#RenegadesJKJM
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CAPÍTULO SEIS
[ Seul, 1 de abril, 2020 ]
O céu estava nublado quando saiu da clínica, aviso o suficiente para ele não esperar muito antes de correr para o carro e ir embora.
Agora, enquanto Jungkook simplesmente permanece sentado com o motor desligado, a chuva desaba forte sobre o teto do veículo, o som da água no metal uma distração bem-vinda do zumbido em seus próprios ouvidos.
Vamos esperar e ver no que dá, Woo havia dito a ele.
Ela pareceu um pouco alarmada quando Jungkook lhe disse que teve outro sonho não tão inofensivo, mas quando lhe mostrou a marca vermelha em sua barriga — ou o que deveria ser o resquício de uma marca, mas não era — ela pareceu se acalmar. A pele não estava mais lesionada.
Uma recaída, é o que ela disse. Você está sob muito estresse, e esse pode ser o seu mecanismo para lidar com a pressão.
Ouvir suas palavras tranquilizadoras o ajudou a desacelerar a mente errante e se desapegar de seu medo — quase que completamente. Se sua médica de anos estava dizendo que não era nada demais, ele acreditaria nela. Ao mínimo, tentaria.
Ainda assim, Jungkook se mantém sentado em seu carro por longos minutos, estacionado do outro lado da rua do estúdio. Hoje, havia conseguido almoçar antes de sua consulta, então apenas aproveita os minutos de paz que tem antes de embarcar em mais algumas longas horas de trabalho.
Dançar e se exercitar sempre foram duas das coisas em que Jungkook podia confiar plenamente para aliviar qualquer estresse que estivesse sentindo; a razão pela qual começou a se interessar por esses hobbies em primeiro lugar era para que pudesse ganhar controle total de seu corpo.
A questão é que, durante a pior fase de seus terrores noturnos, quando mais jovem, Jungkook acordava contundido e acometido de dores súbitas.
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A princípio, eram arranhões leves que desapareciam antes mesmo de ele acordar. Com o tempo, eles começaram a perdurar por algumas horas após fazê-lo. Eventualmente, os arranhões se transformaram em feridas mais profundas que levavam dias para cicatrizar completamente.
Algumas das cicatrizes carrega até hoje.
No ápice de seus infortúnios, Jungkook gritava a plenos pulmões enquanto dormia. Sua mãe tinha que amarrar luvas de forno em suas mãos para que ele não se machucasse e, em situações excepcionais, teve que ser amarrado à cama ou dormir em um quarto contendo nada além de um colchão, dado que qualquer objeto poderia ser uma potencial ameaça à sua segurança.
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Jungkook não precisa de outros inimigos além de sua mente fodida.
A ideia de que pode estar perdendo o controle de si mesmo novamente é mais assustadora do que era antes. Embora esteja mais velho e seja mais capaz de racionalizar suas fobias, o fato de estas ainda persistirem depois de tanto tempo — quando ele achava estar bem — o faz querer saber se está condenado para sempre.
Com isso em mente, Jungkook torce a chave na ignição para removê-la completamente, pegando a jaqueta no banco do passageiro e usando-a como um guarda-chuva conforme atravessa a rua.
Eunji o cumprimenta com um sorriso cinicamente doce antes de empurrar uma garrafa contra seu peito — uma repreensão silenciosa por seu terrível hábito de esquecer as coisas no meio da sala.
— Obrigado, Ji. Te amo.
— Sai da minha frente, pirralho.
Ele lhe sopra um beijo ao ar e então segue sem mais delongas em direção ao corredor.
Pelo resto do dia, Jungkook não deixa a sala de dança, com a exceção de alguns intervalos para ir ao banheiro. Também não cruza com Hoseok, pressupondo que o amigo provavelmente está sob tanta pressão quanto Jungkook, e não pode se dar ao luxo de vir incomodá-lo em intervalos recorrentes.
Quando a noite chega, enfim, e ele se vê livre das obrigações, seu corpo está quente além do normal — um prelúdio das prováveis dores que virão amanhã, depois de tanto ter se esforçado para tentar acompanhar o ritmo de seus pensamentos.
É uma dor que suportará com dignidade, no entanto; uma que escolheu infligir a si mesmo e que reflete um progresso, não o oposto.
Ao chegar em casa, o que ainda resta das endorfinas em seu sistema o mantém em uma adrenalina favorável. É exatamente o que ele precisa, ainda que saiba não dever confiar seu bem-estar apenas ao esgotamento físico.
Quem sabe ele não possa quebrar sua rotina de outras maneiras produtivas.
O pensamento é o único que o entretém enquanto toma banho, considerando todas as possíveis rotas de fuga que já não tenha utilizado antes. É por isso que, quando ele finalmente desliga o registro da água, tem certeza do que fazer.
Ainda com a toalha enrolada na cintura, Jungkook caminha até seu celular e o navega até encontrar o número de telefone que acabou salvando, apesar de querer desesperadamente provar para Hoseok que nunca o usaria. Jungkook deixa sua teimosia de lado, desta vez.
Antes que possa mudar de ideia, digita:
Você
Taehyung?
É o Jungkook
[7:09pm]
Enviado. A partir de então, voltar atrás não mais é uma possibilidade.
Por outro lado, ignorar suas notificações ainda é uma saída, e assim Jungkook o faz, deixando o celular com a tela virada para baixo sobre sua mesa de cabeceira conforme prepara a janta.
Ao fazê-lo, não se apressa, saboreando o macarrão instantâneo à medida que assiste ao noticiário. Ele permanece deitado no sofá por ao menos meia hora, sem de fato prestar atenção à TV — simplesmente acomodado sobre o estofado.
Logo ao retornar para o quarto, escuta o telefone vibrar.
Taehyung
por essa eu não esperava
oi!
te encantei fácil assim, foi?
[8:17pm]
Você
é... não
só insistiram muito pra eu te chamar pra sair
ameaçaram, na verdade
[8:22pm]
Taehyung
ele se acha engraçadinho por mensagem!
quer dizer então que tá me chamando pra sair?
[8:25pm]
Jungkook para um momento para considerar sua resposta.
Em teoria, sim, está prestes a chamar Taehyung para sair. Na realidade, o convite não tem nenhuma das conotações que o outro provavelmente acha que tem.
A verdade é que Taehyung é alguém de aparente fácil convivência — não parecia ter se importado com o constrangimento inicial de Jungkook, tampouco o conhece o suficiente para entender todas as maneiras em que seu comportamento está arredio.
Você
sim?
a gente pode ir em alguma lanchonete esse fds?
[8:27pm]
Taehyung
foi mal, meu fim de semana já tá cheio
mas podemos almoçar na sexta?
[8:28pm]
•••
Eles se encontram em um restaurante sobre o qual Taehyung havia lhe falado por mensagem.
O local fica a meros quinze minutos de carro do seu campus e Jungkook não tem muita dificuldade em chegar ao ponto de encontro; ainda assim, perde alguns minutos dirigindo em torno do quarteirão, tentando encontrar uma vaga para estacionar.
Acaba tendo que fazê-lo duas ruas abaixo e, quando finalmente cessa seus passos em frente à porta do restaurante, Taehyung já está encostado à parede, esperando por ele.
— Oi, lindo.
Não tão surpreso quanto na primeira vez, Jungkook apenas ri.
— Oi, hyung. Desculpa a demora, foi difícil achar uma vaga.
— Tudo bem. Vamos?
Eles o fazem. No caminho até mesa, não conversam; Jungkook apenas segue atrás de Taehyung, que caminha confiante até o fundo do restaurante, chegando a uma mesa próxima à janela ao canto do cômodo. Pela familiaridade com que o navega, Jungkook imagina que Taehyung venha aqui com frequência.
Assim que se sentam, o mais velho se manifesta:
— Foi mal fazer você vir até aqui. É o restaurante mais perto da escola, me dá uns minutinhos a mais de almoço.
Jungkook franze o cenho.
— Escola?
Tae apenas sorri.
— Sou professor de artes em uma escola aqui pertinho.
— Crianças? — Jungkook pergunta, ajustando-se sobre a assento em frente a Taehyung, que apenas murmura em acordo conforme o garçom lhes entrega os cardápios. — Que fofo.
— Eu diria que é caótico. Mas eu amo.
Sua declaração é tão franca quanto o homem o é. Quando Jimin disse a Jungkook que Tae era do tipo que curte arte, ele não o interpretou tão literalmente quanto deveria; a mais nova descoberta, no entanto, contribui para a gradual descontração — uma linha de conversa confortável.
— Isso diz muito sobre o tipo de pessoa que você é — Jungkook admite com um sorriso.
Taehyung apenas ri, usando o menu para esconder seu rosto.
— Diz, é?
Ele mira a Jungkook por sobre as páginas com os olhos divertidos por alguns segundos. Então, deixa sua atenção vagar pelo cardápio à sua frente; Jungkook aceita a deixa e faz o mesmo, perdendo-se nas opções e completamente pego de surpresa quando Taehyung alça a voz novamente.
— Então. Qual é o verdadeiro motivo de você ter me chamado pra sair?
Tentando ganhar algum tempo para formular uma resposta, Jungkook lentamente desvia os olhos das palavras diante de si para encarar Taehyung como quem não quer nada.
— Hm?
— Uns dias atrás eu me lembro de ter levado um fora sem nem ter tentado nada. — Jungkook sente o rosto esquentar. — O que mudou? — Apesar do tópico, Taehyung mais soa brincalhão do que ofendido.
— Quem disse que algo mudou? — desafia.
Com um murmúrio tão descontraído quanto sua postura, o mais velho não o olha ao dizer:
— Acho que você tem amigos mais próximos pra chamar pra um almoço casual, Jeon.
Jungkook suspira, resignado.
— Touché. — Ele abaixa o cardápio, já sabendo o que vai pedir. — Eu tô meio fora de mim ultimamente. Tô tentando quebrar a rotina e já vejo o rosto do Hoseok o suficiente.
Taehyung ri.
— Por que eu?
— Você era o único meio-estranho de quem eu tinha o número.
— Ai. — Ele leva uma mão ao coração.
— Nada pessoal.
— Imaginei.
Sua atenção se extravia quando o garçom se aproxima novamente, anotando seus pedidos. No interim que lhes aguarda até a chegada da comida, a conversa se volta para Taehyung e sua opção por lecionar crianças.
Quando entrou na universidade, admite, a ideia era apenas se especializar em fotografia. Em um perspicaz revés do destino, no entanto, se viu em uma instituição de caridade que ajudava crianças de lares instáveis por meio da arte. O colega que de fato tinha firmado compromisso não pôde ir e Taehyung se ofereceu para substitui-lo.
— Algumas experiências na vida simplesmente te transformam — diz, dando de ombros.
Jungkook o entende. Às vezes, dar de cara com a realidade pode ser um enorme balde de água gelada no rosto.
— Eu não acho que consigo mudar muito, fazendo o que faço — continua Taehyung. À essa altura da conversa, já está mastigando seu tteokbokki. — É ambicioso demais querer ter um impacto permanente na vida de alguém. Eu só quero que as crianças aproveitem as aulas e torço pra que não saiam pintando a escola inteira. Às vezes acontece.
Jungkook está sorrindo sem nem perceber.
— Ótima motivação
Tae estala a língua.
— Meh. Eu gosto do que faço e as crianças não parecem me odiar. — Ele sorri, terno, provavelmente com a imagem de seus alunos em mente. — E você? Como começou a dançar?
A resposta completa certamente não é algo para todos os ouvidos, muito menos para os de alguém que Jungkook apenas agora está conhecendo melhor. Ela opta pela versão resumida.
— É uma habilidade que sempre admirei. Na verdade, também considerei cursar artes visuais por um tempo, mas acabei indo pra dança.
A confissão parece instigar o interesse de Taehyung, que ergue uma sobrancelha.
— Sério? Qual área? — Evasão bem-sucedida.
— Cinematografia.
— Que legal. Mas, pra ser sincero, você é o tipo de cara que eu imagino na frente de uma câmera, não atrás de uma — Taehyung assume sem nenhum esforço, boca avolumada de um lado enquanto fala. Jungkook cora singelamente, entretido demais pela imagem do mais velho para assimilar completamente suas palavras.
— Obrigado, eu acho?
— Foi um elogio — confirma com um breve anuir. — Com que tipo de filme você mais gostaria de trabalhar?
Jungkook está prestes a responder quando o telefone de Taehyung começa a vibrar sobre a mesa. Ele levanta um dedo para Jungkook como se dizendo ‘um minuto’, reavendo o aparelho enquanto termina de mastigar.
— Oi! Tá tudo bem?
Não há muito o que Jungkook possa fazer, então aproveita a oportunidade para colocar na boca o que ainda se encontra, quase intocado, em seu próprio prato.
À sua frente, não se sucede uma conversa propriamente dita — Taehyung apenas murmura aqui e ali, se dedicando mais a ouvir do que a falar. Em algum momento, ele destina a Jungkook um olhar diferente, algo semelhante a... interesse? Talvez algo a mais. Jungkook não consegue dizer.
— Cê pode passar lá em casa hoje à noite, se der? — Uma pausa. — Na verdade, eu não tô na escola, tô almoçando com o Jungkook.
Eles seguem com o diálogo predominantemente unilateral por mais um ou dois minutos, intervalo durante o qual Jungkook se força a desacelerar o ritmo para não deixar Taehyung comendo sozinho, quando desligar.
— Foi mal — Taehyung diz, encerrando a chamada e destinando toda a sua atenção a Jungkook novamente. — Era o Jimin. O que você tava dizendo?
À essa altura, Jungkook sequer se lembra sobre o que conversavam. Ele dá de ombros.
— Não faço ideia,. — Então, porque é curioso demais para o seu próprio bem, pergunta: — Era urgente? Tudo bem se você precisar ir.
Taehyung lança um olhar divertido para ele.
— Que falta de educação da sua parte tentar se livrar de mim. — Já estando um tanto acostumado ao jeito de Taehyung, sabe que não há dureza em suas palavras. — Mas, sério, nada que não possa esperar. Jimin só precisa da minha ajuda com uma coisa.
Na falta do que dizer ou fazer, Jungkook assente.
Há uma trégua na conversa por um tempo; Taehyung se concentra em terminar sua refeição.
— O gato comeu sua língua, lindo?
Jungkook sorri.
— Tava te deixando comer em paz.
— Eu consigo ouvir enquanto como — brinca. — Pra onde você vai depois do almoço?
— Pro estúdio. Tenho que falar com o Hoseok hyung sobre uns equipamentos pra um dos nossos projetos. — Ele suspira, apenas agora se lembrando da obrigação. O coreógrafo principal confiara a eles a tarefa de promover o grupo de dança nas redes sociais e Jungkook não sabe por onde começar.
— Cê não parece muito animado com isso — Taehyung nota.
— É, bem. Não dá pra gostar de todas as partes do trabalho, né?
O outro concorda com um breve aceno de cabeça, abandonando seus jeotgarak ao lado do prato.
— Pronto, terminei. Eu falaria pra gente pedir a sobremesa, mas, infelizmente, acho que não tenho tempo, então. Como você conheceu o Hobi?
Jungkook apenas ri da rápida mudança de tópico, não se incomodando com a abrupta ruptura.
— Quando eu era calouro na faculdade. Ele era um veterano bem entusiasmado e incrivelmente útil. Um dia nos colocaram como parceiros em um trabalho e eu nunca mais saí do lado dele. Mas não fala pra ele que eu disse isso.
— Não vou — Taehyung promete com um sorriso satisfeito no rosto.
— Obrigado. — Jungkook toma um gole de seu refrigerante. — Como você conheceu ele?
Tae se reclina na cadeira, mantendo as mãos na mesa.
— Por causa do Jimin. As famílias deles se conhecem e, às vezes, ele aparecia pra brincar com a gente na casa do Jimin. Mas não éramos muito próximos até nos mudarmos para Seul.
— Ah, vocês se conhecem desde crianças?
Taehyung murmura uma concordância distraída, se perdendo em seus pensamentos ao que seus dedos se ocupam com o guardanapo e começam a dobrá-lo.
— Sim. Jimin foi o irmão que eu nunca tive e a família dele acabou virou minha família também.
— Filho único? — Jungkook ousa perguntar e como resposta recebe apenas uma anuir. — Um saco, né? Eu queria ainda ter contato com meus amigos de infância, mas a maioria deles ainda tá na minha cidade natal.
Jungkook sabe que a conversa chegou ao fim quando Taehyung ajeita sua postura no assento, olhando para ele com um pedido de desculpas nos olhos.
— Por mais agradável que esteja a conversa, acho que tenho que ir. Meus filhos me esperam.
A risada mútua que se segue é natural. Seu horário de almoço também está quase terminando, então Jungkook se levanta e espera até que Taehyung faça o mesmo para caminharem juntos até o balcão.
Não há nenhum debate sobre quem pagará a conta; Jungkook considera oferecer, já que foi ele quem fez o convite, afinal, mas quando vê Taehyung já com a carteira em mãos, não se dá ao trabalho. Também retirando a sua do bolso, cada um deles paga sua parte e saem do restaurante.
— Obrigado por aceitar almoçar comigo — agradece em tom de finalidade, sem saber exatamente o que fazer em despedidas prolongadas.
— Obrigado por me convidar — o outro responde, leve como sempre. — A gente devia repetir, sem restrição de tempo, dessa vez.
Jungkook assente. Apesar da falta de jeito — de sua parte, pelo menos —, a companhia por si só é agradável. Ele gosta de Taehyung.
— Com certeza. Eu vou indo, então. — Ele se vira parcialmente para começar a andar até o carro, mas após alguma consideração, para no meio do caminho. — Na verdade, você precisa de uma carona?
— A escola é literalmente virando a esquina, Jungkook, mas obrigado. Vou deixar pra outra hora.
— Ok. Então... Até mais?
Taehyung sorri.
Quando ele entra no carro novamente, seus pensamentos não mais estão por toda a parte, seu peito não está tão pesado e o mundo não mais parece que vai o engolir por inteiro.
O ar não mais lhe falta.
❝ ❞
[ Seul, 24 de abril, 2020 ]
O escritório está quieto (efeito das horas tardias) e, sua mesa, finalmente limpa — mas não sua consciência.
Nas últimas semanas, Jimin trabalhou incansavelmente para resolver todas as suas prioridades — se debruçou sobre incontáveis horas extras para que pudesse finalmente concentrar seus esforços no único problema que não lhe permitia pregar o olho durante a noite.
Yoo Chunhei.
Não é como se não houvesse uma pluralidade de irregularidades em outros casos, mas esse... Esse o pegou de jeito. O fazia levantar no meio da noite apenas para ver as fotos em seu arquivo mais uma vez, fitar a foto da filha anexada a todas as declarações.
Isso o destruía. O destrói.
E é por tal motivo que decidiu que iria até o endereço indicado e tentaria conversar com a mulher, encontrar uma maneira de ajudar. Já tem algumas ideias em mente, chegou inclusive a conversar com Tae há algumas semanas, mas Jimin precisa de consentimento e cooperação.
É sexta-feira à noite, provavelmente não o melhor momento para visitar alguém de forma inesperada, mas sua consciência o está comendo vivo e ainda não são nem oito horas. Talvez não seja tão inconveniente. Ou assim ele espera.
Buscando aproveitar-se do horário ainda aceitável, ele liga para Wonho.
— Amor? Oi!
— Ei.
— Escuta, cê acha que consegue me buscar hoje? Preciso de uma carona até a casa daquela mulher que te falei, e depois podemos ir pra ca—
— Desculpa, Ji. Não dá — Wonho o interrompe, sua voz cansada, mas em tom de desculpas. — Eu ainda tô preso na reunião de professores e tava pensando em nem ir pra sua casa depois. Não quero te acordar.
Jimin imediatamente franze o cenho, alheio à lógica.
— Quanto tempo você planeja ficar nessa reunião?
— Deve levar mais uma hora. Mas preciso deixar minhas coisas em casa, tomar um banho e comer antes de ir pra sua. E eu sei que você vai apagar quando deitar, então não quero—
— Isso tudo você pode fazer na minha casa, como sempre faz?
— Bebê. — Sua voz é apelativa. Jimin não cede. — Eu posso te levar amanhã, se você quiser.
— Quer saber, deixa pra lá. — Jimin leva os dedos até o nariz, apertando-o entre os olhos para aliviar parte de sua frustração. — Faz suas coisas, vai lá pra casa quando tiver afim.
Ele encerra a chamada sem esperar por uma resposta.
A questão é: ele entende o cansaço constante de Wonho. Essa turma em particular tem o afetado física e emocionalmente há algum tempo. Wonho não lida bem com o fato de ser ‘o professor odiado’ e também não consegue suportar o peso de guardar rancor de outras pessoas, especialmente se forem adolescentes.
Ademais, quanto mais se aproxima esta época do ano, mais os dois começam a se atarefar para além de suas capacidades — impetuosamente tentando assumir controle da situação. E está tudo bem.
Ainda assim, Wonho está cada vez mais distante. Eles se viram, talvez, três vezes este mês e em nenhuma dessas ocasiões dormiram juntos. No sentido mais literal da palavra. O sexo em si é um conceito totalmente à parte que está se tornando incógnito a Jimin.
As questões que atormentam sua mente, tentando descobrir o porquê desse estranhamento mútuo, não duram mais de um segundo; ele não as permite. Se Jimin ceder a essa espiral, as coisas certamente começarão a desandar e ele já cansou das brigas, términos e reconciliações por motivos frívolos.
Respirando fundo, ele liga para sua segunda opção, sem muita certeza se deveria o estar fazendo. A voz em sua cabeça, entretanto, não o deixará em paz até que converse com Chunhei, então ele não se deixa abalar pela súbita decisão.
— Jimin?
— Oi, hyung. Desculpa ligar do nada.
— Tá tudo bem. O que você quer?
— Por que você acha que eu quero alguma coisa?
Hoseok ri do outro lado da ligação. Há uma conversa ecoando ao fundo.
— Você nunca me liga nas sextas à noite.
Jimin suspira.
— Só tô pegando meu favor de volta — admite, virando em sua cadeira e olhando para a tela preta do seu computador. — Cê ainda tá no estúdio?
— Tô, por quê?
— O Jungkook tá aí?
Esta pergunta Hoseok não responde imediatamente. Na pausa que se segue, a conversa em segundo plano gradualmente desaparece, provavelmente porque Hoseok se afasta de sua matriz.
— Tá. Por quê?
— Você pode, por favor, ver com ele se ele pode me dar uma carona pra um lugar? Não conheço o bairro e não queria ir à pé à noite. É bem rápido e ele pode me deixar no metrô depois.
Outra pausa, então:
— Vou perguntar. Só um segundo.
Antes que seu amigo possa afastar o telefone do ouvido, Jimin o chama.
— Hoseok?
— Pois não?
— Você vem comigo.
— O quê? Por quê?
— Porque eu tô dizendo. Já é estranho o suficiente eu ter pedido uma carona pro seu amigo, não vou sozinho.
O mais velho ri novamente, desta vez mais alto.
— Primeiro, ele é nosso amigo agora. Segundo, eu tenho uma vida, um namorado me esperando em casa, uma cama me chamando.
Jimin apenas dá de ombros, mesmo que o gesto não transcenda a ligação. Seu tom o compensa.
— Problema seu. Você me deve uma.
— Tá bom — ele resmunga. — Deixa eu perguntar.
Nesse meio tempo, sentado em absoluto silêncio, Jimin continua girando em sua cadeira. Ele não é o único no escritório — há pessoas aqui que ainda estarão no edifício quando der onze horas —, mas, diferente de Jimin, todas elas têm suas próprias salas.
Jimin espera não estar se impondo demais à boa vontade de Jungkook; por mais que tenham se familiarizado ainda mais agora que ele começou a sair com o grupo aos domingos, Jimin ainda não pode dizer que são amigos íntimos. Certamente não próximos o suficiente para estar pedindo favores.
— Ele disse que ok. — Hoseok retorna, arrancando-o de seus pensamentos. — Mas temos que terminar um negócio aqui. Cê pode esperar um pouco?
Jimin pega sua pasta e terno, jogados sobre a cadeira.
— Certo, tô indo pra aí. Devo chegar em uns vinte minutos.
— Não precisa—
— Até daqui a pouco, hyung.
•••
— É a segunda vez que você aparece aqui usando um terno. As pessoas vão começar a achar que você é um visitante frequente — Jungkook brinca assim que Jimin para na porta da sala.
Hoseok está sentado no chão, encostado contra o espelho. Ele parece pronto para ir, mas a aparência de Jungkook ainda é ligeiramente caótica. O mais novo mal olha para o mais recente visitante quando chega, apenas fazendo seu comentário e voltando ao que quer que seja que prende sua atenção dentro da bolsa.
— O que o terno tem a ver com isso?
— É memorável, Jimin. Você deixa uma impressão e tanto. — Jimin apenas revira os olhos. — Só deixa eu me trocar e a gente já vai.
— Obrigado.
Quando o homem passa por si, ainda há suor adornando sua testa e pescoço, as mangas da camiseta dobradas em uma regata improvisada. Jimin pode ser um homem comprometido, mas não é cego.
— Viu? Você ficaria de boa indo sozinho com ele.
Sua atenção rapidamente se volta para Hoseok, que o fita com um sorriso satisfeito. Não há malícia por trás do gesto, apenas contentamento.
— Será que dá pra você não reclamar de uma carona grátis?
— Não é você que tá me dando carona. Você é quem tá me impedindo de ir para casa.
Jimin sabe que a reclamação é meramente provocativa, então se aproxima de Hoseok — não se dando ao trabalho de sentar, sabendo que logo estarão de partida. Em vez disso, apenas bagunça o cabelo do mais velho.
— Agradeça que seu namorado tá em casa pra te chamegar. O meu escolheu o trabalho ao invés de mim.
Mesmo que a declaração seja leve e despretensiosa, Hoseok olha para Jimin, removendo a mão que permaneceu entre seus cabelos. Ele o conhece muito bem.
— Wonho não vai pra sua casa hoje?
— Não. Reunião de professores. Disse que tá cansado demais pra dirigir.
Jimin pode ver que Hoseok está prestes a lhe dar uma resposta que não quer ouvir — motivo pelo qual ele evita falar sobre o namorado perto de seus amigos —, mas, felizmente, Jungkook aparece antes que possa fazê-lo. A camiseta que usava foi substituída por outra praticamente igual, senão pela ausência de umidade.
Sua mão se desvencilha completamente da cabeça do amigo, usando-a para ajustar a alça da pasta sobre o ombro conforme se move em direção à porta. Hoseok está logo atrás de si e Jungkook é o último a sair, retirando a mochila do chão e apagando as luzes.
Ao chegar na rua, Jimin permanece parado em frente ao estúdio, esperando Jungkook guiar o caminho até o carro — do outro lado da rua, escondido por um trecho de sombra criado entre dois postes de luz. Assim que Jungkook o destranca, Jimin se autodesigna o assento traseiro, deixando o banco do passageiro livre para Hoseok.
— Cê pode me passar o endereço? — o mais novo pergunta a Jimin ao colocar o cinto de segurança, voltando-se para trás para encará-lo enquanto o faz.
Jimin assente.
— Posso colocar no seu telefone?
— Claro. — Jungkook tira o celular do bolso e o entrega a Jimin sem hesitar. — Aqui.
— Obrigado. — Jimin, vasculha rapidamente os aplicativos até encontrar o Google Maps. — Pela carona também, a propósito. Foi mal por atrapalhar sua noite de descanso.
Jungkook apenas faz um gesto com a mão.
— Nem esquenta. Na real, eu não tinha nada de urgente pra fazer fora assistir Hora de Aventura, mesmo.
Ao passo que Jimin ri, ainda correndo os dedos pela tela de Jungkook, Hoseok permanece em silêncio. Quando se vira para olhá-lo, entende o porquê: Hoseok está perdido em seu próprio telefone, atenção completamente capturada pelo contato visível em sua tela — ninguém menos que seu namorado.
Sem socializações durante o percurso, então.
— Não acredito que você assiste — comenta em baixo tom, sem a necessidade de alçar a voz no silêncio do veículo. Ele devolve o telefone a Jungkook. — Pronto. Espero que não seja muito longe. Também salvei meu número.
— Ah.
— Pra quando você precisar que eu pague de volta o favor — Jimin esclarece.
Dessa vez, é Jungkook que ri, girando a chave na ignição e lentamente se afastando do meio-fio.
Após Hoseok finalmente guardar seu aparelho, ele volta sua atenção para o rádio, vendo nenhuma necessidade em pedir permissão para ligá-lo e mudar a música para algo que lhe agrade — uma banda indie que Jimin reconhece especificamente porque Hoseok já ouviu incontáveis vezes.
— Pra onde estamos indo, Jiminnie? — Hoseok pergunta, embora não esteja olhando para ele. Seus olhos estão fechados.
— Na casa de uma cliente. Tem uns problemas no caso dela que eu preciso resolver, mas não posso fazer isso sem consultar ela primeiro.
Hoseok abre um dos olhos, virando o rosto apenas o suficiente para mirar Jimin de soslaio.
— Cê tem mesmo que ir na casa dela em plena sexta à noite pra isso?
Jimin morde o lábio. Não, ele não precisa. Na verdade, ele não deveria. Se seu chefe descobrir que ele está interferindo em um caso sem a permissão direta dele... Bem. Poderia lhe custar o emprego.
Ele busca se ater à esperança de que talvez, apenas talvez, se conseguir fazer disso uma vitória certa para o escritório, mostraria o quão comprometido é. Por outro lado, sua atitude talvez o retrate como alguém não confiável.
Teria que esperar para ver.
— É bem urgente, na verdade. — Não é uma mentira. Também não é uma verdade completa. — Mas vou ser rápido. Vocês não vão ter que esperar muito, juro.
Jungkook murmura do banco da frente, focado na rua.
— A noite é jovem e tal.
Hoseok apenas estala sua língua em desaprovação.
— Mas eu não sou.
— É, suas reclamações são de velho, mesmo.
Pelo comentário, Jimin recebe um beliscão (aperfeiçoado ao longo dos anos) logo acima do joelho.
O resto do percurso é tudo menos silencioso. Hoseok decide ceder totalmente à conversa e, no fundir de um tópico com outro, confessa estar considerando ir morar com Yoongi. Jimin sabe o quão inseguro Hoseok era no início do namoro, temendo ser o único sentindo demais, se entregando rápido demais.
Três anos mais tarde, aqui está Yoongi, sugerindo a mudança.
Jungkook parece tão contente quanto Jimin se sente, um sorriso tomando conta de seu rosto e a boa parte do espelho retrovisor, por onde o consegue ver.
— Com qual apartamento vocês vão ficar? Hyung, cê não vai me expulsar, né?
Confuso, Jimin pergunta:
— Cê mora com ele?
Hoseok balança a cabeça.
— Não oficialmente, mas às vezes parece que sim. Jungkook é como um gato de rua, continua entrando e saindo quando quer. Provavelmente só vai parar com isso quando chegar e der de cara com o Yoongi de mau humor.
A observação não tem efeitos negativos em Jungkook.
— Vão ficar com o seu, então? Boa.
— Deixa o Yoongi ouvir isso.
— Ele sabe que o apê dele deixa a desejar.
— Olha quem fala. — Hoseok exala, um sorriso em seu próprio rosto.
— Tem um motivo pelo qual eu fico na sua casa o tempo todo, hyung. O que que eu posso fazer. — Jungkook dá de ombros.
A conversa segue sem rumo por algum tempo; os dois no banco da frente trocam piadas nas quais Jimin não interfere, embora às vezes se insira na interlocução. A verdade é que, quanto mais perto chegam de seu destino — que Jimin acompanha através da seta no telefone de Jungkook —, mais ele sente que está cometendo um erro. Meramente um capricho que não o levará a lugar algum.
No entanto, agora não há como voltar atrás. Não quando Jungkook começa a desacelerar o carro, dirigindo com cuidado por uma rua conforme tentam identificar o número correto da casa.
A rua é estreita e bem iluminada, ainda que vazia, e a casa que procuram fica no meio do quarteirão. Ela combina com o bairro, espremida entre duas casas não muito maiores de cada lado, um andar acima do solo.
— Acho que é essa — Jungkook afirma o óbvio.
— É — Jimin concorda, relutante em deixar o veículo. Eventualmente, antes que possam lhe fazer mais perguntas, ele dá um tapinha nas coxas. — Certo. Vou tentar ser rápido.
Jungkook retira o cinto de segurança e torce o torso para estalar as costas antes de se ajeitar e olhar para Jimin através do espelho. Seus olhos são gentis.
— Sério, não se preocupa. Ninguém tá com pressa.
Jimin quase ri da careta que Hoseok faz e da rapidez com a qual esta desaparece quando encontra a expressão desafiadora de Jungkook.
Sem perder mais tempo buscando desculpas para não sair, Jimin vai diretamente de encontro à porta. Há três pequenos degraus até a entrada e, à medida que sobe, torce para não ser expulso antes que possa dizer o que veio para dizer.
A sensação é de que eras se passam antes que alguém finalmente apareça, afastando as cortinas e lhe lançando um olhar através da janela.
— Olá? — Chunhei pergunta, abrindo apenas uma fresta da porta.
— Oi. Eu sou Park Jimin — se apresenta. Nem seu rosto, nem seu nome parecem ser familiares à mulher. — Eu trabalho na P.D. & Associados.”
A face da mulher se transforma com reconhecimento, mas suas feições não são acolhedoras. Jimin não esperava que fossem.
— Sihyuk enviou você aqui para alguma coisa? Eu não tenho nada—
— Na verdade, ele não sabe que estou aqui — Jimin admite, a mão dentro do bolso suando profusamente. — Posso falar com a senhora? Sinto que há mais que eu possa fazer pelo seu caso.
Yoo Chunhei expressa surpresa, dado o arqueamento sutil de sua sobrancelha.
— Ah, garoto, você vai perder esse emprego. Entre.
Sua casa é aconchegante e estranhamente silenciosa.
Ainda no aperto do corredor, pouco além da porta, pede a Jimin que fique em silêncio, uma vez que sua filha dorme no andar de cima. Ele apenas assente, removendo os sapatos e seguindo atrás da mulher conforme alcança a abertura que leva aos demais cômodos.
Se movendo pela cozinha, Chunhei faz perguntas frívolas. ‘Chá ou café?’. Quando Jimin opta por chá, ela lhe prepara uma xícara. As olheiras sob seus olhos são ainda mais evidentes sob a luz forte da cozinha e a visão da mulher com o cabelo totalmente solto e um roupão velho por cima do pijama apenas a torna ainda mais humana.
— Então, por que está aqui? — pergunta, entregando a bebida a Jimin e gesticulando para a sala de estar. Sra. Yoo se senta na poltrona mais próxima à cozinha e Jimin ocupa o sofá ao seu lado.
— Sei que não é da minha conta, mas não consegui parar de pensar no que a senhora disse no escritório e não acho justo que tenha que assinar um acordo que pouco te favorece. — Jimin vai direto ao ponto, colocando o chá sobre mesa de centro após beberica-lo e queimar a língua.
Chunhei suspira.
— Agradeço a preocupação, Jimin, mas não tem muito que eu possa fazer.
— E se tiver? — retruca, imaturamente confiante.
— Se tem alguma ideia, por favor, a compartilhe. Não vou me opor.
— A senhora é a única pessoa a quem seu ex-marido atacou?
Yoo Chunhei nega com um leve movimento de cabeça.
— Não. Minha mãe já testemunhou sua ira e ele já foi agressivo com minha irmã, embora nunca tenha chegado nem perto do que era quando estávamos sozinhos. Ainda assim, não mudaria nada. Elas são muito próximas a mim e o advogado dele se certificou de excluir o depoimento das duas.
Estressado, Jimin mal nota o balanço assíncrono de suas pernas.
— E nenhuma delas têm algum tipo de registro que ateste o comportamento dele?
— Não.
— Quando ele a atacou, seus vizinhos não ouviram nada?
— Jimin. — A mulher suspira, colocando seu próprio chá sobre a mesa e se inclinando em sua direção. Ela descansa uma mão reconfortante nos joelhos dele. — Agradeço a preocupação, mas tentei tudo o que pude. Meus vizinhos são do tipo que não querem se meter nos negócios de ninguém. Tentei falar com eles, mas eles não cedem. Toda a ajuda que eu poderia usar, eu usei, e ainda assim Sihyuk me arranjou um acordo.
Sua voz — surpreendentemente — é estável, de tal modo que parte o coração de Jimin. Ele odeia o que o controle de suas emoções em uma discussão como essa representa. De qualquer modo, as respostas às suas perguntas eram algo que Jimin já esperava.
Chunhei nunca lhe pareceu o tipo de mulher que desiste antes de esgotar todas as opções.
— E se conseguirmos registrar o comportamento instável dele?
A mulher se retrai como se tivesse sido queimada, seu toque desaparecendo em um instante.
— Não está sugerindo o que eu acho que está sugerindo, está?
Aí está. O ardor, o medo. Jimin é um idiota.
Não obstante, ele persiste.
— Eu não quero coloca-la em perigo, senhora Yoo. Mas se estivermos em um ambiente controlado, preparados...
— Não. — Seu tom é austero. — Não vou deixar esse homem chegar perto de mim novamente. Especialmente com minha filha em casa.
Desta vez, Jimin não insiste. Em silêncio, assente com a cabeça e termina seu chá.
— Certo. Obrigado por me receber — diz definitivamente, puxando um papel do bolso. — Este é o meu número, caso precise de alguma coisa. Vou tentar pensar em algo.
Chunhei nada diz, tampouco o segue até a porta. Jimin depreende a inferência sem mais delongas.
Ele não deveria ter vindo, afinal.
•••
A expressão de Jimin não deve ser a mais amigável quando retorna para o carro, porque ninguém ousa perguntar se está tudo bem. Em vez disso, Hoseok olha para ele e finge que não o fez — seguindo sua linha de conversa com Jungkook após uma breve interrupção.
Jungkook também parece ler bem a situação, lançando apenas um sorriso sucinto para Jimin e ligando o carro assim que a porta se fecha.
Por mais que Jimin insista para Jungkook deixá-los na estação de metrô mais próxima, o mais novo se recusa. Durante todo o percurso, Jimin se mantém distante das interações.
O prédio de Hoseok é o mais próximo e, com sua partida, Jimin assume o lugar vazio no banco do passageiro.
Estacionado próximo ao meio-fio ainda com o motor ligado, Jungkook mantém o carro em ponto morto até Hoseok entrar. Só então muda de marcha para e se afasta, um sorriso divertido tomando os lábios ao se aproximar do rádio e olhar inquisitivamente para Jimin.
— Cê se importa se eu desligar? — pergunta. — As músicas do Hoseok já me cansaram.
— Eu nem percebi que ainda estava tocando, pra ser sincero.
A gravata em torno do pescoço de Jimin de súbito começa a apertá-lo, então ele a afrouxa até que possa retirá-la pela cabeça — rolando-a em uma bola e a enfiando no bolso. Ele só quer dormir.
Talvez não tomar banho por uma noite não o mate.
— Dia exaustivo? — Jungkook indaga, mal olhando Jimin de sua visão periférica.
O mais velho descansa a cabeça contra a janela.
— Cê não faz ideia.
— A cliente que você foi ver não ajudou, imagino. — Quando Jimin não responde de imediato, Jungkook vira o rosto em sua direção, aparentando leve pânico. — Desculpa. Eu não devia estar me metendo.
Jimin apenas sorri, se é que a leve torção de seus lábios pode ser considerada um sorriso.
— Tá tudo bem, Jungkook. Cê não tá errado. Mas é mais o contrário; eu que não ajudei.
Jungkook assente, breve; seu bom senso o impede de perguntar ‘por quê?’. Jimin adoraria que outras pessoas em sua vida tivessem o mesmo grau de discernimento.
Com o cotovelo apoiado na janela, Jimin descansa o queixo sobre o punho fechado, virando-se para olhar para Jungkook. Entre as tantas coisas que gostaria de pôr para fora e aquelas as quais prefere evitar, escolhe mudar o tópico da conversa.
— Fiquei sabendo que foi almoçar com o Tae.
Sorrindo sem jeito e apertando os dedos em torno do volante, Jungkook anui.
— Ele tem ótimas histórias. Companhia fácil.
Jimin murmura em concordância, aos poucos perdendo noção do tempo e espaço ao embalar do carro. Quando se dá por si, já estão em sua rua.
— Certo, tá entregue — Jungkook brinca.
O menor se estica sobre o banco de trás, onde havia deixado sua pasta, e a pega.
— Obrigado pela carona, Jungkook-ah. Desculpa mesmo pelo inconveniente.
Desta vez, Jungkook é quem revira os olhos.
— Para de se desculpar. Se você não tivesse pedido uma carona, eu provavelmente ainda estaria dando uma volta pela cidade. Nem sempre vou direto para casa.
Em um tom de voz ligeiramente condescendente, Jimin provoca:
— Curte apreciar o luar e a brisa leve da noite, é? — Um de seus pés já se encontra no asfalto.
— Eu retiro o que disse. Nunca mais me peça uma carona. — Jimin pretende fazê-lo, mas, ainda assim, se diverte à imagem forjada de descrença que Jungkook encena. — Boa noite, Jimin.
— Boa noite, Gguk.
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