- Aqui é o Nada... – ouviu o homem em sua mente.
“Nada?” Severo questionou-se, mentalmente, mas não obteve resposta. Aquela escuridão o incomodava e oprimia. Sentia-se como se estivesse em um lugar apertado, sem espaço. O homem imaginou consigo mesmo que gostaria de um pouco de luz, ainda que fosse muito fraca. Que ao menos pudesse enxergar a si próprio. Então, ouviu mais uma vez sua consciência a lhe falar:
- As trevas que vês, são tuas... estão dentro de ti...
Mais uma vez, as lembranças e o remorso que vivera em seus últimos momentos, voltaram à sua mente. Mas apenas neste instante, se dava conta da dimensão de seus erros e do estado lastimável no qual ele mesmo havia se lançado. Observando, fora de si, o significado que toda aquela escuridão representava, ele percebia o quanto sua alma e seu ser haviam se sujado em sua má conduta e suas más escolhas. Então, uma segunda voz lhe falou, de algum lugar. Não a voz que ouvira em sua consciência, mas uma diferente: grave e profunda; serena, mas cheia de dor.
- Quem és tu?
A pergunta fora feita de forma lenta e pausada, com especial enfoque na última palavra. Snape entendera o significado daquela pergunta. Não era uma pergunta coloquial, de alguém que busca referências de uma pessoa, até então, desconhecida; mas uma pergunta profunda, que lhe questionava sobre sua identidade, sua essência, sobre quem ele havia se tornado. No meio de tantas mentiras, tantos papéis que assumira, Snape já nem sabia mais quem era. Ora um Comensal da Morte sanguinário e frio, ora um inocente e competente professor de crianças e jovens. Nem um dos dois papéis no, entanto, refletia a si próprio, nem os muitos outros que inventara para si. O que ainda restava de Severo Snape dentro dele? Assumindo sua incapacidade de responder àquela pergunta, aparentemente simples, o homem respondeu, sem jeito:
- Eu... eu não sei.
Sentiu-se um idiota. O mais débil de seus alunos poderia se sentir sábio diante dele, naquele momento. Ele, que sempre aterrorizara aqueles estudantes em Hogwarts com suas perguntas complexas, seu olhar ameaçador, sua postura austera, aquele que sempre tinha uma resposta na ponta da língua, pronto para intimidar e humilhar os alunos com seu conhecimento, mostrando o quanto sabia mais e o quanto era intelectualmente superior; aquele mesmo Severo Snape, no momento de agora, se encontrava impotente e sem respostas. Aquela voz desconhecida que lhe falava, embora não o humilhasse, perscrutava sua alma e desvelava seu ser mais íntimo. Não havia como inventar um papel para si naquele momento; a verdade sobre si próprio estava estampada diante dele. Então, sentindo que não suportaria continuar ali, pensou se não haveria jeito para sua situação. Perguntou em alta voz:
— O que faço para sair daqui?
Teve medo de não obter nenhuma resposta. Mas um minuto depois, ouviu:
— Desejas livrar-te disto?
— Sim! – respondeu, convicto.
— Aguarde...
Severo esperou, ansioso. E pouco tempo depois, viu um pequeno pontinho de luz surgir em meio ao breu. Sentiu-se grato por ter algo para observar, apesar de receoso quanto ao que poderia acontecer. Mirou a pequena luz com seus olhos. O pequeno ponto de luz ia se expandindo, suave e gradativamente. Branco-azulado. Às vezes, róseo. E conforme a luz se expandia, uma sensação de paz e esperança começava a se instalar dentro de si.
Então, sentiu uma brisa soprar em seu rosto. Uma brisa vivificante. Respirou maravilhosamente, sentindo o ar entrar em seus pulmões. Ao tatear ao redor de si, sentiu algo plano se formar debaixo de seu corpo deitado. Tentou sentir a textura com as mãos; parecia areia. E de fato, era, porque neste momento começou a ouvir também ondas do mar quebrando tranquilamente na areia. Ouviu ao longe um som de gaivotas. Devia estar em alguma praia. Neste momento, uma onda rebentou bem próximo dele, molhando um pouco suas vestes.
O ponto de luz ia ficando maior, adquirindo um brilho rosado, trazendo um leve calor àquele lugar, antes tão frio. A escuridão, pouco a pouco, ia embora. Por fim, Snape conseguiu distinguir um céu, mesmo que ainda bastante escuro. O ponto de luz, Snape percebeu pouco tempo depois, se tratava de uma estrela, que ia subindo vagarosamente do horizonte para um ponto mais alto no céu. Snape continuou a contemplá-la, admirado. Sem perceber, adormeceu.
Um longo tempo deve ter se passado, porque um momento depois Severo acordou com o som de uma canção, baixinho. Alguém cantava, bem longe dali. Uma canção bela, terna, apesar de Snape não conseguir distinguir que palavras eram ditas. Vez ou outra, o barulho do próprio mar parecia atrapalhar aquele som tão distante. Snape sentiu-se tocado. Nunca fora sentimental, muito menos sensível, mas no momento em que ouvira aquela canção, algo mudara dentro dele. Sentia necessidade de ouvir mais de perto. Neste momento, a estrela já havia trazido uma luminosidade maior àquele lugar e Snape percebeu que, de fato, estava mesmo em uma praia. Era noite ainda. Sentando-se na areia, respirou fundo, pela primeira vez depois de tudo, podendo olhar para si mesmo. Nenhuma parte de seu corpo doía mais. Nenhuma mancha de sangue em suas vestes. Não havia mais sinal de qualquer ferimento. Contemplou o mar, sentindo o cheiro da água salgada que vinha com o vento.
Sentia-se em paz. Há muito, muito tempo não se sentia assim. Percebia também uma profunda compreensão de si mesmo. Pela primeira vez, realmente podia afirmar que se conhecia. O som da canção parecia se aproximar, bem lentamente. O que vivera antes, parecia-lhe já um passado distante. Severo sentiu vontade de levantar-se e ir em direção àquele som, mas teve receio. Estava em um lugar desconhecido, não sabia o que poderia lhe aguardar pela frente. Mas o som vinha se aproximando, bastante distante ainda, e a canção se tornava cada vez mais bela.
Ao mesmo tempo curioso e desconfiado, Snape levantou-se e pôs-se a caminhar lentamente naquela direção, com prudência. As ondas do mar rebentavam bem próximo de seus pés. Vez ou outra uma ave marinha sobrevoava, sob o céu noturno. Na margem oposta ao mar, havia uma grande extensão de floresta virgem, de uma beleza exuberante. Essa extensão de mata estendia-se, contínua e quase infinita para além, ao longo da areia branca. O homem continuou a caminhar; se percebesse qualquer coisa estranha ou arriscada, tentaria recuar ou até mesmo aparatar, se conseguisse. A caminhada era longa. Aquela extensão de areia branca parecia não ter fim. Apesar de ser noite ainda, o clarão da estrela era suficiente para iluminar seu caminho.
Por fim, o céu começou a tingir-se de um tom avermelhado. Estava amanhecendo. Quando Snape chegou a uma certa distância, parou. E ficou apenas observando. Um ponto dourado, indistinto, surgira ao longe, por entre as dunas. Aos poucos se aproximava, e o som da canção ia ficando mais claro. Já a uma certa distância, Snape viu que aquele ponto dourado se tratava de um leão. Sentindo um certo temor, tentou aparatar. Não conseguiu. Tentou mais uma vez, concentrando-se melhor. Sem sucesso, novamente. Ainda receoso, mas ao mesmo tempo curioso, permaneceu no lugar onde estava, esperando. Até que lhe pareceu que aquela música vinha do leão. Sem ter certeza ainda, continuou a observar.
Estava certo. Era mesmo o leão quem cantava, enquanto caminhava tranquilamente, absorto na própria canção. Não parecia ter a agressividade dos animais silvestres. Estranhamente, o olhar, as expressões e o jeito daquela singular criatura eram muito... humanos. Um leão que não parecia ser realmente um leão. Snape se pôs a pensar se seria algum animago. Se bem que, pelo o que se lembrava, animagos não podiam falar, em sua forma animal, quanto mais cantar! Quando o leão chegou a uma distância de alguns metros de Snape, parou, observando o horizonte. Cantava baixinho agora. Sua voz era grave e profunda, ao mesmo tempo que suave. Snape o observava perplexo. Nunca presenciara algo assim. O pelo dourado brilhava extraordinariamente mesmo à pouca luz da estrela, já que o sol nascente ainda não apontara. Mesmo distante, percebia-se que era muito maior do que um leão comum. Severo nunca vira um leão de verdade, apenas patronos. Mas sabia bem que patronos eram projeções da mente e, portanto, não refletiam o tamanho real dos animais que representavam. Mas mesmo que nunca tivesse visto um leão real, aquele que via lhe parecia muito maior do que qualquer outro.
Por fim, o animal parou de cantar. Sentando-se nas patas traseiras, pôs-se a observar o mar, em silêncio. O leão parecia não perceber a presença de Snape. Uma onda esverdeada avolumou-se para rebentar próximo às suas patas. O leão soprou suavemente sobre a água e as ondas se acalmaram. Quando o sol nascente apontou, ao leste, o leão saudou-o com um sorriso terno e um balançar da juba. Snape continuava a observá-lo, admirado e temeroso. Por fim, o animal virou-se para ele e, mirando-o nos olhos, lhe disse calmamente:
— Bem-vindo, filho de Adão. Aguardei a sua chegada ansiosamente...
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