#RenegadesJKJM
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CAPÍTULO QUINZE
[ Seul, 7 de agosto, 2020 ]
Ele mal consegue ouvir seus pensamentos graças ao som da risada de Taehyung ao lado de sua orelha direita.
Sinceramente, não era algo tão engraçado assim, mas Tae já havia bebido alguns drinques – não mais do que três, com um percentual de álcool não tão alto –, apenas o suficiente para que ele pudesse culpar a bebida por sua natural extroversão.
“Não é aquele cara que também foi pego traindo a esposa?” Namjoon pergunta, se inclinando para alcançar o porta-guardanapos e pegar alguns para secar o que ele derramou do milk-shake dele e de Jihyo.
Jimin balança a cabeça. “Nah, esse era o Hajoon, Seojoon só queria muito usar a empresa pra não pagar a pensão.”
Todo o grupo decidiu sair para jantar depois de semanas apenas se reunindo uns na casa dos outros, principalmente porque Namjoon tinha acabado de terminar sua pesquisa de dois anos e queria comemorar o feito. Foi ele quem escolheu o restaurante, e enquanto eles esperam a chegada de Seokjin, Hoseok e Yoongi, Jimin os diverte com fofocas entediantes de escritório que eles parecem amar.
Jungkook chuta sua canela por baixo da mesa, sorrindo diabolicamente. “Você sabe bastante coisa sobre seus colegas de trabalho, né?”
Jimin apenas dá de ombros, trazendo o canudo aos lábios e tomando um gole de seu suco de laranja fresco. “Fui rebaixado a secretário de escritório pra não ser totalmente demitido, então às vezes tenho que encontrar umas distrações.”
O braço de Taehyung repousa sobre seus ombros, sua mão brincando com as costuras em relevo em sua jaqueta. “Cê sabia de todas as fofocas antes de ser rebaixado, bebê,” Taehyung aponta, sorrindo abertamente.
Às vezes Jimin tem vontade de arrancar a presunção daquele rosto angelical. “Tanto faz.”
Ao lado de Namjoon, Jihyo está descansando no braço de seu namorado, a maquiagem em seu rosto tentando disfarçar as olheiras escuras sob seus olhos e tendo êxito apenas parcialmente. Ela teve um turno na noite passada e parece não ter dormido muito bem.
Mesmo assim, ela aparenta estar completamente envolvida na conversa. Com certa preocupação em suas feições, ela olha para Jimin.
“Eles rebaixaram você tipo, mesmo, mesmo? Achei que você tava brincando.”
O mais velho dá de ombros novamente, tentando manter o rosto neutro. “Teoricamente, ainda sou só um estagiário, não posso ser rebaixado desse cargo. Mas no que diz respeito às tarefas de escritório, sim, definitivamente. Eles acham que eu só tive sorte, e que ir contra as regras e meus superiores não é o jeito certo de me tornar um bom advogado, então... ”
“Sinto muito, Minnie,” ela lamenta, e Jimin apenas dá de ombros novamente.
“Se você odeia tanto aquele lugar, por que não pede demissão? Eu sei que direito de família não é a área do seu pai, mas ele deve conhecer alguém pra quem você possa estagiar?” Namjoon é quem fala, sempre atento às menores emoções de Jimin.
É irritante às vezes.
Desta vez, porém, ele balança a cabeça e mantém a voz indiferente. “Só mais alguns meses até eu me formar e começar a enviar meu currículo de novo. Além do mais, já tive mudanças demais esse ano.”
A expressão preocupada no rosto de todos quando ele o diz não passa despercebida, mas para o seu próprio bem, ele finge não ver. Qualquer tópico acerca de Wonho tem sido um grande tabu, como esperado, mas às vezes parece que seus amigos estão mais sensíveis do que ele próprio.
Ele está bem.
Claro, às vezes ele acorda e por alguns segundos se esquece que agora está solteiro novamente; mais de uma vez ele checou seu telefone esperando ver uma mensagem de Wonho quando não havia nenhuma – sequer seria possível, Jimin bloqueou seu número.
Mas ele está bem. Ele está.
“Nem me fale,” Jungkook quebra o silêncio constrangedor, porque é claro que ele quebra, e oferece a Jimin um sorriso ao dizê-lo. “Mal posso esperar pra ficar no estúdio em tempo integral.”
O comentário leva a mesa inteira por uma outra tangente e, fácil assim, Jungkook se torna o centro de todas as atenções. Quando ele começa a reclamar sobre seu professor incrivelmente exigente, Jimin se desconecta – entre uma visita e outra, ele já tinha ouvido a história de Jungkook e pode recitar cada uma das demandas do professor de trás pra frente, se necessário.
Ele percebe que Tae está checando seu telefone com muito mais frequência do que o próprio Jimin, e quando vira os olhos para o lado para tentar ver o que quer que o tenha deixado tão interessado, ele é levemente empurrado de volta para seu lugar.
Taehyung apenas lhe lança um olhar ligeiramente repreensivo.
“Mexe essa bunda, eu preciso ir no banheiro,” seu melhor amigo pede, exageradamente demonstrando colocar o telefone de volta no bolso para que Jimin não possa bisbilhota-lo enquanto ele estiver fora.
Fazendo conforme o que lhe foi pedido, Jimin desliza para fora do banco e fica ao lado da mesa até Tae escorregar completamente para fora. Quando ele se senta novamente, a conversa entre Jungkook e Namjoon já se dissipou, o mais novo agora mastigando umas torradas de entrada e Namjoon falando baixinho contra o cabelo de Jihyo.
Jimin suspira. “Por que será que eu sinto que vou ter que me levantar umas cem vezes hoje?”
Jungkook oferece a ele um pequeno sorriso e dá de ombros. “Desvantagens de sentar na ponta.”
Ele responde a Jungkook com seu próprio sorriso e tenta ser rápido e sutil quando puxa seu próprio telefone para verificar suas notificações, encontrando-o exatamente como estava a cinco minutos atrás: sem novas mensagens. Ou qualquer mensagem. As pessoas com quem ele conversa com mais frequência estão sentadas ao seu redor, e a última atividade em seu grupo de família foi há dois dias, quando sua mãe enviou uma foto da gata da infância de Jimin, monopolizando a cama como ela sempre faz.
Mesmo assim, Jimin desliza a tela para cima e para baixo por motivo nenhum.
Até Jungkook arrancar o telefone de sua mão e deslizá-lo em sua direção, bloqueando a tela e mantendo o celular mais perto de seus braços do que dos de Jimin.
“Cê sabe que pode falar com as pessoas olhando pro rosto delas, né?” ele pergunta, uma sobrancelha erguida e uma expressão convencida, como se estivesse repreendendo Jimin por mais de um motivo. Ele capta a mensagem.
“Já esgotamos os tópicos e se esses três demorarem mais, Jihyo vai começar a babar.”
Ela não parecia estar ouvindo, mas à menção de seu nome, Jihyo mostra a Jimin o dedo do meio.
Namjoon ri, mas se apressa em puxar o pulso dela para baixo, não querendo que os idosos sentados na mesa atrás deles lhes direcionem mais olhares questionáveis. Eles já haviam o feito o suficiente quando Tae e Jimin entraram com a mão do mais novo no bolso de trás de Jimin.
“Jin disse que eles já estão a caminho,” Namjoon fala, mas seu rosto está franzido. Suas próximas palavras o justificam. “Aparentemente o Hoseok não queria vir.”
“Por quê?”
Jungkook se inclina um pouco para frente em seu assento para que seu rosto não esteja coberto pelo corpo de Namjoon, e Jihyo também o possa ver. “Ontem o Yoongi tava puto com ele porque ele esqueceu que ia sair com o irmão do Yoongi. Então ele dormiu lá em casa. Acho que eles ainda tão tentando se evitar.”
Jimin revira os olhos. “Eles podem engolir a briga pelo Namjoon por algumas horas.”
“Aposto que foi isso que o Yoongi falou.”
Taehyung volta do banheiro, então, e Jimin começa a se levantar para deixá-lo retomar seu assento, mas ao invés de voltar para onde estava, Tae dá a volta na mesa para se sentar ao lado de Jihyo.
Sozinho do outro lado do banco, Jimin se sente vagamente traído. Como se pudesse sentir, Tae volta o olhar para Jimin e dá de ombros sutilmente. “Vou manter essa daqui acordada.”
Jihyo se afasta de Namjoon e pisca preguiçosamente para a mais nova companhia à sua esquerda. “Deus, vocês são insuportáveis.”
“Quer que eu te faça companhia aí?” Jungkook oferece em um tom calmo e divertido.
Jimin ainda está olhando para Jihyo, mas ele revira os olhos para Jungkook antes de voltar o olhar para ele. “Sim, o um metro entre a gente tá me deixando tão solitário.”
Apesar de seu sarcasmo, Jungkook se levanta e gesticula para Jimin se afastar para que ele possa sentar-se na ponta. O celular de Jimin ainda está em sua mão, mas ele não faz nenhuma menção de devolvê-lo; em vez disso, mantém-no na mão esquerda, o mais longe possível do mais velho, dadas as circunstâncias.
“Perdi meu telefone permanentemente ou o quê?”
“Só por algumas horas. Você já olhou o suficiente pela noite inteira.”
“E se eu estiver esperando uma mensagem importante?”
Os olhos de Jungkook se tornam questionadores, mas não muito crentes. “E está?”
Claro que não. E sua falta de resposta é o suficiente para Jungkook se tranquilizar e permitir que um sorriso satisfeito – satisfeito até demais – assuma seus lábios.
Jimin está prestes a zomba-lo pelo quão contente ele parece estar com a ideia de ter toda a atenção de Jimin sobre si, mas é nesse momento que Yoongi, Hoseok e Jin finalmente chegam. É quase totalmente silencioso, os cumprimentos do casal em baixo tom e cansados, embora Yoongi disfarce melhor do que Hoseok.
Ele tem uma espécie de sorriso no rosto, ao contrário de seu namorado, mas mesmo assim não corresponde ao real sorriso no rosto de Jin.
Com a chegada dos três, Namjoon desliza até ocupar o assento anterior de Jungkook, Jihyo e Taehyung fazendo o mesmo, abrindo espaço para os outros se sentarem.
Não surpreendentemente, Jin se encaixa no estofado ao lado de Taehyung, e o sorriso satisfeito de seu melhor amigo é o suficiente para Jimin entender por que ele decidiu trocar de lugar em primeiro lugar. Filho da puta sorrateiro.
Eles trocam olhares rápidos e Tae não parece nem um pouco arrependido. Ao contrário, sua áurea é presunçosa, apontando com os olhos para a esquerda de Jimin e erguendo as sobrancelhas como se para provar um ponto. O que que tem o Jungkook?
Ele o ignora.
“Eu disse que eles estavam de mau humor,” Jungkook sussurra em seu ouvido, mas tão rápido quanto ele se aproxima, se afasta, oferecendo sua mão para cumprimentar Hoseok. “Oi, hyung.”
“Oi, Gguk-ah.”
“Finalmente as princesas chegaram, eu tava prestes a fazer vocês dois de janta,” Jimin brinca sem muita animosidade por trás de suas palavras. Todos eles encheram seus estômagos com as torradas grátis enquanto esperavam e, embora Jihyo esteja com sono, Jimin sabe que é apenas uma questão de tempo até que todos estejam altos e agitados por qualquer coisa.
Yoongi emite um som descrente. “Nos seus sonhos.”
A piada é o suficiente para aliviar um pouco o clima e, de qualquer forma, Jimin não é o único a tentar fazê-lo. Uma vez que todos estão sentados, Namjoon começa a distribuir os cardápios e, radiante, fala sobre seu projeto assim que Yoongi o pergunta sobre.
É um alívio que seus interesses se intercruzem tão bem, e mais de uma vez, Jimin se encontra completamente imerso na conversa, mesmo que não esteja necessariamente oferecendo qualquer contribuição a ela. Acontece com tanta frequência que seu cérebro se esquece completamente de seu celular, seu tique nervoso desaparecendo por completo.
Ele também aprecia o toque sutil de Jungkook de um lado e Hoseok do outro, a fisicalidade mantendo-o atento ao momento e totalmente confortável dentro do grupo – literalmente envolto nele.
Conforme a noite avança, a sensação só se intensifica; todos eles irão dormir na casa de Namjoon e Jihyo, a apenas alguns quarteirões do restaurante em que estão, e como ninguém precisa dirigir, eles não medem muito seu consumo de álcool. Também não exageram, já que hoje em dia muito raramente ele têm como objetivo a ressaca na manhã seguinte.
Jimin não sabe quando, ou como, mas antes mesmo da sobremesa chegar, ele está rindo com Jihyo a ponto de chorar, inclinando-se sobre a mesa para esconder o rosto entre as mãos, e depois se erguendo com um guardanapo entre os dedos, enxugando o canto dos olhos.
Há um braço estendido sobre as costas do assento, e aqueles dedos tocam seu ombro quando ele se inclina contra o encosto novamente.
É, ele está bem.
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[ Seul, 7 de agosto, 2020 ]
Há uma óbvia mudança.
Não na maneira como eles conversam, nem na maneira como agem entre si, muito menos na maneira como agem na presença de outras pessoas. Então, nesse sentido, não é óbvio.
Jungkook se acostumou com o fato de Jimin altamente apreciar o contato físico, com ele próprio ou com qualquer pessoa que seja próxima a Jimin, e assim que começou a acontecer com Jungkook, ele o interpretou como nada além do que realmente era – um sinal físico que eles haviam criado um vínculo.
Platonicamente.
Por mais que ele sempre tenha sido fraco pela a aparência e personalidade descontraída do mais velho, ele nunca confundiu sua simpatia com outra coisa senão gentileza genuína. Para atestar os gestos sem propósito, Taehyung já reclamou com Jungkook diversas vezes por ‘tentar roubar sua posição na vida de Jimin’, mesmo que ele nunca tenha de fato levado o apontamento a sério.
Mas, desde o mês passado, Jungkook tem estado avidamente ciente de cada vez que Jimin segura seu braço, ou se encosta em seu ombro, ou simplesmente roça seus dedos. Não lhe passa despercebido como suas próprias reações são exacerbadas, seja porque ele está com medo de que sua frequência cardíaca volte a acelerar e o faça desmaiar em público, ou simplesmente porque esse é o efeito que Jimin tem sobre ele, não importa.
Jimin também não cruzou a linha da amizade novamente desde aquela noite em seu apartamento, embora toda vez que ele chegue perto de uma bebida, Jungkook se deixe levar à loucura, se perguntando se ele o fará.
Fragilidade e desespero podem fazer as pessoas fazerem as coisas mais estúpidas, isso é certo, e foi obviamente o caso após o término de Jimin. Por uma semana inteira ele esteve visivelmente tenso, e mesmo agora, Jungkook pode ver que ele não se livrou totalmente do sentimento.
O menor ficava checando o telefone quase religiosamente, puxando suas cutículas, se perdendo no meio de qualquer conversa que exigisse menos atenção. Jungkook pode ver isso facilmente porque, primeiro, ele mesmo tem alguns hábitos ruins quando está angustiado e aprendeu a ser muito autoconsciente em relação a eles; e segundo, ele está mais e mais sintonizado com Jimin a cada dia que passa.
Então, sim, houve uma óbvia mudança – mas apenas para ele.
Hoje, Jimin está vestindo uns jeans pretos justos que fazem muito jus a suas pernas, e uma camisa simples de seda azul celeste com mangas compridas e um corte baixo que emoldura suas clavículas. Ele estava vestindo uma jaqueta preta com alguns padrões em relevo e toques esporádicos de azul, verde e roxo em certos pontos, mas agora está descartada ao lado de sua coxa.
Do lado de Hoseok, porque no de Jungkook, não há nada impedindo suas pernas de se tocarem.
Ele parece tão confortável, mas Jungkook está gradualmente perdendo o controle.
“–meu aniversário mês que vem.”
Jungkook não tem ideia do que se trata a conversa, mas ele só se sente um pouco culpado por ignorar Namjoon por um tempo. À menção de um aniversário, no entanto, ele se anima.
“Ah, o seu é mês que vem, também? Quando?”
Namjoon murmura em concordância, tomando um gole de sua coca. “Dia doze. O seu?”
“Dia um. Podemos fazer algo juntos, se quiser? Uns colegas da faculdade tavam querendo me dar uma festa, mas acho que seria mais divertido e metade do custo se fizéssemos uma festa conjunta.”
“É, parece ser uma boa. Por mim, vamos fazer.”
Jihyo estava conversando com Jin – ignorando Taehyung entre eles – até então, mas no momento em que ela ouve a sugestão de Jungkook, tanto ela quanto Jimin e Taehyung se voltam para ele com olhos arregalados e descontentes. Ele se sente julgado sem motivo.
Depois de trocar alguns olhares entre os três, Jimin meio que joga a mão para cima e pega seu próprio copo de água fria. “Ah, que se foda. Você acabou de arruinar sua festa surpresa, Joonie, boa.”
Embora Jimin seja a pessoa a fazer o anúncio, Jihyo é quem é arrastada para mais perto de Namjoon e recebe um peteleco na orelha. “Vocês sabem que não sou fã de surpresas.”
Taehyung apoia o queixo sobre o punho fechado na mesa, interessado. “Acho que podemos só juntar os preparativos. Onde seus amigos estavam planejando fazer sua festa, Gguk?”
“Um dos caras tem uma casa fora da cidade – piscina, salão de jogos, sala de estar enorme.”
O interesse do mais velho é visível, e ele murmura em apreciação antes de falar. “É, soa melhor que sua casa, Ji.”
Jihyo revira os olhos, mas não discorda.
Não que houvesse muito a ser dito sobre o assunto, mas a conversa é temporariamente interrompida quando um garçom se aproxima com suas sobremesas, recitando os pedidos em voz alta até que todos tenham o seu bem à sua frente.
Quando Jungkook pega sua taça de sorvete, ele sente Jimin se inclinar ligeiramente para o lado, virando a cabeça para encarar. A maneira como ele torce o nariz em sutil desgosto é adorável.
“Eca, Jungkook. Tem alguma coisa que você não colocou nisso aí?”
Dada a sua escolha de carreira, Jungkook tem que manter seus hábitos alimentares sob controle na maior parte do tempo. Se ele não quer se cansar facilmente e reter energia por mais tempo, ele tem que cuidar minuciosamente de sua dieta, mas tudo vai por água abaixo quando se trata de suas sobremesas – especialmente em datas comemorativas.
Então, obviamente, seu sorvete tem todas as coberturas disponíveis, incluindo, mas não se limitando a: calda de chocolate e morango, M&M's, granulado, Oreos esfarelados e chantilly. Ele não vê o problema nisso.
Antes de enfiar a primeira colherada em sua boca, ele a oferece a Jimin. “Quer experimentar?”
“O quê, desenvolver diabetes?”
Não é um ‘não’, então ele leva a colher para mais perto da boca de Jimin e observa com horror conforme ele dá uma mordida no sorvete. Seus dentes doem só de olhar.
“Quem morde sorvete?” ele questiona, horrorizado, e Hoseok se vira para olhar para ele, assentindo veementemente.
“Obrigado! Entre aqueles dois, eu tava começando a achar que talvez eu não fosse o normal,” ele aponta para Jimin e Taehyung, genuinamente perturbado.
Taehyung dá de ombros. “Seus dentes são fracos.”
Ao lado dele, Jimin torce o nariz novamente. “Eu não sei como você aguenta ingerir tanto doce numa colherada só. Já tô até sentindo a overdose de açúcar.”
“O sorvete quebra um pouco.”
“É, definitivamente não.”
Jungkook poderia continuar falando sobre o quanto ele adora doces, mas se distrai com a única vibração em seu bolso. A princípio, ele pensa que é o celular de Jimin – que ainda está em sua posse –, mas quando verifica sua tela, é ele quem tem um novo e-mail.
Normalmente, ele o ignoraria até chegar em casa, mas o nome do remetente acelera seu pulso.
É o Dr. Harris.
Nas últimas semanas, Jungkook havia compartilhado com ele e Dra. Woo um documento contendo todas as entradas de seu diário de sonhos, com o máximo de detalhes possível. Como se escrever não fosse estressante o suficiente, cada vez que Jungkook o abria mais uma vez para escrever sobre mais um, havia certas passagens destacadas em um tom de amarelo ofuscante, mas sem comentários.
Nunca nenhum comentário.
Ele nunca sabia dizer por que a passagem foi sequer destacada em primeiro lugar, e as possibilidades o deixavam um tanto paranoico.
“Ah, então eu não posso checar meu telefone, mas é claro que você pode,” Jimin reclama. Jungkook não escuta.
Boa tarde, Jungkook
Estou enviando um e-mail para informá-lo de que devo participar de uma convenção na Coreia semana que vem, e gostaria muito de me encontrar com você e Woo para compartilhar algumas das minhas descobertas e falar mais a sério sobre sua condição.
Por favor, me avise se isso for uma possibilidade.
Abraços,
Dr. Harris.
Compartilhar suas descobertas. Que descobertas? Jungkook quer mesmo saber?
“Jungkook?”
Ele bloqueia seu celular. “Hm?”
“Tá tudo bem?”
É claramente uma mentira quando ele assente, mas Jimin não o pressiona. Em vez de oferecer qualquer explicação, Jungkook oferece a Jimin seu telefone, consolidando suas feições em uma reprimenda fraca. “Você pode pegar isso de volta, mas sem ficar olhando a cada dois minutos.”
Jimin apenas mostra sua língua como resposta, mas nem sequer olha para a tela antes de colocar o telefone em cima de sua jaqueta descartada. Então ele se volta para Yoongi, que está falando sobre algum cliente arrogante, e aparentemente Jimin se identifica, uma vez que profere mais reclamações sobre alguns de seus próprios colegas de trabalho.
Perdido no meio da conversa, e ainda sem falar com Yoongi, Hoseok pede licença e passa por cima de seu namorado para sair de seu assento e caminhar até o outro lado de Jungkook.
Teria sido mais fácil para ele apenas trocar de lugar com Jimin.
“Ugh, essa é a parte ruim de morar junto,” ele diz conforme se senta, forçando todos a se moverem para o lado.
Jihyo sorri, a colher ainda na boca. Ela cutuca Namjoon. “Nossa primeira briga morando juntos foi um inferno, mas tenho sorte que o Joon não guarda rancor por muito tempo.”
Hoseok coloca a cabeça na mesa e resmunga. “Eu sei que foi bem bosta furar com o irmão dele, mas não foi intencional. O Gguk sabe como eu tô no estúdio ultimamente, eu só esqueci,” Jungkook acaricia seu cabelo, tentando consolá-lo. “Eu só não quero que ele corra pro Jungkook sempre que a gente discutir.”
Namjoon parece achar seu sofrimento tão divertido quanto sua namorada. “Você pelo menos remarcou o que tinha que fazer com o irmão dele?”
“Claro que remarquei.”
“Então você vai ficar de boa. Dorme de conchinha com ele hoje e amanhã tá tudo certo.”
Ele levanta a cabeça e a apoia no ombro de Jungkook, quase escorregando do assento quando tenta deslizar para baixo para ficar na altura certa. “Se eu tentar abraçar ele essa noite, ele provavelmente vai me chutar.”
“Nah, ele não vai dar um show lá em casa,” Namjoon diz com confiança. “Fiquei sabendo que foi ele que arrastou você aqui hoje pra você não dar um show.”
Os ombros de Hoseok afundam, desolado e envergonhado. Desta vez, Jungkook sorri também. “Eu só não sou uma ótima companhia agora, não queria estragar sua comemoração.”
“Tá tudo bem, Hoseok.”
Do outro lado da mesa, Seokjin se vira para todos eles, um Taehyung muito silencioso descansando em seu pescoço. Jungkook irá deixar as provocações para depois, se vingar por todas as vezes que Taehyung e Seokjin o envergonharam em público.
“Já vamos pedir a conta?” o mais velho entre todos eles pergunta, pronto para ir embora.
Eles todos dividem a conta, e enquanto o garçom passa o cartão de Namjoon – o último –, todos os outros se levantam e começam a juntar suas coisas para ir.
Jungkook ajuda Jimin a vestir sua jaqueta, soltando o tecido quando ele desliza seu braço para dentro da segunda manga. Então ele se vira para ajustar a sua própria, movendo o telefone para o bolso da jaqueta e fechando o zíper – metafórica e fisicamente enterrando suas preocupações pela noite.
Quando eles saem porta afora, o ar está mais frio, embora não tão frio assim, e a caminhada até a casa de Namjoon não levaria mais do que dez minutos, de qualquer maneira.
Jungkook não está esperando quando um peso repentino recai em suas costas, então ele pende para frente e quase cai, mas então reconhece os braços de Jimin se fechando frouxamente em volta de seu pescoço e ele se firma, levantando os braços para segurá-lo sob as coxas.
“Tô cansado,” Jimin reclama com um tom exagerado, mantendo o ato por apenas alguns segundos antes de começar a descer de Jungkook. O mais novo aperta seus dedos para impedi-lo. “Espera, é sério?” ele pergunta quando percebe que Jungkook pretende realmente carregá-lo.
Jungkook dá de ombros. “Tenho que perder aquelas calorias do sorvete.”
A risada de Jimin ecoa alto perto de sua orelha, seus braços apertando Jungkook enquanto ele dá um leve impulso para ajustar sua posição nas costas do mais novo.
A rua não está movimentada, o que permite que eles ocupem a maior parte da calçada e do asfalto, andando majoritariamente lado a lado, embora Yoongi e Hoseok estejam um pouco para trás e Namjoon e Jihyo apenas alguns passos à frente.
Pensativo, Jimin apoia o queixo no ombro de Jungkook. “Deveria adotar um gato ou pintar meu cabelo de cinza?”
Não é uma pergunta silenciosa, obviamente não destinada apenas a Jungkook, e antes mesmo que ele tenha a chance de reagir, Taehyung vira a cabeça com um lindo sorriso tomando conta de seu rosto.
“Cabelo, por favor. Deixa eu pintar.”
Jungkook ri, airado. “Por que eles são mutuamente exclusivos?”
“Eu só posso tomar uma decisão estúpida por vez.”
Jihyo se vira e começa a andar de costas, ainda segurando a mão de Namjoon em um ângulo estranho e mirando Jimin com um brilho nos olhos. “Tenho a impressão que seu trabalho já tá te dando cabelo grisalho naturalmente, amor. Escolhe o gato e ele acelera o processo pra você.”
“Não dê ouvidos a ela, escolhe o cabelo, Jiminnie, por favor,” Taehyung implora, agora se aproximando de Jungkook e segurando seu braço enquanto encosta a cabeça na coxa de seu melhor amigo. “Eu não te vejo sem o preto desde o colegial.”
“Não tem como ser levado a sério no meu trabalho com o cabelo rosa chiclete, Tae.”
Ah, o que Jungkook não daria para ver as fotos de um Jimin mais jovem com cabelo rosa para combinar com o tom de suas bochechas. Ele morde a língua para manter o comentário para si mesmo. Em vez disso, ele pergunta:
“Por que pintar o cabelo agora, então?”
“Bom, eles não estão me levando a sério de qualquer jeito. Talvez seja melhor eu tentar parecer com aqueles velhos.”
Jungkook murmura. “Ficaria bem em você.”
Jimin vira a cabeça para tentar olhar para Jungkook, mas eles estão perto demais para que funcione. Tudo que Jungkook pode ver é o cabelo de Jimin pendendo para frente e cobrindo a maior parte de seus olhos. “Isso é um voto pro cabelo?”
“É, não sei se confio em você pra cuidar de um ser vivo.”
Ele espera um tapa em retaliação, mas tudo o que segue a sua declaração são os braços de Jimin apertando ainda mais em volta de seu pescoço por um segundo, depois o soltando. Ele inclina sua cabeça contra a de Jungkook e vira o rosto para o outro lado, discutindo com Taehyung pelo resto da caminhada se ele deveria confiar a tarefa a seu melhor amigo ou ir a um salão de beleza.
Taehyung, convincente do jeito que é, consegue o que quer.
Quando eles chegam à casa, Jihyo não parece tão cansada quanto estava quando saíram, e Hoseok e Yoongi estão em silêncio, mas não tão visivelmente tensos.
Jimin retorna ao chão antes que Jungkook possa começar a subir os degraus da frente, dando-lhe um aperto sutil no ombro como um agradecimento silencioso, então desaparece casa adentro ao lado de Taehyung.
Nunca tendo estado na casa de Namjoon e Jihyo antes, Jungkook segue um pouco atrás de todos, seguindo seus passos até a sala de estar esparsa. Ela quase não tem móveis, apenas um sofá em forma de L no canto esquerdo, uma TV na parede em frente a este e uma mesa de jantar com quatro lugares à direita.
Jihyo caminha à frente de todos, entrando em um corredor à esquerda da TV e desaparecendo. Já não visível, ela grita:
“Duas pessoas podem ficar no quarto de hóspedes; o resto vai dormir na sala.”
Jungkook pode ver que Taehyung está propenso a reivindicar o quarto – mais do que pronto, até mesmo com a boca meio aberta –, mas Namjoon agarra sua mão antes que ela possa subir e balança a cabeça
“Hoseok e Yoongi.”
Taehyung faz um bico. “Isso não é justo.”
A mulher volta do corredor com duas caixas em mãos, as quais ela joga no sofá descuidadamente. “Amor, você sabe onde tá a bomba para encher os colchões? Não consegui achar.”
“Sei, vou lá pegar,” conforme ele sai da sala, Namjoon se certifica de direcionar a Hoseok e Yoongi um olhar de advertência, sobrancelha erguida. “Nada de sexo na nossa casa.”
Yoongi exala. “Não vai ser um problema.”
Jungkook sente vontade de rir da cara que Hoseok faz, embora o simples fato de Yoongi estar brincando sobre a situação indique que eles fizeram algum tipo de progresso.
Além de si mesmo e Seokjin, todos parecem conhecer bem o cômodo, andando pela casa sem problemas e retirando as camadas extras de roupa, pegando as bolsas que haviam deixado na casa para trocar de roupa e colocar seus pijamas.
“Vou pegar minhas coisas no carro,” ele anuncia para o cômodo como um todo, já se virando para fazer a curta caminhada até o automóvel que havia estacionado algumas casas adiante.
A rua de Namjoon é tranquila, mas certamente não despovoada. A quantidade de casas antigas espremidas para caber na mesma calçada é impressionante, mas mesmo com as várias janelas abertas e pequenas varandas com pessoas em vista, Jungkook não se sente observado caminhando até o carro.
No mínimo, a falta de conversa audível é desconcertante, porque quando não há nada em que ele possa fingir prestar atenção, seus pensamentos falam mais alto.
Ele faz a viagem rápido, pegando sua mochila do chão no banco de trás e trancando o carro logo em seguida.
Colocar suas roupas de dormir também é algo rápido, todos os outros, exceto Seokjin, já o havendo feito quando ele volta para dentro.
O banheiro da sala de estar é pequeno, apenas comprido o suficiente para caber um vaso sanitário e uma pia, e não muitos centímetros maior do que a extensão dos ombros de Jungkook, mas não é impossível se trocar no espaço. Ele também aproveita para jogar um pouco de água no rosto e tentar se manter alerta por mais tempo; a conversação vinda da sala denuncia o que pode vir a ser uma longa noite apenas de conversa.
Em oposição às suas ações anteriores, no entanto, ele tira o medicamento do bolso lateral da mochila e coloca a mão em concha sob a torneira para pegar um pouco de água e engoli-la junto com os comprimidos. Jungkook espera que o sonífero leve algumas horas para atingi-lo com força total.
“Jungkook, você tem pulmões grandes, né? Vem cá.”
Ele mal fechou a porta atrás de si quando ouve a voz de Jimin, colocando suas coisas em um canto e se movendo em direção ao menor com um vinco entre as sobrancelhas.
“O que?” ele pergunta.
Silenciosamente, e com um sorriso inocente demais, Jimin levanta a mão e, com ela, a ponta do colchão onde fica a válvula.
“Namjoon não pegou a bomba?”
Taehyung é quem responde, sentado sobre uma perna cruzada no sofá e com um colchão nas mãos. “Não tá funcionando.”
Jungkook suspira. “Tá, mas eu não vou encher isso sozinho, a menos que vocês queiram que eu desmaie.”
Levam a eles quinze minutos e muitas pausas antes que os dois colchões estejam finalmente cheios. Jihyo joga para eles alguns lençóis e travesseiros e apenas se senta no sofá, observando-os se acomodarem.
Depois disso, todos eles apenas se espalham ao acaso pelo tapete e sofá, alguns enrolados em cobertores, alguns abraçando os joelhos contra o peito, passando de tópicos como os planos para o aniversário de Namjoon e Jungkook até uma enfermeira que compartilha o turno de Jihyo e que ela acredita estar usando impropriamente as despensas.
Honestamente, é apenas uma infinidade de fofocas inofensivas e bobagens, e nada mais poderia fazer Jungkook se sentir tão perfeitamente da sua idade e um adolescente ao mesmo tempo.
Jimin está sentado em frente a ele com um sorriso genuíno e impensado no rosto, e embora não seja em Jungkook que ele cai quando ri, seus pés fofos tocam os próprios pés de Jungkook, e ele não se move porque é confortável e ele não quer chamar atenção ao ponto de contato.
Ninguém percebe, de qualquer maneira.
O grupo não encerra a noite até bem depois de duas da manhã quando Hoseok adormece no sofá, cabeça tombada para trás, boca aberta, respirando fundo. Yoongi revira os olhos, mas é gentil em acordá-lo, silenciosamente apontando para o quarto que eles irão compartilhar.
Eles desaparecem com serenos ‘boa noite’s’.
Namjoon e Jihyo não são tão silenciosos, dirigindo-se a todos com um tom mais alto e não tão cansado.
“Comportem-se,” Jihyo avisa, puxando suavemente a cabeça de Jimin e, em seguida, dando-lhe algumas carícias. “Ouviu?”
Jimin sorri. “Por que você dizendo isso pra mim? Eu sou um anjo.”
“Claro,” ela não poderia soar mais sarcástica se tentasse. “Boa noite a todos.”
No momento em que o casal vai embora, Jimin se vira para Taehyung e puxa sua manga, arrastando seu melhor amigo para o colchão pressionado contra a curva do sofá. Ele ocupa a lateral diretamente contra a mobília, parecendo estar tentando se encaixar entre ela e o corpo de Taehyung.
Jungkook se vira para Jin com um sorriso provocador. “Nada do seu mino pra você hoje, hyung. Vai ter que se contentar comigo.”
Seokjin grunhe, mas se afasta ainda mais no colchão, abrindo espaço para Jungkook.
“Se você roncar na minha orelha, vai dormir no chão.”
Ele ri, já se aconchegando mais perto do mais velho e se enrolando em cima dele, apesar dos protestos alheios.
E ele tenta se convencer de que não está desapontado por não ser o toque de Jimin correspondendo ao seu.
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Seu sonífero nunca o atinge com força total.
Na verdade, nunca sequer o atinge, então depois de mais de duas horas olhando para o teto e fazendo um esforço consciente para não se mover muito e perturbar Seokjin, Jungkook decide sair do colchão. Ele odeia o barulho que faz quando rola para fora; o ruído excessivo o faz temer acordar os outros.
Depois de se soltar dos lençóis, ele fica de joelhos por alguns segundos, esperando que alguém se mexa. Não acontece.
Então Jungkook pega seu telefone que estava carregando em cima do sofá e o desconecta da tomada, levando-o consigo enquanto caminha até a cozinha. Ele é extremamente cuidadoso com seus passos, atento ao barulho que seus pés descalços fazem a cada passo na madeira, até alcançar o linóleo.
Jungkook não sabe ao certo por que está aqui, talvez fosse melhor sair e dar uma volta, mas ele não tem certeza de onde estão as chaves e não quer arriscar acordar ninguém. Por esse mesmo motivo, ele mantém a luz apagada, guiando-se pela luz sutil que emana de sua tela.
4:47am.
No entanto, é apenas o início da noite na Inglaterra.
O pensamento vem a Jungkook facilmente, porque, queira ou não, era a coisa que ele continuou encobrindo com uma peneira metafórica a noite toda, e agora apenas toma toda sua atenção novamente.
Suspirando, Jungkook se encosta contra o balcão, olhando para seu telefone bloqueado em pura agonia. Não há novas notificações, nem do Dr. Harris, nem da Dra. Woo, nem de qualquer outra pessoa.
Ele passa tempo demais batendo o pé repetidamente no chão enquanto pondera se deve responder agora ou não, antes de finalmente decidir desbloquear o telefone, nem que seja para ler o e-mail novamente. Certificar-se de que ainda está lá.
Está.
Gostaria muito de me encontrar com você.
Compartilhar algumas das minhas descobertas.
Falar mais a sério sobre sua condição.
A escolha de palavras é muito cautelosa, observa Jungkook. Não dá a ele uma impressão negativa à primeira ou segunda vista, mas também não dá a ele uma impressão positiva. A neutralidade cuidadosamente tecida no texto faz com que ele queira entrar em contato com o homem agora mesmo, pedir uma prévia da conversa para que ele possa tomar sua decisão.
Em vez de fazer isso, Jungkook sai de sua caixa de entrada e abre o documento compartilhado com todos os seus sonhos – ou o que quer que seja que se lembra deles.
Tem bem mais de cinquenta páginas à esta altura, e Jungkook rola por cada uma delas, atento a cada vez que um amarelo brilhante corta o cinza embaralhado de suas palavras. Suas próprias palavras, embora soem estranhas para ele, agora. Lendo-as em uma tela.
Jungkook não consegue encontrar nenhuma nota nova – ou antiga – em lugar nenhum, apenas a mesma cor provocadora o encarando em pilhéria.
Frustrado, ele bloqueia o telefone novamente, abaixando a cabeça até que seu queixo encontre seu peito. Jungkook quer arrancar os próprios cabelos. Mas se contenta em bater o celular contra a palma da mão aberta, encontrando pouco alívio no som suave e abafado que ele faz a cada vez.
Talvez Jungkook esteja muito velho para desejar o colo de sua mãe, seu conforto, suas carícias, mas deseja. Muito. E pensar nisso apenas o faz perceber que este é um desenvolvimento sobre o qual terá que falar com ela eventualmente; ele não pode esconder essas ‘descobertas’ da pessoa que o acompanhou em todas as visitas à clínica até que atingisse a maioridade.
Ele bate o telefone contra a palma da mão de novo, e de novo, e de novo. E de novo.
“Ei?”
Jungkook se assusta com a voz, embora não seja alta.
Jimin está esprimindo os olhos no escuro, cabelo para cima, bochechas inchadas de sono. Ele não parece totalmente acordado ainda, e a confusão em seu rosto pode muito bem ser por causa disso, não Jungkook.
“O que você tá fazendo acordado? No escuro?”
O menor fecha a porta da cozinha silenciosamente atrás de si, ligando o interruptor e praguejando baixinho com a explosão repentina de luz. Jungkook também reage, embora mais silenciosamente.
“O mesmo de sempre. Você?”
“Precisava usar o banheiro, mas ouvi algo aqui. Você esqueceu seus remédios?”
Jungkook nega com a cabeça. A visão do mais velho tão à beira da inconsciência, os olhos se recusando a abrir completamente e a voz tão impossivelmente quieta não deveriam fazer a Jungkook as coisas que fazem. Sua própria respiração vacila quando Jimin estremece – de repente ciente de que não tem mais cobertores ao seu redor – e levanta as mãos para correr sobre os braços na tentativa de gerar algum calor.
Antes que ele possa assimilar, o outro homem está ao seu lado no balcão, os braços cruzados sobre o peito, pressionando-se ao lado de Jungkook e se encurvando em si mesmo.
O mais novo quase esquece que tinha uma pergunta a responder.
“Não esqueci. Eles só não estão funcionando.”
Jimin fecha os olhos novamente, estalando a língua algumas vezes e se rendendo a um longo bocejo. “E você decidiu ficar na cozinha que nem um estranho?”
Jungkook solta uma pequena risada, ousando estender a mão ao redor de Jimin e colocá-la sobre a dele, ainda descansando em seu braço. Jungkook dá um tapinha gentil. “Vou beber um leite e já volto pra lá, vai dormir.”
“Hm. Não,” Jimin realmente está meio adormecido, seus sons se amalgamando. “Banheiro,” ele diz, mais para si mesmo.
“Banheiro, depois cama, então.”
O mais velho vira a cabeça para o ombro de Jungkook, anuindo com pouco entusiasmo. Seu rosto ainda está quente, mas suas mãos perderam boa parte do calor em pouco tempo.
“Bebe seu leite e vamos.”
Na verdade, não era o plano de Jungkook fazê-lo; ele não está em sua própria casa, não conhece e não sente que tem liberdade para vagar pela casa de Namjoon como se estivesse. Mas Jimin parece estar estranhamente austero sobre não sair até que Jungkook o faça, então ele se desembaraça do menor com um suave ‘ok’.
Encontrar o leite na geladeira é fácil, mas ele passa algum tempo olhando os armários tentando decidir qual deles tem copos. A última coisa que alguém precisa é que Jungkook comece a vasculhar a cozinha às cinco da manhã.
Jimin boceja novamente. “Aquele ali.”
“Obrigado.”
Depois de dois minutos assistindo Jungkook colocar, beber e guardar seu leite, Jimin possui um olhar mais alerta, mesmo que esta seja uma palavra inadequada para seu estado de sonolência. Ainda assim, ele observa Jungkook mais diligentemente, parecendo ter algo a dizer, mas nunca abrindo a boca.
“Pronto?”
“Pronto.”
O menor descruza os braços para estender a mão na direção de Jungkook. “Então vamos.”
Ele agarra a mão de Jimin e, em seguida, seu telefone, mais uma vez avidamente compenetrado à diferença de calor entre suas peles, a diferença em tamanho, na firmeza de seu aperto. Para se distrair, ele verifica a tela mais uma vez.
Jimin estala a língua. “Guarda essa coisa ou eu guardo.”
“Ok.”
Os olhos que o observavam com tanto cuidado amolecem ainda mais, e não de sono. Jimin usa o aperto que tem na mão de Jungkook para se aproximar do mais novo, ficando na ponta dos pés para dar um beijo em sua testa.
Involuntariamente, ele fecha os olhos, expira até que a única coisa que reverbera dentro dele é a sensação dos lábios de Jimin em sua pele.
E assim, tão facilmente, é como se cada palavra que continuava dando voltas sem fim em sua cabeça, se repetindo continuamente como um disco quebrado, tivesse sumido. Substituído pelo aperto fraco que Jimin dá em seus dedos.
“Vamos dormir.”
Ele está fodido. Tão fodido. Além de fodido.
“Na verdade, primeiro o banheiro.”
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