Estava no meu dormitório, em uma noite tranquila de domingo, estudando para a prova de amanhã quando recebi a mensagem que tombou meu mundo.
Eu havia me formado no ano passado. Ingressei na faculdade preparatória de Veterinária em Stanford e minha vida universitária já fazia quatro meses de aniversário. Eu deveria estar nas alturas. Estava vivendo o sonho que muita gente não consegue alcançar. A liberdade que poucos tem o prazer de gozar, sem pais por perto e sem hora para voltar para casa. Podendo frequentar a festa que eu quisesse, com amigos mais loucos que podia arranjar.
Mas não estava completamente feliz. Como poderia se a metade do meu coração estava a quilômetros de distância?
Sasori e eu namorávamos há pouco menos de um ano, porém, o que sentíamos um pelo outro era tão solido que parecia que estávamos juntos há décadas. Foi amor à primeira vista. Uma paixão súbita. Em um dia, nos conhecemos, e menos de uma semana depois já estávamos nos chamando de amor. Já estávamos trocamos presentes de Dia dos Namorados.
Era como aqueles romances de adolescente que os dois pareciam feitos um para outro e nada nunca abalaria esse. Nem mesmo a distância.
Mas descobri neste momento que não éramos nada disso. Foi tudo apenas uma ilusão.
Era uma foto enviada por um número desconhecido. A iluminação não estava muito boa, mas eu conseguiria distinguir aqueles cabelos em qualquer lugar. E aquele tronco nu.
Mas não conhecia a garota loira ajoelhada na frente dele. Nem dava para ver o rosto dela, mas certamente não conhecia. Da Universidade da Califórnia, eu só conhecia Sasori porque era meu namorado. Ex-namorado agora que estava vendo a foto de uma garota fazendo oral nele.
Apertei o celular em minhas mãos tremulas e senti os olhos arderem. Os acontecidos a seguir não passariam de um borrão na minha memória. Eu digitei o número de Sasori e gritei com ele assim que atendeu. Não lembro bem do que disse, só que foram muitos palavrões. Muitos. Tanto que meu quarto deve ter ficado infestado de energias ruins, se minha mãe realmente estivesse certa ao dizer que esses tipos de palavras atraem o mal.
E não me recordo muito bem do que Sasori falou para se defender. Na verdade, acho que ele nem disse nada. Eu não deixei.
Não sei direito em que momento desliguei o celular, ou se ele desligou, porque eu apenas me deitei na cama e continuei chorando e xingando, sem me importar se ele estava escutando ou não.
Ainda estava assim quando minha colega de quarto chegou.
— Meu Deus, amiga! O que aconteceu?
Eu mal conseguia enxergar Ino com meus olhos tão borrados de lagrimas, mas dava sentir a preocupação dela em seu tom. Dei espaço na cama para ela se sentar ao meu lado. Respondi a ela, mas acho que não saiu entendível porque Ino me perguntou mais três vezes.
Depois que ela enfim entendeu, passou a xingar Sasori tanto quanto eu e me segurou enquanto eu chorava. Quando percebeu que suas palavras de conforto tinham pouco efeito sobre mim, Ino se levantou e disse que voltaria logo. Eu continuei naquele estado deprimente, desejando que aquela dor no meu coração parasse.
Ino cumpriu sua promessa e voltou rápido. Mas não de mãos vazias.
O último flash de memória que tenho daquela noite foi de Ino abrindo uma garrafa de vodca enquanto dizia que eu estava merecendo muito isso. A partir de então, não havia como me responsabilizar pelos meus próprios atos...
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Acordei com o despertador tocando, o som era como agulhas sendo enfiados no meu cérebro dolorido. Não demorou muito para perceber outras partes do meu corpo doloridas. Porque eu estava deitada no chão. Ino roncava de boca aberta ao meu lado. A garrafa de vodca estava entre nós, a poucos centímetros de distância do meu rosto. Vazia.
O alarme continuava a tocar, provocando pontadas na minha cabeça. Levantei-me ainda atordoada de sono e bati a mão no botão do aparelho em cima da mesa de cabeceira, finalmente cessando a tortura daquele barulho estridente.
Esfreguei os olhos com as costas da mão. Ainda passei alguns minutos no limbo entre a inconsciência e a consciência. Quando minha visão enfim entrou em foco, a primeira coisa que enxerguei foram os números em vermelho no relógio. Esbugalhei os olhos.
— Meu Deus, Ino! — Gritei, ficando de pé em um pulo. — Estamos atrasadas para aula!
Ela apenas gemeu e virou-se para outro lado sobre o tapete.
— Acorda! Temos que ir!
Ignorando a dor latente na minha cabeça, voei até meu armário e peguei a primeira roupa que minhas mãos alcançaram. Jogando tudo em cima da cama, dei mais um grito para Ino acordar antes de sair do quarto para ir até o banheiro compartilhado.
Quando voltei para o quarto, pelo menos Ino já estava de pé, trocando de roupa languidamente, como se seus membros pesassem toneladas, enquanto bocejava.
— Ah, de quem foi a péssima ideia de encher a cara um dia antes de uma prova?! — Ela resmungou.
— Foi sua! — Rebati rudemente enquanto tirava a roupa.
Minha amiga se voltou para mim com uma careta.
— Só para ajudar a curar seu coração partido! A propósito, de nada. — Ela revidou, seca e irônica.
Congelei. A camisa que eu ia vestir escorregou de minhas mãos e caiu sobre o chão. Ino acabou de me fazer lembrar da razão pela qual me afundei no álcool. E novamente, as lagrimas encheram meus olhos.
— Ah, não, amiga. — Ino se aproximou ao perceber minha recaída. — Não pense nisso agora. Precisamos nos apressar para chegar na aula a tempo, senão o Sr. Uchiha nem vai nos deixar fazer o teste. — Ela deu um leve aperto no ombro. — Se concentra nisso.
Engoli em seco e respirei fundo, esforçando-me para deixar essa dor de lado. Sasori já estragou minha noite de estudos. Não posso deixar que atrapalhe minha prova também.
Eu tento esvaziar minha mente e focar em me preparar o mais rápido possível.
Ino e eu nos arrumamos apressadamente e minutos depois, já estávamos correndo pelo campus. As pessoas por quem passávamos olhavam para nós com curiosidade, e detectei até alguns risos nos assombrando. Pensei que estavam zombando da gente por estarmos evidentemente atrasadas ou por mal termos penteado o cabelo direito. Mas não me importei. Não tinha tempo para isso.
Antes de entrar na sala, Ino se virou para mim e disse:
— Não diga nada. Se o professor disser alguma coisa, deixa que eu cuido disso.
— Ata, como se você tivesse uma aparência mais inocente que eu. — Resmunguei, incrédula.
Os lábios de Ino se curvaram em um sorriso.
— Não, querida. É exatamente o contrário. — Ela pisca um olho e depois se vira de frente para o espelho no corredor, ajeita os cabelos e puxa a barra da blusa para baixo, para acentuar seu decote.
Solto um riso leve e reviro os olhos.
— O Sr. Uchiha não é bobo para cair nessa.
Ino ignora meu comentário e passa um gloss brilhante nos lábios.
— Vamos logo, Ino, você só está nos atrasando mais. — Reclamo, nervosa.
Ela não me dá atenção e eu bufo enquanto me dirijo direito para sala.
Assim que passo pela porta, sinto a forte pressão de muitos olhares recaindo sobre mim. Meu rosto queima e eu congelo.
O Sr. Uchiha estava no meio de um discurso, com as mãos sobre uma pilha de papeis em cima da mesa e ele interrompeu sua fala assim que entrei.
— Bom dia, Srta. Haruno. — Declarou com voz excessivamente alegre. Cruzou os braços sob o peito e encarou-me com a cabeça inclinada e o olhar estreito. — Fico feliz que tenha decidido nos dar o prazer do ar de sua presença.
Abro a boca e fecho, o nervosismo e a vergonha fazendo meu estomago queimar. A sala já estava cheia e todos estavam olhando para mim. Eu queria que um raio caísse em cima de mim e me partisse em pedaços.
O olhar escuro do professor Uchiha pesou em cima de mim e eu pude perceber a leve inclinação de sua boca.
Molho os lábios com a língua e troco o peso de um pé para outro.
— Er... Eu sinto muito. Me desculpe. Eu...
— Bom dia, Sr. Uchiha. — Ino adentrou, passando a minha frente, com as mãos na cintura e peito erguido. — Pedimos pelo atrasado. Não vai mais acontecer. — Sua voz doce e excessivamente aveludada.
O Sr. Uchiha apenas lançou um breve olhar para ela antes de voltar a focar em mim.
— Tomem seus lugares. — Apenas declarou de forma sucinta.
Ino e eu caminhamos apressadamente para os únicos assentos vazios. Sentia todos os olhos me seguindo, cochichos e risos estranhos vindo de toda parte. Cerrei os punhos, irritada. Pessoas se atrasavam todo dia, era algo totalmente comum, ainda mais nas segunda-feira. Não estou entendendo por que todos estão me olhando como seu eu fosse algum espetáculo de circo.
Sentei-me em um dos poucos assentos vazios e o Sr. Uchiha voltou discursar da parte onde tira parado quando entrei, atraindo a atenção de todos, para minha felicidade.
— Vocês terão uma hora a partir das 09h para responder 10 discursivas e 20 alternativas, cada uma com peso...
Ainda nervosa, minhas mãos tremiam sobre a mesa e a adrenalina corria em minhas veias.
— Parece que teve uma noite e tanto.
Uma voz disse ao meu lado e quando virei o rosto, deparei-me com um par de olhos verdes opacos me encarando curiosamente.
— Er... Mais ou menos.
O garoto ruivo apenas sorriu sem mostrar os dentes e tive a louca impressão de que ele queria dizer mais que isso. Eu o conhecia apenas de vista porque mesmo estando na mesma turma, ele nunca havia falado comigo. Até agora.
Girei o pescoço para frente de novo e tentei ignorar a sensação de estar sendo observada. Mas ficou quase impossível quando o Sr. Uchiha passou entre as mesas para distribuir os testes e quando chegou próximo a mim, ele se inclinou e sussurrou perto do ouvido para ninguém mais escutar:
— Eu dei um bom lance.
Ele deixou os papeis na minha mesa enquanto me olhava de forma significativa, me deixando completamente confusa.
Ta bom. Agora é sério. Que diabos está acontecendo?
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Depois que o teste terminou, Ino e eu caminhamos juntas até o refeitório, dessa vez com menos pressa.
— Ufa, até que não foi tão ruim. Eu achei que seria péssima mas só fui mal. — Ino brincou, me cutucando com o cotovelo.
Tentei sorrir mas não fui muito bem-sucedida. Eu não estava muito preocupada com a prova, acho que fiquei acima da média. O que estava me incomodando mais eram os olhares que continuavam me seguindo. Eu achei que as pessoas só estavam me olhando porque estava atrasada, mas mesmo após a aula, enquanto andava pelo pátio, eu ainda me sentia sendo observada.
— Ino — Olhei para ela com testa franzida. — Você não acha que está tudo muito estranho?
— Estranho, como?
Antes que pudesse responder, o ar foi tirado de mim quando um bloco de músculos trombou contra o meu corpo.
— Ai...
Braços fortes me seguraram e escutei um resmungo rouco. Quando erguei a cabeça, os olhos mais negros jamais vi que fulminavam criticamente.
Ele cerrou as pálpebras e inclinou a cabeça para me encarar.
— Cuidado por onde anda, virgenzinha. — Disse, ríspido e desdenhoso, empurrando-me levemente para sair do seu caminho e voltou a andar sem olhar para trás, deixando-me embasbacada.
— Meu Deus. — Ino observava o garoto rude se afastar com olhos brilhando e a mão na boca. Demorei alguns instantes para perceber que ela estava rindo.
— Ei, não teve graça. Eu acabei de ser horrivelmente desrespeitada! — Reclamei, sentindo-me prestes a explodir de nervosismo e vergonha. — Quem aquele cara pensa que é?
— Ele é Sasuke Uchiha, amiga. Primo do professor Uchiha e o cara mais gostoso da fraternidade Kappa-Delta.
Encaro-a com uma profunda carranca.
— Eu sei quem ele é. — Não tinha como não saber. Ele era praticamente o cara mais popular do campus. Não fazia ideia do motivo, mas era. — NSó não sei por que se acha no direito de ser tão mal-educado.
— Pois comigo ele pode rude o quanto quiser. Eu até prefiro assim. — Ela comentou com um olho maliciosamente e soltando um riso bobo.
Voltei a andar, batendo os pés. Até que um pensamento me fez congelar novamente.
— Virgenzinha? Como diabos ele sabe...?
Meu celular vibrou no bolso. Desde que acordei, com a pressa de chegar até a aula, não tive tempo conferir minhas últimas mensagens. Não fazia ideia se Sasori tentou entrar comigo. Ao lembrar dele, a tristeza tomou conta de mim de novo.
Tirei o aparelho do bolso e liguei o visor. Quase pulei susto.
Tive que piscar os olhos centenas de vezes para ter certeza de que realmente estava enxergando certo. Havia cinquenta chamadas perdidas e três mil notificações.
Mas que porra...? Pensei. Aconteceu o apocalipse e eu não estava sabendo?
— O que foi? Alguém morreu? — Ino perguntou quando chegou ao meu lado.
— Talvez, sim. — Respondi, incrédula enquanto abria a página de chamadas. A maioria era de Sasori e as outras viam de números aleatórios.
Quando abri minha rede social, foi como se uma bomba tivesse explodido.
Duas mil curtidas, setecentos comentários, duzentas menções e várias mensagens diretas. Olhei para Ino, boquiaberta.
— O que foi?
Voltei a atenção para o celular e cliquei no post que eu nem lembro de ter publicado ontem à noite, que surpreendente viralizou.
Meu coração despencou dentro do peito depois que sofreu uma parada.
Era uma foto minha. Seminua.
Eu estava deitada sobre os travesseiros, com os cabelos soltos e usava apenas uma lingerie de renda preta. O pior é que eu ainda estava com essa roupa intima, constatei ao verificar o sutiã por baixo da gola da camiseta. Então aconteceu de verdade. Eu fiz isso.
Com as mãos tremulas, rolei a tela do celular para a ler a legenda.
“Leilão da minha primeira vez. Estou vendendo minha virgindade para quem pagar mais. Mas calma que ainda tem alguns requisitos: tem que estar dentro dos meus parâmetros. É isso, esse é o único requisito. Interessados podem chamar no direct”
— Amiga, pelo amor Deus, fala alguma coisa. Você está me assustando.
Ergui meu olhar abismado da tela do celular para Ino, que me observava preocupada. Eu estava em estado de choque e não consegui responder nada por um longo momento.
Em vez disso, apenas choraminguei:
— Ah, Ino... O que eu fiz?!
Continua...
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