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Um segundo parecia um minuto, um minuto parecia uma hora, e uma hora parecia uma eternidade. Rukia estava a poucos minutos acomodada no confortável assento do avião enquanto aguardava o mesmo decolar, mas sempre sentia-se nervosa em decolagens. O cinto estava bem apertado, e ela segurava com força os braços da poltrona segurando o ar enquanto esperava pela inevitável decolagem. Deu um suspiro breve, quando a aeromoça de voz suave começou a dar as instruções de forma condescendente.
— Por favor apertem os cintos, a decolagem ocorrerá em alguns minutos. Desliguem seus celulares e Tabletes para sua maior segurança…
— Merda...— praguejou Rukia baixinho quando lembrou-se que seu celular ainda estava ligado.
Jogou a mão dentro do bolso caçando o aparelho e quando encontrou descobriu uma série de chamadas não atendidas. Tatsuki, Renji, Ishida… Aparentemente todos os seus amigos de ex escola estavam tentando fervorosamente contactá-la. Rukia sentiu um nó formando-se em sua garganta. Não deveria atender, fosse o que fosse, poderia esperar até que desembarcasse em Paris. Fosse o que fosse ela não poderia resolver a essa distância… Mesmo assim ela sentiu seu coração apertar.
Sem dúvida ir embora de Karakura seria doloroso pra ela. Em grande parte por causa de Ichigo, mesmo que estivesse se fazendo de forte, seria uma mentira dizer que seu coração não estava partido. Mas em parte também sentiria falta dos amigos que nunca quis fazer. Nunca planejara fazer amizades, sempre julgou isso como uma distração inútil, mas agora sentia que deixava seu coração em Karakura com os amigos que nunca pensou que faria.
O celular continuava vibrando em suas mãos, as chamadas não paravam de vir e Rukia não conseguia desgrudar o olhar daquela telinha plana.
— Senhorita, vamos decolar em alguns momentos, poderia por favor desligar seu celular?— perguntou uma aeromoça educada e jovem que havia parado ao lado de Rukia.
Ignorando a aeromoça, Rukia atendeu o celular.
— Tatsuki? — perguntou ela atendendo.
— Rukia graças a Deus! Me diga por favor que você não embarcou ainda...Você não pode ir pra França…
— Sinto muito Tats… Eu queria ter contado pra você eu só...Eu preciso desligar eu estou no avião nesse momento, eu ligo assim que…
— Não Rukia, você precisa voltar… A mãe do Ichigo...Ela faleceu.
***
Existem dias cinzentos, dias em que o sol parece não querer dar as caras. Dias em que o mundo parece menos colorido, em que as árvores parecem tristes, os pássaros deprimidos e o clima bucólico e desbotado. Esse era um desses dias. Uma quinta-feira que seria normal, onde as pessoas estavam trabalhando, as crianças brincando e ate seria um dia normal, se não fosse o dia mais triste pra Ichigo. Rukia estava parada a uns bons metros de distância dele, e a multidão vestida de preto rodeava o caixão que logo seria enterrado.
Rukia suspirou profundamente, e Tatsuki segurou sua mão. Tatsuki estava chorando por trás dos óculos grandes e escuros, Rukia sabia disso por que o nariz da amiga estava vermelho e vez ou outra as lágrimas desciam por suas bochechas coradas. Isso era normal, Tatsuki era amiga de Ichigo a muitos anos, e aparentemente adorava a mãe dele. Rukia não a conhecia, mas dadas as expressões de tristeza estampada na cara de todos ali, era uma mulher muito querida.
Entre todas as pessoas tristes e desoladas, ninguém parecia mais miserável que Ichigo. Rukia mal podia olhar pra ele. Ele estava ali parado, seus olhos opacos e sem vida, como se estivesse morto também. Parecia ter emagrecido vários quilos, mesmo que só tivesse passado um dia desde a morte de sua mãe. Seu rosto estava fraco, seus ombros pesados e caídos para frente… Usava uma roupa preta, mas duvido que tenha colocado sozinho. Rukia mal podia encarar aquela feição… O olhar sempre forte e determinado dele havia desaparecido. Não havia nem traço do sorriso sedutor que sempre a fazia se desmanchar… Ele não parecia triste, ele parecia morto. Não era como as outras pessoas que choravam e soluçavam… Ele apenas ficava la olhando para o nada, como se na realidade não estivesse ali, e sim muito distante.
Rukia ainda não havia reunido coragem para dar os pêsames. Na verdade, assim como os outros amigos dele, ela estava a uma distância segura e respeitável, permitindo que a família sofresse seu luto, mas estando perto para oferecer qualquer ajuda que pudesse.
Havia alguns repórteres cobrindo o enterro, e Ishida havia esclarecido mais cedo que o pai de Ichigo era algum tipo de escritor de romances ligeiramente conhecido.
O padre dizia suas palavras, que Rukia não conseguia acompanhar, pois estava muito preocupada em observar as reações apáticas de Ichigo. Vez ou outra alguém o cumprimentava, desejando os sentimentos, ele mal respondia, na verdade seus olhos continuavam vidrados no nada. E quando alguém o abraçava, ele inclinava ligeiramente as sobrancelhas. Talvez não estivesse sentindo nada, talvez estivesse medicado, ou em estado de choque, ou pior, Rukia pensou, drogado… O pensamento a fez estremecer.
A cerimonia seguiu a diante. O pai de Ichigo disse algumas palavras comoventes sobre como sua mulher fora a mulher de sua vida, algumas amigas dela falaram sobre como ela doce e sempre disposta a ajudar quem precisava, mas Ichigo nunca falou. Ele apenas continuou lá e algumas pessoas maldosas ficavam cochichando sobre o porque do filho único não dizer algumas palavras.
Rukia engoliu a seco. Enfim os amigos e parentes começaram a prestar seus sentimentos a família, indo aos poucos, oferecendo os pêsames e os sentimentos. Rukia estremeceu quando Inoue se aproximou de Ichigo usando um vestido preto curto extremamente escandaloso para um enterro. Ela se aproximou dele e o abraçou acolhendo o rosto dele entre seus seios enormes expostos pelo decote. Bem nessa hora um dos repórteres que estava cobrindo o enterro fotografou, e Rukia implorou mentalmente para aquela foto não ir aos jornais. Em seguida foi a vez do grupo de Rukia prestar os pêsames. Rukia disse algumas palavras polidas ao pai de Ichigo, que respondeu com um sorriso que não chegava aos seus olhos inchados e vermelhos. Ele parecia arrasado. E então se aproximaram de Ichigo.
Tatsuki chorava enquanto dizia que estaria sempre ali por ele, que ele era seu irmão e que nunca deveria sentir-se sozinho. Rukia poderia jurar ter enxergado uma centelha de reconhecimento em Ichigo enquanto ele olhava vagamente para a amiga. Apenas acenando quase que imperceptível com a cabeça. Renji, Ishida, Keigo e Mizuiro também recitaram palavras doces e amigáveis, e as mãos de Rukia começaram a suar enquanto ela tentava imaginar alguma coisa pra dizer. As palavras pareciam ter fugido de sua cabeça, sua boca estava seca e seu coração acelerado.
O que diria? Que havia abandonado tudo para estar ao lado dele nesse momento? Que havia percebido que mesmo que os sentimentos dele não fossem reais, os dela eram e que nunca poderia deixá-lo sozinho nesse momento… Que mesmo que seu coração estivesse destruído quando decidira partir, nada se comparava a dor que ela estava sentindo por vê-lo nesse estado?
— Ichigo...— ela suspirou quando chegou sua vez de falar.
Todos pareciam alheios ao desespero que estava havendo ali naquele momento, mas estavam todos distraídos, e Rukia sentiu-se desapontada quando Ichigo continuou olhando para o nada e não pareceu reconhecê-la. Ela pigarreou, juntou folego e voltou a falar.
— Sei que…Não há nada que eu … que eu possa falar… eu… sinto muito… meus pêsames… eu… Ichigo? Eu… gostaria de… de poder tirar essa dor do seu peito, gostaria de poder dividir com você, ou que você nunca passasse por isso… eu sinto tanto… e… — então Rukia percebeu que estava chorando, as lágrimas que antes ela continha, estavam caindo nervosamente pelo seu rosto. — desculpe por chorar, eu deveria ser forte, deveria ser eu que...daria força pra você, mas não consigo vê-lo assim, simplesmente não consigo…
— Rukia? — ele disse com a voz fraca.
Ela olhou pra cima assustada, e uma centelha de reconhecimento passava através dos olhos opacos de Ichigo que a observava com curiosidade agora.
— Você está mesmo aqui? Não sei se...eu suportaria acordar e descobrir que é outro sonho… — ele disse, sua voz soando fraca, irreconhecível.
— Eu estou aqui, estou aqui… — ela disse segurando o rosto de Ichigo com as mãos molhadas e frias.
Seu coração despedaçou ainda mais. Aquele não era seu Ichigo, não era… Em resposta ele segurou o rosto de Rukia também, as mãos frias apertando as bochechas molhadas de lágrimas de Rukia.
— Ela se foi… — ele sussurrou e ela nunca havia visto tanta dor no olhar de alguém algum dia. — ela...E você… estou sozinho…
— Estou aqui… Eu sinto muito não ter estado…
— Eu … mereço isso… — ele disse, as mãos tremendo o olhar escuro e sombrio.
— Não, você não merece...Eu estou aqui, eu voltei por você…
Ele engoliu a seco. Ainda olhando para Rukia como se ela não fosse real.
— Isso é … outro sonho… me deixe em paz… me…me deixe em paz… SAIA DAQUI! VÁ EMBORA! ME DEIXE EM PAZ!— então ele estava gritando descontroladamente.
Os convidados começaram a se assustar, o pai de Ichigo o segurou por trás enquanto ele agitava os braços e gritava e Rukia foi se afastando, com medo, alguns fotógrafos maldosos começaram a tirar fotos e alguns convidados fofoqueiros cochichando enquanto Rukia segurava um grito mal podia respirar.
Ichigo continuava gritando, chorando, se debatendo, e Rukia nunca havia visto tanto desespero antes. Sem saber o que fazer ela correu. Seus amigos gritavam seu nome, mas ela correu o mais rápido que pode. Precisava sair daquele cemitério, se afastar de Ichigo e respirar. Tudo acontecera muito rápido, Na noite passada estava num avião com destino e paris, e nessa manha sombria estava no enterro do homem que amava vendo-o tão destruído que era ate mesmo incapaz de acreditar que o Ichigo que ela algum dia conhecera ainda morava ali.
Rukia sentiu que precisava voltar pra casa, conversar com seu irmão e arrumar sua vida.
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