Sina
Então é verdade, Beauchamp realmente está de volta. Penso nisso enquanto espero Heyoon pagar o Boba para finalmente sentarmos.
— Ainda pensando nisso? — Pergunta sugando a bebida.
Afirmo, puxando o copo da mão dela para tomar um gole.
— Amiga, será que as coisas vão ser diferentes agora que Josh está aqui?
— Não sei, Sina. Eu não acho. Se ele sumiu por tanto tempo não deve se importar com a gente para ajudar.
— É, verdade.
Olho para a chuva caindo lá fora e uma lembrança vem a cabeça. Era uma tarde igual a essa quando pensei pela primeira vez em como seria bom beijar Noah Urrea. Sou estúpida. Se eu soubesse as consequências de me apaixonar por aquele sorriso... Eu teria pensado duas vezes, mas não pude evitar. Noah me deixava boba.
— Sina? Terra chamando Sina Deinert.
— Oi? Oi. Oi! — Sorrio animada como se estivesse ótima.
— Tem alguma coisa muito interessante lá fora que eu não esteja vendo?
— Não, não, eu só me distraí.
— Sei. Olha, como eu tava dizendo, não acredito nisso de as coisas mudaram por causa do Josh, mas... — Ela para tentando ter certeza se quero ouvir. Apenas faço um gesto para continuar. — Mas talvez, e só talvez, ele ajude o... o N-Noah. — Fala o nome como se fosse ativar um gatilho.
— Relaxa, Yoon. O nome dele não me machuca mais, não desse jeito.
Ela respira aliviada.
— Você ainda tem raiva dele?
Penso na pergunta, é válida, não justa.
— Nunca tive raiva dele, só não estava preparada. — Brinco com um sachê de açúcar na mesa. — Sabe, quando nos beijamos na festa da Diarra pensei que ele gostasse mesmo de mim. Doeu ser usada daquela forma. — Dou de ombros. — Mas você já sabe disso tudo.
— É, sei... Você se arrepende de não ter tentando ajudar ele?
"Sim."
— Não, a Sabina tentou e olha como está agora.
— Mas, Sina, ele era seu melhor am...
— Chega, Yoon. Deixa essa história pra lá, temos teste amanhã. Vamos?
Noah
O sofá da sala não parece mais tão grande quando Josh senta na outra ponta, encharcado. O jeans preto pesa em suas pernas e a blusa branca de manga comprida agora é quase transparente. O topete desmanchou e seu rosto está um pouco inchado do lado direito. Talvez eu tenha batido com muita força, mas não me importo.
— Toma. — Jogo a toalha para ele depois de esfregar mais um pouco meu cabelo.
— Valeu. É melhor você trocar de roupa, vai ficar doente assim.
— Você também.
— É, mas eu não tenho roupas agora. Vai lá, eu espero.
Confirmo, subindo as escadas. Me sinto confuso, minutos atrás eu estava socando ele e agora está no sofá da minha casa se preocupando comigo. Não sei se sinto raiva ou se fico feliz por Josh ainda se importar pelo menos um pouco.
Em alguns minutos já estou seco e de volta à sala.
— Você pode me emprestar uma camisa?
— Não. Só fala logo e vaza daqui, ok? — Não estou mais irritado, só me sinto exausto.
— Tudo bem. Posso chegar perto de você...?
Pisco longamente, mordendo um dos lábios pelo nervosismo.
— Não acho uma boa ideia.
— Por favor? Só um pouco?
Não respondo, mas ele entende como um sim. Arrasta seu corpo para o lado, sem invadir meu espaço pessoal.
— Pode olhar pra mim?
— Não quero.
— Ok. Eu... não tenho certeza de como começo.
— Pode começar pedindo desculpas.
Ele se espanta, como se a ideia não tivesse passado por sua cabeça ainda.
— Desculpe, Noah. De verdade.
Engulo em seco, não quero encará-lo, mas sei que seus olhos azuis estão fixos em mim.
— Continua.
— Você me perdoa?
— Agora não.
— Quando?
— Não sei, talvez nunca, depende do que você vai me falar.
— Não vou falar nada muito bom. Não tenho bons motivos e nem fiz algo grandioso que explique tudo. Mas quero te contar assim mesmo, eu te devo isso.
— Tá.
— Vamos lá. Antes de viajar, quando tudo aquilo aconteceu, eu surtei. Ninguém sabia, porque eu não falei, mas eu tava muito confuso, foram coisas demais. Teve a Any, e aí você, e aquela merda toda com... Você sabe. Enfim, eu não tava mais conseguindo lidar. Tinha a pressão do campeonato de dança e meus pais falando que íamos mudar de qualquer jeito. Eu não sabia se deveria ir, não queria te deixar sozinho com tudo aquilo rolando.
— Mas deixou. — Mexo em um dos meus anéis nervosamente.
— Sim... Desculpe. Eu fiz a pior coisa possível. Quando cheguei no Canadá tudo pareceu tão calmo... Meus pais não brigavam mais, meu irmão finalmente estava feliz e meus amigos de lá não sabiam de nada, eu não precisava mais lidar com nenhum problema complicado. A vida tava tão fácil... Eu escolhi manter assim. Desliguei o celular no terceiro dia, guardei na gaveta da cômoda e fui comprar um novo. Não pensei em nada, não pensei no quanto estava magoando a garota mais incrível que já se apaixonou por mim, não pensei em como meu melhor amigo precisava de mim, não pensei nas meninas assustadas com tudo, no quão idiota o Bailey podia ser, na Sina, que precisou da minha ajuda, não pensei em ninguém. Eu só pensei em mim mesmo. E o pior de tudo, eu fiquei bem com isso. Por 10 meses eu fiquei bem em esquecer todos vocês e viver uma vida incrível dançando, indo pra festas e tendo uma família perfeita. — Meu coração está acelerado. Não me mexo, não faço nada além de apertar os punhos com uma força tão grande a ponto de sentir minhas urnas cortando a carne da palma. A vontade de socá-lo volta com intensidade. — Mas como eu disse, por 10 meses. Depois de 10 meses precisei de um vídeo do meu celular antigo e quando o liguei... Tinham 7 mil mensagens e 462 ligações perdidas. Aquilo me atingiu de uma forma... O celular travou e levou dois dias para carregar tudo e voltar ao normal. Li no máximo 300, não aguentei. Não entendi nada, porque todas só perguntavam onde eu estava e se estava vivo. Vocês se preocuparam comigo por todo aquele tempo e eu... E eu não. Passei dois meses pensando em voltar, mas só tomei coragem semana passada. Agora estou aqui. Estou aqui e me sinto péssimo. Não foi justo, não foi justo abandonar vocês assim... Principalmente você... Eu entendo se não me perdoar. Eu que devia ser espancado todo dia, não você. Não fez nada de errado, Noah, só... Só se apaixonou pela pessoa errada.
Sinto as lágrimas escorrendo por meu rosto outra vez. A raiva não me domina mais, só estou triste. Esse tempo todo, enquanto eu era xingado e humilhado pelos meus próprios amigos, enquanto todas as minhas amigas de afastavam de mim por medo de se machucarem também, enquanto minha mãe foi parar no hospital e me vi sozinho para lidar com tudo, Josh estava se divertindo como se não existissem problemas no mundo. É isso o que somos para ele, é isso o que eu sou, só um problema.
— Noah... Eu... Me perdoa, por favor... — A voz dele começa a falhar também. — Eu não... Eu só queria ser feliz como todo mundo. Sabia que pagaria um preço por isso, só não imaginei... ser tão alto. Eu não queria que ninguém se machucasse... Eu só... Eu só não pensei nas consequências... — Josh agora chora de verdade. Tenta me abraçar, entretanto o afasto. Ele não merece meu abraço, não depois de ter feito isso.
— Você realmente é um babaca egoísta. — Consigo pronunciar entre os soluços baixinhos. — Não merece que a gente te perdoe. Não merece nada, Josh. Nem o soco que eu dei na sua cara você mereceu.
Ele me abraça com força, dessa vez não tento afastá-lo, não vale a pena, mas também não retribuo. Ele agora chora alto, parece uma criança.
— Me perdoe, Noah... P-Por favor... E-Eu... Eu faço qualquer coisa...
Fico em silêncio sentindo os cabelos loiros molharem minha camisa. Não tenho nada para falar, não consigo. Só queria que ele tivesse dito algo melhor, algo mais perdoável. Não isso, não o quanto ficou um ano feliz e esqueceu completamente dos amigos.
— Me larga, Josh. Vai pra casa.
Ele se solta de mim e senta respirando fundo. Leva uns dois minutos até se acalmar.
— Noah, eu não quero que confie em mim, ok? Eu não mereço isso, mas, por favor, pelo tempo que fomos amigos, me dá uma chance de consertar tudo. Só uma chance.
Finalmente encaro os olhos azuis. As pupilas dilatadas pela pouca luz do ambiente e o azul meio cinza pelo reflexo das nuvens lá fora. Josh está destruído.
— Não sei se você merece essa chance.
— Por favor... Eu prometo, vou resolver tudo. Você vai ver, as coisas vão voltar a ser como eram.
— Não, não vão. Nunca mais vamos ser como éramos.
— Você está certo, não vamos ser como éramos, mas podemos ser melhores. — Josh me encara com determinação. Não choramos mais
Sinto a respiração pesar e pela primeira vez desde que nossos olhos se cruzaram hoje de manhã deixo sensações muito antigas invadirem meu corpo. Lembro daquele noite e lembro dele me encarando. E lembro do beijo. E lembro do resto. E dói. Lembrar de Josh me amando dói muito.
— Não sei se você consegue consertar isso. É coisa demais...
— Vou fazer uma lista.
— Eu não tô brincando.
— Eu também não. Vou fazer uma lista e consertar tudo nela. Você vai ver. Mas tem que me prometer: se eu conseguir, você vai me perdoar.
Vejo um sorriso quase inexistente em seu rosto quando ele fala isso.
Penso na ideia, é impossível, então não importa de verdade.
— Tá.
Josh sorri um pouco mais forte agora, bem pouco.
— Eu vou conseguir, vou resolver todos os problemas que criei e os que se tornaram maiores por minha causa, e vou encerrar todos os assuntos inacabados.
— Se você diz.
— Eu prometo. — Ele chega um pouco mais perto. — E já sei exatamente por onde começar.
Não tenho tempo de pensar em nada, só sinto os lábios molhados colando-se aos meus num beijo confuso. Estou confuso. Beijar Josh é tão bom quanto me lembro, é bom e é errado porque ele não merece, mas não quero afastá-lo.
"É bom você realmente me consertar, Josh Beauchamp." E fecho os olhos me afundando no beijo.
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