A espessa camada de fumaça escura e tóxica que se desprendia do incêndio turvava a visão e dificultava a respiração. Pedaços de madeira e de tecidos em chamas despregavam-se o tempo todo das tendas que ameaçavam a ruir. O risco de alguém ser incendiado ou ficar preso sobre os escombros de madeira era grande.
Não ouve muito tempo para pensar em como agir. Os centauros imediatamente recolocaram os elmos sobre a cabeça e desembainharam as espadas do cinto, saindo da tenda num galope veloz e furioso. Pedro saiu logo atrás deles, com a espada empunhada. Aslam direcionara um olhar sério ao homem e ao fauno, que permaneceram na entrada da tenda, e lhes dissera:
- É preciso que alguém salve os feridos e tudo o mais que for possível...
E após estas palavras, com a habilidade de um grande gato, deu um salto largo à frente e sumiu na noite.
O homem e a criatura rapidamente se colocaram em ação. Enquanto o fauno se punha a resgatar alimentos, armas e objetos de valor de dentro das tendas em chamas, Snape fazia o possível para salvar os feridos, arrastando-os para longe do ardor do fogo e da espessa nuvem de fumaça.
...
Quando Pedro chegou ao lugar onde o tilintar dos metais se tornava mais alto, ficou atônito com o que viu. Seus homens lutavam, aparentemente, com o nada. Não havia inimigos à frente deles. Entretanto, o retinir de espadas era alto o bastante para ser ouvido mesmo à distância, e seus soldados começavam a cair um a um.
O garoto deu uma volta ao redor de si, assustado, olhando para todos os lados. Como vencer a um inimigo invisível? Como prever uma espada ou uma flecha vindo em sua direção? De repente, sentira um vento cortante, quase lambendo seu rosto. Era como se uma lâmina houvesse tentado atingi-lo e, no entanto, tivesse errado o alvo. O garoto prontamente se pôs em posição de ataque. Apurando a audição tanto quanto pôde e usando sua intuição como guia, procurou, tanto quanto possível, desviar-se dos golpes, enquanto tentava ferir ao inimigo que não podia ver.
Enquanto isso, as chamas se alastravam cada vez mais pelo campo de batalha. A fumaça negra e tóxica formava como que um bloco espesso de névoa escura, que atrapalhava a visão e fazia arder os olhos. A respiração, já ofegante pela luta, ficava ainda mais difícil com todo aquele cheiro amargo e sufocante de coisas queimadas. Os soldados de Pedro caíam pela relva como folhas caem das árvores em uma tarde outonal. Os poucos que sobravam em combate, já fatigados e assustados, tentavam recuar para lugares mais altos, para longe das chamas. Não aguentariam por muito tempo.
Pedro tinha um corte no rosto e uma ferida no braço, semelhante a uma mordida, que sangrava continuamente. Em sua mente reverberava o pensamento: “Onde está Aslam?” Este pensamento, aliás, era compartilhado por muitos dos outros soldados. Com seu poder, sua força, o Leão poderia afugentar todos os inimigos em questão de instantes. Um único rugido seu seria suficiente para dispersá-los, já que aqueles seres das trevas o temiam mais do que a própria morte. Então, por que Aslam não viera ajudá-los? Por que assistia em silêncio àquele massacre? Teria o Leão lhes abandonado? Ou estaria lhes punindo por algo? Afugentando o pensamento ruim da cabeça, tentou fugir daquele cerco de fogo e brasas que tinha ao redor de si e recuar para algum lugar onde tivesse mais chance no combate. Pegando no chão um pedaço de madeira incandescente próximo de si, semelhante a uma tocha, atirou-o no inimigo invisível que tinha (provavelmente) à sua frente. A tocha caiu ao chão na metade do caminho, como se tivesse encontrado no ar um obstáculo que interrompera sua trajetória. Uma pequena labareda começou a queimar, no ar, e pouco a pouco começou a ganhar forma.
...
Snape empurrara para o lado um grande pedaço de madeira, já quase todo transformado em carvão, que imprensava debaixo de si a um homem desacordado. O pobre coitado já quase não tinha cor e ao redor de seu corpo, na grama, havia pequenas poças de sangue. Sua espada jazia ao lado, partida em dois. Do elmo, nem sinal. O ventre estava manchado de vermelho escuro e no rosto havia algumas queimaduras, que se estendiam desde a testa, pela lateral do rosto, até a nuca, onde parte do cabelo se encontrava chamuscada. Snape certificou-se de que o homem ainda respirava. Fracamente, mas sim. Se fosse socorrido imediatamente, talvez houvesse alguma chance de sobrevivência. Reunindo um grande esforço, mais do que talvez fosse capaz de exercer, Snape colocou-o sobre os ombros, meio pendurado, e arrastou-o como pôde para longe do fogo e da fumaça. Não era o primeiro e provavelmente não seria o último homem ou criatura que teria de levar nas costas, motivo pelo qual suas forças já se encontravam extenuadas. Levou-o para uma das poucas tendas que permaneciam intactas, onde mais um grupo de feridos se encontrava deitado em fileiras no chão. O fauno havia feito de tudo para salvar uma quantidade suficiente de provisões e de coisas de valor que ainda poderiam ser aproveitadas. O resto, não houve como recolher, ou porque já estava queimado demais, tornando inviável o uso, ou porque salvar vidas, naquele momento, fosse mais importante.
Snape deitou o homem no chão e rapidamente se pôs rasgar faixas de pano com as quais pudesse fazer bandagens para estancar o sangramento do homem. O fauno se ocupava em cuidar de alguns outros feridos, limpando-lhes as feridas ou umedecendo seus lábios com água. Snape alertara-o de que não lhes desse água para beber; feridos como estavam, isso poderia acarretar sua morte.
- O que iremos fazer? – perguntou-lhe o fauno, aflito. – O fogo se alastra cada vez mais. Se não for contido, se espalhará pelo campo de batalha e queimará até mesmo o que já conseguimos salvar.
Snape olhou ao seu redor por alguns instantes, pensando no que fazer. Dois pares de braços e pernas não eram suficientes para salvar tudo o que era preciso ser salvo. No entanto, parte do desfecho de tudo aquilo dependia deles. Não havia tempo a perder. Era preciso arriscar. Levantando-se, determinado, respondeu ao companheiro:
- Acredito que estes feridos já não correm tanto perigo. Pegue toda água que encontrar e tecidos grossos, que possamos encharcar. Veremos o que será possível fazer.
...
A madrugada já ia longe. As labaredas de fogo já tinham quase a altura de árvores. Pedro havia conseguindo recuar para um lugar um pouco mais alto do vale, para longe das chamas. No início, o fogo havia sido um aliado, por meio do qual conseguira localizar alguns de seus inimigos no ar. Agora, no entanto, as chamas aumentavam cada vez mais e permanecer no lugar onde estivera lhe traria muito mais riscos do que vantagens. A mente do garoto ainda estava em Aslam. Por onde andava o Leão? Por que não vinha logo socorrê-los?
Parecia haver mais de um inimigo ao seu redor. Seus golpes de espada já não conseguiam defendê-lo. Já fatigado, o garoto sentiu uma força que o desequilibrou e o levou ao chão, como se tivesse sido empurrado. Caiu de bruços, sentindo os dentes chocarem-se contra seus lábios e a boca se encher de sangue. Cerrou os olhos com força, esperando a lâmina fria que atravessaria suas costas, em direção ao coração, e o mataria. No entanto, o que se deu no momento seguinte, foi bem diferente. Como se o tempo houvesse parado, ouviu passos pesados e macios sobre a relva, que se aproximavam. E então, ergueu-se no ar um rugido terrível, que fez estremecer o chão e ribombou pelo campo de batalha.
Houve um segundo do mais absoluto silêncio. O choque de lâminas cessou. Um estalido se fez presente e o encanto começou a quebrar-se. O garoto entreabriu os olhos. Viu uma forma escura e monstruosa formar-se em sua frente e logo em seguida uma grande sombra dourada que saltou sobre sua cabeça e cobriu a primeira figura. Acima e ao lado, parecia haver uma revoada de cores e formas que passaram num átimo e dominaram o campo à sua frente. Como se suas forças se renovassem, o coração do garoto se encheu de esperança.
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