Lucerys não fingia nada bem seu desinteresse na causa do dia anterior.
Havia se esforçado na ideia de ignorar as lembranças, palavras e atos — quem sabe lembrar-se apenas para se lamentar pela muito provável morte de seu dragão, estraçalhado até os ossos pela mordida de Vhagar em sua asa; esqueceu-se por completo de tratar sobre aquilo com Aemond, sobre onde os restos de Arrax foram deixados, se o dragão havia sofrido muito em seus últimos suspiros.
Provavelmente o tio o havia largado no mar.
A ideia o encheu de uma sensação desesperadora, fazendo o garoto afundar mais dentro da banheira até estar submerso, o frio da água anteriormente quente fazendo o calor que a raiva o causava ceder minimamente, mas não deixando a dor menos aparente — Luke sentia esta como uma queima lenta dentro de sua alma e coração.
Era algo odioso e que Lucerys lembrava com desgosto, desentendido do que Aemond estava buscando, de como todas as suas palavras e atos simplesmente não faziam sentido. Quando acordou ao seu lado, Luke não sabia o que acontecia, onde estava ou o que havia acontecido, tudo tirado de si momentaneamente pelo desespero de acordar com uma dor intensa em absolutamente todo o seu corpo; quando se acalmou e passou a respirar mais tranquilamente, ele absorveu tudo o que havia acontecido, tudo que havia ouvido enquanto atordoado e o que ainda ouvia — Aemond em um monólogo ao seu lado, lamentando-se e falando tanto quanto nunca o havia escutado falar em toda uma vida.
Lembra-se perfeitamente que diante da dor e do frenesi, escutar aquelas palavras o causaram um impulso quase descontrolado de aplacar os sentimentos nada conflitantes — sabia que aquilo que sentia nada mais era que tristeza — com violência desferida contra o tio. Era cômico enquanto não era, Aemond dizendo ao seu lado, achando que estivesse desacordado, que tinha sentimentos por ele. Que não o odiava completamente. Tudo isso enquanto se lamentava duplamente — um lamento por medo de sua morte, outro por lamentar sua morte.
Certamente Luke nunca achara que Aemond era algum maluco, mas esse pensamento mudara agora, pensando melhor sobre tudo que vivenciara ontem.
Ele se levantou em um impulso enérgico que sabia que vinha de todos os pensamentos conflitantes que o tiravam a calmaria, sentindo o vento frio bater contra sua pele molhada e enrugada pelas horas que passara dentro da água; automaticamente protegeu o próprio corpo com os braços, sabendo que tremia e batia os dentes uns nos outros como sinal disso. Quando fitou seu corpo, com o intuito de sair da banheira com cuidado para evitar um acidente, ele viu. Era singelo e pequeno, mas estava lá, uma lembrança palpável de ontem. Em um tom profundo de roxo, marcas dos dedos de Aemond que ficaram ali no momento em que o tio apertou sua cintura quando dividiram um beijo.
Luke virou rapidamente os olhos daquela maldita visão, saindo da banheira com velocidade espantosa e um desespero ruidoso para chegar no cômodo principal de seu quarto, onde felizmente uma roupa já esperava por ele sobre sua cama, escolhida pelos criados do castelo. Cobriu aquilo imediatamente, sua única ideia sendo se livrar de mais uma forma de lembrança, mesmo quando apenas estar acordado já o impedia de esquecer tudo.
Na noite anterior, quando chegou à Pedra do Dragão, a reação de Rhaenyra foi mais de mãe que de rainha. Aemond fora imediatamente colocado entre as espadas de guardas e impedido de portar qualquer arma, as mãos para cima, até que Luke fora forçado por ele a dizer a "verdade" — que o mais velho nada tinha feito contra ele; o que, de todo modo, não era uma mentira completa. Em dado momento, Aemond realmente deixara de atentar contra sua vida — em dado momento.
Foram feitas algumas perguntas ao lado de fora do castelo, quando tudo que Luke queria era ter uma forma de fugir. Onde está Arrax. O que eles faziam juntos. O que eles faziam juntos em Vhagar.
E Lucerys teve que responder a cada uma delas.
Com a pessoa que menos queria perto de si bem à sua frente; a cada momento que olhava para Aemond, ele via que o próprio já mantinha seu olhar em si. Ele sentia um formigamento em seu corpo o lembrando que suas bocas haviam estado coladas uma na outra minutos atrás, que seus corpos haviam roçado um no outro.
E tal como no dia anterior, Lucerys seguia todas as horas desde então lembrando. Agora, jogado em sua cama sem nada para fazer e sem Jace para treinar, sua mente estava mais livre que nunca para lembrar.
— Eu o odeio. — Foi tudo que disse em horas acordadas.
Fora mais fácil para Luke se acostumar com seu ódio que com a ideia de ter o tio não o odiando. E de tanto pensar e tentar não pensar, Lucerys dormiu.
No entanto, quando o dia encontrou a noite, Luke foi acordado.
. . .
Fora um processo difícil até Aemond convencer o concelho a mandar ele ao invés de seu avô Otto até a traidora Rhaenyra Targaryen, que se auto proclamava rainha em Pedra do Dragão. Tivera parte dos senhores ao seu lado por ter se provado perfeitamente capaz e diplomático na volta de Ponta Tempestade, com um noivado e as espadas do lorde Borros na causa dos Verdes. Não havia citado nada sobre encontrar o herdeiro de Derivamarca no processo, mas sabia que seria igualmente congratulado por não ter causado acidentes entre o filho de Rhaenyra.
Aemond sabia bem como era visto por certas pessoas.
Seu interesse, no entanto, não tinha nada a ver com diplomacia.
Quando pousou com Vhagar na ilha insalubre, não lhe restavam incertezas sobre sua cabeça quanto ao que planejava fazer.
Os guardas o acolheram de forma muito menos fria que no dia anterior, e ele esperou pelos senhores e pela dita rainha na ponte que levava até o castelo. Com aquela carta em mãos — as exigências e termos exigidos não pelo rei Aegon, mas pelos senhores de seu concelho —, Aemond esperou, e não demorou muito para que Rhaenyra, sua corte e filho aparecessem.
Para que Lucerys Velaryon aparecesse.
— Rhaenyra Targaryen — ele mediu as palavras. — Venho em nome do rei Aegon, segundo de seu nome, rei dos Ândalos, dos Roinares e dos Primeiros Homens, com seus termos caso aceite seu rendimento. — Ele ergueu a mão enluvada que segurava a pequena carta. Não a leu, esperou que um dos guardas a levasse até sua rainha. Enquando esta a lia, Aemond não sopesou o que estava prestes a fazer, tinha certeza e já havia pensado muito nisso. — Venho em nome de uma causa secundária, também.
Toda a atenção se voltou para ele desta vez, enquanto seu único olho analisava apenas as reações de Lucerys. Surpresa explícita, talvez um pouco de receio — e principalmente desgosto, mas isso Aemond reparara desde que Luke colocou os olhos em si.
— Desejo ficar ao seu lado em sua reivindicação ao trono.
O silêncio foi ensurdecedor tal como Aemond imaginou. Um sorriso fluía em seus lábios, sabendo que a surpresa se passava na mente de todos, tão pouco sentido fazia ele sequer cogitar a ideia de deixar de apoiar seu irmão, sua mãe e as pessoas com quem viveu toda sua vida com verdadeira proximidade, para se juntar a ela, uma meia-irmã por quem sempre pareceu nutrir instabilidade.
— E por que deveríamos acreditar que você — Daemon disse intensificando o pronome. — Quer trair a sua família?
Quando o homem questionou, Rhaenyra se sobressaiu à sua frente, um olhar para ele cheio de significados que apenas eles poderiam entender, mas não corrigiu uma palavra sequer. Sua postura exalava poder, Aemond admirava isso, tanto quanto admirava Daemon.
— Por que não estarei traindo eles, não completamente — ele disse com cuidado e lentamente, provando do que encontrariam ali, se eles acreditassem. — Me considerem como um informante. Um infiltrado dos pretos entre os verdes.
— E dos verdes entre os pretos, com certeza. — Baela falou, a mesma pose desconfiada e raivosa para Aemond, o olhando por trás de Rhaenyra.
— Os verdes não sabem de quaisquer interesses que tenho em sua causa — e de fato não sabiam. — Venho para vocês oferecendo minha total sinceridade.
— Como se fôssemos acreditar em algo assim — a garota riu.
— Baela — Rhaenyra interviu, olhando-a seriamente até que ela tirasse a carranca do rosto. — O que você nos traz, Aemond, é um posicionamento sério. Diante do cenário em que nossa casa se encontra, separada por séquitos, sabe que preciso de mais que palavras para acreditar em você.
— Não esperava menos que isso. — Aemond afirmou.
A autodeclarada rainha parecia sopesar sua decisão final com o queixo erguido e, sem questionar qualquer um de sua corte, ela pediu uma reunião entre seu concelho e seu talvez novo membro.
A decisão tirou suspiros de suas futuras noras, enquanto os demais apenas confirmavam a decisão de sua rainha; Luke não deixou de sentir que tinha algo errado naquilo, ainda mais quando via Aemond olhando para si não com aquele olhar do dia anterior, mas o de antes.
Quando todos entraram no castelo, Aemond sob vigilância dos guardas e sem armas, Lucerys ficou atrás de todo o séquito, o último a entrar, sem entender absolutamente nada do que acontecia — do que Aemond planejava.
A conversa de fato foi duradoura, onde o Targaryen ao máximo tentou provar até onde estava levado a contribuir com aquilo. Nenhum lugar à mesa lhe fora dado, assim como nenhuma hospitalidade de nenhum dos parentes da rainha. Trataram Aemond como quem era ali: um mero informante.
Ainda assim, parecera ser suficiente. O que tinha para falar fora de fato útil e sua relevância não fora contestada, seu lugar sendo de fato aceito, ainda que com desconfiança.
Em dado momento a reunião foi dada por acabada, e um por um os senhores do concelho saíram da sala, assim como Baela guiada por Daemon. Luke, no entanto, continuara ali, e Aemond viu quando ele sussurrou algo para a mãe, que com resiliência se afastou do filho — apenas depois de alertar os guardas que estavam dentro da sala.
Assim que ela saiu, não demorou muito para que Lucerys deixasse toda a pose de lado.
— Você — ele atravessou a sala a passos largos, o semblante irado e o dedo indicador apontando para Aemond. — Você é completamente maluco. Você não sabe o que está fazendo.
Aemond continuou parado no mesmo lugar, a mesma pose ereta e sem sinais do que se passava em sua mente. Lentamente ele indicou os guardas com a cabeça.
Luke já havia pensado nisso, aguardando apenas para que todos se afastassem o suficiente. Quando olhou para cada um deles, pediu com o semblante livre da ira de antes para que saíssem, e assim todos fizeram, sem contestar.
Aemond olhou para aquilo com julgamento — enxergando guardas e cavaleiros que desobedeciam as ordens de sua rainha em nome das de um príncipe. Não que esse fosse de fato o problema que o importava.
— Sei porque está aqui — ele se voltou para o tio. — E espero que saiba…
— Você não sabe. — Ele cortou a frase de Luke enquanto o garoto ainda falava. Olhava-o no fundo dos olhos castanhos, quase implorando para que não sentisse aqueles sentimentos outra vez apenas em estar em sua presença. — Esqueça tudo o que aconteceu ontem.
Lucerys Velaryon não conseguia disfarçar a surpresa que lhe invadiu ao ouvir tais palavras, a face o deixando como um livro aberto na frente de Aemond, que lia cada uma de suas reentrâncias; o mais velho quase podia sentir uma fisgada em sua mente, lhe dizendo como era tolo.
— Está ainda mais fora de si se pensa que me importei com algo que aconteceu ontem. — Lucerys disse, se orgulhando por sua voz não fraquejar. — Meus pensamentos estão no questionamento sobre como anda sua sanidade, tio.
Luke se aproximou dele, sabendo que isso era perigoso; mas se ele afirmava que esquecesse tudo, talvez isso significasse algo sobre suas próprias lembranças.
E Lucerys também gostava de brincar, ainda mais quando isso o fazia deixar de lado mais uma mudança brusca de Aemond Targaryen.
— Então? — ele diz. — Querido tio, você parecia muito mais fora de si ontem. Lembra?
Era mais que óbvio que Aemond lembrava de cada maldita palavra que havia dito, em um momento de completa fraqueza e quando achava que estava a sós com seus pensamentos. E de tudo que se seguiu após isso.
Esquecer, no entanto, era muito mais difícil quando Luke fazia isso. Aproximava-se dele como fazia agora, manipulando-o, rindo dele, tal como sempre fez.
— Tio. Você lembra? — Ele usou o alto valiriano, falando em um tom mais baixo que o normal. — Se pede que eu esqueça do que houve ontem, certamente você esqueceu. — Ele inclinou a cabeça com o sorriso provocador nos lábios, olhando para Aemond.
Queria vê-lo sem o tapa-olho novamente.
— Esqueceu que me beijou?
Ele viu, analisando com calma, quando a pupila de Aemond dilatou, quando sua respiração ficou descompassada, quando ele lhe olhou de cima abaixo.
Esqueceu porra nenhuma.
Quando sentiu seu corpo ser empurrado e quase tropeçar em seus próprios pés antes de bater com força contra a mesa, Lucerys apenas teve certeza de suas observações. O sorriso que moldava sua boca era largo, sem arrependimentos por ter tentado Aemond a agir de tal forma, quando evidentemente tentava o contrário.
Definitivamente o merecido por brincar com Luke primeiro.
A mão do homem segurava sua cintura e sua respiração era audível, Lucerys podia sentir que ele se controlava muito mais do que ontem.
— Se lembrou outra vez! — Ele provocou. — Foi exatamente isso que você fez quando me jogou no chão, outro dia. Sua mão apertou tão forte minha cintura. — Seus rostos estavam a centímetros de distância, mas Luke se aproximou ainda mais dele, suas bochechas se tocando antes de dizer: — Você deixou sua marca no meu corpo.
Quase que automaticamente Aemond apertou seus dedos em volta dele outra vez, ouvir aquilo quase tirando sua sanidade. Todo o seu corpo o implorava pelo contrário do que sua mente ainda sã o guiava a fazer.
— Definitivamente não sou eu que tenho que esquecer. — Voltou a dizer na língua comum.
Quando Lucerys se afastou, Aemond viu o sorriso que o sobrinho carregava. Não cairia no jogo dele, definitivamente.
— Você tem que calar a boca. — Ele replicou em alto valiriano, e Luke percebeu que a última vez que o ouvira falar na língua morta havia sido durante a perseguição.
— Não é você que decide quando eu devo falar.
De fato, não era. E sua hora ali havia chegado. Antes que sua força fosse insuficiente para controlar seus desejos, Aemond soltou o corpo franzino abaixo do seu e afastou-se completamente dele. Seu corpo negava veementemente a distância, e isso apenas o fez se afastar mais ainda. Seu olho cruzou uma última vez com os castanhos, antes dele se virar para ir embora. Sua missão ali já havia sido completada.
— Aemond — a voz lhe chamou quando já alcançava a porta. Ele parou para ouvir, sem se virar. — O que fez com os restos de Arrax? — Ele questionou. — Suponho que tenha morrido após a mordida de Vhagar.
A pergunta lhe doeu. Aemond sabia exatamente porquê.
— Estão no mar.
. . .
Quando Aemond chegou na Fortaleza Vermelha, cansado e de mente cheia demais para encontrar algum lorde para contar mentiras sobre como fora em Pedra do Dragão, já era noite. Ele caminhava a passos rápidos para seu quarto, tão carrancudo quanto sempre parecia ser, quando alguém lhe chamou a atenção — vindo por uma ala que simplesmente não fazia sentido para Aegon visitar.
Ele não costumava falar com o irmão, mas a novidade o pegou despreparado, tão incomum era ver o Aegon por ali.
— Esperando por alguma carta? — Ele levantou a voz para que fosse ouvido.
E tão estranho quanto era ver Aegon vindo da ala onde os corvos ficavam, Aemond viu, pela primeira vez em sua vida, Aegon com um semblante de desolamento.
Não o que fazia quando estava caído pelos cantos, bêbado. Ou aquele que mostrava sua indignação ao exercer seus deveres como herdeiro.
Aegon parecia simplesmente desconsolado.
E agora surpreso — como se tivesse sido pego no flagra.
— Definitivamente não é um problema seu.
Ele fingiu uma normalidade, Aemond percebeu; e como de fato aquilo era o último de seus problemas, tal como seu irmão — seu rei —, ele foi embora, deixando-o sozinho.
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