Quando miúdo, antes de alcançar um e oitenta de altura, Kageyama era chamado de pequeno artista. Com os dedos sujos de tinta observava os cenários cinematográficos com frequência para, de modo desajeitado, recriar uma imagem que o agradasse completamente. De cores diferentes e personagens tortos, sem uma base para torná-los humanos como os que observava de sua janela. Não havia tanta sujeira em seus quadros, apenas a sua idealização de como o mundo poderia ser, um esboço da sua felicidade dentro de um quadrado. Com as suas digitais como rostos desconhecidos e flores iguais a uma tampinha de algum recipiente.
E, quando grande, alguns cochichavam sobre a tinta permanente em seu braço esquerdo, quase sem querer realmente esconder. Ao andar pelos andares com os quadros em mãos, com a temperatura elevada por culpa do verão, era inevitável andar com os braços à mostra por uma blusa leve e mangas curtas.
Apesar dos quadros estarem abaixo de seus braços sem proteção alguma, poucos observavam as cores salientes que quase flutuavam em sua base de madeira. O assunto era arte, porém ele trajava um tom negativo, olhos grosseiros e certa aversão ao passar novamente ao lado de quem os dizia com firmeza.
Kageyama mudou do pequeno conjunto de apartamentos por culpa do aluguel, porém, às vezes, pensava que o real motivo fora por culpa das palavras de quem morava no local. Grosseiras e incômodas, capazes de fazer qualquer um se afastar, assim como eles queriam. E junto com aquele sentimento pouco gentil, o homem passou a noite acordado arrumando a sua nova moradia. Os móveis em seus lugares, quadros por todos os cômodos. Não havia o mesmo espaço que a anterior e tantas outras coisas mais, e mesmo assim demorou algumas horas até dormir de exaustão na sala em uma cama improvisada.
Ao conhecer, cada vez mais, os conceitos e o que poderia ser dito com arte, Kageyama abraçou as performances longas e as esculturas por um pequeno momento de sua vida. Influenciado por Marina Abramovic*, principalmente pela sequência de performances nomeadas de Rhythm*, e alguns escultores como Juarez Machado* e Ron Mueck*, até voltar para os quadros. Algo que praticava e observava a qualquer momento de seu dia. Trabalho ou não, Tobio segurava a vontade de tocar e sentir o relevo das extremidades da moldura. Quase como uma criança fascinada que quer tocar, a qualquer custo, o que a chamava atenção.
Naquela noite específica, onde conheceu e reconheceu a tatuagem como uma forma de arte, uma forma de expressão sem palavras ou tantos movimentos abruptos como um quadro e uma performance, Tobio prendeu os dedos atrás de suas costas para não expor a sua surpresa ao observar o corpo feminino. A Carpa Koi moldava a cintura alheia, as águas se debatiam ao que o peixe nadava violentamente até a cintura — um tom similar ao anil era dito como base, o laranja uma forma forma de dizer sobre a força de quem a tinha e outros pequenos peixes reforçavam essa ideia.
Pouco tempo depois, Kageyama passou a dormir pensando naquele traço, na intenção de manter aquele momento eterno. Um sentimento gentil preso, guardado de uma forma que todos poderiam ver, analisar, mas não para sentir como quem o tem. Algo doloroso, mesmo que o seu significado seja amoroso como um abraço.
Seus sonhos passaram a ser cobertos por um dragão de porte pequeno que o observava com os olhos calmos, deitado enquanto esperava Tobio tocar a sua pele grosseira. Ao seu redor havia água, sempre cristalina, e ele podia notar o quão bonito era, quase causando inveja ao Carpa Koi que o fez andar até o animal sem medo. Não havia violência, não como nas águas do forte peixe, tudo o que havia era calmaria. E todo o seu grande corpo indicava aquele sentimento apenas para fazer Kageyama deitar ao seu lado, observar o modo que o rio corria entre eles.
Ao acordar, o dragão se tornou real. Em passos grandes e desajeitados, Tobio desenhou a calmaria de um modo que todos poderiam observar, às vezes tocar, com uma forma grande, de pele rude e olhos amarelados, a água ao seu redor como uma cama confortável, exatamente como fazia no sonho.
Agora, aos vinte e cinco, com os dedos esguios acostumados a certas posições com o pincel, os pés sempre descalços ao sentar-se em frente ao cavalete, Kageyama era chamado de grande sonhador. Não apenas por expôr a maioria dos seus sonhos em quadros, quase como uma marca sua, mas também por esperar demais de um amontoado de tinta em uma tela branca. Esperar que as pessoas entendam, cada uma do seu modo, o que os seus sonhos conturbados poderiam expressar. E apenas Tobio, com a sua falta de organização e mente peculiar, entendia o real significado de cada um deles.
Às vezes, quando Kageyama não era chamado de artista, sonhador, também era confundido com um integrante da gangue a duas quadras de seu novo apartamento. Com o braço esquerdo exposto por culpa do verão, outras palavras eram postas à sua frente, quase como um ventilador que não esquentava o bastante, então Tobio voltava para casa e quase não abria a janela naquela estação em específico. Sempre dentro de casa com o ar-condicionado ligado, por vezes usava algumas blusas de manga comprida ou um casaco para se esconder, mesmo que os donos daquelas palavras não estivessem olhando para o seu corpo.
E aquela era a última sessão, então Kageyama andava de modo lento, como se quisesse deixar o tempo correr lentamente. Apesar da posição incômoda, a satisfação e a expectativa de mais um dia de retoque, de contorno e preenchimento, deixava Tobio ansioso para o próximo passo. O plástico incomodava, a ardência ao tomar banho também, porém os seus olhos brilhavam ao notar o dragão em seu braço e parte do ombro esquerdo. Assim como os olhos de Hinata mantinham-se atentos aos seus passos, a blusa simples e transparente que mal cobria o tom escuro de seu sonho em sua pele.
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