– Bom dia senhorita Belle! – Vell acordou-me como fazia todos os dias, mas naquela manhã eu reclamei muito mais do que estava acostumada. Minha cabeça latejava, rodava, zumbia e meus olhos estavam embaçados e ardiam como fogo em brasa. A noite anterior fora inexplicavelmente estranha! Apenas alguns goles de uma bebida mágica e eu fiquei fora de mim. Mal sabia como havia chegado até meu quarto, mas percebi ainda estar com as roupas da noite anterior. A última coisa que me lembrava era dos olhos de Légolas dançando sobre os meus e meu corpo se deixando levar.
Eu odiava ter que acordar tão cedo só para ir tomar café com os outros, preferia dormir e depois comer sozinha se fosse possível. Certeza que o príncipe não se importaria se eu não aparecesse um dia sequer, porque eu não estava na disputa por seu coração. Mas, mesmo estando além da minha capacidade de raciocínio naquele dia, Ang e Vell insistiram para eu ir até a mesa de café para pelo menos ouvir as novidades do dia.
Levantei-me de minha cama quase caindo no chão por não conseguir concentrar-me em abrir os olhos. Ang e Vell já esperavam por mim no banheiro com aquela sessão de tortura feita com cera de mel de abelhas e umas pinças que me faziam tremer de dor sempre que as sentia na pele.
– Vocês sabem que eu não estou aqui para conquistar o príncipe, não é? Por que tenho de fazer isso ainda? – Protestei, afinal era a mais pura verdade.
– Não é só porque a senhorita resolveu abandonar a sua chance que vamos deixá-la totalmente largada. E lembre-se que para as outras a senhorita ainda é uma concorrente. – Vell explicou, preparando meu banho e meu vestido para aquele dia.
– Eu acho que elas realmente não me veem mais assim, apesar de nunca esclarecer que não estou aqui para conquistá-lo. Nos últimos tempos ganhei muito mais "amigas" do que tive em toda a minha vida - Apesar de saber que eu nem posso considerá-las assim.
– Acho mesmo imprudente a senhorita sair dizendo que não se interessa em ser escolhida pelo príncipe. Talvez ele lhe escolha. – Ang passara a dizer tal coisa para mim a partir do momento em que lhe contei sobre meu primeiro encontro com Légolas. Na verdade, minhas criadas tinham a esperança de que em algum momento eu e ele nos interessássemos um pelo outro em algum.
– Somos, bem... "amigos" agora. – Esclareci, pensando se realmente poderia considerá-lo assim. – Ele precisa de mim para encontrar a pessoa ideal, e eu estou fazendo isso da melhor maneira que consigo. Ele não vai escolher uma garota que não tem nada a ver com ele, até porque se eu tivesse algo em comum com o príncipe, já teria me apaixonado provavelmente.
Defendia-me enquanto despia toda a minha roupa e deitava na cama para começar com a depilação. Ang e Vell entreolharam-se e sorriram.
– A única que tem coisas a ver com príncipe aqui é você, só não viu isso ainda. – Ang disse, cheia de si por achar que tinha razão, e retirando uma camada dos meus pelos das pernas. A dor foi tão grande, que eu não pude sequer contradizê-la.
Ao banho pude sentir minha cabeça melhorar aos poucos. Algumas lembranças voltavam como flashs, estranhos e repetitivos flashs que me faziam sentir culpa por não ter ouvido o elfo.
-Alguém sabe me dizer como cheguei em meu quarto? - perguntei enquanto sentia meu cabelo sendo lavado cuidadosamente.
-Não veio andando? - Vell perguntou procurando entender melhor. - Achei que tinha vindo após os fogos de artifício.
-Não, eu nem vi os fogos. - esclareci. - Eu bebi alguns goles daquela bebida rosa e meu mundo virou de cabeça para baixo.
-Como é? - Ang riu.
-A última coisa que me lembro é de chamar Légolas para dançar...
As elfas entreolharam-se desconfiadas.
-Explique melhor. - Ang pediu.
-Eu realmente não tenho ideia do que aconteceu após isso. - expliquei tentando encerrar o assunto. - Acho melhor perguntar ao príncipe depois.
Cheguei ao café da manhã e percebi que o único lugar disponível era à esquerda do rei Thranduil. Como sempre, estava mais do que atrasada e as cadeiras foram sendo diminuídas de acordo com as saídas das garotas, mas percebi que faltavam três cadeiras e três garotas: duas elfas e uma humana.
Fiz uma reverência tentando parecer o mais delicada possível, já que o próprio rei dissera que eu era horrível nisso, desconfiando fortemente do que havia acontecido.
– Bom dia Majestade. – cumprimentei Thranduil, sentando-me ao seu lado. – Bom dia, vossa Alteza.
Légolas reverenciou-me com a cabeça e sorriu, um rubor leve aparecendo em suas bochechas, já Thranduil observava-me atencioso e interrogativo, mas aquilo já nem me incomodava mais mesmo sabendo que em qualquer momento ele possa ser grosso e indelicado comigo.
– Swín. – Légolas chamou a elfa responsável que estava à porta, que sempre ficava de olho em nós a todos os momentos. – Pode dizer às criadas das garotas para vesti-las com a cor que quiserem. Já sei o nome de todas aqui, e elas não precisam ser identificadas com cores mais.
– Imediatamente, vossa Alteza. – Swín disse e saiu.
Percebi as garotas sorrirem discretamente. Elas já não eram tão vergonhosas ou mantinham o clima de medo. Em pouco tempo Légolas passara de príncipe mal-humorado para desejado por todas outra vez.
-Margareth? - chamei a atenção da elfa que estava ao meu lado.
-Hm? - ela mal se importou em me responder direito.
-O que aconteceu com as outras garotas? Onde estão?
-Expulsas. - ela respondeu e riu descaradamente. - Légolas expulsou Glenda, Jisel e Molly, e se quer saber por pouco Jesebel não fora também.
-Mas o que houve?
Margareth encarou-me com aqueles olhos verdes sedutores e faiscantes que tinha, estava claramente empolgada com a saída das garotas.
-Aquela bêncão, Belle, deixou muito claro para o príncipe quem estava interessado nele e quem não estava. Creio que era essa a verdadeira intenção daquele ritual.
Margareth esclareceu e eu me lembrei; Glenda, Jisel e Molly foram as garotas que ficaram vidradas nos olhos dos rei na noite anterior. Então eu estava certa, havia algo naquele líquido que nos enfeitiçou. Ou melhor, nos revelou.
Todas tomávamos café em paz, e eu observava como cada uma se portava diante a expulsão das outras. Sabia que Légolas já tinha algumas preferidas pelo modo em que ele me contava os detalhes dos encontros, mesmo ele dizendo na noite anterior que não, mas eu não sabia dizer se essas eram realmente as ideais para ele. Em minha opinião, Margareth e Sigrid não eram as mais indicadas para serem sua futura esposa, apesar de saber que o príncipe havia gostado muito de estar com elas pela facilidade com que conseguiu se aproximar de ambas.
Margareth era uma elfa esplêndida. Tinha os olhos verdes como esmeralda e cabelos muito pretos, que contrastavam perfeitamente com sua pele alva. Mas ela tinha um jeito esnobe de ser, preferia guardar as coisas para si do que compartilhar para as outras e tinha um orgulho que era a coisa mais abominável em alguém. Eu realmente não gostava dela, mas não dizia pra parecer ser implicância ou querer prejudicá-la.
Sigrid também era meio esnobe, mas ainda assim tinha um jeito peculiar de menina que era um encanto, e eu reconhecia isso. Mas, no fundo, sabia que ela não se comportava da mesma maneira que se comporta conosco quando está ao lado do príncipe, e isso eu não suportava em ninguém, mesmo passando meus dias ao seu lado. Se você vê que alguém muda perante outra pessoa, seja ela quem for, já sabe que é duas caras. Que Bard me perdoe, mas em algum momento de sua vida, sua filha deixou de ser aquela garotinha doce e inocente do barqueiro da cidade do lago, e passou a ser a princesa de Valle.
Mas como dizer à Légolas que elas não eram as mais indicadas? Eu não saberia fazer sem deixar de ser grossa e provavelmente eu o magoaria. Por mais que eu tivesse já certa intimidade com ele, questionar suas preferências já me parecia demais.
Thranduil falava algo, e tive que despertar-me para entender o que era.
– O que achas? – o rei perguntou e só nesse momento pude perceber que estava dirigindo-se a mim.
– Perdão? – encarei-o sem entender uma palavra sequer, e com bastante medo de ser repudiada na frente de todas ali.
– O baile da virada do ano, poderias tocar alguma de suas canções nele? - ele repetiu.
– Eu? Bom... claro, eu adoraria. - aceitei um tanto confusa. - O que eu devo tocar?
– Você sabe tocar? – Légolas perguntou-me surpreso. Por mais conversas que tivemos, nunca havia mencionado à ele que tocava alguma coisa. Na verdade, nunca falei quase nada sobre a minha vida fora do palácio para ele.
– Toco piano e flauta. – esclareci, percebendo que todas as garotas estavam curiosas pela conversa.
– A ouvi tocar umas semanas atrás. Ela é muito boa, deveria fazer aulas com ela, meu filho. – Thranduil disse, e senti-me envergonhada pelo elogio. – Légolas sabe tocar também, herdou o talento da mãe, mas não tem tanto interesse pela música quanto eu gostaria. - o rei comentou esclarecendo também para as outras garotas.
– Obrigado por esclarecer isso, Ada. – Légolas rebateu um tanto envergonhado.
As outras garotas fizeram cara de ciúmes. A maioria sabia que eu passava muito mais tempo com o príncipe do que elas mesmas, e não gostaram de imaginar que eu tomaria mais um pouco do seu tempo ensinando-lhe alguma coisa.
– Tenho certeza de que ele não precisa de aulas com uma simples humana. Apostaria tudo o que tenho que é muito melhor do que eu. – disse, tentando fugir daquele assunto ilesa.
– Na verdade, eu adoraria ouvir você tocar. E se for tão boa quanto meu pai acha, poderia me relembrar algumas coisas. – Légolas pediu, e eu sabia que não poderia recusar, mesmo recebendo olhares fulminantes das demais.
– Claro. Quando quiser, alteza. - assenti.
– E quanto ao ano novo? Gostaria de tocar para o reino? Sei que será formidável. – Thranduil insistia um tanto eufórico.
– Aceito, majestade. Será uma honra. Mas, acho que talvez haja mais alguém que gostaria de tentar também. Sei que há muitas meninas talentosas em nosso meio.
Duas garotas, Trinna e Victory se pronunciaram, dizendo que ambas tocavam violoncelo e harpa, mas não cantavam. E pelo visto, nenhuma das outras gostavam de música tanto para aprender a tocar algo, até mesmo as elfas restantes, o que era muito estranho.
– Alguém mais gostaria de se apresentar e cantar? Alguém sabe tocar alguma coisa? – Thranduil perguntou e fez-se silêncio na mesa.
– Parece que é só a senhorita que sabe cantar. – Légolas riu e piscou para mim, me relembrando da cena deprimente que eu me sujeitei perante ele na noite anterior. Fiquei um tanto frustrada por isso.
Como de costume, esperei todas saírem da mesa do café para falar com Légolas sobre qual garota ele gostaria de ter seu encontro hoje depois do jantar. Normalmente eu passava o dia conversando com ela, e depois dizia a ele tudo, que decidia qual assunto ele abordaria no encontro.
– Espero que não tenha lhe causado algum constrangimento. – Thranduil surpreendeu-me quando já estava de saída, tomando uma de minhas mãos e beijando-a delicadamente. – Ainda aguardo por seu chamado quando for tocar, sei que estás muito ocupada ultimamente, mas espero que tenha um espaço de seu tempo.
– Lhe informarei, Majestade. – assenti. Já que até ele mesmo, que era o rei, tirava um pouco de seu tempo para me ouvir tocar, por que eu deveria recusar? – Precisarei ensaiar para o ano novo.
– O salão estará sempre aberto para você. – Thranduil disse, reverenciando-me e a seu filho que estava ao meu lado, retirando-se do local em seguida.
– Acho que meu pai gosta de você. – Légolas brincou após observar as atitudes do pai. – Ele não gosta de muitas pessoas, isso é algo fascinante.
– Juro que não fiz nada. – Ri de mim mesma, eu realmente não entendia o porquê dele gostar de mim. Talvez gostasse apenas da música, não da minha pessoa.
– Não se atreva a mostrar seu lado perverso para ele. Mesmo que ele já conheça, pois contei tudo sobre você, e mesmo que tente parecer um doce, todos conseguem ver que não chega nem perto disso.
– Vocês não têm mesmo sobre o que conversar, não é? - provoquei.
– Não se acha um bom assunto?
– Não entre realezas.
Légolas ria de mim de um jeito engraçado. Na verdade, quando o pegava rindo me dava vontade de rir também, pois era uma risada espontânea e totalmente incontrolada.
– Ah sim. Mas saiba que a senhorita é atraente, bonita, um pouco arrogante, confesso, mas eu até gosto desse seu lado parecido com Thranduil. Tem bom porte, é uma dama...
– Você está brincando comigo, não é? – disse enquanto ria dele repetindo tudo o que eu disse sobre ele mesmo, na noite em que tivemos o primeiro encontro.
– Mas saiba que a senhorita não sabe se comportar perante um homem... não, um elfo. – Légolas corrigiu, rindo de si mesmo.
– Muito engraçado quando não é com você, não é Alteza?
– Só estou dando o troco, Luzziel. Você disse tudo àquilo sobre mim, mas é exatamente desengonçada, sem jeito e está totalmente perdida aqui, como eu. Na verdade, acho que se eu tivesse uma versão feminina, essa seria você.
Entendi porque Ang achava que eu e Légolas tínhamos mais em comum do que eu imaginava. Enquanto Légolas dizia aquilo, reparei que era verdade. Eu e ele tínhamos muito em comum, talvez por isso já o considerasse meu amigo em tão pouco tempo.
– Depois você me ensina como devo me comportar adequadamente. - provoquei.
– Farei com gosto. - ele concordou sorrindo cinicamente.
-Antes de lhe perguntar sobre a garota de hoje, poderia me dizer como cheguei ao meu quarto noite passada? - perguntei e senti os pelos do corpo se arrepiarem ao ver Légolas aumentar seu sorriso cínico.
-Não se lembra?
Fiz com a cabeça que não, tomando um ar sério.
-Eu a levei após a minha tentativa quase falha de resistir ao seu chamado para uma dança. - ele confessou e eu corei. - Mas você praticamente desmaiou quando te peguei em meus braços. Então a levei para o quarto e a coloquei na cama...
Légolas esclareceu e eu queria botar minha cabeça em um buraco se pudesse naquele momento. Ainda bem que mal me lembrava do que havia acontecido.
-Cobri seu corpo, fechei as cortinas e lhe dei um beijo de boa noite. - ele terminou e eu estremeci.
-Um o quê? Onde?
-É brincadeira! - Légolas recomeçou a rir de meu espanto. - Acalme-se, apenas lhe coloquei em sua cama e fui embora.
Suspirei em alívio, rindo um pouco depois imaginando-o tendo que se responsabilizar por mim bêbada e desacordada.
– E qual será a garota do encontro de hoje?
Légolas parou um pouco para pensar. Encarou-me como se eu tivesse a resposta para ele, mas eu não sugeria nenhuma desde o terceiro dia, apenas dava-lhe cores e ele dizia qual queria, e eu passava a tarde conversando com a garota. Mas agora que ele sabe o nome de todas, poderia simplesmente escolher uma.
– Tire uma folga. – Légolas disse, depois de minutos de conclusão. – Eu não quero ter um encontro com nenhuma das outras garotas hoje, deixe-as descansarem. Pode fazer o que quiser durante a tarde, se bem que acho melhor ir tocar algo para o meu pai. Ele certamente aguarda ansioso por sua música.
– Eu pensei em dormir. – confessei, parecendo muito preguiçosa. – Mas eu vou dar esse agrado ao seu pai.
Légolas sorriu mais uma vez e beijou minha testa. Apesar daquilo nunca ter acontecido, pareceu-me algo muito comum, como se já praticássemos há tempos e eu estivesse acostumada. Saiu do salão do café depois disso, e percebi que a presença de Vell e Ang não foi notada por mim antes. Elas provavelmente me esperavam para começar a preparar novos vestidos coloridos para mim, já que não precisava mais me vestir apenas de branco.
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