PRESENTE
Maio, 1990
Yves
Quando voltei para casa depois da minha corrida, encontrei um carro conversível vermelho parado de frente à minha casa.
Entrei pela passagem dos fundos e corri para o meu quarto, pois odiava quando meus pais recebiam visitas e não me avisavam, ainda mais tão cedo.
Tomei um banho rápido e desci as escadas com um vestido floral simples. Minha mãe estava na cozinha preparando o café, sozinha.
— Cadê a visita? — perguntei.
Ela riu.
— Não tem visita nenhuma.
— E de quem é aquele carro parado na frente da nossa casa?
— É seu, sua bobinha.
— Mentira! — gritei de empolgação.
Minha mãe apenas balançou a cabeça, mostrando que não era mentira, enquanto tomava um gole de café na sua xícara favorita.
— Seu pai está com as chaves dele na garagem — e veio me abraçar. — Feliz aniversário, querida.
PASSADO
Outubro, 1985
Jinsoul
Descobri uma loja de discos a poucos quarteirões de distância da minha casa. É uma loja incrível! Tem quatro fones de ouvidos para os clientes ouvirem as músicas antes de decidirem a compra.
Bom, não tinha dinheiro para comprar nenhum deles, por isso tive que pedir ao dono da loja para me permitir ouvir as músicas algumas vezes na semana. A minha sorte é que o Sr. Smith é um homem de meia idade muito compreensível e disse que eu poderia ficar até duas horas no máximo se não estragasse os discos.
E foi assim que fiquei viciada nas músicas do David Bowie. Eu me sentia muito especial, pois ninguém da minha idade tinha um gosto muito bom para músicas. Eu até achava bacana o som dos Beach Boys, mas não ao ponto de ter posters deles colados na parede e idolatrá-los como se fossem os caras mais lindos do planeta terra. Nem mesmo o queridinho do John Travolta.
Acho que ter esse lugar especial me deixava mais relaxada. As coisas na escola eram tão intensas que eu passei a controlar até o jeito que eu ando. É até engraçado pensar como os outros me acham tão descolada por apenas ser eu mesma.
Com exceção de uma pessoa. Mas isso não é relevante. Space Oddity é.
PRESENTE
Junho, 1990
Yves
— Como parte do projeto final, vocês serão sorteados em duplas — começou a professora de biologia e isso causou um som coletivo de insatisfação da turma. — Para ajudar uma instituição de caridade que cuida de animais abandonados, vocês irão ficar uma semana com um e serão responsáveis por todas as necessidades do animal.
Olivia parecia que iria explodir de tanta felicidade, estava batendo o pé no chão desesperadamente, como um cachorrinho.
— Mal posso esperar — disse ela para mim.
— Depois da escola, vocês irão buscar o animal de acordo com o número da sua dupla. Vão receber uma lista de instruções e todas as informações que precisam saber para a tarefa. É tudo bem simples e fazendo isso estarão poupando os gastos da instituição em quase 60%.
— Espera, a gente vai ter que ter gastos com esses animais? — perguntou alguém da turma.
— É aí que a tarefa se complica — respondeu a professora, animada. — Vocês irão ganhar vales para lojas de rações, mercados e etc. Contudo, terão que fazer algumas atividades na lista. É uma tarefa que todo o bairro concordou em ajudar, durante a assembleia mensal foi discutido a importância de torná-los mais responsáveis.
Parecia algo legal, mas não gostei da parte de sorteio. As chances de eu cair em uma dupla com a minha única amiga são muito baixas e eu não me vejo fazendo trabalhos com outras pessoas. Isso nunca funcionou muito bem comigo, pois eu acabava fazendo tudo sozinha no final.
Fui a terceira pessoa a pegar um número do saquinho de papéis. Tirei o 4 e fiquei esperando a segunda pessoa a tirar o mesmo número.
Olivia tirou o número 12, infelizmente. E a segunda pessoa a tirar o 12 foi o Kent, um dos garotos mais bonitos do colegial. Às vezes, tenho vontade de socar a minha amiga por ser tão sortuda.
— Quem tirou o 4? — ouvi alguém perguntar.
Meu sangue gelou. Ela não.
Virei para trás e encontrei Jinsoul balançando seu papelzinho à procura de sua dupla. Olivia que ouviu, apontou para mim.
— Sooyoung está com o número 4.
Bem, agora seria a hora perfeita para socar a minha melhor amiga.
PASSADO
Novembro, 1985
Jinsoul
Encontrei uma entrevista do Bowie em que ele citava alguns dos seus livros favoritos. Isso me fez lembrar de Yves e como ela subestimou minha inteligência.
Anotei os livros e decidi que iria ler cada um deles e provar que eu não era uma pessoa só de aparências.
Só que Choerry riu e Kim Lip disse que ler um livro de Homero na escola era um sinal de eu estava decaindo. Pessoas como nós não perdiam tempo lendo livros chatos no intervalo.
Devolvi o livro para a biblioteca e na saída esbarrei com Sooyoung.
Ela estava com a cabeça baixa e pediu desculpas quando passou. Aquilo fez meu sangue ferver.
Eu não estava gostando de Homero. Fiquei mais de uma hora tentando entender as primeiras folhas de Ilíada. Saber que aquela garota tinha razão, fazia com que eu tivesse vontade de chutar cada estante de livro.
Mas eu apenas continuei meu caminho, decidida a fazer com que Yves se sentisse da mesma forma.
Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.
Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.