– Acho que me esqueci de dizer que eu sou filho do marido número dois da Esther. Ela ficou casada por doze anos com o meu pai, desde que eu tinha 3 anos e Klaus, 4. Quando se separaram, Klaus e eu já éramos irmãos. O simples fato do meu pai ter se divorciado da mãe dele não mudou nada para a gente. Fomos para a faculdade juntos e entramos até para o mesmo grêmio.
Ah, certo. Por essa eu não esperava.
– Quantos maridos a Esther teve?
Marcel deixou escapar uma risada curta e dura. Em seguida, começou a andarem direção à porta.
– O seu pai é o número quatro.
Meu pai era um idiota. Aquela mulher parecia trocar de marido como quem troca de calcinha.
Quanto tempo demoraria para se livrar dele e partir para outra?
Marcel tornou a subir a escada e não me disse mais nada enquanto seguia na direção da cozinha. Era um cômodo imenso, com bancadas de mármore preto e aparelhos complicados.
Lembrava aqueles lugares que saem nas revistas de decoração. Ele abriu uma porta que parecia uma grande despensa com espaço para uma pessoa entrar.
Sem entender, olhei em volta e o segui até lá dentro. Ele foi até a dispensa e abriu outra porta.
Havia espaço suficiente para ele entrar e pôr a minha mala em cima da cama.
Era óbvio que estávamos debaixo da escada.
Espremido entre a cama e a parede tinha um criado-mudo.
Tirando isso, mais nada.
– Não tenho a menor ideia de onde você pode guardar a sua mala. Este quarto é bem pequeno. Para ser sincero, é a primeira vez que venho aqui. – Marcel balançou a cabeça e suspirou. – Escute, se quiser ir comigo para o meu apartamento, tudo bem. Pelo menos posso lhe oferecer um quarto no qual dê para se mover.
Por mais gentil que Marcel fosse, eu não estava disposta a aceitar a oferta.
Ele não precisava de uma hóspede indesejada ocupando um dos seus quartos.
Pelo menos ali eu estava escondida e ninguém iria me ver.
Poderia limpar a casa e arrumar um emprego em algum lugar.
Talvez Klaus me deixasse ficar dormindo naquele quartinho desocupado até eu ter dinheiro suficiente para ir embora.
Ali eu não tinha tanto a sensação de estar impondo a minha presença.
No dia seguinte, iria encontrar um mercado e usar os meus 20 dólares para comprar comida.
Pão com manteiga de amendoim devia bastar por uma semana, mais ou menos.
– Aqui está perfeito. Assim eu não atrapalho. Além do mais, Klaus amanhã vai ligar para o meu pai e descobrir quando ele volta. Talvez ele tenha um plano, sei lá. Mas obrigada, valeu mesmo pela oferta.
Marcel correu os olhos pelo lugar mais um vez e fez uma cara feia.
Ele não estava contente com aquele quarto, mas eu estava aliviada.
Que gentileza a dele se importar comigo.
– Detesto deixar você aqui atrás. Parece errado.
Ele tornou a olhar para mim, e dessa vez a sua voz adquiriu um tom de súplica.
– Está ótimo. Muito melhor do que na picape.
Marcel franziu o cenho.
– Na picape? Você ia dormir lá?
– Ia, sim. Mas isto aqui me dá um pouco de tempo para decidir qual vai ser o meu próximo passo.
Marcel passou uma das mãos pelos cabelos ralos.
– Você me promete uma coisa? – pediu.
Eu nunca fui de prometer nada.
O que eu sabia sobre promessas era que elas se quebravam com facilidade.
Dei de ombros. Era o melhor que podia fazer.
– Se Klaus obrigar você a ir embora, ligue para mim.
Comecei a concordar, mas percebi que não tinha o telefone dele.
– Onde está o seu celular para eu poder gravar o meu número? – perguntou ele.
Aquilo iria fazer eu soar ainda mais digna de pena.
– Não tenho.
Marcel me encarou boquiaberto.
– Não tem celular? Não é à toa que você anda armada. – Ele enfiou a mão no bolso e pegou o que parecia um recibo. – Tem caneta?
Tirei uma da bolsa e entreguei para ele.
Ele anotou o número rapidamente e me entregou o papel e a caneta.
– Ligue para mim. É sério.
Eu jamais ligaria, mas era gentil ele me oferecer. Concordei. Não tinha prometido nada.
– Espero que você durma bem aqui.
Ele olhou em volta com um ar preocupado. Eu iria dormir maravilhosamente.
– Eu vou – garanti.
Ele assentiu, saiu do quarto e fechou a porta.
Esperei até ouvi-lo fechar também a porta da despensa antes de me sentar na cama ao lado da mala.
Aquilo estava bom.
Eu podia me virar com aquilo
Mesmo sem janelas no quarto para me dizer se o sol já nascera, eu sabia que tinha dormido até tarde.
Fui me deitar exausta, mas a longa viagem de oito horas e os passos na escada durante horas depois de eu ir para a cama me impediram de dormir.
Eu me espreguicei, me sentei e estendi a mão para o interruptor na parede.
A pequena lâmpada iluminou o quarto e estiquei o braço até debaixo da cama para pegar a minha mala.
Precisava de um banho.
Se todo mundo ainda estivesse dormindo, eu poderia usar um dos banheiros sem ninguém perceber; mas Marcel não tinha me mostrado onde ficava.
Só me ofereceram o quarto, mas eu esperava que uma ducha rápida estivesse incluída no pacote.
Peguei uma calcinha limpa, um short preto e uma camiseta branca sem manga.
Com sorte, conseguiria entrar e sair do chuveiro e começar a faxina antes de Klaus descer.
Abri a porta que dava para a despensa, passei por entre as prateleiras que continham mais comida do que qualquer pessoa jamais poderia precisar.
Girei a maçaneta da porta devagar e a abri.
A luz da cozinha estava apagada e a única claridade vinha do sol forte que entrava pelas amplas janelas que davam para o jardim.
Se não estivesse tão apertada, eu teria parado um instante para admirar a vista. Mas a situação era urgente e eu precisava ir ao banheiro.
A casa estava silenciosa.
Copos vazios estavam espalhados pelos cômodos, junto com restos de comida e peças de roupa. Eu poderia limpar aquilo.
Se me mostrasse útil, talvez me deixassem ficar ali até eu arrumar um emprego e receber um ou dois salários.
Abri lentamente a primeira porta que encontrei, com medo de ser um quarto. Era um closet.
Fechei a porta e desci o corredor em direção à escada.
Se os únicos banheiros fossem os das suítes, eu estava ferrada.
A não ser que... talvez houvesse um banheiro para as pessoas usarem depois de passar o dia inteiro na piscina.
Afinal de contas, Lily também tinha que tomar banho e ir ao banheiro.
Virei as costas e voltei para a cozinha e para as duas portas de vidro que eu vira abertas na noite anterior. Olhei em volta e reparei alguns degraus que desciam até debaixo da casa.
Fui por ali.
Lá embaixo havia duas portas.
Abri uma delas e vi paredes cobertas por coletes salva-vidas, pranchas de surfe e boias. Então abri a outra. Bingo.
Era um banheiro com um pequeno boxe. Sobre um banquinho havia xampu, condicionador e sabonete, além de uma luva de banho e uma tolha limpa.
Que prático.
Uma vez limpa e vestida, pendurei a toalha e a luva no ferro da cortina do boxe.
Aquele banheiro não era muito usado.
Eu poderia usar a mesma toalha e a mesma luva a semana inteira e lavar no fim de semana. Se ficasse ali tanto tempo assim.
Fechei a porta depois de sair e subi os degraus.
As flores tinha um cheiro maravilhoso. Quando cheguei lá em cima, fiquei parada junto a janela e olhei para o jardim.
Os passarinhos cantavam uma melodia incrivel.
Era a coisa mais linda que eu já tinha visto.
Mamãe e eu cogitávamos, um dia, arrumar o nosso jardim, mas acabamos nunca colocando em prática.
Primeiro mamãe não tinha dinheiro, depois não tinha saúde.
Mesmo assim, continuávamos a planejá-la. Isso ajudava a manter o sonho vivo.
E agora ali estava eu, olhando para as flores com as quais apenas sonhara.
Não eram nosso jardim de conto de fadas, mas eu estava ali vendo aquele jardim por nós duas.
– Essa vista nunca fica velha. – A voz grave e arrastada de Klaus me espantou.
Virei-me e o vi encostado no batente da porta. Sem camisa. Ai, ai, ai.
Não consegui articular palavras.
O único peito nu de homem que eu já tinha visto fora o de Tyler.
E isso foi antes de a minha mãe ficar doente, quando eu tinha tempo para namorar e me divertir.
O peito de 16 anos de Tyler não exibia aqueles músculos argos e definidos, assim como ele também não tinha aquela barriga tanquinho que eu via diante de mim.
– Está gostando da vista?
Seu tom de quem estava achando graça não me escapou.
Pisquei os olhos e tornei a erguê-los para o sorriso de ironia nos seus lábios. Droga. Ele tinha me pegado secando o seu corpo.
– Não quero interrompê-la. Eu mesmo estava gostando – continuou ele antes de dar um gole na xícara de café que segurava.
Senti o meu rosto queimar em rubor, sabia que devia estar vermelha feito um pimentão.
Eu me virei de novo e tornei a olhar para o jardim. Que vergonha.
Eu estava tentando fazer com que aquele cara me deixasse permanecer ali por um tempo.
Ficar babando por ele não era a melhor estratégia.
Uma risada baixinha atrás de mim só fez piorar as coisas. Ele estava rindo de mim. Que ótimo.
– Ah, você está aí. Senti a sua falta na cama quando acordei.
A voz feminina dengosa vinha de detrás de mim.
A curiosidade me venceu e eu me virei. Uma menina só de calcinha e sutiã se aconchegava a Klaus e corria uma unha comprida e cor-de-rosa pelo seu peito.
Não podia culpá-la por querer tocar aquilo. Eu própria estava bem tentada.
– Está na hora de você ir – retrucou ele, tirando a mão dela do próprio peito e se afastando. Vi quando ele apontou para a porta da frente.
– Como é? – rebateu a menina. Pelo ar de incompreensão no seu rosto, ela não esperava por isso.
– Você conseguiu o que queria vindo aqui, Genevieve. Queria que eu te comesse.
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