Depois do almoço com Sasuke Uchiha, tiro o fone de ouvido. Em geral, continuo o usando entre as aulas para abafar e desfocar o barulho enquanto ando pelos corredores. As conversas e o movimento fazem com que me sinta agitado e distraído, muito mais propenso a divagar. A menor distância entre dois pontos é uma linha reta, mesmo assim os garotos da escola passam de um lado para o outro, cheios de uma agressividade aleatória. Eles batem uns nas costas dos outros, abraçam os amigos pelo pescoço, sorrindo, e se cumprimentam batendo as mãos com força. Por que eles precisam se tocar de forma tão constante? Embora as meninas não ziguezagueiem tanto quanto os garotos, elas também param e, do nada, começam a se abraçar, mesmo que tenham acabado de se ver antes da última aula...
Fico ouvindo porque estou curioso para saber se alguém está falando sobre o pai de Sasuke. Googlei seu nome e li o obituário que foi publicado no jornal Daily Courier, seção A16, três semanas e quatro dias atrás. Apenas três frases curtas, e, embora eu admire o modo sucinto como foram escritas, acabaram deixando de fora alguns detalhes relevantes, como os pirulitos e toda a parte sobre ele ser um bom homem.
Fugaku Uchiha, cirurgião-dentista, faleceu na sexta-feira, 15 de janeiro, em um acidente de carro. Ele nasceu a 21 de setembro de 1971, em Princeton, Nova Jersey, e tinha um consultório em Mapleview há 12 anos. Ele deixa a mulher, Mikoto, e a filha, Sasuke.
Os fatos que descobri até agora em minha busca rápida: (1) o nome do pai de Sasuke era Fugaku, o que faz certo sentido, uma palavra familiar e um número par de caracteres. Sempre pensei nele apenas como Dentista, o que me parece algo muito limitante agora; (2) o pai de Sasuke morreu em um acidente de carro, o que é uma expressão equivocada, uma vez que, na grande maioria de acidentes de carro fatais, as pessoas não morrem no carro, mas sim mais tarde, na ambulância ou no hospital. Preciso descobrir os detalhes.
Enquanto cruzo o corredor, vejo Kiba.
KIBA INUZUKA: cabelo encaracolado. Olhos vítreos. Boca de palhaço.
Encontros dignos de nota
1. Sétimo ano: pegou meus Oreos sem pedir. Pegou-os em minha lancheira térmica e foi embora.
2. Nono ano: ficou de mãos dadas com Sasuke. (Não foi um encontro comigo, mas, ainda assim, digno de nota.)
3. Segundo ano do ensino médio: se sentava a meu lado na aula de física porque os lugares foram determinados pelo professor no primeiro dia. Quando ele viu como estava longe de Kankuro, disse: “Ah, que merda, sério, Sr. Asuma?” e recebeu uma advertência. Não mencionei que o lugar era relativamente bom em termos de acústica e da perspectiva do quadro negro. Karin disse que foi bom eu ter mantido a boca fechada.
Amigos
O time de lacrosse, o time de tênis (que, obviamente, possuem agendas conflitantes na temporada). Melhor amigo de Kankuro no Sabaku desde o segundo ano.
Observação adicional: Karin o coloca na Lista de Pessoas Não Confiáveis.
Não olho para ele. Em vez disso, mantenho a cabeça baixa, concentrado em acompanhar o vaivém a minha frente.
— Ei, cara, Pizza Palace depois do treino — diz Kiba.
Com base no tênis e no contexto, tenho 99 por cento de certeza de que ele está falando com Kankuro. Não vou colocar o verbete de Kankuro aqui, porque estou cansado de ler e reler minhas observações sobre ele e ficar me perguntando por que me odeia tanto. Uma equação sem resposta. Nossa lista de encontros dignos de nota tem cinco páginas. Ele é o presidente do Clube de Pessoas Não Confiáveis.
O Pizza Palace é o segundo melhor restaurante italiano em Mapleview, de acordo com o site Yelp. A maioria das pessoas prefere o Rocco’s. Se Kiba estivesse me convidando, o que não é o caso, eu sugeriria que fôssemos ao Pizza Pizza Pizza, que oferece duas fatias pelo preço de uma das 13h às 17h, e creio que a economia compensa mais que o suficiente a queda da qualidade. Dito isso, entendo por que eles escolheriam o Pizza Palace de qualquer forma, que não é nenhum palácio, diga-se de passagem — apenas uma loja na Main Street. Porque, por mais que a comida seja barata no Pizza Pizza Pizza, é um nome redundante e engraçado de se dizer em voz alta.
É o que estou fazendo agora, imaginando que Kiba disse: “Ei, cara, Pizza Pizza Pizza depois do treino”, e pensando em como isso teria soado ridículo, quando esbarro em um grupo de meninas reunidas em volta de um dos armários. Shion, Akemi (que notavelmente é a única Akemi matriculada em nossa série de 397 alunos e em nossa escola de 1.579 alunos) e Abby. Karin as rotulou em meu caderno, usando letras de forma sublinhadas com marcador de texto: AS VACAS POPULARES.
Quando usou essa designação pela primeira vez, Karin teve de explicar, longamente, como isso não era um paradoxo. Como alguém poderia ser popular, que presumi atrair a estima de um monte de gente, e, ao mesmo tempo, ser uma vaca, pessoa com um comportamento que, imaginei, resultasse no oposto. Aparentemente, a popularidade no contexto do ensino médio é inversamente proporcional ao quanto as pessoas realmente gostam de você, mas diretamente proporcional ao quanto desejam ser suas amigas. Depois de uma análise cuidadosa, isso faz sentido, embora, nesse caso, eu seja tanto um excluído como, também, um grande exemplo de que a correlação não implica, necessariamente, causalidade. Sou legal com todo mundo, mas sem qualquer consequência positiva: as pessoas não gostam de mim nem querem ser minhas amigas.
— Olha por onde anda! — repreende Shion, revirando os olhos, como se eu tivesse esbarrado nela de propósito. Será que algum de meus colegas percebeu que o sentimento se tornou mútuo? Eles não querem ter contato comigo? Tudo bem. Também não quero ter nada a ver com eles. Karin jura que a faculdade será melhor, embora eu duvide muito. — E por que está falando sozinho?
Eu estava falando sozinho? É totalmente possível, e um tanto irônico, que justamente todo o meu processo mental sobre o Pizza Pizza Pizza, e como é ridículo falar o nome em voz alta, tenha realmente acontecido comigo. Às vezes, eu me esqueço da barreira entre minha mente e o resto do mundo.
— Desculpe-me — murmuro, enquanto olho para o chão e pego o livro que ela deixou cair, entregando-o a ela.
Ela nem agradece.
— Aberração — debocha Abby, e ri, como se isso fosse engraçado e original. Eu me obrigo a olhar direto em seus olhos, porque Karin diz que o contato visual me humaniza. Novamente, não faço ideia do porquê preciso ser humanizado, por que todo mundo presume que sou algum tipo de exceção à regra universalmente reconhecida de que nós todos somos seres humanos com sentimentos. Mesmo assim, faço isso. Tamanho é o poder de Karin. — O que você está olhando?
Por um instante, considero perguntar a Abby de forma direta, falando em voz alta: “O que foi que fiz a você?”. Esbarrei em Shion. Não nela. Não tivemos nenhum encontro digno de nota, positivo ou negativo. Mas, então, o sinal toca. É alto e desagradável, e todos se apressam em ir paras as salas, e tenho aula de física. O que significa que precisarei passar os próximos 45 minutos sentado ao lado de Kiba, tentando bloquear o fato de que ele tem cheiro do desodorante Axe e que fica batucando com o lápis na mesa em um ritmo errático e que pigarreia aproximadamente a cada 35 segundos. Sem dúvida, apesar da acústica e da perspectiva do quadro, eu teria ficado bem melhor sentado sozinho no fundo da sala.
Sasuke entra na aula dez minutos depois de o Sr. Asuma ter começado a explicação da terceira lei de Newton, que anotei em latim para mantê-la interessante.
— Perdi a noção do tempo — desculpa-se Sasuke, sentando-se em seu lugar, a duas fileiras atrás e a uma coluna à direita do meu.
Não é uma justificativa muito boa, considerando que a escola usa um sinal bem alto para lembrar a todos das aulas. O Sr. Asuma assente e não grita com ela nem lhe dá uma advertência, como normalmente faria. Uma vez, quando tivemos de fazer uma visita de shivá a nossos vizinhos, Karin me disse que as regras para aqueles que acabaram de perder alguém são diferentes. Eu me pergunto por quanto tempo isso dura, não a parte dos mortos, é claro, mas a parte do tratamento especial. Será que o Sr. Asuma me faria concessões se meu pai tivesse morrido?
Provavelmente não. Meu pai é um pesquisador médico no laboratório Abbot. Duvido de que esteja na Lista de Pessoas Legais de muita gente, principalmente porque não é o tipo interessado em qualquer lista que não seja científica. Se minha mãe morresse, por outro lado, as pessoas notariam. Ela e Karin sempre foram parecidas nesse aspecto: todos as adoram. Minha mãe sempre para e conversa com outras mulheres na fila do supermercado ou da farmácia. Ela sabe o nome de todos os outros alunos de minha turma e de seus pais e, às vezes, até acrescenta informações a meu caderno. Foi ela quem me contou que Kankuro e Shion estavam namorando — ela os viu se beijando no shopping — e, depois, que terminaram. Essa informação ela obteve, de alguma forma, enquanto estava na manicure, a mesma que faz as unhas da mãe de Akemi.
Karin é o oposto de mim. Ela ganhou vários superlativos no último ano: Mais Popular, Mais Bonita, a com Maiores Chances de Ser Bem-sucedida. Não acho que eu vá ganhar algum. Mas acho que Karin e eu temos uma coisa em comum: Karin é um exemplo de que a correlação não implica causalidade. Ela é popular, mas não é uma vaca. Infelizmente, ela também me levou a questionar todo o campo de genética, já que compartilhamos cinquenta por cento de nosso DNA.
Meus pais estão casados há vinte e dois anos e ainda se amam. Isso é notável, estatisticamente falando.
Minha mãe diz: “Os opostos se atraem.”
Meu pai diz: “Eu tive muita sorte.”
Karin diz: “Mamãe é uma esquisita por dentro, papai é uma pessoa normal no fundo, por isso o relacionamento dá certo.”
Não penso muito sobre isso, mas gosto do fato de meus pais ainda estarem juntos. Eu não gostaria de arrumar uma mala nos fins de semana e dormir em algum apartamento estranho, ter de escovar os dentes em uma pia diferente. Minha mãe diz que meu pai e eu somos muito parecidos, o que me deixa otimista. Se ele conseguiu conquistar uma pessoa como minha mãe — alguém universalmente reconhecida como incrível —, e não apenas conquistar, mas a fez amá-lo o suficiente para passar o resto da vida com ele, então talvez também exista esperança para mim.
Na metade da aula, quando o Sr. Asuma começa a escrever equações no quadro interativo, Sasuke se levanta e sai. Sem nenhuma explicação. Sem pedir licença para ir ao banheiro. Sem desculpas. Simplesmente sai.
Logo depois que a porta se fecha, os cochichos começam.
Kankuro: Isso foi demais.
Sakura: Ela, tipo, precisa conversar com a gente. Ela está se fechando.
Hinata: O pai dela MORREU, Saky. Morreu. Tipo para sempre. Dá um tempo.
Kiba: Estou com fome.
Hinata: Tenho uma barrinha de cereal.
Kiba: Você, literalmente, acabou de salvar minha vida.
E é assim que as coisas são. As conversas acontecem a minha volta, e as palavras parecem desconectadas, como jogar fliperama de olhos vendados. O que a morte do pai de Sasuke tem a ver como a fome de Kiba?
— Senhores, continuando — diz o Sr. Asuma, e então bate palmas três vezes, clap, clap, clap, sem nenhum motivo aparente. Antes que eu perceba, levanto a mão. — Pois não, Sr. Uzumaki?
— Gostaria de permissão para ir embora — peço.
— Ir embora? Estamos no meio da aula. Vamos voltar ao trabalho?
— O que quis dizer é: posso ir à enfermaria? Estou com dor de cabeça — declaro, embora seja mentira. Karin ficaria orgulhosa. Ela diz que preciso treinar um pouco de desonestidade. Que não dizer a verdade fica mais fácil conforme praticamos. Considero gemer um pouco, como se sentisse dor, mas decido que seria um exagero desnecessário.
— Tudo bem. Pode ir — autoriza Sr. Asuma.
Então me levanto e caminho até a porta, exatamente como Sasuke fez momentos antes. Não é como se eu fosse perder muita coisa. Li a matéria inteira verão passado. As poucas dúvidas que surgiram foram facilmente resolvidas com buscas no Google e esclarecidas com uma aula on-line gratuita no site de Stanford.
Quando estou no corredor silencioso, meu cérebro acompanha o corpo e compreendo o que faço ali. Embora a aula do Sr. Asuma seja chata e uma completa perda de meu tempo, costumo obedecer às regras. Assisto às aulas. Mantenho a boca fechada durante a maior parte do tempo. Se quero concluir o ensino médio e entrar na faculdade, não tenho muita escolha.
O que percebo é: quero encontrar Sasuke. Preciso saber aonde ela foi.
Caminho apressado pelo corredor e decido seguir para a porta da frente, ignorando a Señora Tsunade, a professora de espanhol, que me chamou com o pesado sotaque de Nova Jersey: “A dónde vas, Señor Uzumaki?”
Passo os olhos pelo estacionamento à direita, que está a aproximadamente 200 metros a nordeste da entrada da escola. Nada de Sasuke. Mas seu Corolla vermelho é o sexto carro da segunda fileira, estacionado na vaga número 43 da área reservada aos alunos dos últimos anos.
Contorno a escola e sigo para o campo de futebol, que tem arquibancadas altas e uma vista decente de Mapleview. Talvez ela esteja sentada ali para pegar um ar puro. Não gosto de eventos esportivos, são barulhentos demais e têm gente demais — mas sempre gostei de arquibancadas, ordenadas verticalmente da mais alta para a mais baixa.
— O Sr. Asuma o mandou atrás de mim? — pergunta Sasuke.
Ela não está na arquibancada, que é para onde eu estava olhando, mas no estande de vendas, onde os alunos do grêmio estudantil vendem, a preços exorbitantes, cachorro-quente, limonada e doces nos jogos de futebol. As luzes estão apagadas, e ela está sentada no chão com os joelhos dobrados na frente do peito. Se não tivesse falado, não sei se a teria visto.
— Não. Menti dizendo que estava com dor de cabeça — confesso, forçando-me a fazer contato visual. É mais fácil, já que está escuro ali. As bochechas de Sasuke avermelharam por causa do frio. Seus olhos estão preto. Claro que sempre são preto, mas hoje, de alguma forma, parecem ainda mais pretos. Minha nova definição de preto.
Agora os olhos de Sasuke são iguais a Preto. Um elo impossível de desfazer. Exatamente como quando penso no número três e sempre, sem nenhum motivo que eu já tenha conseguido compreender.
— Eu não queria lançar uma nova moda de matar aula — anuncia Sasuke, e dou um sorriso, porque, se não foi uma piada, me pareceu uma.
— Se você ainda não notou, não sigo tendências — declaro, apontando para minha calça, larga, cáqui e, de acordo com Karin, “um crime contra a moda”.
Minha irmã implora para me levar às compras faz anos, dizendo que eu ficaria com uma aparência tão melhor se me esforçasse um pouquinho mais. Mas não gosto de fazer compras. Na verdade, não são as compras que me incomodam. Não gosto de roupas novas, da sensação de um tecido não familiar na pele.
Sasuke olha para mim e, então, acima de meu ombro, para a escola atrás de mim.
— Então, você estava me seguindo? A enfermaria não fica aqui — comenta ela.
Não consigo definir seu tom de voz. Não sei se está irritada. A voz parece rouca, e sua expressão não combina com nenhuma das expressões nos cartões que Sasuke imprimiu para mim.
— Eu só queria saber se está tudo bem com você. — Ergo as mãos em um sinal que indica que não ofereço nenhum risco, como nos programas policiais.
— Todo mundo estava falando sobre mim quando saí, não é? Eu não queria causar uma comoção. É que, de repente, não consegui mais ficar sentada ali, entende? — admite ela.
— Claramente — respondo. — Estou me referindo a não conseguir ficar sentada e não à parte da comoção.
Enquanto estou aqui, conversando com Sasuke pela segunda vez no mesmo dia, sendo que não conversamos quase nunca, a não ser em nossos poucos encontros dignos de nota, percebo como estou fora da rotina. Nada disso era parte de meus planos para hoje.
Procurá-la, fora da sala de aula.
Decidir que tenho de verificar se ela está bem.
Redefinir o verde de forma tão repentina.
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