começa a chorar e Marlee o toma em mãos, tentando acalmá-lo. Não demora muito tempo para que o garoto adormeça no colo da mãe. Me impressiono ao reparar a semelhança entre os dois. Os pequenos fios que ocupam sua pequena cabeça são da mesma coloração da mãe e o rosto angelical é provavelmente uma cópia de Marlee quando pequena.
_Obrigada por me convidar. Desejo passar todos os minutos ao lado da minha filha, mesmo não sendo possível.
_Não tem porque agradecer. Afinal é seu direito, mesmo que tenha que esconder, é o mínimo que poderíamos fazer por você.
_Já conseguiu aprender russo?- ela sorri envergonhada.
_Não! E acho que nunca serei capaz. - rio de sua atitude otimista.
_Vai ser difícil morar aqui sem aprender russo. Eles não parecem ficar muito satisfeitos quando falamos inglês com eles. - comento.
_Acho que ainda tenho a esperança de voltar para Illéa um dia. Rever meus pais, conhecer a família de Carter. Passamos mais de um ano escondidos e agora estamos presos aqui, não que esteja reclamando, sou eternamente grata a Alex e America por isso, mas Illéa é minha casa. - toda a sua expressão contente e animada que sempre conheci parecia ter murchado. A garota sorridente e alegre que conheci um ano atrás tinha dado lugar a um mulher forte e determinada, mas triste ao mesmo tempo. Prometi para mim mesmo que a ajudaria, Marlee é minha amiga acima de tudo.
_Sabe que se voltar para Illéa meu pai condenará todos vocês e não posso permitir que isso aconteça, mas posso talvez ajudar concedendo certos passaportes e identidades russas. Tenho certeza que nenhum dos dois discordará de mim ao dizer que queremos sua felicidade.
_Está falando sério?- ela se joga em cima de mim e me abraça com a energia renovada, sem não antes deixar o filho na miniatura de berço montada ao lado. - Não sei nem como agradecer por tudo o que fez por mim. - lágrimas doces escorrem de seus olhos e ela não faz esforço algum para retirá-las.
_Pode não perceber, mas você foi a única que permaneceu ao meu lado depois de tudo o que aconteceu ano passado. Você merece muito mais do que isso, afinal você é minha amiga, a única talvez. - a sombra do passado toma meu rosto, mas decido não deixá-la tomar conta de mim. Trato de abrir um sorriso novamente e a abraço com minha mão livre.
_Acha que um dia serei perdoado?- pergunto depois de bastante tempo quietos.
_Honestamente?- gelo com a curiosidade da resposta. - Acho que ela já te perdoou. - relaxo os músculos e deixo que todo o ar que mantive preso durante esse tempo saia.
_Realmente estreguei tudo, não estraguei?- rio da minha idiotice.
_Sim. - admite.- Mas tudo é reversível. Até mesmo os piores erros. - me assusto. Marlee, a melhor amiga de America, realmente quer que fiquemos juntos?
_Você não gosta de Alex?- me espanto.
_Eu gosto dele. Ele é carinhoso, gentil, educado e America o ama. - resmungo para mim mesmo. - Mas ao mesmo tempo em que quero a felicidade dela, eu desejo a sua. E receio que sua felicidade seja ela. E essa gracinha aqui. - Marlee começa a brincar com minha filha que se anima, gritando e soltando sons indecifráveis de animação.
_Obrigada. Significa muito. -respondo sincero. - É incomum a situação em que nos encontramos, em um piquenique na Rússia. Não é minha primeira opção, mas devo dizer que está sendo agradável. - sorri em concordância.
_Muito melhor que todos os encontros que já tivemos. - rio com a lembrança de nossas poucas conversas sobre filmes. Mas ela não sorri, parece estar pensando em uma memória dolorida. Paro de sorrir e a olho preocupada.
_Aconteceu alguma coisa, querida?- ela abre o mínimo dos sorrisos.
_Não gostaria de ser eu a te dizer isso, Maxon, mas acho que está na hora de saber a verdade. Ela já passou dos limites.
_Saber o quê? America está me escondendo outra coisa?- pode parecer um absurdo, mas um gêmeo passou pela minha cabeça, mas é óbvio que não seria isso.
_Não. Kriss.
_Ahhhh.- deixo todo o meu desapontamento flua.- O que tem ela?
_Ela é uma rebelde, Maxon. - começa relutante.- Uma nortista.
_O queê?- grito e minha filha se assusta. A acalmo e me volto para Marlee. - Não pode ser verdade. Eu saberia. - digo inconsolável. Sei que ela acabou se tornando uma pessoa completamente diferente e mesmo não a amando, não a desejo mal, e se Marlee sabe, bom, digamos que em pouco tempo provavelmente todos saberão, e não desejo a ninguém meu sofrimento.
_Reparou em sua tatuagem na nuca?- continua. Eu queria protestar, dizer que ela mentira, que pelo menos uma das mulheres que já amei na vida haviam sido honestas comigo, mas eu vi a estrela, as oito pontas, e soube que Marlee não mentia- É a mesma que a de Georgia e August. Quando America me contou...
_O que quer dizer com "quando America me contou"? Ela sabia? Esse tempo todo e mesmo assim me deixou escolhe-la?- enfureço.
_Me desculpe, Maxon. - tenta me acalmar. - Achei que gostaria de saber. - respiro fundo, diversas vezes, me sentindo mal por ter gritado com ela.
_Eu que tenho que me desculpar. Você só quer ajudar. - sorri agradecida. - É só que minha vida virou de cabeça para baixo nesses últimos dias. Acreditava Kriss seria a única constante na minha vida, meu porto seguro. Mas até nisso estava errado.
_Eu te entendo. Tudo mudou. Nós mudamos. Mudamos tanto que nem parecemos as mesmas pessoas.
_É o que nos faz humanos. Trocamos tantas vezes nossas máscaras, que ao final da vida esquecemos o que já fomos e só nos resta a esperança ter vivido uma vida plena e ter construídos relações suficientes para partir em paz sem solidão.
_Isso significa que vai lutar para não morrer sozinho?- Marlee resume todas as palavras bonitas que disse.
_Eu vou encontrar minha felicidade. Pode ser em America, pode ser em outra pessoa, como poder ser em ninguém, mas não continuarei sentado esperando meu destino se concluir. Eu faço meu próprio destino, minha felicidade. - Nastia que permanecia deitada na toalha brincando se vira para mim na hora em que termino de falar, com seu sorriso me atingindo em cheio. - E já sei exatamente por onde começar.
Pov America
Marlee tinha acabado de sair do meu quarto. Confesso que estava morrendo de curiosidade para saber como foi seu dia ao lado de Kile, Maxon e minha filha. Mas ela só soube dizer que tinha sido mais interessante do que esperava. Comentou que conversaram sobre os velhos tempos, que ele perguntou de mim e não conseguiu deixar de dizer o quão bom ele é para Nastia. Não que eu já imaginasse que ele seria um bom pai, mas não consigo deixar de pensar nas oportunidades perdidas. No que seria nossa pequena família em circunstâncias normais? Estava deitada na cama tentando ler um livro, mas estava ocupada demais ao digerir as informações da tarde, quando Alex aparece na porta, vestido em seu melhor terno e segurando um vestido na mão.
_Porque a arrumação?- fecho as páginas e deposito o livro em cima da cama.
_Nós vamos sair. Gostaria que se arrumasse. - responde vago. Dou de ombros e troco de roupa.
Passo todo o caminho desde que saímos do quarto tentando extrair alguma informação, mas Alex é muito bom em ficar quieto. Provavelmente a graça teria acabado se ele tivesse dito qualquer coisa, então não foi à toa que me surpreendi ao ver a mesa de jantar preparada no meio do jardim. Velas suspensas em candelabros presos em árvores iluminavam o lugar e pequenas lâmpadas decoravam o ambiente ao redor. A lua aparecia imponente no sol e as flores postas ao redor da mesa só deixavam todo o local mais aconchegante. A mesa posta sob os galhos de uma árvore dava um ar romântico a toda a cena. Tenho certeza de que abri a boca admirada.
_Gostou?-Alex passa o braço por minha cintura e me puxa mais para perto.
_Adorei. - digo extasiada. Ele puxa a cadeira para mim e me sento, para depois andar até o outro lado e se sentar na ponta. Juntamos nossas mãos no centro e olho ao redor novamente.
_Como fez isso?
_Tive ajuda. - responde humildemente e dá de ombros. Ele solta minha mão e retira algo do bolso do paletó. Uma carta.
_O que é isso?- ele me entrega o papel.
_Leia. - insiste. - Retiro o lacre curiosa, mas ergo a sobrancelha em dúvida, sem entender o conteúdo.
_Está em russo, Alex. Eu não falo russo. - constato e lhe devolvo.
_Eu sei. - ri. - É a carta de expulsão de Natasha, seu banimento.
_E porque está me mostrando isso?
_Se olhar a data- aponta para a parte de baixo do papel- verá que não é de hoje. Esse documento é de anos atrás, quando ela me traiu. Assim que o pai dela sair do cargo, farei meu pai assinar esse documento e ela nunca mais aparecerá na nossa frente. Talvez faça até uma festa. - comenta pensativo- Com certeza farei uma festa. Mas enfim, só mais cinco meses e ela sairá do palácio.
_Com certeza faremos uma festa. - respondo e me inclino para beijá-lo. - Mas acho melhor aproveitarmos na noite esquecer disso, não concorda.- mudo de assunto.
_Com certeza.
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