Eu estava passando a semana inteira com a minha irmã, mas como ela insistia em ficar tentando aprender a dançar balé com Valentine, eu tinha algumas poucas horas por dia sozinha.
Charles quase nunca falava comigo direito, o que me deixava um pouco insegura com a Seleção. Mas eu tinha decidido que aquilo mudaria a minha vida de um jeito ou de outro e comecei a escrever músicas sobre minha estadia ali, sobre o que estava passando no castelo. Mesmo que eu tivesse virado uma Três e não fosse mais tocar em nenhum evento (e finalmente poderia virar escritora como sempre quis!), pelo menos eu poderia passar aquelas músicas à minha irmã. E talvez ela fosse ficar famosa como a irmã da selecionada que cantava músicas sobre a família real.
O problema era que ninguém queria ouvir música sobre como o castelo era lindo e a comida, deliciosa. Não, queriam ouvir músicas sobre amor. E principalmente, sobre o príncipe. Eu só não tinha o que falar sobre esses assuntos. Então a maioria das letras eram inventadas. E, por consequência, toscas. Nada soava verdadeiro, tudo acabava parecendo deslocado. Verso por verso, palavra por palavra.
Eu estava quase desistindo, quando alguma coisa entrou na frente do sol e levantei os olhos para ver Jack ali, me olhando. Achava que estava escondida o suficiente perto da floresta, mas aparentemente, não.
"Bom dia," falou, seu sotaque claro agora que eu já sabia de onde ele vinha.
"Já está de tarde," me voltei para o meu violão, tentando ficar ocupada demais com o que estava fazendo para prestar atenção nele.
Mas ele não pareceu se importar e se sentou na minha frente.
"Boa tarde então," falou, sorrindo de lado.
Olhos no papel, Arya, pensei. E trate de não começar a vomitar palavras em cima dele.
Ele percebeu que eu estava tentando ignorá-lo, pois pegou o caderno do chão e começou a ler o que estava escrito. Cada palavra que eu tinha colocado ali veio a minha cabeça e eu entrei em pânico, arrancando o caderno de suas mãos.
"Uou, desculpa," disse, assustado. "Não sabia que era algo confidencial."
"Não é confidencial, é privado," falei. "Tem uma diferença, tá? Confidencial é tipo um segredo que só poucas pessoas com uma certa autoridade podem ver. Tipo quando você faz parte de alguma organização de inteligência de algum país e está em uma missão. Se você estiver abaixo do nível da missão, tudo que acontece nela é confidencial. Enquanto que privado significa que é de uma pessoa, como esse caderno meu. Eu escrevo livremente nele, mas só porque ele é meu e eu não espero que alguém vá ler. É como se ele fosse meu terapeuta e eu espero um certo sigilo de médico-paciente dele."
"Você já fez terapia?" Ele perguntou.
"Não," dei de ombros. "Mas eu assisto séries policias que falam desse tipo de coisa o tempo todo. Você sabe que não é preciso viver para falar sobre, não é? Porque se fosse, eu imagino que praticamente todos os escritores do mundo estariam desempregados. Senão todos. Apesar de que eu ouvi uma vez uma escritora falando que você deve escrever sobre o que conhece. Não que eu escreva, só estou falando."
"Você não escreve?"
"Escrevo," continuei falando, me perdendo completamente no assunto. "Quer dizer, já escrevi. Quando tinha doze anos, escrevi uma história de uma menina que acorda em um quarto esquisito com um gato e uma bolsa. Aí ela sai do quarto e entra em outro. E outro, e outro, e outro. Eu estava tão animada, eu nem sabia o que estava acontecendo direito. Terminei falando que era um presente dos pais delas. Mas, fala sério, que tipo de presente era aquele? Era mais um método de tortura leve."
"Só escreveu essa história?" Ele perguntou, mas nem precisava. Eu já estava animada o suficiente para continuar contando.
"Quando tinha quinze anos, escrevi um livro. Bom, não era um livro, eu chamava de livro, porque era uma história maior com começo meio e fim. Era sobre uma menina que tinha o reflexo do espelho mexendo sozinho. E elas conversavam, a menina do espelho era a mais rebelde, super sarcástica e tals enquanto a de verdade era meio lerda. Ela acabava se apaixonando por um carinha e eles ficavam juntos. Mas a história era mesmo sobre a menina do espelho."
"Entendi," ele disse, sorrindo.
E foi quando eu percebi que eu já tinha falado mais naqueles últimos minutos do que uma pessoa normal falava durante uma semana.
"Desculpa," falei, baixinho.
"Pelo quê?"
"Por falar tanto," expliquei. "Eu sei que é irritante. Mas eu nem sei porque eu falo tanto. É que tem muita coisa acontecendo na minha cabeça, eu começo a falar de uma coisa, aí faço uma associação a outra e pronto. Quando você vê, eu já falei de vinte assuntos e nem lembro porque começamos a conversar."
"Começamos a conversar porque eu vim aqui te ver," ele disse, me mirando sério.
Eu pensei em contestar aquilo, mas achei melhor não falar mais nada. Só que outra coisa veio à minha cabeça e eu não consegui me controlar.
"Achei que você tivesse ido embora," falei.
"Eu fui," ele disse, apoiando nos seus joelhos. "Mas só para uma visita pelo país. Eu não teria voltado para a Irlanda sem me despedir de você."
Dei de ombros, desconfortável. Eu gostava daquela atenção dele, apesar de tudo em mim ir contra. Eu não sabia porque ele fazia aquilo, não conseguia entender o que ele via em mim. E toda vez que ele chegava perto de mim, eu ficava ainda mais confusa, completamente atrapalhada. E mesmo assim, ele ainda conseguia ver alguma coisa em mim. Ainda me admirava.
Ou então estava mentindo, mas a minha própria vaidade não me deixava nem considerar essa opção.
"Que diferença eu faço?" Perguntei, só para ouvir ele falando de mim de novo.
Parabéns, Arya, pensei. Toma aqui um pouco de confete para você.
Em minha defesa, todo mundo precisa de um pouco de atenção assim de vez em quando. E eu não estava conseguindo nenhuma de Charles.
"Toda," ele disse.
Eu queria mais, mas mesmo assim fiquei envergonhada. Eu não sabia o que dizer! Não sabia como continuar. Eu quase queria pedir para ele falar mais, se explicar. Por que eu fazia toda a diferença? O que é que ele via em mim?
Mas por sorte, dessa vez eu consegui me segurar. Não que eu tenha conseguido ficar sem falar, não, mas preferi focar em outra coisa antes que eu falasse o que não poderia retirar depois.
"Você gosta de música?" Perguntei, completamente fora do assunto.
"Claro," ele disse, um pouco desconsertado. "Por que pergunta?"
"Eu tava escrevendo uma," expliquei, olhando rapidamente para o meu caderno.
"Sobre o que é?" Ele perguntou, animado.
Droga, pensei. Ele deve estar achando que é sobre ele.
Dei de ombros. "Nada em especial. Estou tentando escrever alguma coisa que seja comercial o suficiente para vender e interessante o suficiente para ajuda a fazer a minha irmã ficar famosa."
"Sua irmã?"
"É, ela está aqui, você não sabia? Ela vai ficar até amanhã," expliquei.
"A que canta com você?" Ele perguntou e eu concordei com a cabeça. "Eu gostaria muito de poder conhecer o amor da sua vida."
"O amor da minha vida?"
"É," ele falou. "Pelo menos é o que pareceu naquele dia."
Eu me lembrei rapidamente do dia em que o conheci, mas logo comecei a pensar no que ele tinha falado. Amor da minha vida. Se eu não estava apaixonada pelo Charles, pelo menos eu poderia escrever sobre o verdadeiro amor da minha vida. E talvez até algumas pessoas por aí poderiam se identificar.
Levantei meus olhos para encontrar os de Jack me mirando, divertido.
"Desculpa," falei, embaraçada.
"Não precisa se desculpar de nada para mim," ele disse, me fazendo me sentir ainda mais encabulada. "Eu gosto do seu jeito."
"Do meu jeito?" Perguntei, com uma esperança tosca crescendo dentro de mim, querendo ouvir ele falar mais.
"É, desse jeito seu, meio perdido," ele falou, rindo para si mesmo.
"Obrigada," eu disse, querendo muito me esconder atrás do violão que estava no meu colo.
"Não, obrigado você."
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