Mais dois dias se passaram e eu continuo tentando achar o dono da letra. Já sentei do lado da minha avó enquanto ela escrevia uma carta, e agora estou tentando ver a letra do meu avô enquanto ele faz anotaçoes sobre um jogo que está jogando com Maxon e o General Leger.
Estico meu pescoço e coloco o post it do lado do caderno tentando comprar do sofá de onde estou sentada segurando um livro fino que já tinha lido hoje a tarde.
E, definitivamente, não é ele. O garrancho do meu avô era em letra cursiva e era quase indecifrável, enquanto o garrancho do post it apenas tinha algumas letras deformadas. Bufei e coloquei ele de volta no meu bolso. Peguei o livrinho e saí andando pelos corredores até a biblioteca para devolve-lo. Estava quase chegando quando uma pessoa familiar passou por mim e nem percebeu. Shalom estava com a cara enterrada no meu livro enquanto fazia o caminho que já devia ser automático pra ele no castelo. Seus olhos concentrados nem me perceberam. Ele estava gostando do livro. Não era a primeira vez que via ele andando e lendo, já tinha visto ele perambulando por ai com o livro ou sentado nos cantos lendo. Ele estava bem empenhado.
Continuei andando até que cheguei na biblioteca e fui de novo para os Atlas. Dessa vez dois deles não estavam aqui. A pesquisa continuava.
Eu não queria procurar outro livro agora, então fiquei sentada no sofá mexendo no post it no meu bolso até que decidi descer até o Salão das Mulheres. Lá tinha televisão pelo menos.
-Crystal! -Minha mãe disse ao me ver entrar. Entrar ali foi tipo entrar em um universo paralelo.
Era tudo tão brilhante e cheio de classe, com janelas enormes e eu juro que quase escutei a primavera de Vivaldi tocar quando abri as portas e fiquei olhando pra lá. Minha mãe, assim como minha avó, America, Eadlyn, Lucy e Camille, estava com um vestido.
-Oi mãe... -Fui andando devagar até o sofá onde ela estava sentada. -E todas.
Elas sorriram e continuaram a conversar, entao percebi que não daria pra ver televisão. Prestei atenção na conversa delas. Elas falavam sobre governar e sobre filhos. Como eu não tinha experiência com nenhum dos dois e espero não ter, saí dali mais rapido do que achei que iria.
Não tinha nada pra fazer. Nada até que, quando eu estava passando pela "sala do Shay", escutei musica tocando. Piano.
Me encostei na porta e fiquei observando ele tentando tocar uma música. Ele cantava para se guiar e por isso reconheci a música. Era outra do Kodan's. A minha favorita.
-Ta agora vai. -Ele começou a tocar olhando as partituras e a musica se formou. Ele começou a cantar. Fiquei lá cantando sem som até que ele começou a se perder um pouco.
Entrei na sala e comecei a cantar mais alto enquanto chegava perto dele.
Ele olhou para trás e sorriu.
-Vamos, continue tocando! -Sorri de volta.
Ele continuou tocando e eu cantando enquanto me sentava do seu lado no branquinho.
-Crystal Ally! Você nunca me disse que cantava tao bem! -Ele disse quando terminamos.
-Porque eu não canto.
-Ah, claro. E eu não gosto de sorvete.
Revirei um pouco os olhos porque fiquei sem resposta.
-Ta, mas o que importa é que essa é minha musica favorita!
-Por que você acha que eu to tocando ela? -Ele disse como se a minha frase anterior fosse óbvia e eu corei.
-C-como você sabia?
-Você disse. Durante a nossa cavalgada. Eu não esqueci. Na verdade, logo peguei as partituras e comecei a treinar, principalmente de manha cedo, quando não tenho nada pra fazer e você está dormindo. Sabe, eu só ia te mostrar quando soubesse bem, era pra ser uma surpresa.... -Ele disse sorrindo pro chão e colocando a mão no piano.
Corei mais ainda.
-Mas agora mudando de assunto. -Ele passou a mão pela metade do teclado e entao pegou o livro em cima da caixa do piano. -Isso é incrivel!
-Obvio que é.
-Não, eu quero dizer, nós somos apenas pessoas falsas, em cidades falsas vivendo vidas falsas, tudo é uma mentira até para nós mesmos! -Eu amo quando ele fala coisas desse tipo sobre os livros, uma espécie de resumo, mas passando a mensagem do livro, assim como ele fez com O Grande Heroi. -E o Miles....me identifico muito com ele sabe.
Miles é o personagem principal, que narra o livro. Ele é perdido na vida e gosta de uma garota que conhece desde criança, Harmony, mas eles nunca foram muito amigos. Harmony é uma garota que gosta de falar frases impactantes e quer ser ela mesma. O livro é basicamente sobre Harmony, que some e todos tentam achar o porquê, especialmente Miles.
-Todos temos um pouco de Miles em nós mesmos.
-Não sabia que você também tem uma amiga loira e bonita. -Meu Deus ele está passando todos os limites. Harmony era loira, e eu também, e o sorrisinho dele só deixava o fato de ele estar falando de mim mais claro ainda. Corei tanto que achei que meu rosto ia explodir.
Virei a cabeça rapido pra que ele não percebesse:
-O final é muito bom. -Eu disse meio baixo esperando que aquela vergonha saisse do meu ser.
-Tomara. Não dá nem pra contar o numero de livros bons que eu li, mas quando cheguei no final me decepcionei tanto que desejei nunca ter começado a lê-lo.
E, de novo, eu concordava com ele.
-Bem, acho que vou indo. Quero ter uma boa noite no dia do meu primeiro Jornal.
-Ah, é, o Jornal. Boa noite entao, Crystal Ally.
-Boa noite, Shalom.
Levantei e fui até o meu quarto.
Shay falava e fazia cada coisa que me fazia ficar confusa em relação aos sentimentos dele e meus. Fechei os olhos para tentar dormir, mas lembrar que amanha eu vou ter que participar do Jornal não ajudou muito.
~~~
Acordei e vi que ja tinha um vestido pronto pra hoje. Preferi não observar muito ele, mas não pude deixar de notar que era azul claro. Fui até o meu closet e Maravyne e Finde me ajudaram a escolher uma roupa bonitinha. Era um vestido. Ele era vermelho e curto, solto em cima e preso na cintura e depois solto na saia também e um tênis que eu escolhi, porque era o meu tenis de sempre. Fiz um rabo de cavalo e saí do quarto, mas quando dei dois passos, alguém pulou em mim:
-CRYSTAL, ME DIGA QUE TEM UM SEGUNDO LIVRO! -Shalom disse segurando o livro.
-Não.
-COMO ASSIM? Isso não pode acabar desse jeito!!
-Claro que pode.
-Mas ela estava lá! Como ele pode ter visto ela e o livro acabado?!
-Oi? Shalom, ela nao voltou!
-Como assim?! Mas ele disse...
-Me dê aqui. -Peguei o livro. -"Não sei o que aconteceu com Harmony depois disso. Não sei onde está e nem o que faz, não sei nem se esse número que tenho ainda é o dela. Ela apenas saiu e não disse mais nada. Alguns dizem ter a visto cantando em um Píer em Angeles, outros apenas espalham boatos de que ela foi vista atuando Allens ou fotografando os lobos em Whites. Não sei o que tem feito da sua vida, mas sei de uma coisa, tenho certeza de uma coisa, na verdade, tenho certeza de que essa é a Harmony. De que ela está sendo quem ela quer ser, e não quem os outros querem que ela seja. E eu me sinto privilegiado por saber quem ela é, por, mesmo que tenha sido por apenas poucas horas, ter conhecido a verdadeira Harmony. E, agora, quando olho pela janela, consigo ver o seu sorriso." Em nenhum momento ela voltou.
-Mas ele vê o sorriso dela da janela!
-Ele imagina! Ele consegue ver ela ali, sorrindo, porque ele sabe que ela deve estar sorrindo agora.
-MEU DEUS ISSO DEIXA ESSE FINAL MAIS ÉPICO AINDA!
-Eu sei!
-Mas onde ela está? Quer dizer, o que aconteceu com ela? O que aconteceu com Miles? Como está a familia de Harmony? Você nao se faz essas perguntas?
-De vez em quando. Mas acabei me conformando.
-Mas eu nao! Eu vou dar um jeito nisso!
-Vai escrever a continuação?
-Nao, eu não consigo! Mas sei de alguém que consegue.... -Ele bateu a mão no queixo. -De qualquer jeito....que tal assistir um filme?
-Tudo bem. Por que não?
-Ótimo! Vamos entao.
Eu segui andando com Shalom, que não parava de falar de quanto o livro era incrivel e de como ele não acreditava no final e tudo mais.
Ele me levou até o cinema e escolheu um filme que aparentemente era mais antigo. Era o típico filme que Hatty amaria, tinham vampiros, romance e dramas, mas eu nunca gostei muito de filmes de menininha.
-Foca no nariz desse cara! -Shay disse como se fosse a coisa mais necessária do mundo e eu ri. -Não, mas é serio, é capaz dele respirar o fundo e acabar o oxigenio! -Eu ri mais e Shay continuou olhando para o nariz do cara.
O filme era pra ser de drama, mas eu cheguei a conclusão que não dá pra ver um filme desses com Shay sem ele fazer alguma piada sobre alguma coisa.
-Isso foi um sorriso? -Ele disse quando a personagem principal mexeu a boca de um jeito estranho. -Essa moça é mesmo atriz? Quer dizer, olha isso! Ela não tem expressão!
Eu ri e continuei assistindo o filme até que senti algo cutucando meu braço. Virei pro lado e vi que Shay tinha virado para mim.
-Esse filme é chato.
-Eu sei.
-Vamos ver outro? -Ele disse colocando outro filme. Quando o título apareceu na tela eu quase tive um ataque. Era o filme de um dos meus livros favoritos, do mesmo escritor de Cidades de Mentira.
-Eu amo esse filme! -Ele abriu um sorriso pra mim.
-Nicholas Russel, podia imaginar.
-Ele é o melhor autor do mundo!
Ele sorriu e se ajeitou na poltrona de novo e o filme começou. Apoiei minha cabeça no seu ombro, sei porque. Ele não fez nada então eu deixei minha cabeça ali e nós ficamos vendo o filme.
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