Chegando ao hospital, sou impedida de acompanhar Caleb até seu quarto de cirurgia. O médico me diz que quanto mais rápido a cirurgia for realizada, mais chances Caleb tem de sobreviver, mas algo em mim insiste em dizer que não há mais tempo. Mesmo não tendo experiência, sei que, com a grande perda de sangue, sobreviver seria uma façanha.
A sala de espera se torna mais sufocante a cada segundo, e a inexistência de cores me deixa doente, como se eu tivesse olhando para o nada, vendo apenas o branco desgastado.
Christina insiste para que eu vá lá fora tomar um ar ou beber água, mas algo pode acontecer nesses poucos segundos da minha ausência e não posso me permitir ficar distante da única coisa que me liga à ele.
Não sei exatamente quanto tempo passou, mas Christina dormiu três vezes nesse interminável intervalo de tempo antes do médico chamar meu nome. Como em um estalar de dedos, uma mistura de medo, esperança e inconformidade invade todos os pontos do meu corpo que eu pensei serem inalcançáveis, e, quando me levanto, percebo que minhas unhas derramam uma enxurrada de sangue.
Ignoro a dor e a ardência na ponta de meus dedos e foco na expressão do médico, que não parecia boa. Suas sobrancelhas franzem, e, entre um suspiro e outro, quase tenho vontade de agarra-lo e obriga-lo a falar, mas antes que eu possa enviar esse comando para meus membros, ele começa.
- Beatrice, seu irmão, Caleb Prior, teve complicações na cirurgia devido a sua perda de sangue - ele toma fôlego. Meu coração bate acelerado e um nó se forma em minha garganta. Estou praticamente inerte, como se as palavras daquele médico fossem a única coisa a se agarrar, e talvez seja. - Começamos a injetar a quantidade de sangue necessária para que a cirurgia continuasse, mas entre um exame e outro, descobrimos que uma das balas se alojou perto de seus órgãos vitais, e devido a todas as complicações que se seguiram, decidimos não retirar a bala sem o seu consentimento.
- O que acontecerá se retirarem? - pergunto, soando distante até para meus ouvidos. Sinto algo molhado traçar uma linha em meu pescoço, e percebo que estou chorando, muito.
- Haverá uma chance de sobrevivência, mas ela é mínima - ele responde, lamentando.
- Faça - ordeno - Se houver alguma chance, só faça.
- A nossa secretária irá preparar a documentação para que, no caso de óbito, tenhamos um documento para apresentar provando o consentimento do parente - o médico diz, apontando para a mulher sentada atrás de uma mesa alta de madeira. - Só podemos realizar qualquer procedimento depois disso e...
- O QUE? - grito avançando para o médico. Agarro a gola de seu jaleco e a sacudo um instante antes de continuar. - Meu irmão está morrendo e você quer que eu assine papéis para continuar o procedimento? - continuo gritando com ele, mesmo sabendo que ele não tem culpa.
Meus dedos doem como se tivessem sendo espetados por mil agulhas, mas não largo o aperto. Não posso acreditar que vou perde-lo assim, não posso acreditar que ele sobreviveu a uma guerra entre facções e vai morrer em um leito de hospital.
- Você é o médico - continuo gritando. - e quero que vá lá e faça com que Caleb sobreviva. E dane-se esses papéis, eu não me importo, só quero que faça-o viver.
- Mas é o procedimento do hospital - ele se defende. - Eu sei que está inconformada, sei como é perder algum parente...
- Eu não perdi Caleb - grito o mais alto que posso, fazendo com que uma montanha de seguranças invadam a sala e agarrem minhas pernas e braços.
Consigo afastar os primeiro com chutes e cotoveladas, mas não suporto a multidão que me circunda quando corro de volta para o médico. Luto o quanto posso mas, depois que sou encurralada, tudo que posso fazer é gritar.
- Se ele morrer a culpa vai ser sua e desse hospital imundo! - pulo por cima do ombro de um dos seguranças para dar uma rápida olhada no que restou. Christina está chocada em um canto da sala apertando seu ombro direito contra si. Não me lembro de tê-la machucado, mas, pra falar a verdade, não estou ciente de minhas atitudes. É como se eu tivesse assistindo uma mulher loira e desesperada agredir todos em um hospital enquanto chamam-na de louca.
Olho para o médico que me encara da mesma forma, mas, finalmente, algo estampa aquele ambiente branco doentio: meu sangue. O vermelho vivo que pinta a gola de seu jaleco e o pescoço me dá alguma direção, até estou em um cômodo decorado com apenas um único sofá encostado em uma das extremidades da parede.
O click feito pela porta me desespera, e de imediato começo a protestar dando murros e chutes na porta. Meus punhos doem e a força que pus em minhas pernas desaparecem juntamente com a sensibilidade dos meus pés. As ondas de choque que são enviadas pelo meu corpo cedem lugar para o desespero de estar trancada e impossibilitada de ver Caleb. Nada pode piorar.
Sem mais forças, me arrasto para o sofá e me sento sobre o confortável tecido acolchoado. Me jogo contra o encosto e tento acalmar minha respiração que está tão pesada que não posso ouvir nada em volta, nem ao mens algum ruído de meus movimentos bruscos.
Algo vibra em meu bolso do meu jeans e quase dou um salto em surpresa. Vejo que é uma mensagem, mas somente quando a abro vejo que é o celular de Nita, ou era.
Onde você está? Estou tentando contatá-la à horas. Finalizou o trabalho?
Confusa, começo a visualizar algumas mensagens anteriores que não diziam nada exatamente, mas depois de analisar tudo o que ocorreu, percebo o real motivo da volta de Nita para Chicago.
Vasculho ainda mais o celular e encontro uma pasta específica exibindo diversas fotos minhas de quando eu estava chegando à cidade. Existem fotos que permitem minha identificação através do vidro o ônibus, de quando encarei, perplexa, o rosto de Tobias, e até uma foto do momento exato em que a seringa que deixei para ele se chocou com o chão. As últimas imagens existentes são de quando fui procurar Christina em seu prédio e do meu encontro com Beatrice no parque.
O que é isso? Por que alguém estaria tão interessado em mim depois de tanto tempo? Ainda acham que eu sou uma ameaça? E por que enviaram Nita?
Retorno à mensagem e começo a visualizar o número que a enviou. Como pensei, desconhecido. Decidida a descobrir algo além do que meras palavras nas entrelinhas, penso em algo para responder a mensagem sem deixar que percebam que não sou Nita.
Desculpe, eu estava seguindo-a. Algum problema?
Leio mais e mais uma vez e, depois de me certificar que eu não estaria dando alguma pista, envio. Segundos depois, o aparelho vibra novamente e eu estremeço ao ver o que está escrito.
Vou mandar um carro para buscar o corpo. Continue vigiando, ela está muito familiarizada com a morte.
Sinto meus olhos se arregalarem ao ponto em que a qualquer momento eles iriam saltar em meu colo, minha respiração acelera e tudo o que eu consigo desejar é sair desse lugar.
Inquieta, começo a protestar novamente contra a porta, mas agora também grito até perder a voz. Enquanto eu me recupero da dor em meu punhos e tomo fôlego, ouço um click e vejo a porta se abrir ligeiramente. Christina entra no cômodo e me guia de volta para o sofá.
- Ele vai ficar bem - ela diz me dando uma abraço apertado. - Assinei os papéis para dar continuidade ao procedimento, e o médico disse que voltará quando a cirurgia acabar e informará o estado de Caleb.
Assenti e logo agarrei suas mãos desesperadamente e comecei a falar em ritmo acelerado:
- Christina, alguém está tentando me matar.
Seu rosto se contrai e suas sobrancelhas franzem. Por um momento penso que ela pode estar achando que estou louca, mas ela se contenta em fazer apenas uma ironia.
- Isso não seria uma novidade.
Conto para ela toda a história, de como peguei o celular e consegui as mensagens. Christina se surpreende mas admiro-a ao ver todo o seu autocontrole sobre suas ações.
- Pode ser qualquer pessoa - ela diz, tentando soar despreocupada.
- Você conhece outra pessoa que está familiarizada com a morte? - ironizo.
- Isso não é um título a se orgulhar - ela diz, pensativa. - Mas e se não for você? E se for tudo uma coincidência?
- Não dá pra ser apenas coincidência. Olhe essas fotos - digo, me lembrando das fotos que eu havia esquecido de mostrar. Sua reação é a mesma que eu tive, e ao menos parece que ela se convenceu. Ainda não consigo acreditar que depois de tanto tempo eu ainda sou perseguida. Porém, antes eu sabia de quem fugir, mas e agora?
- Isso é doentio - Christina exclama, seu rosto em choque.
- E pelo que eu li nas mensagens, eles irão chegar até a casa de Caleb, e vão encontrar o corpo de Nita ao invés do meu.
- Já procurei o celular de seu irmão nos pertences dele e peguei o número para contatar a família. Eles estão vindo para o hospital.
- Ao menos vão estar seguros aqui - digo, me livrando um pouco da culpa.
- Vou tentar encontrar a quem pertence esse número, e para isso eu preciso que você fique calma para acompanhar o caso de Caleb.
- Onde estou, afinal? - pergunto, me lembrando apenas de um emaranhado de braços ao meu redor enquanto eu era arrastada da recepção.
- É melhor não saber.
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