— Acho que o problema começou já faz mais de dez anos. Eu tava em Tokyo, na Golden Week que o Lua Negra apareceu, não consigo me lembrar de nada daquela semana e mesmo tendo demorado para ele destruir a cidade, eu não fugi. Não sei por que, acho que ninguém faz ideia, meus irmãos acham que eu me separei do meu pai e acabei perdida na cidade, mas não tem como ter certeza. Encontraram-me perdida, a dez quilômetros de Tokyo, depois que a cidade foi pro beleléu. Eu só lembro de tá com muita, muita sede, parecia até que eu tinha comido sal por uma semana. Eu desmaiei no meio de uma rodovia e quando acordei no hospital, já tava sem braço. Disseram-me que eu já tava sem quando cheguei. Nenhum doutor entendeu o que tinha acontecido, falaram-me que ele não tinha sido cortado e nem explodido, parecia que alguém tinha arrancado ele inteiro com osso e articulação, tipo quando uma criança arranca o braço de um boneco de plástico. O problema é que a parte ruim começa ai… — Akari diminui a voz e um silêncio momentâneo cai sobre a sala.
— Vish… — Saúl fala, sem realmente conseguir pensar no que deveria dizer. — Complicado isso… Hmmm…
— E o que aconteceu depois disso? — Alexie pergunta.
— Isso é lá coisa que se pergunte?— Abigail fala.— Deve ser uma coisa difícil pra Akari falar.
— Não, não, Abby, não tem problema! — Akari responde— Se isso vai me incomodar no meio do Torneio, é melhor todo mundo saber mesmo… — Após uma breve pausa, ela continua. — Foi mais ou menos nove anos atrás, eu ainda não sabia que tinha uma Herança…
Fagulhas ao Vento
2036, pouco mais de um ano após o incidente do Lua Negra. Eu, ainda muito jovem e sem o braço, olhava duas pessoas discutindo em uma parte afastada da casa onde eu cresci, a casa onde eu morava com meu pai há cinco anos.
Os dois na sala não perceberam minha presença pela porta entreaberta da cozinha, eles estavam muito preocupados com sua própria discussão para notar algo ao redor.
— Não vou deixar ela aqui nem um dia a mais! — Uma loira mais velha fala com um claro sotaque britânico.
— Você está pensando no que você acha melhor pra ela, mas não faz ideia do que ela quer! — Um homem idoso e grisalho, mas com músculos claramente definidos embaixo de suas roupas, brada mais desapontado do que raivoso.
— Akatsuki e Akira já decidiram vir…
— A Akira vai seguir a Akatsuki por qualquer coisa, querendo ou não, elas são muito unidas, mas o Akihito já decidiu que não vai embora!
— Não tem como forçar ele a nada, mas ainda assim, a Akiko não vai ficar longe de jeito nenhum! — A mulher parece triste ao falar.
— Pelo que me parece você não quer que a Akari vá com você para ter a desculpa de não separar completamente a família, se três estiverem com você na Inglaterra, é bem provável que um juiz decida que o Akihito e a Akiko deveriam ficar sob seus cuidados lá também! — O velho diz em tom ríspido.
— Esse país já tomou meu marido de mim, não vou deixar que ele separe minha família também.
— Você não está pensando em sua família, Alice! Só tá tentando usar seus filhos como uma desculpa pra fugir de seus problemas! Você não faz ideia do que a Akari quer! E encheu a cabeça da Akatsuki com suas besteiras! Agora, a Akira também caiu na mesma história, não vou deixar que leve meus netos pra longe da terra onde eles cresceram, do lugar que eles tem as melhores lembranças, não permito que você jogue tudo que eles têm aqui desde que nasceram por não conseguir superar a morte do Robert!
— O ROBERT ERA SEU FILHO! — A mulher grita com um misto de tristeza, ódio e ressentimento. — Parece que você não liga pra morte dele! Meu marido! Seu filho! Ele morreu aqui! Nessa terra que era pra realizar nossos sonhos!
— Você é imbecil por acaso, Alice? Óbvio que eu fiquei triste com a morte do meu filho! Mas nós somos adultos! Sabemos lidar com a dor e a perda! Você está deixando tudo que seus filhos conhecem para trás, por que quer fugir da sua dor!
— Você não entende nada, Archibald!
Não ouvi mais nada a partir dali, quando eu descobri que mamãe queria me levar para a Inglaterra, comecei a correr e pulei por uma janela aberta da casa de campo. Não parei por quase quinze minutos, atravessando os campos da família, correndo pelo centro da cidadezinha e finalmente perdendo o fôlego na entrada dela, uma tempestade tava chegando, eu estava sem abrigo, mas com cinco anos não fazia ideia do perigo que isso causaria.
Dezessete minutos após sair de casa, eu olhei pra cima e vi uma explosão de luz que me deixou cega na hora, não senti dor, na realidade, eu não senti nada, literalmente, era como se meu corpo inteiro tivesse ficado dormente na hora. Naquele dia eu não percebi, mas me disseram que meu coração parou, por sorte uma viatura de patrulha tava passando por ali e me acharam, eles começaram a tentar me ressuscitar e me levaram pro hospital mais próximo. E em sete minutos e sete segundos depois de morta, os policiais que me resgataram perceberam que as luzes do carro começaram a piscar e então outro raio caiu em mim. Quando eu acordei, minha mãe já tinha ido pra Inglaterra com as minhas irmãs, ela não pode me levar junto porque eu tive que ficar internada no hospital e como eu tava sob a guarda do meu vô, ele não deixou que ela me transferisse.
#
— É mais ou menos isso que aconteceu comigo. Desde esse dia, eu acho que ir pra Inglaterra é o mesmo que abandonar tudo que eu tenho aqui, é o mesmo que desistir de um sonho por ter medo de um pesadelo.
Os outros participantes do Torneio não sabem exatamente o que falar após o relato de Akari, mas por sorte são salvos da situação embaraçosa. Alguém bate na porta da sala de espera e logo em seguida entra, um homem pálido de cabelos negros e olhos amarelados, ele usa o uniforme dos organizadores do Torneio.
— Com licença… — O homem fala. — O evento principal já vai começar, por favor, vão para a arena principal. Os seus professores já estão esperando para dar as explicações finais.
— Deu de falar de mim! — Akari se levanta e vai em direção a porta — Hora de ganhar esse joguinho!
Os participantes começam a pegar suas coisas e seguir Akari até a porta no fim do corredor, ela olha para trás e repara que o homem também avisou os outros países, mas ele estranhamente pegou dois deles para falar em particular. Mayday, de sobretudo negro e provavelemente não-binário, e Roxxiene, a canadense pálida, dois dos convidados que não eram do Brasil, nem da Inglaterra.
— Só vou precisar da assinatura de vocês em algum documentos… — O homem pálido fala — Pra validar os passaportes, não deve demorar mais que cinco minutos.
Akari ignora-os após ouvir de relance a conversa e segue seu caminho.
#
Dez minutos depois, já na arena, o lugar está completamente diferente, desmontaram toda a arquibancada e agora só existe um pequeno palco no meio do campo.
— Seguinte, pirralhada! — Zero fala no microfone — Fiquem quietos porque não vou repetir as regras! Vocês já ouviram que esse ano vai ser uma caça ao tesouro! Assim que o tempo começar, vocês vão receber a primeira dica, resolvendo o enigma dela vocês vão encontrar a primeira de cinco chaves. O primeiro time que conseguir as cinco ganha! Mas! Só existem duas de cada, então o último time a desvendar a dica vai ficar sem! — Ele usa sua Herança para entregar uma pequena placa de metal holográfico para cada um dos participantes, mas a placa só vai ser ativada quando o tempo começar a rodar. — O Torneio vai durar cinco dias. A primeira dica vai ser entregue agora e a cada dia vocês ganharão a próxima. O primeiro time a pegar cada chave vai receber a próxima dica às seis da manhã do dia seguinte. O segundo time vai receber a dica a meia noite do mesmo dia e o terceiro time, que vai ficar sem chave, recebe a dica instantaneamente. Ou seja, o time que não conseguiu a chave no dia anterior, vai ter a vantagem para conseguir a próxima. Caso ninguém chegue nas chaves até o fim do dia, todos vão receber a próxima dica às seis da manhã e a localização da chave anterior será revelada para todos na mesma hora.
— Se a gente pegar a primeira chave, vai estar em desvantagem para conseguir a próxima, se a gente não pegar nenhuma temos mais tempo para descobrir as próximas, mas mesmo assim ficar sem a anterior vai ser complicado. A melhor opção seria pegar a segunda chave de cada dia. — Abigail começa a falar consigo mesma tentando bolar um plano.
— Vocês já devem ter percebido... — Joana, professora da equipe do Brasil, exclama pegando o microfone de Zero. — Essas regras essencialmente fazem com que nenhuma equipe consiga as cinco chaves, quem conseguir a primeira vai estar com muita desvantagem pra conseguir a segunda e assim por diante! A questão é! Assim que uma chave for tomada por uma equipe, não tem nenhuma regra que impeça que outro time roube-a! A ideia é que vocês tenham que lutar entre si para conseguir as chaves que estão faltando! — Ela aponta para um telão atrás de si — Não só isso! Cada chave vai ter uma condição específica para ser desbloqueada, mas isso é uma coisa que vocês vão ter que descobrir sozinhos! Mas outra coisa que vocês devem querer saber é onde essa caça ao tesouro vai acontecer? Não queríamos dar vantagem para o time do Japão e fazer isso na cidade deles! Então construímos uma cidade inteira só para isso! — Joana junta as palmas das mãos.
— Adoro quando ela faz isso! — Zero exclama.
— Shh, não fale fora de hora! — Akatsuki o repreende.
— Liberar Selo de Inibição! — Joana fala e o enforcador em seu pescoço se afrouxa, uma onda de energia imensurável cobre a Arena, todos os convidados já foram removidos, só Reborns conseguem aguentar a potência da Vibração de Joana. Esse é o poder de um Nível Cinco, de igual para Zero e Akatsuki.
“Selos Inibidores”, uma tecnologia experimental que consegue bloquear os poderes de um Reborn. Usados em prisões para desativar completamente o poder de um criminoso, em jovens que não conseguem controlar seus poderes, ou, no caso de Zero, Akatsuki, Joana e todos os Níveis Cinco, são usados para impedir que a pressão esmagadora de suas Vibrações machuque quem está ao seu redor.
— Que poder é esse!? — Akari pergunta impressionada, ela sente algo escorrendo de seu nariz e quando passa a mão percebe que é sangue, ao olhar para o lado, muitos dos outros adolescentes também estão com seus narizes sangrando, até mesmo Zero parece estar tremendo e com dificuldade para se manter de pé. — Parece até que eu to olhando pra um sol e tentando apagar ele assoprando…
— “Código de Seed: #17079” — Joana começa a falar, energia começa a tomar forma. — “Iniciando reconstrução de realidade, compactação espacial formulada, vetores gerados! Mundo Fantasma! Iniciar!”
A energia toma forma completamente e se resume a um ponto infinitamente pequeno.
— Esse é o Mundo Fantasma! — Akatsuki fala apontando para a pequena luz nas mãos de Joana — Uma dimensão artificial criada juntando Setealém, Londres e Rio de Janeiro. Um ambiente criado de um jeito que vai proporcionar o melhor evento possível. Lá dentro o mundo funciona exatamente do jeito que funciona aqui do lado de fora, mas, vocês irão se curar de qualquer ferimento não letal com o passar do tempo. Nenhum sinal consegue entrar, só sair, então não tem como receber ajuda externa, todas as câmeras são automáticas. Quem morrer será desclassificado e transportado para o lado de fora.
— Isso é tudo que vocês precisam saber! — Zero berra.
— Divirtam-se! — Joana estala os dedos e todos os competidores são teleportados na mesma hora. — Tá valendo.
#
— AHHHHHHHHHHHHHHHHHHH!!!! — Akari grita, caindo por um tubo de luz intensa, tudo perto dela parece estar descendo devagar e o que está longe despenca rápido, é um show de luz incrível, mas dura pouco. Um buraco no céu de uma cidade estranha se abre. — Oof! — Ela cai no chão, mas não se machuca, o buraco no céu desaparece, mas outros pequenos pontos logo aparecem, nove, de onde os outros participantes do Japão caem.
— AHHHHH!!! — Eles também gritam e acertam o chão, todos acabam jogados no mesmo lugar, mas sem sinal dos jovens da Inglaterra e do Brasil.
— Parece que a gente foi separado do resto. — Monique fala, limpando seu uniforme.
— Nada mais inteligente. — Raya comenta. — Se eles jogassem todos nós no mesmo lugar é bem provável que nós nos matássemos na hora, não tem como ter torneio se tudo acaba na porrada em trinta minutos.
— E parece que já começaram a transmitir! — Saúl aponta para um enxame de drones voando ao redor dos prédios.
— Disseram que os drones são controlados por inteligência artificial, então todos os computadores devem funcionar normalmente aqui dentro. — Abigail, ainda sentada no chão, fala arrumando sua roupa.
— Ehhhh… Podia sair de cima de mim? — Alex fala, só então Abby percebe que caiu sentada em cima dela.
— Ai! Desculpa! — Abby fica vermelha igual um tomate e fica de pé na hora, ela estende a mão para ajudar a outra a levantar.
— Valeu… Ahhh! — Alex sofre uma puxada forte, Abigail esquece que é bem mais forte do que parece. Os rostos das duas acabam ficando próximos demais
— Ihhh!!! — Abby solta um grito e dá um pulo para trás com muita vergonha. — A-aham! Como eu ia dizendo! — Ela tenta desviar atenção da situação constrangedora. — Se computadores tão funcionando, então nós podemos receber ajuda!
— Já não tinham dito que não tem como alguém do lado de fora nos ajudar aqui dentro? — Akari pergunta bem confusa.
— Ninguém vai nos ajudar do lado de fora não, princesa. — Sául pega seu canivete e joga contra um dos drones, o derrubando na hora, mas não o destruindo, ele consegue pegar antes de cair no chão. — Toma aí, faz tua mágica. — Ele joga o drone já desativado para Abigail.
— É um modelo padrão, vai funcionar muito bem! — Abby rapidamente desmonta o drone, do mesmo jeito que um soldado bem treinado desmonta uma pistola até de olhos fechados. Ela pega um pequeno cartão de Expandium e o insere em um dos slots de memória vazios no drone e então reinicia o software, tudo em menos de um minutos. — Perfeito! já vai começar a tomar conta do sistema de drones rapidinho.
As lentes de realidade aumentada nos olhos de todos brilham com vida, os comunicadores são ativados.
— HAI HAI! — É a voz de Nana, que sempre ajuda nas operações.
— Nana!? — Akari pergunta. — Como ela tá falando com a gente sem tá aqui dentro.
— Eu tô aqui dentro, ué! — Ela responde, sua voz sempre é distorcida, Akari nem sabe como ela se parece de verdade.
— Mas como a louca chegou aqui? Ela enganou a Joana lá pra entrar com a gente!? — Akari continua lerda demais pra entender.
— Você tá tirando uma da minha cara, princesa? — Sául pergunta.
— Acho que ela só não sabe mesmo! — Alex comenta segurando a risada.
— Não sei o que!? — Akari continua confusa.
— Puts, ela não sabe mesmo! — Richard coloca a mão no rosto contendo a risada.
— Quem fala pra ela, hein!? — Raya diz, eximindo-se da responsabilidade.
— Então, Akari… — Abigail não sabe exatamente como dizer. — … A Nana, não é exatamente uma pessoa…
— Eu sou um robô! — Nana responde entusiasmada.
— Como é o breguete!? — Akari já perdeu completamente o fio da meada.
— Eu sou uma inteligência artificial! — Ela diz ainda mais feliz que antes.
— Eu só instalei ela na rede compartilhada dos drones. — Abigail explica.
— Agora eu tô vendo tudo que os drones conseguem ver! — Nana começa a vasculhar toda a cidade falsa atrás dos outros times.
— Isso não é uma trapaça? — Akari ainda está processando o que acabou de descobrir.
— Hehehehe! — Abigail ri de um jeito estranhamente psicopático. — Só é trapaça quando descobrem a gente trapaceou! E agora, a gente tem controle de todas as câmeras do Torneio, a gente decide o que as pessoas do lado de fora podem ver!
— Nossa! Que plano terrível e sem nenhum espírito esportivo! — Akari brada, visivelmente irritada. — ADOREI A IDEIA! Bora ganhar isso pra eu esfregar na cara das minhas irmãs!
Todos sentem uma vibração em seus bolsos, é a pequena placa de metal que Zero os entregou.
— Parece que temos a primeira pista já. — Dominic fala, mas não demonstra interesse verdadeiro nisso.
— Vejamos. — Abigail olha a mensagem que aparece no metal, com pequenas letras holográficas. — Ehhh? Achei que a gente teria que desvendar um mistério pra chegar nas tais chaves.
— Por que? O que diz aí? — Akari pergunta, procurando sua placa de metal que perdeu ao cair do céu.
— “A primeira chave está na sede da Evangelion, siga o mapa até o ponto indicado”. — Raya lê, todos têm a mesma mensagem.
— Se a gente não tem que desvendar a dica, qual a graça disso? — Akari pergunta.
— AQUELES DESGRAÇADOS! — Abigail berra, Monique também parece bem irritada.
— Que foi, guria!? — Akari toma um susto com o grito repentino.
— Já entendi qual é a ideia do Zero e dos outros organizadores! — Monique comenta, mordendo o dedo indicador direito e tentando pensar em um plano.
— Ainda não entendi o problema… — Raya também está confusa, ela não é exatamente a pessoa mais esperta.
— Se todos os times receberem o mesmo endereço, nós só temos uma escolha… — Abigail olha com seriedade, ela já desvendou todo o esquema dos organizadores. — Os três times vão entrar em um impasse!
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