LUHAN
A chuva estava caindo. Podia ouvir o som de suas gotas a ecoarem no mundo ao redor, assim que estas caíam sobre o metal.
O veículo movimentava-se à certa velocidade, e para os observadores lá fora, esta aparentaria normalidade.
Mas, tudo depende de ponto de vista. Às vezes, quem está ao lado de fora, não sabe o que acontece dentro. Assim como alguém que olha pela janela de uma casa, com os olhos perdidos lá fora, vendo as pessoas movimentarem-se, levando suas vidas normalmente, sem ao menos imaginarem se está a acontecer algo errado.
Talvez, a realidade a qual tanto anseio seja essa, a normalidade. Mas, esta parece distanciar-se cada vez mais, como o horizonte que nunca pode ser alcançado.
Uma forte tensão pairava no ar, e entre o desespero e o medo, permaneci calado. E aqueles dois seres estavam ali, perto de Sehun. Podia vê-los. Podia senti-los. O espaço que era pequeno demais para todos nós, fazia com que a distância fosse inexistente. E Sehun sofria. O ser colocava suas mãos sobre ele, e gritos de dor escapavam de seus lábios. Queria chamar por si, levantar-me e abraçá-lo, mas naquele momento, era apenas um mero boneco que não podia mover-se por conta própria, mesmo que seu inexistente coração desejasse por isso.
O ser; aquele ser cujo corpo emanava escuridão, pegou-me em seus braços; seu toque queimava. Sua maldade era palpável. E, tudo o que aconteceu em seguida, foi ser lançado para fora do veículo. Para longe de Sehun. Em seguida, a escuridão tomou forma novamente em meus pensamentos, junto ao impacto do meu corpo. E não pude fazer mais nada, novamente, como um boneco que não podia mover-se por conta própria.
"Luhan!"
Meu nome ecoava em meio à escuridão do meu subconsciente.
O desconforto, junto à falta de ar, estava presente no momento em que, lentamente, despertei do meu sono e abri meus olhos. O delegado e o enfermeiro olhavam-me de modo preocupado, e mesmo sabendo da presença de ambos, não fui capaz de proferir qualquer palavra diante do horror que sentia em meu coração.
A confusão fazia-se presente em cada detalhe das minhas lembranças, tornando-se difícil diferenciar o real do imaginário. Mas, por mais que desejasse no mais profundo do meu ser, não havia sido um mero pesadelo.
- Luhan. Luhan, como se sente? - A voz grave e conhecida de Chanyeol proferia, chamando-me.
Abria meus lábios, mas nenhuma palavra era capaz de descrever as inúmeras sensações que atravessavam meu corpo; momentos em que passamos na ambulância, outrora apagados como se fossem meros borrões em meio à uma tela branca, agora passavam como um filme, tão claros que estava distante de acreditar no que presenciara.
- E-eu lembro do que aconteceu. - Disse com a voz baixa, hesitante diante dos pensamentos.
Uma dor ao qual nunca sentira antes percorria o meu interior, e, sem saber como descrevê-la, limitava-me a suportá-la em silêncio.
- Conte-nos do que se lembra, Luhan. - Ambos se aproximaram com os olhares preocupados direcionados a mim, indicando-me que tinha total atenção de ambos.
- Estava conversando com Sehun, quando senti meu corpo fraquejar e perder a consciência. Acordei momentos depois, e mesmo que uma dor aguda atingisse minha cabeça, fui capaz de ver dois seres que não eram humanos, dentro do veículo ao qual estávamos. - Suspirei profundamente, revivendo tudo o que passara dentro do veículo - O terror foi suficiente para fazer-me perder a voz; e, sem conseguir mover meu corpo, permaneci aparentemente inconsciente, até perdê-la novamente quando meu corpo foi jogado na pista gélida.
Ainda que seus olhos pousassem sobre mim de modo desconfiado, ainda que em seus rostos estivessem estampados a dúvida sobre a minha sanidade, reuni os resquícios de força que havia em meu interior, e contei-lhes tudo o que havia acontecido.
- Quem o jogou do veículo? - Jongdae foi o primeiro a se pronunciar, depois de um tempo em silêncio. Ele estava visivelmente confuso, tentando entender as minhas palavras.
Foquei meus pensamentos naquele momento. Eu queria ajudar Sehun, estender meus braços e protegê-lo do mundo. Mas meu corpo parecia petrificado, e por mais que tentasse, não tinha forças para tal.
- Um dos seres que estavam lá. Senti sua presença maligna. - Ainda sentia as mãos do ser sobrenatural a tocar-me, jogando-me da ambulância. Antes, não sabia dizer quais sensações eram estas, e nem o porquê de senti-las. Mas com as lembranças, tudo, de um modo incerto, parecia fazer sentido.
- Depois de tudo o que aconteceu, não sei se sou capaz de desacreditar de algo. Há coisas que estão além de nossa compreensão. - Declarou o delegado, enquanto Chanyeol permanecia em silêncio ao seu lado, fazendo com que um pequeno alívio surgisse em meu ser.
- Onde estão meu pai e a Senhora Oh? - Perguntei-os assim que seus rostos surgiram em meus pensamentos, junto à dúvida de como estavam.
- Eles haviam retornado para casa, logo após o julgamento, mas já foram notificados sobre o acontecido e estão a caminho. - Pronunciou Jongdae com seu característico tom de seriedade. Porém, a preocupação em seu olhar, preocupava-me a mim mesmo.
- Notificados sobre o acontecido...? - Repeti suas palavras, sentindo-as tão estranhas quanto aparentavam, junto à sensação de desconforto que as acompanhavam.
- Luhan... - A voz de Chanyeol saiu como um sussurro quase inaudível. Mas, a preocupação presente em seu tom, fez-me voltar-me para si, vendo o momento em que trocara olhares com o delegado, como se hesitassem em dizer-me algo - Sehun desapareceu.
E assim, do mesmo modo impotente como quando estávamos no veículo, senti-me no momento em que ouvira as palavras de Chanyeol. Não soube como reagir, o fio de desespero crescia em meu interior, e nada mais parecia fazer sentido. Novamente, meu mundo desabava diante dos meus olhos.
- Sehun... Desapareceu? Como Sehun desapareceu? - Minha voz baixa deixava evidente meu estado interior, meu corpo ainda imóvel sobre a cama parecia não responder aos meus comandos; mas, era somente aquela dor intensa que queimava em meu interior - Isso não pode simplesmente ter acontecido!
Minha boca movia-se automaticamente. Eu sabia que estes olhavam-me fixamente, mas o meu próprio permanecia distante; fixo em um canto qualquer daquele quarto de hospital, como se ali estivesse todo o motivo da minha dor. Mas eu sabia que não estava.
- Os policiais estão averiguando o local, buscando pistas do que possa ter acontecido. - Jongdae pronunciou, sentado em uma cadeira ao meu lado, de modo pensativo - Luhan. Você acha que o que aconteceu aqui, tem algo relacionado ao que aconteceu na ambulância naquele dia?
Fechei meus olhos diante da dor que ameaçava surgir, junto às lembranças que pairavam em meus pensamentos. Não era capaz de acreditar que Sehun havia desaparecido de tal forma.
- Eu não sei. Eu não sei... - Minha voz desaparecia à medida que pronunciava, enquanto buscava alguma resposta para seu desaparecimento - É como reviver o dia em que Sehun desapareceu pela primeira vez. Aquela mesma sensação de que algo está errado.
As lembranças de quando fui à delegacia pedir-lhe ajuda surgiram em meus pensamentos. Mesmo este dizendo-me que Sehun poderia ter simplesmente desaparecido por conta própria, em momento algum conseguira acreditar em suas palavras.
- Quando cheguei, não havia sinais de que alguém poderia ter entrado lá. O quarto ao qual estava, localiza-se no segundo andar. A janela estava aberta, o vento e a chuva bagunçavam todo o ambiente; como alguém poderia ter o levado de modo tão repentino e sob essas condições? - Chanyeol contava com a voz profunda, revelando-nos a cena que presenciara.
Suspirei fundo, contendo a agitação presente em meu interior, buscando pensar racionalmente em meio ao caos que se instalara em meus pensamentos.
- Delegado. Na primeira vez que Sehun desapareceu, você disse-me na delegacia que ele poderia ter simplesmente fugido. – Disse, olhando para si, vendo seu rosto tomar uma forma de desentendimento.
- Você não acredita que...
- Aquele ser fez algo com Sehun. - Interrompi suas falas, expondo o pensamento que pairava em minha mente - Aquelas marcas... elas não são normais.
As marcas presentes no corpo de Sehun cravaram-se em minha mente como indícios de seus sofrimentos; sofrimentos estes, que me feriam mais do que qualquer coisa que machucasse meu corpo. Junto à essa dor, vieram as lembranças perdidas em meu subconsciente assim que tocara nessas marcas.
- Concordo com você, Luhan. Nunca havia visto tais marcas. - Jongdae disse de modo lento, relembrando as marcas que vira no corpo de Sehun - Mas, por que sentiu aquelas dores quando tocou nelas?
- Eu senti a dor de Sehun. Ele sofreu tanto. Não só agora, mas por tudo o que aconteceu até hoje. - Minha voz embargada pela vontade reprimida de chorar proferiu; e nela, encontrava-se toda a dor existente por saber o quanto Sehun sofrera - Além disso, parte dessa dor pode ter sido causada pelas minhas lembranças que foram apagadas anteriormente, e retornaram.
- Então, você ficou inconsciente quando um ser entrou dentro da ambulância, mas depois de algum tempo, sua consciência retornou e pôde presenciar o que aconteceu... - Chanyeol falava de modo pensativo - Dois seres entraram na ambulância e um deles, esse mesmo que te jogou, fez algo com Sehun? Isso não faz sentido.
- Nada faz sentido na vida, a não ser o próprio sofrimento. - Disse com um suspiro profundo, já cansado dos acontecimentos. Não culpava Chanyeol por não compreender tais coisas, pois nem eu mesmo sabia o motivo.
- Precisa descansar, Luhan. Continuaremos as buscas e daremos um jeito em toda essa situação. - Jongdae levantou-se de seu assento, seguindo até mim e repetindo seu mesmo ato costumeiro de pôr a mão em meus ombros, em um pedido silencioso para que fizesse o que me pedia.
- Não irei ficar parado sem fazer nada. Sehun precisa de mim, preciso encontrá-lo. - Ignorando toda a dor existente em meu ser, e em meu corpo, tentei levantar-me da cama, mas as mãos firmes de Jongdae em meu ombro impediram-me de seguir com o ato.
Uma frustração qual mesclava-se com o sentimento de impotência e tristeza, abateram-se sobre mim; e, já cansado por tudo o que acontecia, as lágrimas ameaçaram surgir, ao mesmo que perguntava-me o porquê de tudo estar acontecendo.
- Por que tudo tem que dar errado? Por que a vida tem sido tão injusta? O que fizemos para merecer essas coisas?! - O grito carregado de dor misturava-se em minhas palavras, junto às lágrimas que escorriam do meu olhar, estas já impossíveis de conter - Sehun não merece isso, não merece sofrer dessa forma. Nunca fizera nada a ninguém, mas, ainda sim, foi machucado por aqueles que mais amava.
O Jongdae e Chanyeol permaneceram em silêncio, ambos sem saberem o que dizer diante ao meu desespero.
Porque o desespero era o que mais tomava conta do meu ser naquele momento, onde tudo parecia tornar-se incerto. O mundo parecia perder o sentido sem Sehun.
- Tem coisas que não podemos entender. Ainda assim, Luhan. Precisa se cuidar, se quer ajudar Sehun. - A voz calma do delegado alcançou-me, mas não era capaz de sentir-me em paz naquele momento.
E antes de virar meu rosto novamente, incapaz de dizer qualquer coisa sem impedir que as lágrimas escorressem novamente, olhei-o fixamente, com suas mãos ainda sobre meus ombros, apertando-as levemente. Era terrível pensar onde Sehun poderia estar, como quando ele fora levado para aquela cabana. Não poderia ficar apenas olhando enquanto a preocupação corroía-me por dentro.
Um barulho estridente fez-se presente no ambiente, e senti as mãos do delegado deixando meus ombros. Ele pegou o aparelho celular em seu bolso, atendendo-o logo em seguida.
Levei minhas mãos ao rosto, secando as lágrimas ainda presentes, mas estas insistiam em permanecer em meu olhar.
- O quê?! Tem certeza? Mas ele está bem? - A voz de Jongdae tomou um tom sério, ao mesmo tempo em que se afastava de nós. Suspirou profundamente, antes de virar-se novamente - Tudo bem, estamos indo aí.
Ambos olhamos para si com olhares questionadores, percebendo a alteração em seu rosto após a ligação. Uma leve esperança crescia em meu interior para qualquer notícia sobre Sehun, mas seu rosto sério deixava-me temeroso quanto ao que diria.
- Seguranças da prisão disseram que um jovem entrou lá sem permissão. Segundo testemunhas, ele não estava em seu estado normal, nem ao menos os guardas do local foram capazes de contê-lo. - Disse com hesitação, levando sua mão à nuca afim de conter seu nervosismo, como se ele próprio tentasse acreditar no que ouvira - A prisão é onde o pai do Sehun está.
- Como?! - O questionamento escapou dos meus lábios sem aviso prévio, evidenciando o desespero que crescia em meu interior - E-esse jovem... Ele pode mesmo ser o Sehun?
- Como ele pôde sair nessas condições? Ele estava muito mal, e ainda inconsciente quando deixamos o quarto dele. - Chanyeol pronunciou, mantendo uma calma incomum em meio àquele caos que se instalou repentinamente.
- Eu preciso ir também. - Olhei fixamente nos olhos do delegado, mal conseguindo enxergá-lo pelas lágrimas que se acumulavam em meus olhos.
- Mas, Luhan... - Mesmo com a hesitação presente em sua voz, ele olhou-me com compreensão. Suspirou fundo, aproximando-se de mim e pondo sua mão em meu ombro, dizendo-me, sem usar palavras, que compreendia o meu estado.
- Podem ir. Avisarei à direção que o paciente já estava em condições de ser liberado. - Chanyeol disse, e diante de suas palavras, meus lábios abriram-se levemente em agradecimento.
Porque, poderiam haver centenas de pessoas para causarem dor, mas haveria milhares delas para estender-lhe a mão. Jongdae ajudou-me a levantar da cama, e mesmo que mal conseguisse manter-me de pé, prosseguimos porta à fora; um sorriso era estampado nos lábios de Chanyeol, mas este não escondia a preocupação existente em si, que permanecia dentro do quarto a observar-nos enquanto afastava-nos.
Com passos lentos e cuidadosos, chegamos à entrada do hospital. Meus olhos foram atraídos pelo sol que se escondia atrás das nuvens densas, já anunciando o fim de mais um dia, e o início de mais uma tempestade que estava por vir.
Há pessoas que são como nuvens. A cada dia possuem um formato, cor e volume diferentes. Em alguns dias estão mais calmos, outros mais propensos a tempestades.
As nuvens densas existentes no céu, assemelhavam-se ao meu interior. Minha vida transformava-se em um caos a cada dia que passava; em um mar de confusão qual a solução me parecera tão distante quanto tocar os céus.
(...)
Uma explosão de luz quase cegante fizera-se presente no momento em que os seres divino e infernal desapareceram repentinamente no ar.
Essas duas essências, totalmente opostas, conhecidas por suas contrariedades, foram lançadas em um lugar qual encontrava-se fora do plano terreno. Uma sensação era sentida junto à neblina que estava presente em todo o local, como uma densa fumaça que nunca se dissipava.
O som do impacto de seus corpos ecoou no ambiente, como um grito dado para lugar nenhum, e assim permaneceu até sumir no vácuo.
O silêncio perturbador era o sinal de boas-vindas naquele lugar gélido. Daehyun, ainda com seu corpo no chão, levantara seus olhos vagarosamente a olhar o local ao qual encontrava-se; não havia nada além de uma sala deserta, com suas paredes de pedras tingidas de um negro que parecia tomar conta de tudo. E, mesmo olhando pelo local que se estendia até certa distância, seus olhos nada encontravam presentes ali, a não ser o corpo do ser infernal.
Levantara-se lentamente, sentando-se entre a névoa de origem desconhecida, sentindo uma sensação estranha invadir seu corpo. Adiante, o ser infernal também se levantava, desorientado como si próprio.
Uma dor aguda atingiu-lhe, ao mesmo que um grito de dor escapava de seus lábios. Tentara mexer suas asas, que permaneciam abertas, mas percebera que uma delas havia sido machucada na queda. Não sentia seus poderes divinos preencherem seu ser, como se houvessem sido tomados de si, restando apenas um corpo fraco e fragilizado.
Ambos sabiam onde encontravam-se, pois mesmo que nunca houvessem visto tal lugar, sempre foram ouvintes das histórias que muitos contavam sobre ele. Estavam no Vale Sombrio. Um local entre o céu e a terra, localizado em uma dimensão paralela à ambos. Segundo àqueles que contavam, era o que acontecia quando os poderes divino e infernal, eram usados ao mesmo tempo; entre a transição de um local a outro, seus corpos eram levados para tal lugar, onde não havia liberdade para usarem seus poderes.
Isso se dava à separação dos seres. O divino e o infernal, que eram proibidos de terem qualquer contato, recebiam tal punição se tais regras impostas pelo céu e inferno fossem quebradas.
A voz grave de Yongguk fez-se presente junto ao seu gemido que ecoara pelo local, assim que este levantou-se. Mas, ainda que sentisse seu corpo igualmente estranho e com dores espalhadas por sua extensão, pela queda ao qual sofreu, não se esquecera o porquê de estarem ali. E, em um instante, suas mãos envolviam o pescoço de Daehyun, enquanto este fitava-o intensamente.
"Não deverias ter interrompido, anjo." O anjo sabia, mesmo sem dizê-lo, que este referia-se ao que acontecera no veículo.
"Se não o tivesse feito, este garoto teria sua humanidade perdida. Tu o transformaria em um mero ser guiado pelo ódio, com a escuridão presente em seu interior." Sua voz saía falha devido à força exercida em sua garganta. Mas o poder de ambos estava neutralizado, fazendo com que não houvesse a queimação pelo contato. "Foi por isso que o ajudou? Ganhou sua confiança, e depois ofereceu-o as trevas em uma bandeja."
"Não tire suas próprias conclusões." Carregado de fúria, o ser infernal lançou o corpo de Daehyun contra o chão gélido, repetindo o mesmo ato que este fizera com ele no veículo. "Não o ofereci as trevas. A escuridão e o ódio que permitiram-me fazer tal coisa, já estavam presentes em seu coração."
Daehyun segurou a própria ânsia de rasgar sua garganta com um grito da dor que atravessara seu corpo, e com o sangue escorrendo de sua asa já ferida, manchando-a de um tom rubro, limitou-se a permanecer encolhido ao chão, agonizando em seu próprio sofrimento.
O som do impacto ecoou no local, e de modo despreocupado, Yongguk levantou-se, seguindo para as paredes do local, enquanto suas mãos tocavam-nas, procurando por uma saída.
"Em que devo acreditar, então?" Daehyun questionou com a voz fraca, mas fora ignorado pelo ser infernal. O anjo permaneceu a olhá-lo, ainda com seu corpo no chão, enquanto este seguia com o ato. Yongguk escondia seu rosto das dores que estavam presentes em suas expressões, camuflando sua própria fraqueza do anjo. A fúria que sentira em si fora a responsável pela força que teve para lançar o corpo do anjo àquela distância, mas já não sentia a mesma fúria que tempo atrás.
Estava cada vez mais fraco, como se cada minuto que permanecesse naquele lugar, fosse suficiente para tomar suas forças, até que não conseguisse mais levantar-se do chão. Suas mãos tateavam pelas paredes de pedra, sentindo as rachaduras ali presentes, determinado a encontrar uma saída.
Para o anjo que observava, as intenções do ser infernal pareciam estampar-se em seus olhos.
Yongguk transformaria Sehun em um ser das sombras, um ser que não possui nada dentro de si além do ódio e escuridão; mas que em troca disso, receberia poderes sobre-humanos, chegando aos pés de um demônio. E, através disso, poderia vingar-se de todos aqueles que lhe fizeram mal.
Tal acordo só poderia ser feito se houvesse algum tipo de confiança entre o indivíduo e o ser infernal; então, fora para isso que Yongguk ajudou-o no início? Para que houvesse confiança o suficiente para tal ato?
Mas o ser infernal não pedira a sua alma, como deveria fazer, mas exigira apenas a sua humanidade. Por que fizera isso?
Tais questionamentos pairavam em sua mente, e não conseguira compreender as reais intenções do ser infernal.
"Não pensei em mim mesmo quando estava para transformá-lo. Eu ofereci ajuda, e diante de tudo o que sofrera, ele aceitou. As consequências disso não precisam ser questionadas." Disse, ainda com seu olhar fixo à parede, parando subitamente ao ver o pequeno feixe de luz que passava pela imensa rachadura no local. O demônio não se assemelhara ao de tempos atrás, ao qual andava sobre a Terra, observando os seres humanos e dizendo a todo momento o quanto eram seres previsíveis e inferiores; porém, este tentava negar o resquício de bondade existente em seu interior, e esconder o desejo de ajudá-lo diante de sua dor.
Respirou fundo, reunindo os resquícios de forças que lhe restavam, fechando os punhos e atingindo o local.
O som das pedras que cederam ecoou no local, assim que uma abertura fora aberta com a força do demônio; e, mesmo que o sangue escorresse em suas mãos pela ferida aberta, este seguiu com o ato, desferindo socos contra a parede, até que a abertura estivesse grande o suficiente para passar por ela.
"O que quer dizer com estas palavras? Que não fizera isso apenas por egoísmo, mas como um ato de bondade?" Indagou Daehyun assim que vira o demônio com seu corpo curvado, em frente a abertura que ele próprio fizera. O ser infernal virou-se e caminhou até Daehyun, mantendo seu olhar sério, apesar do cansaço e dor que percorriam seu corpo.
O anjo, que ignorava toda a dor existente em seu corpo, sentou-se no chão com dificuldade. Ambos escondendo do outro a dor que sentiam, mesmo estando em seus limites.
Ele parou em sua frente, mas o anjo mantinha seu olhar fixo ao chão, vendo somente os pés deste. Uma fraqueza tomava conta de si, e ainda que não o olhasse diretamente, sabia que o ser infernal o abandonaria naquele local à própria sorte.
"Eu vi o sofrimento daquele garoto, sendo ferido por seres de sua própria raça. Ele tem o direito de ter o poder para vingar-se de tudo o que fizeram a si." Sua voz, já evidenciando a fraqueza que sentia, proferiu, enquanto que o sangue que escorria das feridas em suas mãos caía no chão como lágrimas rubras.
Os lábios de Daehyun entreabriram-se diante da surpresa do que ouvira. Porque, apesar das duras palavras por ele ditas, estas continham resquícios de uma bondade escondida; e, pelo pouco que entendia sobre os sentimentos humanos, pôde definir a preocupação existente no ser infernal para com o jovem.
Mas, o próprio anjo dissera a si que este não passava de um ser superficial, que não era capaz de compreender tais sentimentos. Estava ele errado quanto ao ser infernal?
Desacreditando que tais palavras poderiam ser ditas por um demônio, ele voltou seus olhos, fitando-o na tentativa de desvendar os mistérios que nele continham.
Este agachara-se em sua frente, e seus olhos acompanharam as do demônio, evitando quebrar o contato visual; acreditava que, se permanecesse fitando-o por mais tempo, seria capaz de compreendê-lo. Sem seu poder infernal emanando de si, Daehyun fora capaz de enxergar os olhos castanhos de Yongguk, e a verdade neles contida.
O ser infernal desviou seu olhar, encontrando as asas machucadas do anjo; vendo seu estado debilitado, e tomado por uma bondade desconhecida, ignorou as feridas e a dor em suas mãos e pegou-o cuidadosamente no colo, recebendo o olhar surpreso do anjo, que acreditava que este o deixaria ali.
"O perigo natural do homem é ele mesmo. Nem mesmo os seres infernais são tão perversos quanto os humanos, que dizem amar, mas no fim, matam uns aos outros; enganam à muitos, mas só estão à espera do momento certo para atacar. Ao menos os seres infernais já deixam clara a sua maldade, já aos humanos, além de enganarem, ferem e matam sua própria raça."
Não havia palavras que pudessem expressar a surpresa qual estampava-se no olhar do anjo, que questionava a bondade naquele ato, assim como a verdade em suas palavras.
Com o sangue das asas do anjo a mancharem a roupa do ser infernal, assim como o sangue de suas mãos a mancharem as do anjo, este caminhara em direção à abertura feita por si.
E assim, passaram por tal abertura, sentindo o vento gélido que alcançara seus corpos, assim que seus olhos encontraram o desconhecido.
O Vale Sombrio; deserto onde não existia qualquer resquício de vida, mas apenas os ossos que sobraram do que um dia existiu, e de tudo o que passara por lá. O aviso que indicava o destino de todos os que chegavam ali, e a única coisa que tal lugar oferecia: morte.
Tomado pela fraqueza, o anjo encostou sua cabeça no demônio, fazendo com que o mesmo voltasse seus olhos para si, admirando-o por um momento, até encarar seu olhar na imensidão do deserto à sua frente.
Dois seres contraditórios e distintos, unindo-se pelas próprias sobrevivências; uma bondade desconhecida provinda de um ser que só mostrava escuridão; os questionamentos que confundiam a cabeça do anjo.
Tudo havia tomado um rumo que nenhum dos seres esperavam.
"Vamos sair daqui."
A voz do ser infernal pôde ser ouvida pelo anjo, que apesar de toda a fraqueza e situação ao qual encontravam-se, sem saber se sobreviveriam, fora capaz de dar um leve sorriso.
Não há apenas escuridão dentro dos demônios. Assim como não há somente luz dentro dos anjos.
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