O céu estava maravilhoso naquela alvorada. Tão pequenino o astro cintilante se revelava, porém, seu alcance se expandia a todas as povoações, convertendo a estrela em algo majestoso.
Elizabeth estava sentada na entrada de um pensão, em que pernoitara, tomando o café quente assoprando para este, antes de o ingerir. A bebida, fruto de uma oferta de uma jovem amável, junto daquela imagem matinal, acalmara o medo que por vezes invadia os pensamentos da jovem que sorria tranquila. Deixando de encarar o cenário, entregou a caneca, agora vazia, à recepcionista que deveria ter mais ou menos a sua idade. Sorriu agradecida, na qual a jovem correspondeu com o gesto semelhante, pronunciando amigável um "volte sempre". Acenando, Elizabeth despediu-se, misturando-se com os vários peregrinos que madrugavam entregando iguarias aos estabelecimentos.
As vestes moldavam seu corpo curvilíneo com o gracioso andar. Sozinha, passeava pela aldeia com um sorriso comum. Contudo, não era perceptível aos outros a sua satisfação natural, uma vez que uma capa cobria todo o seu corpo. Numa vila anterior à aldeia em que se encontrava, Elizabeth com algum dinheiro que tinha guardado dos dias em que trabalhara num bar, optou por comprar uma roupa distinta para não ser reconhecida quando retirava a capa. Afinal, sua roupa era o uniforme do Chapéu de Javali que já era muito famoso.
Um simples e elegante vestido branco, colava-se na ondulação da sua cintura, acompanhando seu corpo ligeiramente abaixo das nádegas. Longas meias negras cobriam as pernas até às coxas, usando ainda um sapato discreto branco.
Ocasionalmente, a terceira herdeira de Liones recolhia as longas madeixas num penteado elevado, para o cabelo albino não acompanhar os movimentos do vento, manifestando sua cor. Albinas não eram muito comuns, sobretudo, quando a terceira princesa estava desaparecida e sendo procurada.
— Ei, venham por aqui! —Apercebeu-se de alguma concentração de pessoas, encarando curiosas algo que ela não conseguia enxergar.
Movida pela curiosidade, a princesa empurrou delicada algumas figuras para assistir ao que acontecia na rua central da aldeia. Um frio congelante a paralisou ao constatar as brilhantes armaduras reluzirem face ao contacto solar. Cavaleiros sagrados. Rapidamente ela identificou dez pessoas, devia ser um grupo de busca formado para a encontrar.
Elizabeth camuflou sua presença entre a confusão pelo enxame de aldeões curiosos, recuando pesarosa. Continuou a ouvir os gritos dos homens ao afastar-se, retirou-se um tanto mais rápido perante o desespero de poder ser vista. Ao procurar a melhor direcção para seguir notou que os cavaleiros estavam divididos, formando vários sub grupos por todas as trajectórias que poderia escolher.
A albina tremeu nervosa, ao pressentir a aproximação dos cavaleiros, olhou rapidamente em vários lugares, notando uma zona que se assemelhava a um beco pela grande proximidade entre duas paredes de estabelecimentos. Tinha várias caixas de madeira, barris e sacos vazios. Provavelmente, utensílios usados pelo bar do lado. A superfície encontrava-se superficialmente húmida por conta das garrafas terem entornado o vinho contido.
Iluminou-se esperançosa com o improviso veloz que lhe ocorreu em pensamentos. Sorrateira, dirigiu-se até o maior barril, posicionando-o a um canto mais escuro, onde os raios solares não penetravam, dispondo-os atrás dos restantes barris. Colocou algumas caixas também à frente, no entanto, não tivera tempo para mais. Reparando que eles tinham adentrado no bar para interrogar os clientes sobre o seu paradeiro, colocou-se dentro do barril, enterrando o melhor possível seu corpo no fundo. Mesmo não sendo confortável, Elizabeth não se mexia. Não conseguiu ficar de joelhos, por o objecto ser um tanto estreito, logo ficou com os calcanhares dobrados, encurvando as pernas, e pendendo todo o corpo, ocultando assim a cabeça também dentro do recipiente.
Apesar de estar um tanto longe, escutava abafado os diálogos entre os cavaleiros sagrados. Pode perceber que eles estavam junto da entrada do beco onde se situava, ordenando parar todas as mulheres que pudessem ter a face vendada ou parcialmente coberta, omitindo alguns traços de seu cabelo ou rosto. Reprimiu um grito surpreso, quando um deles comentara que acreditava ter achado a terceira princesa de Liones, tapando a boca com ambas as mãos.
O coração palpitava forte, embatendo com violência contra o seu peito, pela adrenalina do momento. Todo o seu corpo estava tremendo, inquieto. Desesperada, escutava a reprimenda do cavaleiro com voz mais austera sobre aquele que pronunciara encontrar a princesa antecipadamente causando uma tremenda confusão com a mulher que se sentia indignada pela forma como seguraram seu braço.
Notou que eles estavam ligeiramente mais afastados do beco, mas não o suficiente para passar despercebida. Aguardava por um momento em que conseguisse sair sem suspeitarem de si. Infortunadamente, seus planos não decorreram da melhor forma. Apesar de toda a paciência e eficácia -até o momento-, os calcanhares dormentes por suspenderem tanto tempo o corpo da princesa naquela posição fez com que tombasse para a frente. Os calcanhares ardiam com o esforço usado quando o barril caiu contra os outros objectos à frente, causando um enorme estrondo e vários destroços.
Todos esses acontecimentos atraíram a atenção de múltiplos camponeses, que pararam para observar a pessoa caída entre os materiais. Um dos cavaleiros sagrados, manteve-se quieto, a observando.
Seu cabelo era quase branco de tão loiro que os fios eram. Pele clara, e olhos negros contrastando com sua restante aparência. Sua face era adornada de traços sérios e viris. Perspicaz, percebeu que a estatura da jovem encapuçada deitada entre os destroços era mediana, e que a capa que possuía ocultava muito bem os outros traços, impossibilitando-os de uma análise mais pormenorizada.
Deixando seus companheiros no mesmo lugar, ele dirigiu-se até Elizbeth, vagaroso porém com passos firmes, sua voz soou ligeiramente baixa, apesar de perceptível, mantendo a sua autoridade. Elizabeth de imediato reconheceu a mesma voz que reaprendeu o cavaleiro sagrado de seu engano precipitado.
— Senhora, me desculpe, mas vou ter de lhe pedir que retire o capuche e se identifique. —A albina permaneceu em silêncio, não respondendo à pergunta destinada a ela.
Escondeu sua mão que reflectia seu nervosismo, através do visível tremor. Apoiou o corpo nas pernas, enquanto dobrava os joelhos para reerguer-se. Ao levantar-se massageava seu braço esquerdo, superficialmente machucado por ter aparado a queda anterior, suportando todo o peso do corpo com essa atitude.
Perante o silêncio da mulher encapuçada, o loiro começou a perder a paciência, aumentando o tom de voz, impondo-se.
— Estamos numa missão por ordem do Rei de Liones, não resista. —O cavaleiro pensou em cuspir as palavras “não seja estúpida e obedeça” no final da frase, porém aquela poderia ser a princesa, tais palavras seriam um desrespeito para com a mesma. Seria inevitável e óbvio, uma grave punição posteriormente. Portanto, controlou seu enfado com aquela situação.
Detestava aquele gênero de missões enfadonhas e desnecessárias. Uma mera princesa dando tanto trabalho, obrigando-os a duras viagens… Por que ela não ficava simplesmente quieta no palácio junto das irmãs e do pai?
Elizabeth reparou que os outros guardas aproximarem-se sorrateiros, mais atentos perante seu silêncio. Por isso, fez o que considerou mais sensato naquelas circunstâncias: fugiu. Correndo o mais rápido possível, esquivando-se entre as pessoas.
— Ei, matte! Maldição! —Exclamou irritado, olhando furioso para os cavaleiros sagrados que ficaram espectados. — O que estão esperando, idiotas!? Vão atrás dela!
Pressionando os restantes, num rápido consentimento todos cumpriram a ordem perseguindo o mesmo trajecto de Elizabeth. A albina buscou algum canto em que pudesse esconder, mas as ruas cheias de gente não permitiriam uma fuga muito bem-sucedida. Respirava muito rápido, suando…. Tinha chegado muito longe, sacrificado imenso, para ser apanhada a meio de sua ambição. Finalmente tinha descoberto onde possivelmente o Pecado da Fúria poderia encontrar-se, no reino que estabelecera uma união armada com o seu, através de boatos que circulavam entre bares que sofreram com a concorrência temporária e imbatível do Chapéu de Javali.
Não tinha nenhuma certeza, no entanto, era a melhor hipótese que tinha para o eventual destino a alcançar. Sabendo que a tentativa de se ocultar era inútil, optou por procurar sítios mais abarrotados de pessoas, camuflando-se entre a multidão. Ela acabou por entrar numa rua onde decorria uma feira usual de venda e troca de mantimentos. Elizabeth abrandou o passo, prestando atenção à sua volta tentando de alguma forma encontrar um jeito de atrasar os cavaleiros sagrados que a seguiam.
A princesa arregalou o olhar, encarando intrigada, uma senhora com uns possíveis quarenta anos, soprando ar quente contra as mãos, esfregando uma na outra imediatamente, numa fraca tentativa de aquecer-se. Elizabeth compadeceu-se da senhora que mostrava ter frio devido às roupas rotas e sujas, enquanto trabalhava na sua barraca mal construída com verduras e frutas. Sentiu uma enorme vontade de a ajudar, quando teve uma ideia ao constatar sua capa.
Aproximou-se um tanto receosa da senhora, sorrindo cordial, chamando a atenção da mesma, que a observou com seus olhos castanhos escuros, cobertos por algumas rugas, possivelmente derivadas das preocupações quotidianas.
— Etto… A senhora parece estar com frio, acho que a posso ajudar. —Elizabeth desabotoou o botão, junto do pescoço, da capa retirando-a e estendendo-a para a mulher.
A mulher abanou as mãos rapidamente, ligeiramente envergonhada por sua situação tão nítida, negando o gesto de carinho, justificando-se.
— Oh, não é preciso querida. Eu que sou uma boba por esquecer meu casaco em casa. Sabe, não posso deixar a banca com o comer aqui sem ninguém a vigiar. —Riu sem graça, ainda ligeiramente ruborizada.
Porém, Elizabeth dobrou a capa e a colocou nas mãos da outra que arregalou o olhar, surpreendida e comovida com a expressão doce da jovem. Não foi um gesto de pena ou compaixão, ela realmente fizera aquilo por amor. O olhar da senhora ardeu, com pequenas lágrimas acumulando-se nos cantos dos olhos.
— Pode vesti-la, vai sentir-se melhor. —A vendedora encarou-a ainda pasma, abrindo a boca para protestar, insistindo em recusar a oferta. Porém, Elizabeth precipitou-se, implorando-lhe.
— Aceite-a, por favor. Não se preocupe comigo, eu não estou com frio. —Comentou com sinceridade, na verdade, devido à correria, estava com algum calor.
A senhora com alguns cabelos brancos, prontamente agradeceu sem insistir novamente, ao recordar do frio que congelava seus ossos, vestindo um tanto apressada com gestos desajeitados a capa, colocando o capuche, sentindo-se de facto muito mais quente com o acumular do seu calor na veste.
— Obrigada menina. —Elizabeth a encarou pesarosa, sentindo-se mal, sorriu cabisbaixa.
— Não me agradeça. E espero que me desculpe. —A senhora ficou confusa e ia perguntar ao que esta referia-se, mas a albina desatou a correr de novo entre a aglomeração de produtores, percebendo que os guardas se aproximavam, deixando para trás a senhora ficando sem entender nada, junto de sua barraca de madeira.
Em escassos minutos os guardas notaram a vendedora sentada encapuçada, percebendo que se tratava da mesma capa. Dirigiram-se a ela, agarrando-lhe o braço com brusquidão, pensando tratar-se da princesa, retiraram abrutadamente o capuche que ocultava sua face, constatando chocados que não era a princesa que buscavam.
— Mas o que vem a ser isto!? Pensam que podem chegar aqui e fazerem o que quiserem? Malditos cavaleiros sagrados, de novo nos arranjando problemas. Será que o rei sabe destas atitudes violentas com os aldeões!? —Ameaçou, visivelmente alterada.
Os cavaleiros sagrados encolheram-se com os gritos, coçando a cabeça sem jeito, desculpando-se diversas vezes, afirmando que não se voltaria a repetir aquela situação. Todos retiraram-se, envergonhados, voltando pelo mesmo caminho, pensando tratar-se apenas de um engano. Todos, menos um. A vendedora percebendo isso, o encarou irritada, sendo seca na forma como se dirigia ao cavaleiro loiro.
— O que você quer? Ainda não está contente por espantar os meus clientes?
— Nós estávamos perseguindo uma jovem que estava usando essa capa. —Comentou ignorando a acusação anterior. —Para onde ela foi?
Sua pergunta arrogante a deixou mais estressada, que se exaltando colocou as mãos na cintura, gritando. Atraindo a atenção de outros aldeões, que se agrupavam na zona para ajudar a mulher.
— Não faço ideia do que o senhor está falando. Desapareça agora daqui ou vão pagar toda a minha fruta com juros!
O loiro rendeu-se suspirando frustrado. Não poderia criar uma afronta com os aldeões e manchar ainda mais a reputação dos cavaleiros sagrados perante o reino. Foi retirando-se do local, porém, sempre encarando a curiosa mancha de álcool na veste, ligeiramente suja. Aquela que ele notou quando a jovem ao tombar nos barris, se molhou na bebida espalhada, um pormenor que ele, no momento, tinha reparado. E o facto que agora lhe dava a certeza que aquela era a mesma capa, e que por algum motivo a jovem estava sendo encoberta por aquela mulher. Mas isso não era um crime, e ele não tinha provas nenhumas para iniciar um interrogatório.
Além do mais, pelo longo tempo desperdiçado e pela desordem instalada, ele tinha perdido todo o rasto da princesa, pelo menos, agora sabiam sua localização mais recente.
A vendedora observou o cavaleiro sagrado desconfiado, afastar-se, e suspirou de alívio, contornando a veste com os dedos, enquanto as pessoas regressavam aos seus habituais afazeres.
— Espero que fique bem, Hime.
Obviamente ela reconhecera a jovem assim que seus cabelos saíram de seu esconderijo, juntamente da íris lindamente celeste. Seu rosto era tão doce como imaginara. Não entendia o motivo que levou a princesa a escapar dos seus subordinados, mas ela iria ajudar a albina, porque seu olhar reflectiu a mais pura bondade e carinho.
Estava orgulhosa de Elizabeth Liones ser a futura rainha de seus filhos e netos. Paz os aguardaria.
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Mama Hawk permanecera junto do castelo de Liones, onde os Pecados desembarcaram para conversar com os cavaleiros sagrados. Ban fora o único que não saíra do bar Chapéu de Javali, enquanto Diane e King foram averiguar as descobertas dos grupos que acabavam de chegar. O Pecado da Fúria, não interrogou nenhum grupo de busca, dirigindo-se directamente até aos aposentos de Baltra, que aguardava seu retorno impaciente.
O loiro encontrava-se à frente do rei que mantinha a cabeça apoiada em sua mão, um claro sinal de seu cansaço e das noites que sem sucesso não conseguia descansar. Seu rosto estava pálido, atribuindo exageradamente mais idade ao monarca.
Todavia, Baltra ergueu a face passados uns minutos do silêncio penoso instaurado. Encarou o loiro, sem saber o que dizer para atenuar o ambiente desagradável perante aquele reencontro forçado e inesperado.
— Meliodas, eu… eu quero pedir-lhe desculpas pela minha atitude. Eu pensava que estava fazendo o melhor para a minha filha, mas…—O tom denunciava a mágoa que sentia por ter sido tão cruel com o cavaleiro, sentindo sua culpa aumentar com o silêncio do pecado.
Apesar do clima pesado e da inexpressividade de Meliodas, ele não estava zangado com Baltra. Estava furioso consigo por não ter uma única notícia de Elizabeth, sua mente já temia o pior… Como nem ele conseguira uma única pista no caminho de regresso? Atravessou várias vilas e aldeias, mas nem sequer sabiam que a princesa tinha sumido. Alguns raros casos, estavam informados dos últimos acontecimentos, no entanto, não adiantavam nada de novo.
A porta da divisão bateu com um estrondo, ao ser empurrada por o cavaleiro sagrado portador dos cabelos rosados distintos. O rei de Liones arregalou o olhar perante tal atitude, não era comum uma atitude daquele tipo do exemplar guerreiro que sequer informara sua entrada anteriormente.
Porém, a preocupação aterrorizante denotava o seu estado, transpirando e ofegando, colocou as mãos nos joelhos, inclinando-se, numa rápida e desajeitada vénia em sinal de respeito e uma forma de desculpar-se do sucedido.
— Gilthunder, o que…?
— Perdoe minha insolência por entrar assim majestade, mas recebi uma notícia do grupo de busca F pela princesa Elizabeth. Uma mulher suspeita, encapuçada, fugiu dos guardas de uma aldeia perto da região da fronteira com o reino de Arthur Pendragon!
— Eles encontraram minha filha!? —Baltra levantou-se rapidamente do trono, extremamente emocionado e praticamente em lágrimas, no entanto o Pecado da Fúria mantinha-se quieto, atento às acções do cavaleiro sagrado. A expressão ansiosa de Gil aumentava o seu pressentimento que essa não era a notícia, ou o final dela pelo menos.
— Lamento, majestade. Mas receio que não. Ela conseguiu escapar entregando sua capa a uma aldeã que se recusou a dar informações aos guardas. Pelo relato, houve alguns desentendimentos causados por ambas as partes. E nesse tempo desperdiçado, eles perderam o rasto da suspeita.
— Não têm a certeza se era a Elizabeth. —Meliodas comentou alto, sem emoção. A observação não fora uma pergunta.
O cavaleiro abaixou o olhar constrangido, sobretudo com a expectativa evidente nos olhos do rei, que antes de tudo era um pai que amava as filhas e sofria por elas. Baltra conteve seu entusiasmo até o rosado se pronunciar, este não compartilhava -ou não queria- do receio do líder dos Pecados.
— Infelizmente, não. Tudo não passam de suposições, somente a altura e fisionomia correspondiam com as da princesa. Não conseguiram retirar mais nenhum detalhe relevante dessa mulher, ela sequer falou. Há a forte hipótese de ser outra pessoa, que fugiu por outro motivo. —O rei de Liones perdeu a força nas pernas com o embate no desânimo, quase chorou, comovendo Gilthunder que encarou Meliodas manter sua expressão fechada a qualquer emoção. Aquela foi a pista mais próxima que tiveram de chegar a alguma conclusão, contudo, não deixava de também ela ser uma aposta no escuro.
O loiro de baixa estatura observou os adornos da habitação, sem prestar um real interesse nesses detalhes simplórios. Desde que a notícia fora revelada, ele deixou de prestar atenção no diálogo. Uma comichão no seu peito o instigava a seguir aquela indicação. Como se ela o estivesse a chamar…
Elizabeth demonstrou ser muito mais autónoma e independente do que alguma vez observou, ou até mais perspicaz do que pensou. Ela conseguiu escapar de todos os grupos. Foi nesse instante que ele percebeu, Elizabeth tinha ido atrás dele! Fazia sentido ela ter reunido algumas informações de boatos e chegar até uma localização próxima da deles… Meliodas apertou o punho, se era assim, a fugitiva só podia ser ela. Ele estivera no reino de Arthur, ela deveria ter descoberto e ido até lá. Como não percebeu antes esse detalhe!? Mordeu o lábio, furioso.
— Não podemos mandar demasiados grupos de busca para junto da fronteira, pode nem ser a Elizabeth. —Lamentou o rei, lavando o suor que escorria da sua testa com a palma da mão esquerda.
— Eu vou. Se for a Elizabeth, eu a encontrarei. —Meliodas anunciou alto e firme, para total espanto dos dois homens que estavam ao seu lado, o observando surpresos.
— Mas Meliodas-sama, pode ser perigoso! Esta mulher pode ser algum inimigo que quer armar uma cilada, melhor eu o acompanhar, ou um dos outros pecados, quem sabe se…—Quase desesperado, Gil tentava demover o seu ídolo de admiração desde criança daquela decisão imprudente aos seus olhos.
— Eu vou sozinho, Gil. —O rosado não conseguiu argumentar mais, notou pela feição do mais velho que este estava irredutível. E o cavaleiro sagrado bem sabia que contrariar Meliodas-sama sério ou chateado, nunca acabaria bem.
O Capitão dos Pecados abandonou os aposentos reais, em silêncio, sequer avisou os companheiros que iria sair numa jornada. Ao atravessar os portões do castelo, contemplou o sol reflectido no céu. Se ele encontrar Elizabeth, como seriam as coisas? Colocá-la-ia em risco numa guerra? Na verdade, preocupava-se mais com as atitudes explosivas que esta poderia ter na sua ausência. Sorriu, ele com certeza não conseguiria afastá-la uma segunda vez de si. Não podia perde-la também. Não a Elizabeth.
Uma suave brisa fresca acarinhou seu rosto, fazendo com que fechasse os olhos, inspirando fundo, acalmando-se superficialmente. Ao reabrir as pálpebras, as esmeraldas mostravam um brilho diferente, um calor que preencheu seu corpo, o reconfortou.
Meliodas sentia que iria encontrar Elizabeth muito em breve.
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Suas pernas ardiam com o esforço dos músculos, após uma hora sem parar de andar quando quase foi capturada pelos cavaleiros do rei. Já estava consideravelmente distante da aldeia. Ofegante, pensou em fazer uma pausa no trajecto, mas desistiu rapidamente dessa ideia. Começando a inclinar a coluna, ao sentir dores e desconforto dos ombros até à cintura. Estava a ficar com o corpo dormente e exausto, o inesperado acontecimento, impediu que a princesa se alimentasse e estivesse com uma maior dificuldade em resistir ao cansaço do corpo.
Mas, ela não iria desistir. Não cederia, era isso que tinha aprendido com o Meliodas-sama. Lutar pelo que se acredita, resistir às imposições e regras.
Ela prometeu proteger e lutar. Sabia que a partida do Pecado da Fúria estaria relacionado a algo maior, algo que ele não a queria envolver, a protegendo. Porém, ela estava disposta a lutar e a mudar a opinião do loiro.
Ela estaria sempre junto dele, porque ela conseguiu ser mais feliz uns dias no Chapéu de Javali, do que em casa sendo servida pelos seus empregados. Ela queria algo mais. Ser feliz, e estar próxima de quem amava.
Contudo, seu pai não entendia isso. Suas irmãs não a compreendiam. Poderia parecer ingratidão, mas ela sentia que sua verdadeira família eram Os Pecados. A princesa não ambicionava o impossível, apenas regressar ao seu verdadeiro lar.
Mesmo não estando tão próxima da aldeia, continuava a caminhar em passadas velozes, pressentia que aquela distância não era ainda o suficiente. Os cavaleiros sagrados não eram tão ingénuos a ponto de acreditarem que a vendedora era a mesma mulher que tinha fugido. Era apenas um meio de ganhar mais tempo para escapulir do seu alcance.
Todavia, isso era uma medida temporária, suspeitando ser ela, mandariam mais reforços e acabariam por rastreá-la. Elizabeth pretendia alcançar a fronteira do reino de Arthur, que não estava muito longe daquela aldeia, dessa forma ela estaria livre de ser perseguida pelos cavaleiros sagrados do seu reino.
Muito perto de chegar ao seu destino, Elizabeth precisou de escalar alguns muros de pedra pouco vigiados. Eram ligeiramente baixos, apenas para informar a proximidade com o reino distinto a dois quilómetros de distância que ainda sobravam. Porém, foi após saltar o obstáculo, que a albina se assustou ao notar alguém a encarando fixamente, como a esperando. Notando a sombra, seu primeiro terror era que fosse um cavaleiro sagrado que tivesse previsto seus movimentos, contudo erguendo o olhar, ficou petrificada com quem se deparou.
— Merlin-san! —Balbuciou chocada, e aliviada, Elizabeth.
A jovem sorriu com uma lágrima solitária fluindo por seu rosto, alegre. Encontrou-os! Foi o que rápido pensou, e festejou. Contudo, procurando até onde sua vista alcançava, rapidamente, em várias direcções, percebeu que não havia um único sinal dos restantes pecados ou da Mama Hawk. Franziu a testa, com um mau pressentimento inexplicável quando retornou a encarar Merlin, que mantinha um curto sorriso nos lábios. Por algum motivo, ficou nervosa.
— Princesa, está longe de casa. Duvido que o capitão saiba que está aqui. —Elizabeth estremeceu com o pequeno sorriso na face da outra, algo a esta incomodando seriamente. Merlin estava a agir de uma forma estranha.
Estava calor, constatou. De repente, o ar tornou-se mais espesso e terrivelmente quente, sua pele começou a transpirar em resposta à drástica subida de temperatura. No entanto, o Pecado da Gula mantinha-se sereno com a mesma expressão risonha.
— O que está acontecendo…? — Comentou alto seu pensamento.
Os olhos dourados observavam atentamente todos os movimentos da terceira princesa, que depositando uma mão junto do peito, recuou três passos receosa, com um mau presságio.
Num instante em que parecia que a temperatura era uma chama de ar quente, surge inexplicavelmente um monstro que a jovem nunca pensaria encontrar de novo.
— Um demónio… Como ele… Os cavaleiros sagrados deviam ter destruído todos eles…
Elizabeth deixou de ver a feiticeira, que simplesmente desaparecera, preocupando-a ainda mais. Ela não tinha força para lutar contra um monstro! Virou-se para começar a correr na direcção oposta para a qual pretendia ir, contudo, o demónio rugiu alto obrigando-a a parar para tapar seus ouvidos que tremeram de dor por causa ruído estrondoso.
Movido pelo instinto de matar e destruir, num gesto rápido, a mão enorme desaba no local onde a princesa se encontrava, a pressionando contra a superfície. Gemeu dorida, identificando que sua coluna quase fracturou, quebrando-se ao meio, com o ataque inesperado. Ela tentou murmurar desesperadamente o nome do Pecado da Gula, mas sua voz não saiu por não conseguir inspirar direito o ar para seus pulmões, enfraquecendo-a.
Aprisionada entre os dedos do demónio, o ser vermelho ergueu o braço com Elizabeth no alto, apertando-a ainda com mais força, estilhaçando seus ossos. Ela gritou dor, sentindo a voz rasgar a garganta por mal conseguir respirar. O rosto ondulado contorcia-se, mantendo os lábios entreabertos, ganhando uma tonalidade arroxeada devido à falta de oxigênio no corpo.
Sua mente parou de raciocinar sucumbindo à agonia que perfurara com demasiada violência seus sentidos. A jovem albina parecia estar presa num transe, como se tivesse sofrido um bloqueio mental, perdendo a consciência total de si e do ambiente que a rodeava, no entanto, mantendo-se ainda desperta.
Uma agitação fresca no ar soprou, açoitando a sua franja incolor, descobrindo o olho usualmente coberto; revelando na íris tons graduais entre o laranja e o amarelo. Enquanto um símbolo áureo misterioso ocupava o lugar da pupila, este irradiou um intenso brilho e luz quando Elizabeth pronunciou, em modo mecânico, uma frase guardada no seu subconsciente. Um passado escondido nas maiores profundezas do esquecimento.
— Como o dia e a noite, somos todos iguais... Os humanos, o clã dos gigantes, o clã das fadas, o clã das deusas… e o clã dos demónios…
O ser demoníaco, de tonalidade escarlate com um corpo blindado, queimou com a resplandecência que provinha da terceira princesa. Soltou imediatamente a jovem, que tombou contra a superfície novamente. Sem perder os sentidos, Elizabeth recordava vagamente de uns olhos negros extremamente familiares… Aqueles que ela nunca conseguiu temer, sempre enxergando algo a mais que apenas uma escuridão impenetrável: encontrou amor transmitido neles.
— Meliodas…—Sussurrou, memorizando o som da sua voz pronunciando o nome do cavaleiro sem o sufixo. Tudo isso era-lhe terrivelmente próximo.
O ser de aspecto degradante foi purificado pela mesma luz que participara na guerra entre cavaleiros sagrados e Hendrickson, convertendo-se assim num animal menor, um coelho que pertencia aos arredores daquela floresta. Este pequeno mamífero encontrava-se sobre efeito de um feitiço, da mulher que ressurgiu junto de si. Mesmo planando a poucos centímetros do chão, o roedor assustou-se com a movimentação tão próxima de si, fugindo para esconder-se entre os arbustos.
Merlin, o Pecado da Gula, acercou-se do corpo desmaiado, os lábios pintados dobraram-se num sorriso. Orgulhosa, contemplou o resultado de sua especulação.
— Então era isso mesmo. Terceira princesa de Liones, pertence ao clã da deusa.
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