"If I go, let me go
Don't you follow me, let me go
I will let you down, let me go
Even if your heart can't take it"
(Flames - R3hab & Zayn Malik)
Amélie Lombardi
Dezembro de 2020
A pandemia e o fato de que a temporada esse ano não teve o summer break acabaram fazendo com que não conseguíssemos ir pra Saint-Tropez. Por conta disso, minha mãe e Pascale resolveram organizar uma viagem no inverno para compensar, já que aparentemente faz muita diferença em nossa vida a existência dessas viagens e nem é como se nós não vivemos grudados o tempo todo ou algo do tipo. De qualquer forma, no fundo eu gostei da ideia já que amava esquiar e num passado onde essas viagens também aconteciam com uma certa frequência eu lembro de amar cada minuto que eu passava na neve e principalmente esquiando.
Então estava até animada, ainda estávamos no meio da pandemia e por conta disso nossas opções eram limitadas e em vez de irmos para algum resort de ski, preferimos alugar um chalé afastado que tinha um lugar privado que poderíamos usar, além de ser relativamente perto de uma das minhas pistas favoritas. Além disso, Felipe também iria com a gente e seria bom passar uns dias com as minhas pessoas favoritas no mundo, deixar de lado o estresse e fingir que não vou ter a vida virada do avesso no próximo ano.
— Pegou tudo?
— Sim, pai.
— Vou sentir sua falta por aqui.
Abraço ele e até deixou umas lágrimas escaparem, por mim eu morava aqui para sempre mas minha mãe resolveu discordar e ele ainda por cima concordou com ela. Ridículo.
— Então me deixa ficar!
— Filha, sua mãe precisa de você.
— Ela não se importa comigo.
— Não fala isso, não é verdade. Pensa pelo lado positivo: na fórmula 1 o calendário é muito maior e você vai passar muito mais tempo fora de casa, talvez mesmo não morando na mesma casa nós vamos passar ainda mais tempo juntos por conta disso.
— Você ainda poderia ir na viagem.
— Não estragaria os planos da sua mãe, agora vai e me conta tudo, certo? A gente combina algo antes das férias acabarem.
Respiro fundo e termino de pegar o resto das minhas coisas que eu levaria de volta para a casa da minha mãe, assim que chego lá vejo ela em meu quarto mexendo na minha mala.
— O que você está fazendo, mãe?
— Terminando de arrumar sua mala!
— Eu posso fazer isso e por favor, não mexa nas minhas coisas.
Por um segundo entro em desespero com o que possa ter na mala, eu estava tão desatenta que realmente não lembro o que tinha colocado ali e certas coisas ela não precisava saber que existiam.
— Filha eu não vou brigar com você se achar uma camisinha aqui, já conversamos sobre isso, certo?
— Mãe, para! Eu termino.
Ela suspira, mas acaba aceitando e saindo dali sem falar mais nada. Felipe estava em sua casa na Itália e iria de trem até uma estação próxima do local que alugamos, mas ainda assim precisaríamos ir em dois carros já que Lorenzo havia resolvido se juntar a nós de última hora e aparentemente Arthur também levaria Carla.
Quando terminei de arrumar minhas coisas, desci e jantei rapidamente torcendo para não encontrar com minha mãe e acabar sendo levada para uma conversa de horas completamente desnecessária. Para a minha sorte ela provavelmente nem estava em casa e como sairíamos cedo no dia seguinte, não demorei muito para ir dormir já que eu teria que dirigir em uma longa e bem difícil estrada no dia seguinte.
[...]
— Bom dia!
Ainda estava parcialmente dormindo quando Arthur invade a casa todo sorridente, queria voltar pra cama e desistir de tudo mas sua alegria me ajudou a animar um pouco.
— Bom dia, criança.
Ele rola os olhos e rouba um croissant da mesa.
— Cadê a Camille?
— Arrumando o carro com sua mãe.
— Elas estão super animadas, né?
— Até demais, parece que não fazem nada há séculos.
— Pior que parece mesmo.
Dou de ombros meio que concordando por um lado, mas ainda sem entender.
— Cadê a Carla?
— Deitada. Ela disse que é para chamar ela apenas quando estivermos saindo.
Sorrio completamente me identificando com a garota e gostaria de fazer o mesmo, mas como eu iria dirigir preciso estar bem acordada para o momento que pegarmos a estrada.
Tomo um susto com uma buzina estridente e xingo Victor mentalmente de todas as formas, óbvio que ele seria outro a chegar exalando felicidade depois de acordar 4 da manhã.
— Cheguei!
Quando ele escancara a porta com toda a força tudo o que eu consigo fazer é levantar o dedo pra ele, depois de conferir que minha mãe ainda estava na garagem
— Que mau humor é esse?
— Saber que eu vou ter que conviver com você pela próxima semana.
Ele ignora minha carranca e vem me dar um beijo na bochecha quando eu levanto para limpar a mesa.
— Cadê a mamãe?
— Mamãe?
Sorrio pela forma como ele se refere à ela.
— Amélie!
— Na garagem, com a Pascale arrumando as coisas no carro.
— Certo, as minhas coisas, do Charles e da Charlotte já estão no meu, precisa colocar mais alguma coisa lá?
Travo quando eu ouço o nome, pelo que me falaram o Charles não conseguiria ir porque já tinha outro compromisso. Eu sabia que Pascale estava tentando convencer o filho, mas honestamente não havia procurado saber, mas ir acompanhado? Essa viagem que eu já tava com pé atrás simplesmente parecia a pior coisa do mundo no momento.
— Ela vai?
A voz estridente de Arthur atrás de mim me desperta, mas com isso um ódio crescente vem junto.
Em algum momento, Arthur reconheceu quem era a pessoa que o irmão estava namorando e soube que eles tiveram uma discussão em relação a isso. Desde então eles trocam farpas e Charles fica claramente incomodado com o fato do irmão não aprovar seu namoro como se não soubesse o motivo. Babaca.
— Claro. O Charles virou cachorrinho de novo, ta pior do que era com a Giada.
— Óbvio, a Giada é legal e ele realmente gostava dela.
— Arthur, para.
Consigo abrir a boca apenas para repreendê-lo quando vejo o casal maravilha passando pela porta, sem conseguir controlar o revirar dos meus olhos.
Victor olha estranho para a gente e eu sei que ele não sabe de nada, nem poderia na verdade, ele foi o único que estudou em uma escola boa, particular e em Nice porque focou nos estudos antes de resolver correr profissionalmente de uma hora pra outra. Já Arthur, Charles e eu sempre meio que frequentamos a mesma escola, em Monte Carlo mesmo, porque as viagens eram tantas que era mais fácil estar matriculada em uma escola pública onde a presença não era necessariamente tão importante.
Victor nem sabe de muitas histórias porque eu sei que se soubesse ele provavelmente já teria feito alguma merda, mas acho que o pior de tudo foi ter que passar anos ouvindo muitas merdas e normalmente tendo o dito cujo para se intrometer e calar a garota, na verdade ela só parou quando dele começou a me proteger de verdade e desafiar ela, por algum motivo quando era ele ela respeitava e ficava calada. Hoje eu talvez vejo o motivo, provavelmente ela finalmente fisgou o que sempre quis, eu só não imaginava que ele iria esquecer tudo e cair na lábia.
Desgraçado do caramba.
— Prontos?
Lorenzo aparece logo depois e antes de precisarmos nos cumprimentar já estamos saindo. Nos acomodamos nos carros e eu entro no da minha mãe sem falar nada, vendo Arthur aparecer com Carla e se acomodar no banco de trás com sua mãe, logo depois minha mãe senta ao meu lado e eu fico no aguardo do carro do meu irmão, sendo que ele não está no volante, partir para eu arrancar.
A viagem foi tranquila, a pista estava bem escorregadia em alguns pontos porém nada que já não estivéssemos acostumados. Charles era meio sem noção até na estrada e eu tinha minha mãe me xingando ao meu lado todas as vezes que eu tentava acompanhá-lo, mas por fim logo chegamos ao nosso destino e eu deixei eles lá já indo buscar Felipe que estava me esperando na estação.
Quando voltamos para casa e eu esperava encontrar uma mini confusão, mas acabei achando ela bem silenciosa e dei de cara com Carla e Charlotte conversando na sala e depois encontrei Charles e Arthur em uma área de serviço mexendo em algo.
— O que é isso?
Charles estava com a mão na massa enquanto Arthur parecia concentrado em ver algo no celular enquanto dava instruções ao irmão.
— O aquecedor não quer ligar.
— E em vez de chamar alguém vocês resolveram consertar por si mesmos? Vocês acham que sabem alguma coisa?
— O Charles disse que não deveria ser muito difícil!
Olho incrédula para os dois, mas honestamente prefiro ignorar.
— Cadê o resto?
— No mercado.
— Certo, já fizeram a divisão dos quartos? Onde é o meu?
— Aqui não é saint-tropez, princesa. Você não tem um quarto para você.
— Claro que não, o quarto é para mim e meu namorado.
Sorrio de forma vitoriosa para Charles depois de sua tentativa falha de me provocar, mas a gargalhada que ele solta junto do olhar de Arthur faz eu ficar preocupada.
— Sobre isso Amélie...
— Sério que você realmente achou que nossas mães iriam deixar a gente vir com namorada e colocar cada casal em um quarto?
— Sim?
Na verdade, pensando bem eu entendi exatamente o que tinha acontecido. Quando viajávamos com Giada ela sempre acabava ficando no quarto comigo. Victor nunca namorou, Carla é a primeira namorada de Arthur e essa é nossa primeira viagem com ela. Nunca tinha parado para pensar nisso simplesmente porque nunca havia acontecido.
— Até parece.
— Você vai ficar no quarto com as meninas.
— Eu o quê?
Minha indignação aparentemente diverte o piloto da Ferrari que ri ainda mais do meu desespero, juro por deus que nessa semana eu vou assassiná-lo. No meio do nada, o levo pra floresta e pronto, ninguém vai nem perceber que ele está morto por meses.
— Dividir um quarto é um absurdo para você não é mesmo? Mimada demais para conseguir pensar em dividir algo.
— Cala a porra da boca, Charles! E o Felipe?
— Com o Charles.
— E você?
— Com seu irmão e Lorenzo, nós chegamos antes e pegamos o quarto maior e com a melhor vista.
Meu amigo diz sorrindo e eu juro que inclui ele na lista de soco no momento.
— Charles e Felipe?
— Isso.
— No mesmo quarto?
— Correto.
— E eu com a dita cuja.
— Desculpa por isso.
— Será que você pode falar o nome dela pelo menos, isso é ridículo!
Não quis nem responder, apenas me virei e fui atrás do meu quarto, encontrando meu namorado pelo caminho e dando a notícia. Ele e Charles nunca se deram muito bem e eu sabia disso, tanto que vi o descontentamento em seu olhar porém ele não disse nada.
Respirei fundo, seria uma longa semana.
[...]
Acordo com um despertador estridente que quase fez eu pegar o celular e jogar pela janela. Controlei minha raiva e coloquei o travesseiro em cima da cabeça para abafar o som, mas quando ele parou a cortina foi aberta.
— Já são 10 horas! Vamos levantar.
Tudo nela me incomodava. Tudo.
A forma como ela pegou a cama que quis, ocupou mais da metade do guarda roupa e queria que todo mundo seguisse a rotina que ELA queria. Não só isso, descobri que ela fez uma lista pessoal e queria forçar todo mundo a viver na dieta ridícula dela pra manter um corpo que devia pesar 30kg porque pela quantidade de caloria que ela come tinha que ser isso, é ridículo.
— Eu levanto quando eu quiser e não quero levantar agora.
Aperto ainda mais o travesseiro para não ouvir caso haja uma resposta, mas percebo que Carla a obedece. Outra coisa que me irrita: Charlotte trata a coitada igual merda e ela apenas aceita, é triste.
Fico na cama bem mais do que necessário e só levanto quando minha mãe vem pessoalmente me ameaçar. Almoçamos e resolvemos sair para explorar o local, conhecer o local privado que teríamos para esquiar. Todos acabam se divertindo, eu acho, mas a pista era provavelmente infantil de tão sem graça.
— Vamos mais uma vez?
— Não.
— Não.
Arthur fecha a cara depois de fazer a pergunta todo animado e eu me amaldiçôo mentalmente pela resposta seca. Mas sério, eu não aguentava mais.
Só me irrita ter que concordar com a pessoa ao meu lado.
— Fala sério, Arthur. É super sem graça, poderíamos ver se não tem algum lugar melhor por perto.
— Ou irmos aonde já conhecemos.
— Eu não vou descer naquele lugar do demônio que vocês gostam por algum motivo.
Nesse momento Lorenzo e Victor chegam ao nosso lado e ficamos ali vendo enquanto todos terminavam a descida mais uma vez. Era tediante, se até minha mãe e Pascale estavam descendo é porque realmente estávamos precisando de algo melhor.
— Você prefere isso, sério?
— Deixa eu adivinhar: Amélie e Charles estão reclamando da montanha.
— É menor que uma pista infantil, Victor!
— Amanhã vamos para o resort então, é do seu agrado?
— Sim, bastante.
Sorrio e vejo que Charles também fica satisfeito ao meu lado, enquanto Lorenzo ri e Arthur rola os olhos.
— Ninguém vai acompanhar vocês.
[...]
Como já era esperado, o dia seguinte foi muito melhor. Há muito mais coisas pra fazer e o simples fato de precisar utilizar um teleférico já indica que estávamos em um lugar melhor. Felipe não estava muito acostumado com tudo isso, afinal ele é brasileiro e até onde eu saiba nem sequer nevar lá neva direito, quem dirá ter alguma cordilheira ou ter o esqui como esporte corriqueiro de todo inverno. Mas era divertido vê-lo tentar e eu estava adorando ensiná-lo.
— Hora da black diamond!
Havíamos nos divertido bastante durante todo o dia, mas eu estava contando os segundos para fazer algo realmente empolgante, interessante e a razão para estarmos ali.
— Vamos!
Estava tão empolgada com a perspectiva de descer aquela pista, o vento gélido batendo em mim e eu congelando de fora pra dentro enquanto precisava desviar dos obstáculos, eu amava aquela sensação e precisava ter aquilo logo, mesmo que isso significasse concordar com Charles.
— Filho, acho que eu e Camille vamos voltar para o chalé. Não vamos descer lá mesmo!
— Eu também vou, prefiro não me arriscar novamente e a Carla também não vai.
Alguns anos atrás naquela pista Victor tropeçou, saiu rolando e acabou atropelando Arthur pelo caminho. Foi engraçado, mas meu irmão quebrou o braço e Arthur ficou traumatizado e cheio de dores por dias mesmo não tendo quebrado nada, nenhum dos dois voltou lá desde então.
Era sempre...
Eu e Charles.
Tinha esquecido disso.
— Bom, eu também prefiro não arriscar. Já estou velho.
— Digo o mesmo Lorenzo, bom vamos indo então? Vocês ficarão bem? Conseguem descer lá?
Victor estava direcionando a pergunta a Felipe e Charlotte e eu sabia muito bem disso, meu namorado com certeza não deveria ir, mas meu pânico de ficar a sós com o casal maravilha fez eu implorar para ele ficar com o olhar.
— Acho melhor não irmos, não é perigoso? Não acho que pegaria muito bem você se machucar, Charles.
— Eu não vou me machucar, eu sei o que eu faço!
— Mas é melhor não correr riscos.
— Minha vida é correr riscos, Charlotte. Eu vou.
— Que seja! Eu vou voltar pro chalé.
— Tudo bem.
Depois da mini discussão nem um pouco discreta, Charles se vira e vai conferir seus esquis para prepará-los para a pista e eu me viro para Felipe.
— Vamos?
— Amélie, você sabe que não tem a mínima chance de eu descer lá, certo?
— Eu te ajudo!
— Na pior pista de todas?
— Nem é tão difícil.
— Quem sabe na próxima? Quando eu tiver mais experiência? Por enquanto prefiro me manter vivo.
Rolo os olhos com sua brincadeira idiota mas concordo, passando meus braços por seu pescoço e selando nossos lábios.
— Você vai ficar bem?
— Claro! Sua família me ama.
Sorri pois sabia que aquilo era a mais pura verdade, o que me tranquilizava um pouco.
— Te vejo daqui a pouco.
Nos despedimos e foi decidido que eles iriam embora com os dois carros e depois eu e Charles ligaríamos para alguém vir nos buscar ou voltaríamos de uber, se é que existia uber nesse lugar no meio de uma pandemia. Porém resolvi me preocupar com isso depois e peguei minhas coisas indo até o teleférico, por enquanto eu podia apenas focar em me divertir um pouco.
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