“Art enables us to find ourselves
and
lose ourselves at the same time.”
Thomas Merton
As cortinas de seda dançavam o som da brisa de verão que entrava sorrateiramente pela janela entreaberta. Os passos abafados no assoalho de madeira, as vozes altas e animadas ecoando por todo cômodo, os som da notificação dos celulares e os ruídos de movimentação não chegavam aos ouvidos do garoto sentado diante do espelho. Ele encarava seu reflexo como um escultor julga sua própria obra após finalizá-la. Seus cabelos levemente banhados de castanho com os fios desalinhados, as pequenas manchinhas esféricas respingadas em seu rosto como tinta numa tela em branco, a camisa branca de tecido caro e o blazer decorado por flores numa grande imensidão de tecido esverdeado que realçam seus olhos caramelos; estava bonito. Estava gracioso de uma forma que nunca sonhou. Nunca imaginou-se trajando roupas tão macias como as nuvens, ou mais caras que sua própria casa.
Ele não havia se acostumado com as ruas bem iluminadas do bairro luxuoso onde hoje vive com sua mãe e seu irmão menor, jamais cogitou a possibilidade de suas mini esculturas de argila como simples posts no Instagram fossem mudar sua vida. Ele trabalhava numa loja de conveniências todos os dias para conseguir ajudar sua mãe e, diferentemente dos jovens de sua antiga vizinhança, não afogava suas frustrações em drogas. Gostava de assistir a argila sem forma tomar vida em algumas poucas horas. Removia os excessos da sua pequena obra de arte como quem tira o estresse de suas costas e juntava tudo no pequeno balde para transformá-lo em algo bonito; não necessariamente no mesmo dia, ou no mesmo mês, mas fazia.
Não buscava por reconhecimento ou grande sucesso, mas gostava do pequeno dom que lhe foi concebido. Certo dia, enquanto trabalhava naquela lojinha suja da esquina, recebeu o recado que sua mãe havia passado mal no trabalho e foi levado ao hospital. O cansaço pelas repetitivas horas extras levaram ao esgotamento e já não podia mais trabalhar como antigamente. Desesperado e confuso enquanto primogênito, precisava fazer algo além de moldar argila às escondidas em seu quarto. Estava a procura de um emprego, qualquer coisa que serviria, até que uma mensagem em seu direct chegou como uma benção.
Suas fotos simplistas das esculturas alcançaram os olhos de um senhor muito simpático, dono de uma grande galeria e que, por um acaso, estava à procura de novos talentos para patentear. No dia seguinte, o garoto foi até a galeria no bairro rico e levou consigo suas pequenas obras de arte que foram recebidas com muito entusiasmo pelo senhor bondoso. Assinaram o contrato no mesmo dia, as obras publicadas nas páginas sociais da Galeria receberam grandes comentários positivos e encomendas das peças antes mesmo de irem a exposição que aconteceria em poucos minutos.
— Você deveria relaxar ou vou ter que retocar sua maquiagem. — A voz suave e harmoniosa ecoou por suas costas enquanto a pequena mão de longos dedos alisavam seu ombro rígido pela tensão e nervosismo.
Seus olhos se encontraram aos da mulher simpática que conhecida de longa data como Nora. Esta ficou responsável por arrumá-lo e escolher um traje próprio para a tão esperada noite. Ele era a maior aposta daquele senhor, seu trevo de quatro folhas e o pote de ouro no final do arco-íris.
— Obrigado por me deixar tão bonito, noona! — Disse com um sorriso em seus lábios de cor pêssego e brilhantes.
— Não seja bobo, garoto. Você já é lindo, apenas destaquei sua beleza! — Disse ela, organizando os fios castanhos do cabelo alheio. — Ouvi dizer que o salão está lotado e muitas pessoas aguardam para conhecer o mais novo sucesso desta galeria. Fiquei sabendo que despertou até a curiosidade de Johnny.
Ele franziu o cenho confuso quando a voz alheia tornou-se indecifrável. Havia um tom de mistério mixado a expectativa.
— O que quer dizer, noona? — Perguntou educadamente observando o pequeno relógio sobre a mesa cheia de maquiagens e coisas de cabelo. Faltava agora pouco menos de dez minutos para sua exposição começar. Seu estômago embrulhou-se ao perceber que estaria diante de vários flashes e suas obras seriam julgadas por grande entendedores.
— Quero dizer que seu chefe tem um filho muito talentoso chamado Youngho. Ele é um grande fotógrafo, você já deve ter ouvido falar em Seo Johnny. — Ela sorriu. — Eu trabalho aqui há muito tempo e nunca o vi se voluntariar para fotografar nenhuma das exposições daqui.
— Talvez ele tenha sido obrigado pelo pai. — Ele colocou-se de pé enquanto arrumava o blazer em seus ombros.
A mulher relativamente mais baixa o ajudou com muito gosto, deslizou o pincel de cerdas sintéticas banhados pelo gloss labial com gosto de pêssego e o encarou uma última vez, sorrindo satisfeita.
Ele devolveu o sorriso.
As pernas trêmulas dele recusaram-se a continuar sua caminhada em direção à pequena passarela que havia sido estrategicamente montada no centro do salão. Ele deslizou suas sobre o pescoço parcialmente evidente que estava úmido graças ao nervosismo que lhe consumia. Balançou suas mãos tentando livrar-se da tensão quando ouviu seu nome ser chamado pelo microfone. Arrumou forças em seu interior relutante para continuar a caminhada.
O salão extenso estava enfeitado por luzes colorida e o barulho abafado das palmas ocultou o som da música eletrônica. Uma chave de flashes caiu sobre si e ele tentava ao máximo segurar o medo que tinha de toda aquela atenção. Ele não se considera tímido, mas quando tantos olhos importantes lhe analisava minuciosamente, seu maior desejo era correr pela passarela até a saída. Recordou-se das instruções que recebeu de sua maquiadora e permitiu-se sorrir por alguns instantes. Seu coração pulava na caixa torácica, mas aqueles minutos lhe deram grande satisfação.
As pessoas ali lhe aplaudiam por seu talento, aquele era seu momento e qual o mal em reconhecer seus méritos? Estufou o peito, seus ombros largos assumiram uma boa postura e sorriu. Dessa vez sem as bochechas vermelhas. Mesmo que soubesse que elas estavam ali, ignorou-as. Sua mão trêmula e suada repousou sobre a semelhante do homem que lhe ajudou a estar ali. Reverenciou rapidamente e recebeu o microfone de bom gosto. Os flashes ainda lhe incomodavam, mas precisava ignorar por aquela noite. Suas fotos estariam no jornal e revistas de arte no dia seguinte.
— B-boa noite! — Gaguejou inicialmente, pigarreou tentando recompor-se e disse, agora com a voz mais segura: — Sejam todos bem vindos e bem vindas à minha primeira exposição de arte. Espero que gostem dos artefatos e aproveitem essa noite de arte. — Sorriu ao final de sua frase.
Bem a sua frente, uma fita vermelha estava presa em duas pequenas colunas de gesso. Segurou a tesoura e a cortou, dando abertura a sua primeira exposição de arte. O orgulho que preenchia seu peito era bem maior que nervosismo que corria em suas veias. Se tudo desse certo, assinaria um contrato permanente e acumularia dinheiro o suficiente para dar excelentes condições a sua família. As pessoas que antes estavam tumultuadas a espera de sua chegada se espalharam por todo local.
Elas observavam suas esculturas, comentavam, apontavam e sorriam satisfeito formando um coro de vozes desarmoniosas. Alguns garçons se metiam no meio das pessoas vestidas de gala com bandejas carregadas de bebidas e alguns petiscos. Fotógrafos rodeavam suas obras, as eternizavam nas suas câmeras e colocavam-se a conversar com outras pessoas. Ele apenas observava cada um dos rostos, tentava decifrar suas expressões e ler seus lábios, mas de nada adiantava. Suspirou frustrado enquanto caminhava pelo local com as mãos presas em suas costas e mal podia crer naquela realidade.
Seu corpo foi empurrado para frente de supetão e quase tropeçou quando as mãos pequenas agarram sua cintura e o corpo menor jogou-se sobre si. Sorriu para o garotinho de cabelos arrumados num topete, com um smoking preto e os olhos brilhantes de orgulho do seu irmão mais velho. Ele ajoelhou-se diante do garotinho e beijou sua testa descoberta, arrumando a gravata torta em seguida.
— O que faz aqui, Chenle? — Perguntou confuso, pois sua mãe não podia trazê-lo e aquelas roupas eram novidade para si.
— Seu chefe foi me buscar! — Deu de ombros. — Quer dizer, aquele cara da cara chata que ‘tá sempre de preto disse que tinha sido ele. Pra completar, ainda me fez vestir essa coisa ridícula que me faz parecer um pinguim.
— Shh! — Ele sorriu da tagarelice alheia. — Não fale essas coisas altas, criança. — Disse, voltando a ficar de pé.
Olhou em volta buscando alguém com quem pudesse deixar o garotinho. Chenle era hiperativo demais para não ter os olhos de alguém sobre si, precisava de uma voz firme para impor limite em suas travessuras e alguém que ele respeitasse.
— Noona! — Ouviu o garoto gritar e ir em direção à maquiadora, que o recebeu de braços abertos e um longo sorriso. Foram poucas as vezes que Chenle apareceu por ali, mas foram suficientes para que sua maquiadora se apaixonasse por sua esperteza.
Enquanto caminhava para encontrar seu irmão, uma senhora o interrompeu com um sorriso no rosto e uma simpatia invejável. Esta buscava saber de onde tirava sua inspiração para obras tão simples e charmosas. Queria pedir licença e seguir seu caminho, mas o aceno salvador de Nora o impediu para dizer que tomaria conta de Chenle. Foi então que seus olhos puderam encarar a senhora que reconheceu rapidamente como uma das maiores críticas de Artes Plásticas da atualidade.
Explicou com calma sobre suas inspirações do dia a dia. Uma de suas esculturas mais comentadas era apenas uma mão mal feita, cheia de relevos com um cigarro preso em seus dedos calejados. Disse à senhora que aquela era uma simples inspiração vinda do câncer pulmonar que levou seu pai alguns anos mais cedo. Ela ficou bastante comovida, desejou-lhe condolências e foi até o senhor Seo para tratar do preço daquela peça.
O coração esperançoso do jovem garoto brilhou radiante, bem como o sorriso em seus lábios. Buscou por Chenle e Nora com seus olhos ávidos, mas não havia sinal deles. Suspirou, caminhando até uma pequena mesa no lado oposto onde adquiriu uma taça bonita com um líquido lilás. Podia não gostar de drogas lícitas, mas a cor daquela era atraente demais para recusar prová-la. Quando vasculhava o lugar e enxergava as várias placas vermelhas cobrindo as estátuas vendidas, seu coração palpitava mais alto que o som.
Ele observava o líquido com certo receio em colocar na boca, mas a atração ocular era tão grande. Levou-o aos lábios e molhou apenas a pontinha de sua língua. Não imaginava que seu paladar fosse presenteado com o sabor adamado. Sorriu confuso, tudo na sua vida parecia está tomando esse gosto adocicado. Enquanto sorria para ao nada, a luz clara acertou seus olhos inesperadamente. Buscou por todo salão alguém que, possivelmente, tivesse tirado uma foto sua naquele instante, mas não haviam ações suspeitas. Imaginou, então, que tratava-se das luzes dos refletores.
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