Hoje ocorria uma reunião importante do clã naquele mesmo aposento no qual o jovem ômega havia sido apresentado a um “destino” desagradável, anos antes. Alguns assuntos seriam tratados nesta ocasião e, portanto, vinha sendo uma tarde longa e cansativa, na qual se discutiam algumas vezes até chegarem a soluções. Algumas pautas já haviam se resolvido e restavam poucas a serem tratadas.
Megumi estava quase ao lado de Zenin Naobito, o chefe da família, como vinha acontecendo já há algum tempo. Todos os membros mais importantes estavam presentes – menos o Alfa, que provavelmente achava mais importante o que fazia fora dali.
E por estar sentado ali, dava ao jovem uma pequena esperança de que pudesse realmente participar. Afinal, estava em uma boa posição ali dentro, certo? Em sua casa, ele e Yuji sempre conversavam sobre os problemas que apareciam na loja e chegavam a resoluções juntos. Sua opinião era importante. Então ali, onde diziam ser sua família, ela também seria, certo? Afinal, não vinham fazendo esforços para mantê-lo ali por perto, dentro do seio da família?
Pensando nisso, após alguém do núcleo ter apresentado um problema a ser resolvido nesta tarde e uma solução não muito boa ter sido proposta, o jovem ignorou o mal estar que sentia desde aquela manhã (e que disfarçava muito bem) e resolveu expor uma ideia que veio em sua mente.
Mas ele mal começou a falar e foi cortado por um dos mais velhos antes que pudesse completar uma frase.
– Mas – Insistiu, franzindo a testa. Nunca havia falado nessas reuniões, mas também nunca viu alguém ser ignorado dessa forma. Isso o incomodou. – Tenho uma boa sugestão-
– Não queremos escutar as ideias de um ômega. – Respondeu o alfa mais velho, rispidamente.
Fushiguro sentiu a raiva crescendo, disputando com aquela dorzinha esquisita e insistente. Mas se esforçou para manter a calma.
– Se me deixassem falar... – Virou-se para o chefe do clã, em busca de apoio. Ele o queria ali, não queria?
Mas foi cortado novamente.
– Megumi, basta. – Foi a resposta que recebeu, sem nem acontecer um contato visual.
– Mas-
– Basta! – Naobito desceu o punho com força no chão, calando o mais jovem e qualquer outro que pudesse se pronunciar. Depois, com um olhar raivoso, se voltou para Megumi, que tinha uma expressão de indignação em seu rosto. O moreno nunca o vira daquela forma. O mais velho continuou esbravejando. – Não é a primeira vez que me contraria! Acha que me esqueci de quando traiu minha confiança e apareceu aqui com a mordida daquele vira-lata, apesar dos planos que tínhamos para você? De quando virou as costas para sua família? Te deixei ir e estou pronto para dar uma segunda chance, mas não me esqueci disso. Você já me desafiou uma vez. Não vai acontecer de novo!
O ômega não teve o que responder. Sentia-se humilhado e esgotado. Como por reflexo, percorreu os olhos pelos rostos ali presentes, encontrando os olhares de superioridade, com exceção de um.
Mai, que estava em um canto mais afastado, olhava para ele como se tentasse lhe passar um lembrete. Mas ele não precisava disso. Não se esqueceria daquele dia, no qual fizera o que foi dito pelo mais velho: logo após seu aniversário de 18 anos, se encontrara escondido com Yuji e foi quando tiveram sua primeira vez e a primeira mordida. Aquela fora única solução que haviam encontrado, mesmo que temporária – afinal, ser mordido por um alfa garantia um vínculo, mas que não era eterno e se enfraquecia se não fosse renovado.
Depois disso, ele voltara e mostrara a marca para Naobito, que apesar de ter ficado claramente enraivecido, manteve a calma e só pediu que voltasse para vê-los. O moreno se lembrava claramente de ter negado. Ele não queria mais por os pés naquela propriedade. Foi quando a irmã de Maki o encontrara perto da saída e “o convencera” a voltar com frequência. Ela o lembrara de que a família era influente e poderia prejudicar seu amado alfa de alguma forma, principalmente em seu trabalho. Então, para protegê-lo, ele aceitara voltar duas vezes por semana e quando tivessem reuniões.
Megumi não precisava que o lembrassem dessa promessa, ela martelava em sua cabeça quase diariamente, juntamente com a busca por uma solução mais definitiva.
Ainda em sua volta pelo local, os olhos azuis encontraram mais um olhar diferente dos outros. Mas esse era um de puro ódio. Naoya, que estava mais perto do chefe, tinha uma expressão que dizia claramente o quanto o detestava. O quanto se continha para não falar o que queria.
Por fim, passou a encarar o chão à sua frente, sentindo o estômago revirando enquanto a reunião continuava como se nada houvesse acontecido. Na verdade, pouco tempo se passou após a resposta do chefe do clã, que logo prosseguiu com os assuntos tratados ali.
Fushiguro chegava à conclusão de que ele devia saber que jamais teria voz ali. Foi muito ingênuo.
A verdade era que ele sempre estivera nas reuniões e ainda por cima próximo do chefe, como um enfeite. Ninguém se importava de verdade com o que ele tivesse a acrescentar, fosse qual fosse a sugestão que pudesse trazer. Ali, ele era só um ômega dominante que queriam exibir como posse deles. Toda a importância que fora discursada no passado não era nada daquilo.
Megumi se lembrou da vez em que fora chamado de “bibelô da família” por Naoya, anos antes. Sentiu-se enojado por ter essa confirmação. Mais que isso, o mal estar insistente somente piorava e sua cabeça latejava, mas continuou se esforçando para engolir e dissimular. Não mostraria fraqueza alguma para eles.
A reunião se aproximava do fim e o ômega não tentou mais falar, concentrado em se manter calmo e impassível. Somente quando acabou e ele se levantou, como todos os outros, é que notou que não tinha muita precisão em seus passos. Era quase como se estivesse pisando em uma superfície instável. Estranho. Mas mesmo assim, respirou fundo e saiu dali sem ninguém notar o seu estado.
Nos passos mais firmes que conseguiu, caminhou pela propriedade com a intenção de ir embora, agora que estava livre. Porém, se atrapalhou e acabou errando o caminho. E então, se viu em uma parte que não conhecia muito bem. E pior. Um cheiro forte – e horrível – de feromônios indicava que alguém, em algum daqueles quartos, estava em um momento muito íntimo. Um momento no qual o jovem não queria presenciar, nem saber.
Apressou-se em se localizar o máximo que deu com a visão quase embaçada e sair dali logo, mas quanto mais andava, mais parecia chegar perto daquele cheiro que o deixava mais nauseado. Começou a se sentir um tanto nervoso por aquilo tudo, até que esbarrou no ser que menos queria ver nesse momento: o Alfa, que saía por uma porta fechando um roupão. Pior ainda, quase caiu para o lado, por estar zonzo, e o homem o segurou firme com seus braços. Droga.
– Que surpresa, Megumi... veio me ver? – Disse com um sorrisinho.
– Não. – Conseguiu responder. Respirou fundo para tentar se manter calmo, mas era muito difícil com aquele odor irritante tão perto. Sentia calafrios e seu corpo estava quente e doía. Seria febre? Tentou se afastar para não precisar daquele apoio, mas não conseguiu. Seus braços e pernas estavam um pouco moles e o mundo parecia tremer.
Nesse momento, os olhos azuis captaram um movimento ao lado deles e o jovem viu um alfa que nunca tinha visto – mas sabia que não era um Zenin – saindo pela mesma porta enquanto arrumava suas roupas. O desconhecido seguiu rapidamente seu caminho, sem nem olhar para eles e Megumi entendeu o motivo daqueles feromônios.
O Alfa, nem ligando para o que acontecia em volta deles, olhou com muita atenção e curiosidade para o ômega. Não tentou se aproximar mais, nem tocá-lo de outra forma, apenas o segurava para que não caísse. Mas nada impedia que fosse charmoso e pudesse aproveitar aquela abertura.
– Eu causo esse efeito todo em você? – Disse de modo baixo, enquanto liberava mais de seu cheiro. Com certeza ele havia entendido errado o que estava acontecendo com Megumi.
– Vai se... – Começou a responder, mas não conseguiu completar a frase, tampando a boca com uma das mãos antes que colocasse seu almoço para fora. O que esse idiota estava pensando?
Pelo menos a raiva ajudou o ômega a encontrar forças para afastar aquele sem noção de si. Então, apesar do estado em que se encontrava, ele o empurrou e saiu rapidamente dali sem nem olhar para trás, onde o Alfa ficou parado, o olhando enquanto colocava as mãos para dentro das mangas do roupão.
Ainda muito zonzo, o jovem rumou pelos corredores e logo encontrou o caminho certo, onde parou e se recostou em uma parede, fechando os olhos. Ainda faltava um pouco para chegar até seu carro. Eram poucos passos... mas parecia estar tão longe.
Estava tentando respirar fundo antes de continuar, como se buscasse sentir-se melhor, quando escutou mais uma voz conhecida perto de si e abriu os olhos novamente.
– Então o bibelô da família resolveu ser dócil? – Naoya estava com os braços cruzados e expressão de superioridade.
– O quê? – Respondeu do modo mais firme que conseguiu. Do que ele estava falando?
– Está começando a enjoar daquele vira-lata e resolveu procurar coisa melhor, é?
Fushiguro fechou os punhos e endureceu o olhar, encarando como se o desafiasse. Já estava cansado disso tudo.
– Por que está falando isso? – Perguntou, concentrando todas as forças para se manter firme. Era um tanto curioso como a raiva sempre o ajudava a ter foco. Sua cabeça girava, mas sua voz transparecia calma. Uma calma quase raivosa.
– Por que você agora está procurando pelo Alfa, não é? Foi correndo atrás dele logo depois da reunião. Você só se faz de difícil, mas é um ômega como todos os outros.
Megumi não aguentava mais. Sentia-se mal, queria ir embora e estava irritado. Era uma péssima hora para ter aquela discussão. Afinal, ele já estava cheio desses olhares de ódio e de xingamentos silenciosos, em todos esses anos. E por um motivo tão idiota. Agora fazia sentido, é claro que o mais velho estava com raiva por tê-lo visto com aquele cara imbecil, momentos antes e obviamente entendeu tudo errado, já que poderia parecer que ele estava cedendo aos toques daquele velho, que parecia o abraçar.
Seria sensato desviar o assunto, pedir licença e ir embora. Manter a educação e continuar fingindo que não sabia do motivo daquilo tudo. Mas as palavras pulavam de sua boca.
– E você queria estar no meu lugar. – Disparou. Os olhos raivosos do alfa à sua frente se estreitaram. Mesmo assim, continuou falando, extremamente irritado. – Você queria que essa atenção que ele me dá, fosse sua. Por isso me odeia tanto. Vai atrás dele logo e fica com ele de uma vez! Me esqueçam. Porque não importa o que você ache, eu não quero ele!!
Foi como se uma explosão tivesse acontecido. Momentos depois, o mais velho havia se aproximado e sua mão se apertava ao redor do pescoço de Megumi.
– Seu ômega nojento! – Seus rostos estavam próximos e o alfa tinha uma expressão alucinada nesse momento. – Ele nunca gostou de ômegas, por que justo você foi diferente? Era pra ter sido eu. Eu! Era pra ele ter me notado. Eu sou dedicado e não te trato mal porque ele ficaria bravo, e mesmo assim ele nem percebe. E tudo por sua culpa! Eu te odeio!!
Mas a explosão durou pouco.
Rapidamente, o alfa percebeu que foi longe demais em seu momento de fúria e se afastou, soltando o moreno, que por pouco não caiu de joelhos, já que ainda estava com as pernas fracas. Ele respirou fundo rapidamente e quase tocou o próprio pescoço com o alívio do aperto, mas manteve-se firme, encarando aquele maluco, que dava passos para trás.
– Não apareça na minha frente de novo. – Naoya ameaçou, logo se virando e voltando para o interior da propriedade, deixando o mais novo sozinho.
Megumi não queria ficar mais um minuto naquele lugar. Sentia que estava piorando gradativamente e não queria desabar onde estava. Ainda buscando se manter firme, chegou de alguma forma até o carro e entrou, dando uma olhada rápida no retrovisor apenas para conferir que não havia ficado marca alguma em seu pescoço. Depois, com as mãos trêmulas, girou a chave, saindo rapidamente dali.
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