Miroku
Mais um dia que chegara, o sol entrou pelas frestas da janela do quarto onde eu dormia, senti sua luz esquentar meu rosto, e então coloquei a mão sobre meus olhos e os esfreguei, tentando acordar. Meu corpo estava muito cansado, dando a impressão de que eu havia dormido por poucas horas. Sentei-me no futon, bocejei e me espreguicei de olhos fechados – Quanto tempo será que eu dormi? Será que está muito tarde para eu poder dormir mais um pouco? – Dei uma risadinha irônica. Quando abaixei meus braços após a longa espreguiçada, juntei os dedos das duas mãos a fim de estralá-los, porém algo chamou minha atenção antes que eu o fizesse, minha mão estava nua, sem o rosário que lacrava o buraco do vento. Meu coração disparou e comecei a gritar apavorado – AAAAAAAAAAHHHHHH! – No mesmo instante Tanuki e mestre Mushin entraram às pressas em meu quarto, desesperados com meus gritos e perguntavam – Miroku, o que houve?! –. Eu apenas os estendi a mão com a palma aberta na direção deles para que vissem. Meu corpo tremia, eu achei que iria entrar em colapso ali mesmo. Porém, naquele instante as expressões deles mudaram drasticamente, se entreolharam e sorriram. Mestre Mushin se ajoelhou em minha frente e falou – Acabou Miroku, seus dias de sofrimento acabaram –.
Tantas semanas se passaram depois que isso aconteceu e tudo aquilo ainda parecia não fazer nenhum sentido dentro de minha cabeça. Eu lembro claramente das minhas intenções em derrotar Naraku, porém, pouco me recordo do dia de sua morte. Eu até poderia dizer que foi um sonho, se não fosse o desaparecimento do buraco do vento. Nada parecia concreto em minha mente e a única certeza que eu tinha era que a maldição havia acabado e mesmo assim toda hora eu me pegava olhando para minha mão.
Caminhei pelo jardim do templo me lembrando das palavras do mestre Mushin: “Seus dias de sofrimento acabaram”. Certamente eu poderia viver minha vida em paz daqui para frente, me dedicar aos meus estudos budistas e ajudar as pessoas que necessitavam do auxilio do templo, porém um sentimento de angústia ainda tomava conta de mim e isso já havia sido por todos ao meu redor.
Tanuki sempre tentava me animar com alguma história dos trabalhos que ele realizava nos vilarejos por perto, contando alguma peraltice que havia pregado em alguém pelo caminho e eu sempre dava um sorriso torto ou fingia uma risada para não deixar meu amigo constrangido, mas sei que ele percebia minha desatenção. Até próprio mestre Mushin sugeriu que chamássemos algumas belas aldeãs do vilarejo próximo para preparam um grande banquete em comemoração a minha cura e talvez até pedisse para que elas pudessem nos servir e dançar – Com certeza isso te animará, não é Miroku? –Ele ria maliciosamente. Porém recusei e isso fez com que ele e Tanuki achassem que eu estava depressivo ou a beira da morte. A partir desse dia, eles tentavam incansavelmente me ocupar com algum serviço do templo ou me deixar o menor tempo possível sozinho.
Suspirei fundo e maneei a cabeça negativamente, seguia pelo jardim em direção à varanda de madeira que levava aos fundos do templo, onde possível ter uma incrível visão do sol que estava a se por no horizonte do vale. Encostei minhas costas em uma das paredes do fundo do templo, contemplando aquele céu incrível, que estava colorido por tons alaranjados. O chão era tomado pela grama verde e um riacho que reluzia com a luz do sol. De repente uma imagem invade meus pensamentos:
Uma garota pré-adolescente corria puxando duas pequenas meninas pelas mãos, eu não conseguia ver os rostos das crianças e nem da menina mais velha, mas conseguia sentir seu desespero. Meu coração palpitava rápido, até que ouvi as pequenas gritando “PAPAI! MAMÃE!” uma adrenalina tomava conta do meu corpo. E quando eu achava que eu não poderia ficar mais aflito, um grito petrificou meu coração “HOUSHI-SAMA!”.
Tudo ficou escuro e eu comecei a retomar a visão do mundo a minha volta. Meu coração doeu tanto, era como se o mundo houvesse acabado ali na minha frente. Fui escorregando minhas costas pela parede até conseguir me sentar no chão, minhas mãos tremiam. O que estava acontecendo? Quem eram aquelas crianças e quem gritou por mim? Era realmente por mim? Eu não me lembrava daquilo, mas a cena foi tão viva, tão real, parecia que eu estive lá. Algumas horas se passaram e eu ainda estava sentado na mesma posição olhando para o horizonte. Talvez tenha sido uma lembrança de alguma luta desses anos todos que procurei por Naraku, mas por que teria mexido tanto comigo? E aquela voz...
De repente ouço alguns passos vindos em minha direção pela varanda, olhei para o lado rapidamente quando uma silhueta para ao meu lado, confesso que levei um susto, mas era apenas mestre Mushin que sorriu ao me encontrar.
- Miroku! Finalmente te encontrei, fazem horas que eu e Tanuki estamos atrás de você. O que foi? Você parece assustado.
- Ah mestre Mushin, não se preocupe, eu estava concentrado admirando o anoitecer do vale e não percebi você chegar e acabei me assustando – Menti. E continuei – Aconteceu alguma coisa? Vocês precisam de minha ajuda? – Falei me levantando.
- Recebemos uma correspondência de um pedido de ajuda da sacerdotisa que protege um vilarejo na região. Parece que ela precisa de ajuda para purificá-lo. Porém eu estou muito velho para caminhar tanto e então preciso que você vá averiguar.
- Mestre Mushin, eu não tenho certeza se eu serei capa... – E ele me cortou no meio da frase.
- Não diga bobagens, Miroku. Tenho certeza que se saíra muito bem, além disso, será bom para você sair do templo uns dias e esfriar a cabeça. Além disso, é seu dever como monge, essas pessoas precisam de ajuda.
- Certo certo... – Suspirei fundo e dei um sorriso torto.
- Ótimo! Então arrume suas coisas e parta assim que o sol nascer – Disse ele rindo e dando as costas para mim.
- Mas já amanhã tão cedo?! Eu não poderia pelo menos dormir um pouco mais?
- Ande logo Miroku, vá se preparar! Quanto antes você for, antes irá voltar – Disse ele rindo e entrando no templo.
Kagome
O domingo havia chego a Tokyo e a luz do sol recém havia tocado o chão, o tempo estava fresco, como um típico dia de outono. Os passarinhos cantavam e as folhas coloriam o chão do templo Higurashi.
Eu já estava acordada, sentia meus olhos pesados, consequência de uma péssima noite de sono. Eu rolava de um lado para o outro na minha estreita cama de solteiro, tentando encontrar alguma posição confortável para conseguir dormir novamente, mas minhas tentativas foram frustradas.
Acordei assustada no meio da noite, meu coração batia muito rápido e as lágrimas quentes escorriam por meu rosto. O que estava acontecendo? Quem era ele? E por que eu estava tão aflita? Meu corpo parecia doer e se contrair em agonia, as lágrimas não paravam de cair entre os soluços. Apertei o cobertor contra meu rosto, a fim de secar minhas lágrimas e cessar meu choro constante, porém minha angústia e sofrimento só aumentavam cada vez mais. – De onde vem tanta dor? – Murmurei entre soluços, até que acabei adormecendo novamente.
A noite foi longa, acordei tantas vezes que perdi as contas. Eu fechava os olhos sentindo o cansaço bater em minhas pálpebras e logo em seguida já estava acordada aos prantos. Tentava de todas as formas me distrair com alguma coisa, para que eu tirasse aquelas imagens de minha cabeça, ou dormisse de uma vez e conseguisse chegar à manhã logo. Olhava para o teto, para a janela, despertador, qualquer coisa que pudesse prender minha atenção. Mas era como um ciclo vicioso, eu dormia e acordava. Até que eu desisti de dormir e permaneci acordada.
Fiquei deitada de barriga pra cima horas a fio, meus olhos estavam inchados de tantas lágrimas que foram derramadas durante a madrugada, e não havia outra coisa que pairasse os meus pensamentos do que aquela silhueta e seus longos cabelos prateados. Botei a mão sobre meu peito e senti meu coração disparado.
Eu sentia que precisava dividir meu sentimento com alguém, precisava de ajuda para tentar entender o que eu sentia, mas quem? Minha família e amigos já estavam preocupados com meu comportamento há muito tempo.
Mamãe achava que meus devaneios e sonhos eram consequências de crises de ansiedade que ela achava que eu tinha. Ela insistiu por muito tempo que eu deveria me consultar com um psiquiatra ou psicólogo, porém eu a fiz desistir, mentindo que do dia pra noite tudo havia cessado. Se ela descobrir que nunca pararam vai querer me arrastar para o médico hoje mesmo. Além disso, acho que seria egoísmo de minha parte preocupar minha família novamente.
Suspirei fundo e maneei a cabeça negativamente, talvez eu deva esperar mais um pouco para falar com mamãe sobre esses sonhos e flashs, pelo menos até eu ter alguma certeza sobre o que estou falando, porque se falasse para ela algo como “então mãe, eu sonhei que eu estava com frio e alguém colocou um tecido vermelho sobre mim.” não faria nenhum sentido para ela. Não da forma do que para mim, porque ninguém sentiu o que eu senti.
De repente ouvi um barulho de alguém mexendo no armário de panelas, vindo da cozinha. – Mamãe já deve estar acordada, vou me arrumar e descer para ajudá-la – Sentei-me na beirada da cama e me espreguicei levantando os braços e sentindo minha coluna alongar. Levantei e abri minha janela, o vento fresco da manhã entrou no meu quarto e eu sorri. Arrumei minha cama, peguei uma roupa no armário e me dirigi ao banheiro. No meio do corredor parei em frente ao quarto de Souta, que ainda dormia, mas decidi não acordá-lo, pois eu havia acordado bem mais cedo que o combinado. Continuei meu caminho pelo corredor até entrar no banheiro. Tirei meu pijama e entrei no chuveiro para uma ducha rápida. Após meu banho e minha higiene matinal, coloquei uma roupa simples para ficar em casa e ajudar minha mãe nos afazeres domésticos.
Desci as escadas e lá estava ela na porta da cozinha, agachada acariciando Buio, que ronronava ao ganhar o carinho na cabeça, assim que percebeu que eu estava no último degrau da escada, ela se levantou e sorrindo e exclamou – Bom dia minha filha! De pé tão cedo? Não quer dormir um pouco mais? Você parece cansada... – Mamãe deve ter notado as olheiras em meus olhos, mas tentei disfarçar – Não mamãe, não se preocupe, acabei acordando um pouco antes porque o cachorro do vizinho não parava de latir e então resolvi já levantar para começarmos o quanto antes. – Menti e dei um sorriso sem jeito. – Além disso eu tenho um encontro com o Matsu hoje mais tarde, então quanto antes começarmos, antes eu conseguirei terminar para ir – .
Ela pareceu acreditar no que falei porque sorriu e assentiu positivamente com a cabeça e falou – Certo, então por que não tomamos o café da manhã e começamos a limpeza no templo? – ela se dirigiu em direção à cozinha, onde vovô já estava sentado lendo seu jornal e bebendo uma xícara de chá como de costume. A mesa estava posta.
– Bom dia vovô – fiz uma breve reverência em respeito.
– Bom dia Kagome-chan! Gostaria de uma xícara de chá? Essa mistura de ervas que sua mãe escolheu para hoje está deliciosa! – Sentei-me a sua frente e estendi minha xícara para que ele pudesse me servir.
– Sim, por favor, vovô. – Em quando ele me servia de chá, eu fazia meu prato. Começamos a comer e em quanto conversávamos, Souta apareceu ainda vestindo seu pijama, esfregando os olhinhos cansados e logo em seguida se espreguiçando, se sentou e fez seu prato, comendo em silêncio. Não o questionamos, já sabíamos que o silêncio se devia ao mau humor matinal da adolescência, eu e mamãe nos entreolhamos e sorrimos. Souta já era um rapazinho, quando foi que ele cresceu tanto? Às vezes eu sentia que o tempo tinha passado rápido demais e eu não havia percebido.
De repente vovô choraminga e comenta – Sabe Kagome, sinto falta daquela comida seca que você trouxe uma vez para nós – mais uma vez senti meu coração pulsar mais rápido.
– Aqui está, é um presente , parece que é algum tipo diferente de comida seca, os aldeões me deram e disseram que é muito gostosa, achei que vocês gostariam de experimentar. – Entreguei o pequeno saquinho de tecido nas mãos de minha mãe, que por sua vez entregou ao meu avô.
Outro flash? Ou seria uma lembrança, dessa vez eu sentia que aquilo teria acontecido mesmo, pois meu próprio avô se lembrava. Me virei rapidamente para vovô e exclamei – De onde eu trouxe, vovô? Diga pra mim, de onde foi? Eu preciso saber! – ele coçou o queixo com um olhar confuso e falou – Eu ia perguntar a mesma coisa minha netinha, de onde você trouxe aquela comida tão gostosa? Você não se lembra? Era tão bom – meu avô falava de forma tão apaixonada pela comida e de repente seu olhar ficou melancólico – Ah Kagome-chan eu tinha esperança que você pudesse ir comprar para mim, mas se nem você se lembra de onde veio aquela comida, isso quer dizer... – eu respondi rapidamente – O QUE QUER DIZER VOVÔ? – e em seguida ele me olhou com os olhos marejados e respondeu – isso quer dizer que eu nunca mais vou poder comer aquela comida boa novamente – eu queria gritar de raiva, mas acho que isso assustaria toda a minha família. Uma veia saltou em minha testa, de tão grande que era minha indignação. Quando por um momento eu achei que lembraria dessa situação, que talvez tivesse alguma pista, foi tudo por água a baixo.
Levantei-me em silêncio pisando firme no chão, botei meu prato na pia e falei para mamãe – Eu vou indo ao templo para ir abrindo as portas, tudo bem? – mamãe que estava um pouco confusa com o que havia acabado de acontecer, apenas assentiu positivamente com a cabeça e eu sai da casa em direção ao depósito do templo, onde meu avô guardava os artefatos.
- Papai, acho que você deixou a Kagome irritada.
- Mas o que foi que eu fiz? Eu só queria poder comer aquela comida gostosa de novo – falava meu avô à minha mãe com os olhos cheios de lágrimas.
Chegando no depósito do templo, comecei a abrir todas as portas para que o ar circulasse, já que estava fechado fazia um tempo, além disso, o depósito guardava muitos artefatos e caixas que acabavam empoeirando. Peguei uma vassoura e comecei a varrer o chão freneticamente, eu ainda estava um pouco desconcertada da conversa com vovô. Um tempo depois mamãe e Souta chegaram e começaram a me ajudar. Estavam todos em silêncio, mas com o canto dos olhos eu conseguia ver que mamãe me olhava com uma cara preocupada, acho que deve ter ficado nervosa com a situação, espero que ela não tenha desconfiado que eu ainda tenho esses sonhos e lembranças.
Ela e Souta tiravam algumas caixas de papelão com alguns artefatos que ficavam em cima de prateleiras para levar para dentro de casa, assim vovô poderia catalogar alguns itens.
As horas passavam rápido, terminamos a parte de dentro do depósito e eu fui lavar a calçada em frente ao templo, peguei uma mangueira e comecei a molhar a extensão do chão que precisava ser limpa e esfregá-la com a vassoura. Eu estava sozinha no pátio, comecei a cantarolar em quanto lavava o chão, até que algo prendeu minha atenção, na lateral do terreno havia uma pequena casa de madeira, o telhado era azul escuro e tinha portas de correr em estilo japonês.
Eu fiquei estática a encarando. Por que isso de repente? Essa casa sempre esteve aí, apesar de nunca entrarmos, afinal só meu avô tinha acesso a ela, não era como se ela tivesse saído do chão naquele momento. Mas meu coração começou a bater descompassado e meus olhos marejaram. Botei a mão sobre meu peito e dei um passo em direção a pequena casa, até que de repente algo me tira transe:
– Kagome-chan!!! Já são quase duas da tarde, você não vai subir para se arrumar para seu encontro?
- Sim mamãe, estou indo! – Respondi. Fui me virando devagar e caminhando até a torneira em que a mangueira estava ligada e a fechei. Encostei a vassoura na parede e fui andando em direção a minha casa, mas com o canto dos olhos eu ainda tentava enxergar a pequena casa de madeira que havia feito meu coração disparar.
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