Capítulo 14 - Agreement
Depois de viajar por quase quatro horas, Jack acabou chegando bem tarde na sua casa em Detroit. Por sorte parou em uma lanchonete de beira de estrada para se alimentar e tentou se manter forte para não dormir enquanto dirigia. Por isso assim que colocou os pés no lugar onde mora, a única coisa que tinha em mente era em seguir para o seu quarto e dormir a noite inteira. E assim o fez, sem prestar atenção no caminho, já familiar, e sem encontrar ninguém pelos corredores escuros.
Na manhã de quinta-feira o platinado acordou cedo, pois estava ansioso para se livrar o mais rápido possível do seu fardo e retornar para Traverse City. Para Elsa.
Depois de fazer as suas higienes matinais, colocar um terno escuro e sair do seu quarto, é que o vislumbre de onde estava atingiu a sua mente. Quando chegou, ele simplesmente havia trabalhado no modo automático e sequer reparou que estava de volta para a casa onde havia crescido. Agora, à luz do dia, tudo parecia mais claro e ao mesmo tempo mais distante. Como se tivesse passado anos longe daquele lugar, quando foram apenas algumas semanas.
A Mansão Frost é uma relíquia passada de geração em geração por uma das famílias mais tradicionais dos Estados Unidos. Tratava-se de uma gigantesca casa de três andares de design ao mesmo tempo clássico e moderno. Repleta de suítes, sala de jogos, cinema, biblioteca, escritório, além das salas de estar, jantar, convivência e a cozinha - e muitos outros cômodos. Decorada com pelo menos cinco lustres grandes, sendo três de diamante, móveis luxuosos, lareiras, e até um piano de cauda. Do lado de fora, um imenso jardim verde e florido dava vista, aos fundos havia uma piscina grande e um deck de madeira onde ficava a área de lazer, e uma fonte de água em formato de estátua de anjo decorava a frente do hall de entrada.
Jack conhecia cada canto daquele lugar - afinal, teve bastante tempo para explorar - e a porta alta de carvalho no final do grande corredor branco lhe lembrou quem costumava morar ali além dele, de seu pai, e alguns empregados. Por isso as lembranças de um passado quase perfeito lhe tomaram a mente como um flash.
Parado naquele corredor, Jack ouvia as risadas de uma criança animada e uma mãe zelosa, que corriam por ali como dois amigos se divertindo na brincadeira mais emocionante.
Enquanto descia as escadas suntuosas de mármore escuro, o que ele via na sua frente era um menino platinado de olhos azuis, vestido de índio e com um arco e flecha de plástico nas mãos, ao lado de uma mulher risonha, que estava supostamente amarrada, e no topo das escadas estava um homem moreno grande, de barba longa, com um chapéu de cowboy, que dizia que iria salvar a princesa que o índio estava aprisionando.
Quando se sentou na mesa para o café da manhã, na sua costumeira cadeira ao lado esquerdo da cabeceira, do outro lado a mesma mulher albina que tanto conhecia estava sentada. Os seus cabelos platinados brilhavam com a luz do sol que entrava pela parede de vidro com vista para o belo jardim atrás de si, seu sorriso era o mesmo sorriso singelo de todas as manhãs, e seus olhos castanhos, quase negros de tão escuros, contrastando com tanta luz, pareciam as coisas mais vivas que existiam naquela casa.
Jack sentia falta de tudo isso. Sentia falta de tudo que viveu ao lado da mãe dentro daquela enorme mansão. Ela era a alma daquele lugar, a luz que trazia alegria até para os dias mais sombrios. Infelizmente, junto de todas essas boas lembranças que tinha da mãe, a imagem daquela casa triste, que absorvia o clima moribundo que se estendia enquanto a matriarca estava a beira da morte, deitada em sua cama na suíte master, vítima de um câncer letal que lhe consumia mais e mais a cada dia que passava, também fez questão de invadir os seus pensamentos.
Tudo parecia triste e escuro, mesmo à luz da manhã. Os funcionários andavam pra lá e pra cá em seus afazeres silenciosamente, como sombras, em sinal de respeito ao que ocorria naquela casa. Em meio a tanto silêncio, tudo que se ouvia eram os bip-bips da máquina que conferia os batimentos cardíacos da mulher no andar de cima, que pareciam tomar toda a casa e perseguir cada um ali dentro até mesmo em seus sonhos.
Ver a própria mãe definhar até a morte ainda tão novo havia sido tão traumático para o homem platinado, quanto havia sido para o seu pai, que a amava mais do que tudo.
Depois que a mulher se foi, aquele clima meio morto se perdurou naquela casa por vários anos, e alguns poderiam jurar ainda conseguirem ouvir o som do monitor cardíaco pela casa, como um fantasma que assombrava o lugar. Consequentemente, North acabou se afastando do próprio filho, focando-se apenas no trabalho para evitar diminuir o padrão de vida que levavam; enquanto Jack se afastava do próprio pai ao se envolver com diversas mulheres ao mesmo tempo e depois as descartando. Cada um deles com seus próprios fantasmas, remoendo a sua dor da forma em que achassem ser o melhor.
Nada mais foi igual dentro daquela casa depois daquela fatídica manhã de janeiro.
Jack balançou a cabeça à fim de se livrar dos pensamentos que lhe invadiram a mente contra sua vontade, e enxugou as lágrimas que caíram sem que percebesse. Tudo isso já fazia mais de 17 anos, e mesmo assim ainda era algo que lhe assombrava. Ele encarou o assento vazio do outro lado da mesa de vidro e suspirou pesadamente, voltando a se concentrar no café da manhã intocado a sua frente. Naquele momento, tudo que ele precisava era ter foco.
- Vejo que resolveu voltar - Uma voz grossa e imponente soou de trás do platinado.
- Tenho pendências aqui em Detroit. Vim resolvê-las - Ele respondeu simplesmente enquanto dava um gole em seu café, usando o habitual tom frio e profissional que passou a usar com o seu pai depois que ambos se afastaram, como se fossem completos estranhos dentro da mesma casa.
- Finalmente resolveu tomar ciência das suas responsabilidades, Jack - North comentou, sentando-se na cadeira da cabeceira e arrumando o guardanapo no colo - A empresa é a prioridade das nossas vidas, somos os únicos que podem garantir o melhor para ela. Espero que não me decepcione - Acrescentou.
Jack sorriu de canto, segurando a xícara na frente dos lábios com as duas mãos, com o cotovelos apoiados na mesa. Seus olhos, que encaravam o jardim do lado de fora da parede de vidro, ferviam com a raiva que sentia ao vê-lo falar assim, como se o seu próprio filho fosse apenas um mero objeto para ser utilizado para trocas entre duas pessoas poderosas, com a desculpa de que “era o melhor para a empresa”.
- É claro - Respondeu - Estou indo para lá agora mesmo para conversar com Tooth. Quero acabar com isso o mais rápido possível - Levantou-se, finalmente encarando o seu progenitor, e largando o guardanapo na mesa com certa brutalidade.
Ainda era muito cedo quando chegou ao Renaissance Center, um arranha-céu luxuoso de 73 andares, que brilhava devido ao sol refletido nas paredes de vidro, que serve como a sede mundial da General Motors e abriga não só o escritório da empresa e alguns departamentos, mas também um hotel 3 estrelas, lojas, até mesmo o Consulado do Japão. Por mais que a empresa já estivesse ativa àquela hora da manhã - pouco depois das 7:00 horas -, Jack teve que esperar bastante até que Tooth resolvesse dar as caras para trabalhar.
Ele ficou pelo menos meia hora na sua sala, encarando, através parede de vidro, o horizonte recheado de prédios da cidade de Windsor, em Ontário, Canadá; do outro lado do Rio Detroit. Seria uma vista deslumbrante, que pouquíssimas vezes o homem platinado parava para admirar, porém hoje ainda não era o caso. Um turbilhão de coisas passavam pela mente de Jack enquanto fitava o céu azul e o rio.
No fundo ele estava com medo de que Tooth se recusasse a abrir mão do casamento, o que traria como consequência o fato de que Elsa nunca mais iria querer olhar na sua cara. E ao mesmo tempo o sentimento de rejeição por parte de seu pai também lhe apertava o peito. Caso tudo desse certo com sua noiva e Jack resolvesse esclarecer tudo para o mais velho, ele também tinha medo que esse se recusasse e obrigasse o casal mais novo a viverem presos a um casamento sem amor.
Tais pensamentos afetavam a sanidade de Jack, que tentava ao máximo manter-se lúcido, conferindo os longos segundos que se passavam no seu relógio de pulso - que naquele momento mais pareciam horas - e desejando que o tempo passasse mais rápido, o que não ajudava muito. Na verdade, apenas estava contribuindo ainda mais para que um acesso de pânico se desenvolvesse até fazê-lo explodir. Porém as batidas na sua porta chegaram aos seus ouvidos suavemente, puxando-o daquele mar de pânico e preocupação que ele mesmo havia se jogado.
Quando virou-se para a direção da entrada, girando em sua cadeira de couro preta, Jack finalmente pôde encarar os olhos violetas de Toothiana Fairy, que estava parada na porta o encarando de volta.
- A secretária me avisou que você tinha voltado e que queria falar urgente comigo. Está tudo bem, Jack? - A voz doce e levemente aguda da morena ecoou pela sala. Ela tinha a aparência e a postura perfeita de uma executiva, apesar das mechas coloridas da franja e o semblante preocupado no rosto.
Tooth era uma mulher de dar inveja, esbelta, elegante, além de bem sucedida e possuidora uma beleza tropical suave. Os olhos violetas eram o que mais chamavam atenção - especialmente por ser uma cor tão rara -, eram marcantes e carregados de confiança. Era fácil se apaixonar por alguém como ela, que sempre se mostrava ser muito doce, gentil e prestativa, apesar de parecer muito energética quando estava empolgada, o que a impedia de ter uma conversa séria com qualquer um, mas nada que houvesse atrapalhado no seu crescimento profissional.
Enquanto a encarava, Jack ponderou em cima do porquê estava fazendo tudo isso. Ele poderia ser feliz ao lado dela, poderia aprender a amá-la novamente - como havia feito um dia -, porém o seu coração resolveu escolher a pessoa que estava mais longe e era a mais complicada possível. O platinado riu sozinho pela péssima ideia de comparar Tooth com Elsa, e desviou o olhar para sua mesa. Elas eram de mundos completamente diferentes. Então ele pensou que, por causa da mulher platinada, ele estava aprendendo muito mais coisas, vivendo com ainda mais intensidade, vendo um mundo novo e, principalmente, amando de verdade.
Era por isso que ele gostava de Elsa, e era por isso que era ela quem ele queria ter ao seu lado.
- Sente-se, por favor - Pediu, apontando uma das cadeiras à sua frente. A morena fez como o pedido - O que eu tenho pra falar diz respeito a nós dois - Acrescentou, a encarando.
Embaixo da mesa os punhos de Tooth estavam fortemente apertados, as unhas cravadas na palma das mãos, indicando o nervosismo que a sua elegância natural evitaria transparecer. Desviando o olhar, ela arrumou a postura e pigarreou.
- O que é que tem? -
Jack suspirou.
- Sei que venho fazendo de tudo para adiar esse casamento o máximo possível, e peço perdão por isso, mas … - Começou, juntando as mãos e apoiando-se na mesa em uma postura informal, já que estava na presença de alguém já íntima - Eu acabei me apaixonando por outra pessoa - Disse, na intenção de ser direto.
Tooth mordeu o lábio inferior com força e apertou ainda mais as unhas contra a palma de ambas as mãos. Era óbvio que ela já estava esperando por algo assim há muito tempo, mas nunca imaginou que o platinado fosse ser tão direto. Além disso, era estranho vê-lo fazer uso da palavra “apaixonado”, que, pela sua fama desde os tempos do colegial, parecia ser algo que não existia no seu dicionário.
- Nessas últimas semanas que eu simplesmente desapareci, acabei indo parar em uma cidadezinha do norte chamada Traverse City - Jack contou, encarando a mesa de vidro escuro com um olhar nostálgico, chamando a atenção da mulher para as suas palavras - Lá eu conheci uma mulher incrível. A Elsa é dançarina de um bar antigo na cidade, mas uma das pessoas mais respeitosas que já conheci. Eu fiquei dias atrás dela pedindo uma chance, como eu sempre fiz, não é? - Riu pelo nariz, fazendo Tooth rir levemente pela experiência compartilhada - Mas ela não cedia de jeito nenhum. Quando eu vi eu já estava perdidamente apaixonado, e então ela finalmente me deu uma chance para conhecê-la. Acabei descobrindo que ela era mãe solteira da garotinha mais linda e adorável do mundo, que era fruto de um passado doloroso -
A mulher o encarava narrar aquela história encantada, e sentiu um aperto no peito quando o ouviu mencionar o fato do passado doloroso, não conseguindo deixar de pensar na pior coisa que uma mulher poderia sofrer para obter uma gravidez como consequência.
- Acho que deve ser mais ou menos o que você deve estar pensando agora - Jack prosseguiu - Mas eu não fazia ideia. No final, Elsa acabou me dando uma chance de sermos amigos, e estamos assim até hoje - Sorriu - Ela é muito especial, sabe? Sinto que, por causa dela, eu finalmente posso deixar de ser o moleque imaturo e irresponsável que eu sempre fui. Eu amo muito ela, e já amo muito a filha dela, como se fosse minha também. E-eu … n-não sei explicar - Riu encabulado, desviando o olhar para o lado.
Tooth sorriu emocionada. Nunca o tinha visto naquele estado - nem mesmo quando se dizia apaixonado por ela -, e achou isso adorável.
- Você quer romper o noivado, não é? - Concluiu, chamando a atenção dos olhos azuis do homem até os seus.
- E-eu - Hesitou - Não quero te magoar. Por isso achei melhor conversamos primeiro e esclarecer tudo - Jack abaixou o olhar envergonhado.
A mulher encarou o teto, piscando várias vezes para evitar deixar cair as lágrimas que lhe encheram os olhos subitamente. Então encarou o platinado a sua frente novamente.
- Fico feliz que tenha tido coragem de esclarecer tudo para mim, Jack - Disse, com a voz embargada - Não sabe o quanto eu sou grata por você ter tomado este passo primeiro … Porque eu não sei se eu teria coragem de fazê-lo - Abaixou a cabeça e deixou que as lágrimas caíssem livremente pelo seu rosto.
Jack encarou a morena com o semblante surpreso, sem entender o que ela estava querendo dizer com aquilo, e se reclinou até encostar as costas com o acolchoado da cadeira.
- Sei que esse casamento era importante para empresa, já que a minha mãe é um tanto teimosa e cautelosa até demais quanto os seus investimentos. E sei também que isso envolvia muita gente grande, como o seu pai e a senhora Valka - Tooth começou - No início, eu era a que mais queria isso. Eu achava que ainda te amava, que queria passar o resto da vida ao seu lado, por isso ficava sempre com raiva quando você inventava uma desculpa para adiarmos mais e mais esse casamento. Mas agora … hoje, eu vejo que nada disso era real. Que eu também não queria isso, mas ainda pensava no futuro da GM, o local onde eu trabalho e faço o que eu gosto! - Pausa - Jack … eu também me apaixonei por outra pessoa - O encarou. Um sorriso aliviado enfeitava-lhe os lábios, tingidos de um batom quase do mesmo tom da sua pele.
- O que? - O platinado balbuciou, em choque.
- Na verdade, isso aconteceu logo depois que você partiu - Tooth esclareceu, encarando as mãos juntas no seu colo - Ela é uma pessoa muito legal - Sorriu.
- Peraí. Ela?! - Jack exclamou, ainda mais surpreso do que antes. A morena apenas confirmou levemente com a cabeça, sem encará-lo - Eu nem sabia que você gostava - Jogou-se novamente contra as costa da cadeira, incrédulo.
- É, nem eu sabia - A morena fungou o nariz, sorrindo sem graça - Acho que foi no dia depois que você sumiu. Eu tinha ido visitar a fábrica junto com o Sandy, e ela estava lá. Faz parte da linha de montagem. Os colegas chamam ela de “Cabeça Quente”, porque ela tem um pavio curto e é meio maluquinha. Não sei porquê, mas ela me chamou atenção assim que a vi. Esse jeito doidinho e ela ser toda atrapalhada é o que a faz ser adorável, apesar dela odiar quando eu falo isso - Riu divertida, fazendo o homem sorrir também - Semana passada ela me beijou, e eu fiquei sem saber o que fazer. Estamos sem nos ver desde então, porque eu não sabia o que estava acontecendo comigo. Mas … sei lá, ouvir você falar de modo tão apaixonado da sua Elsa me fez perceber que eu também já estou apaixonada por ela. E-eu sou estranha por causa disso? - Perguntou receosa, finalmente voltando a encará-lo.
Jack tinha um sorriso compreensivo nos lábios, e também estava emocionado.
- Não há nada de errado em amar alguém - Ele respondeu.
Os dois acabaram decidindo por unanimidade em romper o noivado, o que foi benéfico para ambas as partes. Ali eles ainda perderam horas se divertindo enquanto compartilhavam suas próprias histórias ao lado quem amavam, mas não deram importância em perder uma manhã inteira de trabalho, muito menos nas consequências que essa decisão poderia trazer. Eles estavam felizes, e era isso que mais importava.
- Quem diria que estaríamos aqui. Nós dois completamente apaixonados como dois adolescentes - Tooth riu, sendo acompanhada de Jack - Incrível como as coisas mudam - Acrescentou pensativa, mais para si do que para o colega.
O platinado concordou silenciosamente, e não deixou de pensar em Elsa, que o esperava em Traverse City.
- Tooth - Chamou, fazendo-a o encara - Obrigado por ser ter sido tão preciosa. Espero continuarmos amigos depois disso - Sorriu.
- Mas é claro, Jack - A morena sorriu também, tomando as mãos do homem - A vida não queria que ficássemos juntos, mas era porque tinha planos para cada um de nós dois. Mas vamos nos apoiar e servir de suporte um para o outro, ok? -
- Ok - O platinado sorriu - Mas o que vamos fazer em relação aos nossos pais e a empresa? - Perguntou.
- Não se preocupe com a minha mãe. Posso conversar com ela, tentar convencê-la a cooperar - Tooth se levantou, arrumando a saia com as mãos - Mas, e quanto ao seu pai? Ele era o que mais queria esse casamento, a qualquer custo - Perguntou.
- Esse ainda é um dos problemas que eu tenho que resolver - Jack suspirou pesadamente.
A conversa produtiva que teve com Tooth realmente deu à Jack a coragem que precisava para encarar o seu velho. Como não estava oficialmente de volta a empresa, ele resolveu voltar para casa para o almoço, onde tinha certeza de que encontraria North.
Eram raríssimas as vezes que pai e filho almoçavam juntos. Jack preferia ir a um restaurante ou permanecer em sua sala a se submeter ao constrangimento de um almoço silencioso na presença de seu pai. Eles sequer sabiam quando as coisas chegaram a tal ponto de não terem nem sobre o que conversar - além de assuntos relacionados à empresa, é claro, mas que muitas das vezes eram deixados para serem discutidos em reuniões. Por isso desta vez não foi diferente.
O silêncio se perdurava enquanto os dois homens se alimentavam sob o olhar atencioso dos empregados, que estavam sempre ali, dispostos a servirem o que lhes fosse ordenado a qualquer momento.
Por várias vezes Jack tentou falar algo, mas as palavras sempre ficavam entaladas em sua garganta toda vez que via o olhar sério de seu pai para o próprio prato, mas ele tentava manter o foco em seu objetivo. Não poderia deixar o jeito frio do mais velho afetar a coragem que havia adquirido na conversa com a, agora, sua ex-noiva.
- Preciso falar com senhor. Vou estar esperando no seu escritório - Finalmente conseguiu falar depois que terminou, levantando-se sob olhar que o outro homem lhe lançava.
O escritório, onde North passava a maior parte do seu dia, era absurdamente grande e luxuoso, com uma lareira de pedra em uma parede de aspecto amadeirado, uma estante repleta de livros cobrindo a parede paralela, móveis do mesmo tom cinzento do piso e duas janelas altas na parede atrás da grande mesa de madeira no centro do cômodo. O platinado sentou-se em uma das poltronas que, junto do sofá de três lugares, formavam um semicírculo ao redor da mesinha de vidro, enquanto o homem de barba longa seguia até o pequeno bar de bebidas montado em um canto.
Um breve silêncio ainda pairou no ar, até o próprio North resolver quebrá-lo.
- Imagino sobre o que deve se tratar por ter me chamado até aqui - Disse, servindo-se de dois copos de uísque e logo levando um deles até o filho, que o aceitou de bom grado - É sobre o seu casamento, não é? - Perguntou, voltando para se sentar em sua cadeira acolchoada de veludo vermelho.
Jack soltou um suspiro pesado.
- Pai, não há mesmo nenhuma outra forma de resolver isso sem que haja necessidade desse casamento? - Perguntou, encarando o líquido marrom-avermelhado dentro do copo em sua mão.
- Sophie Fairy é muito cautelosa quando o assunto é “gastar o próprio dinheiro” - O velho homem começou - Ela nunca aceitaria fazer parte da GM, principalmente porque não tem interesse algum em carros. Mas ela gosta de você e sempre fez muito gosto no seu relacionamento com Toothiana, o que faz desse casamento o único motivo que ela tem para fazer o que queremos - Respondeu, dando um gole de sua bebida em seguida.
- E caso eu me recusasse a fazer isso? O que poderia acontecer? - Jack perguntou, ainda deixando intocado a bebida que lhe fora servida.
- Se você se recusasse, além de eu te matar, ainda estaria jogando fora uma das melhores oportunidades que a empresa poderia ter para crescer ainda mais! - North argumentou, claramente usando um tom mais ameaçador.
- Eu realmente espero que esteja brincando quando disse que poderia me matar - O platinado comentou, encarando o tapete felpudo no chão - Até porque não vai haver casamento algum. Eu e Tooth concordamos, e resolvemos romper o noivado - O encarou.
- Você fez o que? -
Com isso, Jack acabou contando toda a sua história com Elsa - a qual já sabia de cor por já tê-la contado diversas vezes - para o seu pai, que o encarava com um olhar intenso e fervoroso.
- Está me dizendo que você jogou fora a maior oportunidade da sua vida por causa dessa sua criancice de querer se apaixonar por uma mulherzinha de quinta?! - O mais velho exclamou revoltado, levantando-se e batendo os punhos na mesa.
- Não ouse falar assim de Elsa - Jack também se levantou, aproximando-se do outro homem, encarando-o com vigor - O senhor não tem noção do quanto ela tem feito por mim -
- ELA DESTRUIU A SUA VIDA, A SUA CARREIRA, ISSO SIM! - North gritou - ESTÁ COLOCANDO MINHOCAS NA SUA CABEÇA. INFANTILIDADE! -
- Então o senhor está falando que a minha mãe também colocava minhocas na minha cabeça com todo aquele jeito infantil que ela tinha?! Aquele jeito que trazia luz e alegria para dentro dessa casa?! - O platinado retaliou, também revoltado.
Ambos pai e filho se encaravam com vontade de voar um no pescoço do outro, mas ainda havia um mesa que os separavam alguns bons centímetros.
- Não ouse colocar o nome da sua mãe nesta conversa! - O patriarca rosnou.
- Não ouse, o senhor, depreciar o modo de vida que a minha mãe acreditava - Jack também rosnou - Pelo o que eu me lembro, vocês dois costumavam ser muito divertidos quando estavam juntos. E sempre me ensinaram o encanto e a luz que uma criança tinha. Esse era o cerne dela, não era? A luz que iluminava o caminho de tudo e todos - Por um momento ele permitiu-se deixar ser envolvido nesta boa lembrança que tinha da mãe.
- Aquilo foram besteiras de um passado que já se foi, Jack! Você tem que crescer, amadurecer! Parar de ser esse garotinho que ainda acredita em contos de fadas! -
- E QUANDO FOI QUE O SENHOR DEIXOU DE ACREDITAR NA MAGIA QUE EXISTE DENTRO DE UMA CRIANÇA?! - O mais novo exclamou incrédulo, afastando-se da mesa onde o outro homem estava - Quando foi que deixou de acreditar em tudo que ela acreditava? - Acrescentou, deixando o pai sem argumentos, enquanto esse encarava tudo menos o próprio filho na sua frente.
North não tinha ideia de quando a relação deles dois havia chegado a esse nível de não conseguirem concordar com mais nada que o outro falava, mesmo quando se tratava da mulher que um dia foi o grande amor da sua vida, e que lhe ensinou tantas coisas, além de como a ver a vida de um jeito mais otimista. No fundo, as palavras de seu filho entraram pelos seus ouvidos e bagunçaram toda a sua cabeça, fazendo-o querer quebrar algumas coisas, mas conteve-se, contentando-se em encarar intensamente a mesa em que apoiava os punhos fechados.
- Não foi só a Elsa, mas a Sky também me fez ver um mundo completamente novo. E sabe o que mais? Era o mesmo mundo que via quando a mamãe ainda era viva - Jack soltou, agora com mais tranquilidade, e então virou-se para seguir para fora daquela sala - Sabe, com elas eu também redescobri o meu cerne, por isso acho que o senhor deveria se dar a chance de conhecer a Skyler. Ela é uma menina adorável. Tenho certeza de que o ajudaria a encontrar o seu novamente - Então sai sem dizer mais nada, deixando o seu pai pensativo e atordoado para trás, enquanto ele também sentia-se mexido por dentro.
Ambos os corações tiveram suas feridas abertas com toda aquela conversa.
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