— Quem é Gerard?
Congelei..
Então eu ri.
— Você está brincando, certo? – Me asfixiei na minha risada e comecei a tossir.
Olhei para seus olhos. Refletiam uma certa discordância e preocupação, mas tentavam transmitir o contrário: algo entre tranquilidade e certeza.
— Claro, Ty. – Ele riu. - Só estava zoando com você.
Eu sorri, mas não senti alívio. Suas palavras martelavam como ironia na minha cabeça, incompreensível como verdade.
— Você está mentindo. – Sugeri, aliviando a pressão da minha mão como manifestação de fraqueza.
— Por que eu mentiria, Ty? Ainda mais para você? – Parecia tão verídico, mas quando era cavado um buraco dentro de mim, eu podia ver claramente do que se tratava.
— As pessoas... – Eu estava com medo, não sabia distinguir exatamente do que. Queria correr. E gritar. Era confuso e indecifrável, mas havia uma criatura dentro de mim que crescia rapidamente no meu peito, implorando por um alívio da agonia que chegava à tona. Me levantei. Eu estava com medo de Josh. - ...costumam mentir para mim.
Dei um passo para trás.
Lentamente comecei a perder o controle sobre o meu corpo.
— Eu não minto para você, sabe muito bem disso. – Seus olhos acompanharam desconfortavelmente o meu distanciamento da sua pessoa. – Não ouse falar o oposto.
— Ah, não venha com a sua conversinha de “ É a sua verdade. “ para mim. Está mentindo
— Tyler, pelo o amor de deus. Eu conheço o Gerard, falei com ele várias vezes, inclusive tenho o número do seu celular. Vocês ouviram ele no corredor mal e decidiram acolhê-lo para dentro de casa por umas semanas, mas acabaram se envolvendo com o Conselho Tutelar. Depois, ele teve problema com os pais dele e sumiu, certo?
— O que? – Mais um passo. Os gritos começaram a acumular na garganta.
— Tyler, merda, era uma brincadeira!
Não era. Não adianta mentir dessa vez, eu posso ser burro mas dessa vez não. Pelo o menos uma vez na vida.
Senti meu corpo esvaecer pelos ares e me deixar só.
Eu não podia mais controlar nem os passos que dava continuamente para trás.
Eu era tão estupidamente fraco.
Então entreguei o meu corpo para ele.
Obedeci quando sussurrou no meu ouvido:
Corra.
Ele abriu a porta e me empurrou escada abaixo. Agarrou minha blusa e me arrastou para fora da casa.
Suas ordens eram tão altas que encobriam os gritos de Josh atrás de mim.
O asfalto embaixo da sola dos meus pés ardia e as articulações do meu joelho cediam ao fogo. Sentia como se fossem desmanchar junto aos alvéolos do meu pulmão que se partiam em fractais mínimos incapazes de fornecer mais oxigênio. Minha mente era tão leve como hélio, alienada e comandada pelas palavras de ordem obrigatória.
Traição doía como facadas diretamente ao meio peito, sem me dar a chance de esvaecer para a inconsciência. A traição da mentira e da falta de consciência plana era asfixiante. Como Josh, que dizia que me amava, poderia fazer algo assim comigo?
Josh estava falando a verdade? Ou estaria mentindo? Se sim para a primeira, eu era um estúpido, fraco e depredado. Se para segunda, o amor dela era uma mentira. Ele não se importava comigo, me deixava plantando o meu desespero de atenção e cuidado que nem um idiota em seus pés, tudo por um pouco de carinho e amor recíproco.
Não ter amigos de verdade é a pior maldição que se pode jogar. Todo o amor, afetividade e atenção são-lhe privados, te expondo a uma dependência amorosa saturada. Você não tem ninguém para conversar, lhe dar um abraço e lhe fazer importante. Tudo isso é tão estúpido, porque no final todos esses sentimentos são hipócritas mesmo.
Continuei correndo, como sempre fazia, medroso, fugindo dos problemas que não poderiam ser largados.
“Você não tem vontade de fazer o que o Forest Gump fez? Só sair correndo, sem proposito e rumo, e ir até onde tiver vontade, até quando quiser?”
Meus pés queimavam de dor quando Josh me alcançou aos berros. Seus braços se enrolaram ao lado do meu corpo, me fazendo parar de correr. Então eu gritei o mais alto que pude. Me debati contra seu contato e berrei para me afastar, só que ele era forte.
“E ainda voltar pela Jenny, não importa quanto tempo depois.”
Não dessa vez.
- Tyler, sou eu, por favor, Tyler.
Não, não e não. Não poderia me deixar cair nesse buraco de Alice mais uma vez, onde meus sonhos não passavam dos pesadelos mais realistas que tive.
“Mas a vida é como uma caixa de chocolates, não é?”
— TYLER, SE CONTROLA. VOCÊ NÂO VAI SE DEIXAR IR POR ESSE MENINO MAIS UMA VEZ, CORRE.
-— TYLER, POR FAVOR EU TE AMO, PARA COM ISSO, POR FAVOR, POR MIM. SOU EU, JOSH, TY. POR FAVOR. – Seus dedos me puxavam contra a vontade da inércia. Tentei correr e falhei. Bati nos seus braços com toda a minha força restante. Chutei suas canelas o mais preciso possível.
— ME LARGA, VAI EMBORA, ME DEIXA. – Gritei, e continuei com berros sem diálogos, a agressão forte e decidida. Minhas unhas arranhando sua pele e as palavras rasgando o seu tímpano. – ME SOLTA, JOSH, ME... – Um prédio desabou sob a minha cabeça. – Josh.. – Era pesado e fazia a minha cabeça doer, tencionando os músculos dentro do meu corpo. Meus olhos ardiam secos, minha garganta fechava impedindo o ar de circular por ela. Me arrepiei com o frio antes de cair no chão.
O asfalto queimava meu corpo, era insuportável a ardência mas estava fraco demais para sequer ficar em pé. O constrangimento de não conseguir fugir mais me paralisou.
Mais uma vez, como sempre, eu havia sido fraco. Talvez fraco o suficiente para esgotar a vontade básica de continuar com isso. Se eu me matasse, tudo isso passaria, certo? Tudo apagado em um piscar de olhos, por que não?
Parecia tão simples: era a perfeita solução. Não sentiria mais dor, mais indignação ou aquele vazio agonizante de sentir nada.
Sentir nada.
Provável que seja esse o objetivo.
Queria me desligar, ficar inconsciente, só mais uma vez, por favor. Mas o que aconteceu foi o contrário. O sentimento do abraço forte ao redor do meu corpo dado por um Josh ajoelhado aos prantos no asfalto era tão nítido quanto uma tela de cinema. A dor que me esfaqueava era tão clara como a luz e a minha respiração tão desconfortável quanto uma cama de pregos.
— Ty, p-por favor. Vamos sair do meu da rua, okay? – O garoto projetou aos soluços, seus braços passando por debaixo das minhas pernas e levantando-me para ser carregado, sentindo-os estremecer e bambear no contato com meu corpo. Fui logo colocado na calçada, deitado sobre o cimento.
O rosto de Josh estava vermelho, inchado e sua respiração não parecia acompanhar o seu ritmo. Seus olhos estavam pequenos, brilhantes e transmitindo uma emoção indescritível, que eu não conseguiria descrever se tentasse. Suas mãos tremiam pegando e apertando as minhas. Suas palavras saíam de sua boca em desespero e chegavam no meu ouvido com delicadeza.
— Shh... Vai ficar tu-tudo bem Ty, respira fundo.
Haviam vizinhos saindo se sua casa e se aproximando para averiguar a confusão e a gritaria. Um deles, uma mulher loira de cabelos presos, se ajoelhou ao chão do meu lado e encheu o menino de perguntas .
— O que aconteceu? Precisa de uma ambulância? – Seus olhos eram tão negros que pareciam absorver 100% de toda a luz que chegava nele. Suas roupas eram tão claras, se destacavam na sua pele morena.
- E-Ele precisa ir para emergência psiquiátrica, 911, qualquer co-coisa. – Os gaguejos do menino abriam meu corpo por dentro.
Não, não, não. Por favor Josh, não faça isso comigo.
As palavras não saíam da minha garganta.
Um homem de idade se aproximou, seus cabelos grisalhos lhe caíam sobre os olhos curiosos. Quando me dei conta, um círculo havia sido formado em nossa volta. O sol fazia meus olhos queimarem com a luminosidade, me cegando com ela. Em seguida, uma sirene se aproximou e meu corpo foi colocado por estranhos de roupas brancas em cima de uma maca dura. Josh agarrou minha mão, seus cabelos coloridos suavam o arco-íris em sua testa, me acompanhou para dentro do veículo.
Era claro, branco e não tinha capacidade para nomear a maior parte dos equipamentos que brilhavam em cores variadas ao meu redor. Um dos homens de branco desatou a falar palavras e termos fora do meu alcance, enquanto o outro mexia em mim com aparelhos e com as mãos em busca de algo, me analisando. No segundo em que Josh sentou na minha frente consegui ouvir a voz de sua mãe do lado de fora, não havia mais energia dentro do meu corpo que me possibilitasse levantar e confirmar o remetente. O menino respondeu aos berros enquanto a porta se fechava, bloqueando a visão para o lado de fora.
Perdi a minha noção de tempo, espaço e velocidade.
A minha visão embaçou.
O meu cérebro já não processava mais palavras e sons que chegavam para ele.
Qualquer sentimento era mero surrealismo.
As portas se abriram.
Rodas corriam embaixo de mim.
Minhas pálpebras pesaram.
Josh ainda estava do meu lado.
Sua mão apertava a minha e doía.
" Se correr para longe mais uma vez, eu vou te seguir novamente, Forest."
|-/
— Bom dia, meu amor. – A voz era fina e preocupada, os dedos macios acariciavam a minha testa em movimentos circulares.
Antes de eu abrir meus olhos eu senti o medo preencher todas as articulações do meu corpo com dor.
Quando, com dificuldade, minhas pálpebras se abriram, eu vi nada.
Durante longos segundos só enxergava a escuridão, o que acordou um desespero dentro de mim.
Entretanto, aos poucos tudo começou a clarear até demais. Branco, branco e mais branco. Virando a minha cabeça levemente para o lado vi um sofá caramelo vazio. Quando voltei o olhar para o meu corpo, me encontrei deitado em uma cama coberto por um lençol. Meu braço esticado apresentava todas as minhas vergonhas expostas, e sobre elas uma agulha. Meus reflexos seriam de cobrir os membros, mas não achei forças suficientes para fazer tal ato. Na ponta do meu dedo indicador, um medidor de batimentos cardíacos eletrônico.
Então, no final das contas, era uma maca e não uma cama.
Virando mais a minha cabeça, vi minha mãe sentada ao meu lado. Olhos inchados, rosto vermelho, olheiras profundas e o cabelo loiro bagunçado em um coque no topo do couro.
— Hey. – Respondi, sentindo a minha garganta doer.
— Meu filho, como está se sentindo? – Abriu um sorriso em seu rosto, o típico para encobrir as dificuldades.
Demorei para fornecer uma réplica, estava concentrado demais em sincronizar a minha respiração e sentir o resto do meu corpo me pertencer.
— Eu... – A claridade fez-me fechar os olhos com força, e abri-los levemente em seguida. – Morto.
— Ah, não fale uma coisa dessas, você está bem vivo. – Sua voz era mais desanimada do que uma pedra.
— Então por que estou no hospital? — Tentava levantar e me por em pé, mas a letargia tornava isso impossível.
— Porque você teve um episódio um pouco mais forte do normal, e sabe como fica mal não só mentalmente como fisicamente depois. – Ela levantou um pouco e depositou um beijo na minha testa. – Mas logo vai melhorar. Amanhã de manhã já irão lhe dar alta.
— Você vai ficar aqui?
— Claro, amor. Vou dormir aqui com você e amanhã voltaremos para casa, certo?
— E Zack, Maddie e Jay? – Indaguei.
— Arranjei uma amiga para cuidar deles durante a noite, tudo ficará bem.
— E Josh? – Meus olhos cismavam em fechar.
— Ele teve que voltar para casa com os pais, mas lhe trouxe aqui e por isso estou muito grata. Tyler, eu...
— O que? – Exigi uma continuação.
— Nada não, volte a dormir e conversamos pela manhã.
— Fale.
— Shh... Durma agora, certo?
— Mãe. – O cansaço era inegável.
— Tyler, durma meu anjo.
— Mãe. – Cerrei os olhos sem conseguir aguentar mais.
— Vai ficar tudo bem, eu te amo.
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