Andei a procura do meu quarto assim que me vi fora da presença de Legolas. Não levaria muita coisa dali, apenas o que eu havia trago e mal mexi, pois já tinha tudo o que precisava em meus dias corridos no castelo. Minhas roupas que ainda restavam estavam embaladas cuidadosamente, meus poucos pares de sapatos em meio a elas, meus desenhos e alguns livros que trouxe de casa. Era tudo o que eu precisava para partir do castelo, abandonando completamente aquele antigo desejo de carregar todos os vestidos que ganhei.
Sem pensar muito, peguei tudo o que me pertencia em menos de um minuto. Corri por todo o quarto em busca dos poucos pertences, não fazendo questão sequer de deixar um bilhete para Ang e Vell depois. Também não me atrevi a passar os olhos por onde foi meu lugar nos últimos meses, sabia o quanto eu era desnecessariamente sensível, e choraria pelas lembranças do mesmo e pelo rumo dado a minha história em tão pouco tempo.
Também não carregaria lembranças de Legolas. Ganhei dele penas aquela coroa que me foi dada no dia anterior e a espada, na qual eu não levaria também. A caixa da joia com o bilhete no fundo foi deixada exatamente onde estava, aberta e com a bela caligrafia das mentiras do príncipe. Era obvio que ele escrevera aquilo para todas, sendo um bilhete coletivo e sem muita expressão.
Percebi que o príncipe não sabia realmente lidar com sentimentos e pude apostar o quanto ele estava confuso com tudo aquilo. Legolas não me amava, apenas estava cumprindo com a promessa de seu pai, e mesmo que não tivesse conhecimento de tal coisa, de certa forma ainda estava levando à diante a ideia dele. E eu não deixaria Thranduil me domar assim.
Inaceitável.
Sempre tive orgulho de não me deixar levar por coisas banais ou que não me interessam. Sempre prezei a liberdade, e não vai ser agora que a venderei para o rei Thranduil. Se ele e mamãe têm problemas conjugais, eles que se resolvam! Não precisavam meter Legolas e eu nisso, seus próprios filhos, para consertarmos seus erros do passado.
Desci as escadas com as malas nas mãos. Tudo feito às pressas e sob o olhar curioso de algumas garotas e servas do palácio que me perguntavam por onde eu ia. Andei por diversas partes do palácio sem encontrar pistas nem de Runel. Mamãe já não me importava. Por mim, se ela estivesse se esfregando no rei seria mais como um alívio, mesmo sabendo que seria uma tremenda traição para com meu pai.
Avistei o soldado que fez a confusão com os bilhetes de longe. Este postava-se frente à porta de entrada para um dos muitos jardins do palácio, conversando distraidamente com outro elfo estrategicamente parecido com ele.
Dirigi-me ao soldado que ficou de entregar o bilhete à Runel, mas levou até o rei, afim de saber em qual quarto meu amigo se hospedara.
– Você me meteu numa confusão sem precedentes! – Disse ao elfo, que se assustara com meu olhar furioso.
– Como é?
– O bilhete! Não era para entregar ao rei, era para o jovem moço que se hospedara na noite anterior junto com meus pais. – respondi sentindo meu coração acelerar pela agitação.
– Sinto muito senhorita. Mas os bilhetes escritos por você e sua mãe não continham remetentes e a escrita era praticamente a mesma, e como são muito parecidas uma com a outra, os confundi. Juro a senhorita que não foi por querer. – o guarda parecia querer justificar-se um tanto aflito, tentando esconder o tom de desespero da voz.
– Não importa mais! – Meu tom de voz elevava-se aos poucos pela agitação e nervosismo de meu corpo. – Onde é o quarto dele? Preciso vê-lo.
A expressão do guarda confundiu-se.
– Do meu amigo, não do rei. – Esclareci.
– Ah, claro. Terceiro andar a direita, procure a partir do sétimo quarto. Não sei onde ele possa estar, precisei bater de porta em porta até encontrar o jovem humano... – O guarda disse, e antes mesmo de terminar segui rumo às escadas em busca do terceiro andar.
Bati na porta do sétimo quarto, com a esperança de que Rúnel já estivesse nele, mas ninguém atendeu. Passei a ouvir entre a porta antes de bater, para me certificar de que houvesse alguém, ou que não fosse uma mulher no quarto. Mais pessoas envolvidas naquele assunto não eram necessárias. Chegando ao décimo primeiro quarto, colei meus ouvidos à porta e ouvi o que era, aparentemente, a voz de Runel com outra pessoa. Dei meia volta a fim de sair dali, mas ouvi a segunda voz mais claramente que me fez parar, e essa parecia com a do príncipe.
Bati à porta com um pouco de receio. Meio minuto depois, a porta abriu-se revelando que eu estava certa.
Os olhos de Legolas cravaram-se nos meus cheios de fúria, mas pareciam esperar por mim a qualquer instante.
– Sabia que o procuraria. – O príncipe confessou enquanto eu adentrava o quarto.
– Pelo visto sabe muito mais da minha vida do que eu imagino. – respondi em desaprovação.
– Seu amigo estava procurando-lhe, se quer saber. E eu, como os vi dançando ontem em meio a multidão, deduzi que a senhorita viria atrás dele. – O elfo esclareceu.
Os olhos de Runel cravaram sobre os meus. Sua expressão fria condenava o desapontamento para comigo, e pela tensão em que ele e Legolas estavam, a conversa não pareceu ter dado bom rumo.
– Vamos embora, Runel. – Pedi ao moreno, que se postava ao lado da janela.
Ele maneou a cabeça em discordância.
– Não acho que deveria sair do castelo assim, sem mais nem menos. – Runel respondeu friamente.
– Como é? – Voltei-me para o príncipe. – O que disse a ele?
– Nada além da verdade. – Legolas emitiu um tom frio em sua voz, cruzando os braços e se postando frente a mim e a Runel. – Esclareci tudo o que vivemos nesses meses. E confesso que me surpreendi com as suas promessas para com esse cavalheiro. Por que nunca mencionou sequer o seu nome? O que além disso esconde, Luzziel Belle Phalnn Lúmien?
Ótimo, agora ele aprendera meu nome completo? Não creio que me casaria com alguém que mal sabia quem era meus pais. Legolas e Runel encaravam-me em desaprovação naquele momento. Como se não bastasse, eu era a vilã da história agora.
– Não acredito que o prometeu voltar, que deu esperanças a ele. – Légolas segurava-se para não explodir em fúria. – E depois, ainda disse que me amava e que estava disposta a tentar.
– Eu... você não entendeu nada! Vocês dois não tem o direito de me julgar assim. E você, alteza, mal me conhece e acabei de perceber isso. Nunca o contei sobre ele porque todo o foco aqui sempre fora em você. Não jogue suas desconfianças em mim, não me julgue por tê-lo escondido essa parte de meu passado.
– Certo. – Runel começou. – Eu sempre lhe disse que ele se apaixonaria por você, e você disse que jamais se interessaria. Tive esperanças, Bel. Te esperei esse tempo todo. Mas isso não me surpreende. Aceitei sua decisão quando o príncipe me contou feliz e crendo que estava mesmo fazendo a coisa certa, mas não seja estúpida dessa maneira! Vai abandoná-lo sem mais nem menos?
– Ótimo. Agora tem um complô contra mim. – A situação era realmente inacreditável.
Legolas e Runel postaram-se diante mim de forma assustadora. Ambos altos e estrategicamente fortes, que me provocou arrepios.
– Agora quer voltar para os braços dele? – Legolas continuava, fitando meu desespero. – Não acredito que possa ser tão mesquinha!
Runel desviou-se para a porta. Tinha um ar de tédio em seu rosto, mas seus olhos marejavam.
– Aonde vai? – Perguntei quando percebi sua intenção.
– Esperarei lá embaixo. Vocês dois precisam conversar, chegar num acordo. – Runel respondeu enquanto segurava a maçaneta dourada da porta. – Quando terminarem, e se você ainda quiser ir, levarei a senhorita. Então conversaremos. Mas por enquanto, deve explicações a ele. Você o julgou, mas também agiu me modo errado ao esconder seu passado. Não é apenas ele quem deve satisfações.
O humano saiu, deixando-me sozinha no quarto com o príncipe que soltava fogo pelos olhos. Sua expressão era de pura raiva, e o controle sobre seu corpo parecia falhar por diversos momentos quando o percebia fechar o punho e morder os lábios. Não sabia se ele estava a ponto de explodir em fúria, ou se estava prestes a me puxar para um beijo. Mas qual fosse sua atitude eu a temeria, pois nunca vi Legolas daquela forma.
O príncipe dirigiu-se para a janela e respirou fundo tentando recuperar o controle de seu corpo. Suas mãos ainda fechadas exibiam de forma grotesca suas veias saltadas que pulavam sobre a manga levantada de suas vestes brancas. Ele havia retirado a grossa veste que vestia mais cedo, exibindo parte de suas roupas que, normalmente, eram escondidas por seus casacos de caça, ou suas vestes verdes musgo que normalmente usava para as ocasiões com as moças.
Ele tentava recuperar o ar, suava em meio a brisa fria da manhã. E, enquanto atrevia-me a chegar mais perto dele, pude perceber que em sua face lágrimas desciam aos poucos e ele tentava controla-las antes de me encarar. Suas lágrimas, no entanto, eram de um ódio que pude sentir crescer dentro dele, que me fizeram sentir ainda mais pena dele e de mim mesma. A situação era complicada e muito crítica naquele momento, e por mais que as palavras fossem esclarecedoras, elas não bastariam para tudo ficar bem entre nós. Talvez se alguns dos segredos fossem preservados, seria melhor para ambos. Mas as coisas estouraram como uma bolha de sabão, tão rápido e de repente que não deu tempo de pensar.
Toquei levemente em seu braço. Queria que ele olhasse para mim.
– Eu estou tentando dizer adeus, Legolas. – esclareci, percebendo que aquelas palavras machucaram ainda mais o elfo. – É claro que está tudo errado entre nós.
– Você insiste mesmo nisso? Não vê que estamos predestinados a ficar juntos? Por que insiste em não aceitar?
– Você aceita? Seu pai faz escolhas para você, e você simplesmente aceita? Não quer ter sua vida própria, seus próprios sonhos e desejos e escolher por você mesmo a mulher dos seus sonhos?
– A escolha de te amar não foi dada por ele. Eu escolhi. Eu te escolhi. Se ele e sua mãe planejaram desde o início, que culpa tenho? Eles não poderiam tomar as decisões do meu coração, e meu pai ainda me deu outras vinte e nove opções. – O príncipe dizia enquanto sua expressão dura continuava, mas suas lágrimas denunciavam o sofrimento. – E ainda assim eu me apaixonei por você. Sei que você me ama, Luz. Não há planos de reis que poderiam fazer você sentir isso por mim, não há homem no mundo que possa fazer alguém amar outra pessoa a força.
– Fui favorecida. – Respondi recordando-me de toda a falsa gentileza de Thranduil, e o fato de o rei engolir minhas grosserias. – E provavelmente fui criada com o intuito de lhe agradar também. Agora tudo se encaixa perfeitamente, todas as lições de comportamento, toda a delicadeza, os gostos, tudo instruído para agradar a realeza.
– Realmente! Foi tão favorecida, que até mesmo meu pai se propôs a desposá-la.
Legolas desviou seu olhar do meu, passando a andar pelo pequeno quarto em que Runel estava hospedado.
– Não acredito que ame aquele cavalheiro. – O príncipe disse referindo-se à Runel.
– Meu amor por ele é diferente. – Respondi, observando o príncipe me encarar com dor. – É fácil, sem complicações. Sem intensidade eu diria, sem dor. É calmo e sereno, é algo que dura há anos.
Legolas riu sarcástico.
– Isso não é amor! Não amor conjugal. – ele disse, enquanto limpava suas lágrimas que insistiram em repousar em seu rosto. – É o mesmo que eu senti por Tauriel, é fraternal, coisa parecida com o de irmãos.
De certa forma, concordava com Legolas. Mas aquele tipo de amor era o mais fácil, e eu aprovava por sua simplicidade.
– Eu não me importo com paixão, se é o que está querendo me esclarecer.
A expressão do príncipe voltara a ser dura. Aproximou-se de mim rapidamente, imprensando meu corpo na parede, me fazendo assustar com o gesto. Ele passou sua mão sobre meu rosto e o acariciou, afagando minha face tensa por sua presença e seu toque tão repentino.
– Se não se importa com paixão, então por que seu corpo arrepia-se por inteiro quando lhe toco? Por que se derrete por completo em meus braços enquanto te beijo, e deixa minhas mãos passearem por ele, não se importando para onde elas vão? – Legolas passou sua mão em minha boca, e erguendo-me um pouco, passou a acariciar meu pescoço com seus lábios, enquanto falava contra a minha pele. – Por que sente seu corpo arder todas as vezes que faço isso? Eu consigo sentir seu arrepio, ouço seus gemidos de prazer. Se não se importa, então por que me toma em suas mãos e me guia para onde você quer que minha boca vá em sua pele, e na menor brecha toma fôlego para continuar sentindo?
Enquanto ele falava, suas mãos desceram ao meu colo e acariciaram aos poucos ao redor dos seios, por pouco ainda tampados pelo vestido. Mordi meus lábios diante aquela tentação que era senti-lo em mim.
Com força, escorreguei dos braços de Legolas, e respirando fundo pedi com as mãos que parasse.
– Você é o único que me despertou isso. – confessei, deixando minhas lágrimas caírem. Meu corpo reclamou uma dor antes inexistente. – E eu admito que amo ter essas sensações que você me proporciona. Mas não vê? É errado. Nossos pais se entregaram a uma paixão enlouquecedora como essa, e agora olha como estão? Nunca imaginei que Thranduil fosse comer na palma das mãos de uma humana! E ele ainda não percebeu isso, mas mamãe é a única que poderia acabar com sua vida de maneira humilhante, e ele ainda se sentiria culpado e se rastejaria aos pés dela.
– Não nego que isso é real. Mas é a vida deles, não a nossa! – Legolas voltara com sua dura expressão. – Podemos fazer diferente. Podemos viver esse amor da maneira que quisermos. Seremos felizes, seremos livres. Eu juro a você.
Suspirei e tentei não cair na tentação das promessas do príncipe. Aquela conversa já estava mais do que cansativa para mim. Nosso romance deveria acabar por aqui, e ser esquecido por todo resto de nossas vidas para o nosso bem e para a liberdade dele.
– Não entendeu ainda que lhe entreguei meu coração? – Legolas recorreu a pena.
Caminhei até a porta, e mais uma vez encarei o príncipe em busca de um adeus.
– Não deveria ter feito isso. – respondi, quase engasgando em meu próprio choro. – Vou embora com Runel. Eu o amo muito e seremos felizes. – Menti. Depois de tudo o que tive com Legolas, era óbvio que meus sentimentos por Runel não chegavam ao mesmo ponto. Era realmente algo fraternal.
– Você não pode ir! – Legolas disse com um ar de superioridade na voz. – Eu ordeno que fique!
O príncipe pegou-me pelo braço, apertando-o com toda a sua força, carregando-me de volta para o quarto enquanto sua expressão mudara-se mais uma vez. Senti certo medo, mas aquele sentimento não era justificado. Eu sabia lidar com Legolas assim como minha mãe sabia lidar com o rei, e agora via o porquê de ser exatamente como ela. A prática de lidar com a realeza arrogante estava no sangue, aparentemente.
– Você é exatamente como seu pai. Não aceita o fim, não sabe quando parar. – Respondi, deixando-me levar por ele, tendo plena certeza no tamanho do impacto que aquelas palavras produziriam.
Legolas, então, soltou-me. Percebeu que fora longe demais naquele momento e, chocado com minha declaração ele saiu do quarto antes mesmo de mim em passos muito largos que me fizeram perdê-lo de vista rapidamente.
Sai do quarto também, fechando a porta delicadamente, tendo a esperança de que ninguém ali perto tivesse ouvido nada do que aconteceu. Meus olhos já não aguentavam mais jorrar tantas lágrimas, porém, mais uma vez naquele dia elas desceram aos montes, pesadas e contínuas, derretendo em minha face o desespero e a tristeza que fora amar alguém tão erroneamente.
Deixei meu corpo recostar-se na porta enquanto sentia meu rosto e busto receberem toda a angústia que se apoderou de meu peito naquele instante.
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