Muitas crianças tinham medo do escuro, eu tinha medo de fadas.
As fadas que meu avô me retratava não eram como as dos desenhos: eram cruéis. Elas se mostravam na forma humana para trazer a desgraça e má sorte para a pessoa infeliz que se aproximasse delas.
Como eu as odiava.
Como eu temia o fato de algum ser usar o sentimento de alguém para destruí-lo.
O problema, é que os sentimentos, quanto mais fortes por alguém, mais dor podem trazer.
NA MANHÃ SEGUINTE NARUTO SE SENTIA MELHOR, apesar de um corte por dentro do lábio e alguns hematomas onde recebeu golpes do bastardo. Por sorte não havia recebido nenhum soco no rosto, diferente do outro. Naruto quase riu enquanto passava pomada em um hematoma no peito, mas se conteve ao se lembrar da visão.
Depois do pavor inicial pela perspectiva de estar entrando em surto depois de anos, conseguiu pensar no conteúdo da alucinação que teve.
Ele estava beijando Sasuke.
Não havia entendido ainda o que havia acontecido realmente. Ele se lembrava de ter tido total percepção, ele sentiu tudo: o corpo do outro, as cócegas, depois seus lábios frios e molhados se movendo sobre os seus, a língua... interrompeu o pensamento, não era prudente se lembrar daquelas sensações.
E não é prudente achar que aquilo foi verdade. Foi somente um delírio. Achar que um delírio é a verdade é como a situação piora. Recitou para si mesmo.
Acenou positivamente olhando-se no espelho, logo tampando a pomada e a recolocando na caixinha de primeiros-socorros. Devia agradecer ao pai depois.
Pegou a camisa e a vestiu, passando pelo pescoço a gravata. Saiu do banheiro vendo Sai terminar de ajeitar o blazer no corpo, enquanto olhava-se no espelho. Naruto o fitou pelo vidro e Sai devolveu o olhar.
Ele se virou sorrindo falsamente.
— Está de melhor humor hoje? — Sai foi pegar o caderno na escrivaninha, pegando o do colega também. — Já que ontem...
— Ontem foi ontem, Sai, esqueça. — Naruto pegou o caderno que lhe era oferecido e saiu rapidamente. Tentava não pensar em como acordou pela madrugada com o outro o acordando de mais um pesadelo, que nem mesmo lembrava o conteúdo. Pelo menos ele não estava fazendo piada disso.
O seu colega de quarto o seguiu pelo corredor. Naruto sentiu os olhares de esgueira que recebia. Olhares um tanto curiosos, conseguiu notar.
— Naruto, o que foi aquilo?
— O quê, Sai? — Se fez de desentendido. Não estava preparado para contar a alguém o que viu. Até porque não sabia o que realmente havia visto.
— Você teve um colapso ou desmaiou? Eu não entendi... — Sai disse em voz baixa, já que havia vários olhares voltados para os dois. A fofoca sobre a briga havia se espalhado tão rápido quanto fogo em palha.
— Eu mesmo não sei, só apaguei. — Deu de ombros. Estavam terminando de atravessar o jardim em direção ao pavilhão de aulas quando sentiu aquilo novamente, e ele sabia. Sasuke estava ali.
Se virou reflexivamente a tempo de flagrá-lo esticando o braço para lhe tocar o ombro. Naruto parou, Sai a um passo de distância se virou. Seus olhares se encontraram, e Naruto sentiu a mesma sensação de quando teve a visão, aquele calor lhe subir... E corou envergonhado ao se lembrar do beijo.
Sasuke parecia estar preocupado, seu olhar varreu seu rosto a procura de algo que Naruto não entendeu. E nem queria entender. E com certeza não queria responder qualquer pergunta que sairia da boca daquele cara nesse momento.
Eu não preciso disso. Eu não preciso de mais uma complicação.
Sem perceber direito o que fazia tomou a única decisão que lhe pareceu sensata naquele momento: virou as costas e correu.
Sasuke pareceu chocado com sua ação, o rosto frequentemente sem expressão embasbacada. Teria rido em outra situação, mas o pânico súbito não permitia sentir diversão alguma.
Passou por Sai como um raio na direção de uma das portas que davam para o lado de fora da construção, para a quadra de futebol e tênis. Ultrapassou alguns alunos, tropeçando nos degraus. Praticamente se chocou contra a porta de madeira que abriu. E continuou correndo até a arquibancada da quadra. Embrenhou-se debaixo dos metais que suspendiam a arquibancada de madeira tingida de branco, parando de repente e encostando-se a uma das vigas. Levou a mão ao rosto, suspirando alto enquanto fechava os olhos.
Mas... Que porra eu fiz?!
Não sabia o porquê de ter fugido daquele jeito de Sasuke. Naruto não conseguia entender o que estava sentindo naquele momento e não ajudava em nada aquele calor que sentiu ao vê-lo, como se pudesse sentir o corpo dele tocando no seu, como naquele delírio, como... Como se eles tivessem realmente se beijado.
Não quero beijar esse babaca!
Tentando se convencer?
Ou talvez tenha fugido porque cada sintoma de um surto que poderia ter só acontecia associado a um Uchiha desde que chegou ali. Não podia se dar ao luxo de piorar. Não podia imaginar o que isso faria com sua família se tivesse uma recaída.
Naruto novamente sentiu a presença dele antes de vê-lo, tendo tempo apenas de xingar baixo antes de ouvir a voz grave e levemente ofegante.
— Por que fugiu?
Virou-se, os olhos azul-céu arregalados, a mão no coração acelerado que batia com força contra a sua caixa torácica. Sasuke estava praticamente rente a si, se desse meio passo ficariam colados. Ele o olhava fixamente, os olhos escuros o perfuravam, tentando enxergar sua alma. Notou a equimose arroxeada e inchada na bochecha direita dele e desviou o olhar.
— Se está assim por causa disso, não se preocupe dobe, já levei socos muito mais fortes que os seus. Mãos de anjo. Se sinta perdoado. — Sasuke debochou arrogantemente.
E com apenas isso toda a culpa que sentiu brevemente se evaporou.
Esse cara é realmente irritante.
— Eu não me importo por ter quebrado sua carinha de porcelana, sabe, já tinha um tempinho que eu queria fazer isso. — Naruto se sentiu mais descontraído, sua postura relaxando um pouco. Se sentir irritado era mais familiar do que se sentir confuso como estava antes. — E eu acho que você é que me deve desculpas, sotalach.
Quase riu quando o outro franziu a testa sem entender o insulto. Ao que parece ele achava que podia o xingar à vontade em japonês, mas o arrogante, o sotalach, não entendia irlandês.
Bom. Podia xingá-lo sem ele nem perceber.
— Hum, nem morto. — O Uchiha falou ao fim, cruzando os braços e olhando para a floresta, sério demais. Naruto não gostou nem um pouco de sua expressão ou das perguntas que sabia que viriam. — Dobe o que aconteceu àquela hora?
Engoliu em seco, não sabia o que dizer, mas sabia o que não dizer. Ficou calado por um momento. Seus olhos varreram as arquibancadas, procurando algo que desviasse sua atenção daquela conversa. Notou a luz da manhã entre as frestas de madeira, indicando que já estavam mais que atrasados para a primeira aula.
E então foi quando a sensação o assaltou.
Quase ofegou, os olhos muito abertos. De repente não estava mais ali, debaixo das arquibancadas. Estava em um porão, podia ver ao redor por entre uma fresta de luz que entrava pela porta aberta acima. Ao longe ouvia sons estrondosos, que sacudiam tudo. Se segurava na madeira, olhou de forma frenética para as pessoas abaixo:
—Temos que sair daqui! A Gestapo está vindo. Tenho que mudar vocês de lugar, venham!
O primeiro rosto que saiu da escuridão foi o dele. Magro, pálido pelo tempo que passou dentro daquele porão. Os cabelos desgrenhados, os olhos escuros cansados. Esticou sua mão e ele a pegou, com um aperto forte demais para um corpo tão cansado.
—Venha, Alfred — Falou, sorrindo suavemente. — Eu protejo você.
Medo. Dor.
Seu peito doía e havia tanto sangue, tanto sangue...Traição
Tanta dor.
Acordou com um ofego da alucinação bizarra, seus arredores mesclando.
Não conseguia respirar.
Podia sentir ainda o cheiro do porão. Um cheiro forte de doença, excremento. Era Sasuke. Era Sasuke no porão.
Não conseguia respirar.
Sentiu o mesmo medo que sentiu quando viu Obito, quando se abraçou ao Sasuke na visão, quando viu aquele lugar... Era tudo... Muito familiar, as palavras, as vozes... Tudo tão doloroso...Seu peito parecia que iria explodir.
Olhou para baixo e por alguns segundos viu sangue jorrando de um buraco em seu peito, um grito quase saindo de sua garganta, mas sem ar o bastante nenhum som escapou.
Ser ar.
Não conseguia RESPIRAR!
Naruto!
Sasuke continuou a fitar a floresta antes de se incomodar com a falta de resposta e resolveu comentar:
— Por um momento tive a impressão...
Sasuke se virou na direção do outro garoto e arregalou os olhos.
Naruto tinha os olhos marejados, flutuava ainda mais brilhantes sob a piscina que se formava. Tinha o rosto levemente abaixado em uma expressão de quase dor e pânico, uma mão agarrada no peito. Sasuke naquele momento não deixou de sentir uma fisgada, a dor dele parecia transpassar para si.
De repente o outro ofegou como se a dor tivesse piorado, a respiração descompassada e alta.
—Naruto!
Arfou quando viu o outro garoto desabar em direção ao chão, mas foi rápido o bastante para conseguir ampará-lo.
— Dobe! — Chamou urgente. Ajeitando o corpo pequeno junto ao seu, o rodeando com os braços, tentando erguer o rosto do outro. — Ei! Ei! Naruto!
O chamou desesperadamente, sentindo-se assustado. Quando conseguiu levantar-lhe o rosto, parou de forma abrupta. Ao olhá-lo tão de perto, no rosto pálido eram bem visíveis as gotas brilhantes que riscaram por seu rosto, junto as cicatrizes. Os cílios louros e longos molhados pelas lágrimas estavam juntinhos, seus cabelos haviam caído sobre a testa, quase tapando os olhos. Os lábios entreabertos arfavam de forma singular. Convidativos demais... Umedeceu os próprios lábios por reflexo, não contendo suas próprias ações. Aquele garoto era atraente, os lábios pareciam macios e delicados demais...
Parou abruptamente em horror.
O que estava fazendo? Balançou a cabeça, como acordando de um transe.
Checou a respiração dele, soltando um som de alívio quando viu que ele estava respirando bem e tinha um pulso forte.
Quando viu que ele não iria acordar, passou o braço direito por debaixo de suas pernas e o ergueu.
Leve. Leve demais. Pensou antes de começar a caminhar rapidamente em direção ao colégio carregando o outro garoto.
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Escuro. Tudo estava escuro, de alguma maneira parecia ter uma grande nuvem tapando sua mente, seus pensamentos lentos. Depois de um tempo de entorpecimento conseguiu formular algo coerente em sua mente.
Tenho de... Abrir os olhos...
Os sentia, sabia que estava com os olhos fechados, e sabia que tinha de abri-los. Não poderia continuar ali na escuridão, até porque não gostava dela. Aquela escuridão lhe dava receio.
Forçou suas pálpebras a se abrirem, lentamente, e o ambiente claro foi surgindo, até ferir sua visão. Piscou, tentando se acostumar a tanta claridade, aos poucos também seus ouvidos pareciam começar a trabalhar. E finalmente ouviu sons, tinha alguém falando.
— ... Se você não sabe sua incompetente, como vamos saber se ele não precisa de um hospital? — Alguém falava alto, bem alto, quase gritando. A voz firme que reconhecia bem parecia histérica. — Ele desmaiou e isso já tem uma hora! O que você é uma enfermeira ou uma anta?! Nem merece estar em uma instituição de respeito como essa!
— Se-senhor!
— Eu não quero nem saber de suas desculpas, sua inútil, vá chamar alguém que saiba o que está fazendo! — Naruto sentiu os ouvidos quase apitarem, Sasuke tinha realmente uma voz potente. Mexeu-se na maca, o corpo retesando a cada movimento, aos poucos se sentia cada vez mais lúcido.
O primeiro pensamento coerente que teve, foi que aquele bastardo não devia tratar as pessoas assim.
— Sotalach.... — Chamou, sua voz mais rouca que o normal e arrastada. Levou a mão à testa. Sua cabeça doía como o diabo! — Rude, muito rude...
Nem precisou de um segundo chamado para Sasuke aparecer ao seu lado, quase arrancando a cortina que separava o leito. Naruto o fitou, vendo vários sentimentos passarem por seus olhos escuros, mas infelizmente o único que conseguiu identificar foi alívio.
— Dobe, que bom que acordou. — O tom brando que Sasuke usava era bastante incomum, sorriu de lado. — Bela adormecida.
— Sotalach.... — Murmurou baixo, desviando o olhar. — O que eu estou fazendo aqui e por que você estava berrando que nem uma dondoca com a moça? Rude.
Por sobre o ombro dele viu a enfermeira corar e sorrir levemente em agradecimento.
— Eu estava te defendendo dobe, já que resolveu tirar uma soneca enquanto conversava comigo. Seu inútil. — Não parecia haver nenhuma malicia no tom dele dessa vez.
De alguma maneira, Naruto se sentiu melhor sendo xingado do que recebendo a preocupação dele. Ele já havia se acostumado à grosseria natural de Sasuke mesmo estando convivendo com ele há tão pouco tempo. Os apelidinhos infames pareciam um sintoma de que tudo entre eles ainda estava bem.
—Eu desmaiei? — Perguntou, tentando se sentar, mas sendo impedido. — Cad! Sotalach, me deixe sentar, acha que vou ficar aqui estendido nessa maca ridícula? — Grunhiu, estapeando a mão que o impedia. Sasuke o fitou exasperado enquanto se sentava, o ignorando.
— É desmaiou. Eu até acho que você me deve um agradecimento por ter te trazido até aqui. Sabe, você é bem pesadinho.
— Vou agradecer. No dia de São Nunca Sotalach, não fez mais que sua obrigação.
O outro fechou a cara de forma súbita.
— Na verdade não. A obrigação é do seu namoradinho, o Sabaku.
Seu tom havia mudado completamente, se tornando maliciosa, suas feições ficando amargas. Agora começava a se sentir ofendido. Por que Sasuke sempre acabava o tirando do sério? E pensar que até a pouco estava se sentindo confortável com ele.
A maldita briga do dia anterior era por causa daquele papo, agora, lá vem ele de novo.
— Sasuke, as vezes eu não gosto nada de você, sabia? — Conseguiu manter a voz calma, mesmo saltando para fora da maca, quase se desequilibrando.
Sasuke dessa vez não se moveu para ajudá-lo.
— Então por que ainda está aqui Naruto? Vai embora, some, porque o sentimento é recíproco!
O Uchiha apenas deu as costas e saiu, quase derrubando a pobre moça no chão ao passar.
É, as vezes não gostava nada de Sasuke.
Se virou para a enfermeira, sorrindo levemente:
— Me desculpe por ele. E por dar trabalho já tão cedo.
A mulher piscou surpresa. Naruto se perguntava o quão sem educação eram os alunos ali para ela se sentir surpresa por algo assim. Sua mãe teria um treco se o visse destratando alguém assim.
Escola boa, hein, daídi?
— Oh, não se preocupe, é o meu trabalho. — Ela falou, parecendo se recuperar e mexendo em alguns papéis. Notou seu nome neles. Se perguntou o quanto estava escrito ali, sabia que sua ficha hospitalar seria bem mais grossa do que aquilo. — Sobre o seu desmaio, pelo o que seu colega falou, teve um ataque de pânico, certo?
Naruto olhou ao redor desconfortável.
— É.
Não havia sangue em sua camisa. Tocou seu peito se forma ausente, sem ouvir direito o que ela falava enquanto lhe fazia um check-up rápido.
— Um ataque de pânico.
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Seus passos ecoavam pelo corredor, o som seco e arrastado parecia cem vezes mais alto que o normal, ainda que tentasse silenciá-los a qualquer custo. Estava sem sono, mesmo não tendo uma noite decente de sono desde que chegara ao colégio, simplesmente não conseguia dormir. Seu corpo obviamente reclamava, suas articulações estavam doloridas, seu andar pesado, mas não conseguia melhorar sua situação. Ficar rolando pela cama não parecia uma boa opção, preferia andar.
A sensação de estar enclausurado naquele quarto, não poder sair lhe irritava, então decidiu que quebraria as regras, que sairia dali e andaria por onde e por quanto tempo quisesse. O corredor tinha poucas luzes acesas, fazendo com que surgissem inúmeras sombras tenebrosas. Começou a descer as escadas, devagar, virando o rosto na direção do jardim, este que tinha todas as luzes acesas. Não poderia ir ali, seria facilmente notado pelos vigias, deveria procurar um lugar pouco iluminado, se não quisesse que fosse surpreendido e exportado para casa mais cedo.
Poderia ir para sala antiga da torre do observatório de astronomia. A havia descoberto noites atrás, por acaso, ao vagar como fazia agora. Era surpreendente o que se consegue descobrir quando não se pode dormir.
Porém, precisava de ar livre. Precisava sair daquelas paredes, ou iria surtar de vez.
Virou a direita empurrando uma grande porta de madeira, sabia que por ali chegaria a mata que rodeava o colégio, somente precisava atravessar mais um portão. Olhou para os lados, não parecia ter ninguém por ali, então começou a atravessar o pequeno pátio de grama. O vento congelante, bateu contra seu rosto. Jogando sua franja de encontro a sua testa, sentindo a ponta de seu nariz ficando gelado e seus pulmões arderem. Seu agasalho grosso de lã não lhe protegia de nada.
O frio naquelas montanhas parecia ser ainda pior, a Península Olímpica era muito conhecida por isso. Podia distinguir entre a escuridão a silhueta do portão pequeno, ao se aproximar o empurrou, este se abriu facilmente rangendo de forma macabra.
Sentiu-se melhor quando começou a andar entre as árvores. O que dias atrás lhe trazia lembranças ruins, agora surpreendentemente lhe aliviava.
Não conseguia saber se essa mudança era boa ou ruim.
Ouvia gravetos quebravam abaixo de seus pés, o som seco se misturava ao som suave as folhas molhadas. Algumas gotas da chuva recente ainda caiam do alto das árvores, como se fossem pedras, algum pássaro gralhava ao longe, dando uma sensação ainda mais desconfortável àquela situação. Naruto não sentia medo, deveria, mas não sentia. Na verdade, se afeiçoava com aquele local, tão diferente, tão mais livre que paredes de pedra e mármore.
Apesar de ainda não gostar daquele cheiro de terra e água.
Podia somente distinguir algumas árvores a poucos metros, estava uma noite nublada, sem luz da lua, não podia ver muito. Para voltar, seria fácil considerando que estivesse indo para o norte, e se seu senso de direção continuasse intacto deveria voltar para o sul.
Naruto sentiu o nariz pinicar, levou a mão ao rosto tentando conter um espirro.
Respirou fundo.
“— Então por que ainda está aqui em Naruto? Vai embora, some, porque o sentimento é recíproco!”
Balançou a cabeça freneticamente, tentando afastar a lembrança da voz ferina de Sasuke de sua cabeça. Aquilo havia sido dias atrás. Desde então os dois não haviam melhorado muito. Caia em todas as gracinhas que o outro fazia, mordendo todas as suas iscas, se desestabilizando. Sasuke parecia saber todos os truques para isso.
Era algo muito estranho ficar reagindo assim com um cara que mal conhecia. Como se a opinião dele fosse importante demais, ao ponto de lhe magoar facilmente. Naruto tinha plena consciência disso depois que Sai havia lhe dado vários toques sobre a situação. Sai poderia parecer ser um maluco sem tato de primeira, mas ele sabia distinguir perfeitamente alguns sentimentos que nem Naruto sabia.
Por sorte naquele dia mais cedo havia ganhado uma dispensa das aulas por causa de sua desastrosa visita a enfermaria. Então ficou trancando no quarto a tarde inteira, abraçado a sua adaga. Que infelizmente não estava lhe acalmando tanto quanto antes.
Nos outros dias tentava ao máximo ignorar o Uchiha, mas era uma tarefa difícil. Parecia que tudo o que Sasuke fazia lhe gerava uma reação exagerada. Mesmo que não tivesse alucinado mais, às vezes se pegava ouvindo vozes, vendo formas no canto de seus olhos ao acordar de pesadelos, ao ponto de não querer mais dormir.
Parou, estancado no meio do caminho quando uma luz forte apareceu a cerca de vinte metros à frente, perfurando a escuridão, vindo em sua direção. Naruto sentiu o estômago esfriar de repente, eram vigias, tinha certeza, agora teria de procurar um modo de se esconder, sem fazer barulho. Quase em pânico, olhou para os lados sem ver nada além de silhuetas desconexas. Por intuição virou a direita.
Não tinha como ocultar totalmente o barulho de seus pés no chão, se pudesse subir em uma árvore, não o encontrariam. Olhou para trás, vendo que a luz tinha virado para sua direção: haviam o notado.
Aumentou o passo, correndo, tentando ser o mais silencioso possível. Fez desvios, tentando despistá-los, até ver mais a frente uma construção escura surgir.
Sentiu a adrenalina dar lugar a uma repentina curiosidade.
Era uma cabana pequena. No meio da floresta. Longe de tudo. Mordeu o lábio, em conflito, parando atrás de uma árvore. Logicamente, eles nunca pensariam que ele entraria ali para se encurralar, e sim que estava na floresta.
E queria muito saber a razão daquela cabana estar ali.
Recue. Volte para o seu quarto.
Balançou a cabeça. Aquela não era hora para aquilo. Pegou pedras no chão e jogou o mais longe que podia, na direção oposta de onde ia. Viu as luzes se desviarem para o barulho e sorriu.
Alcançou a cabana e tateou a parede a procura de uma porta, agradecendo mentalmente por encontrá-la. Agarrou a maçaneta e olhou para trás, a luz da lanterna varria a alguns metros atrás as sombras, na direção em que havia os guiado. Naruto se apressou girando a maçaneta e empurrando a porta. Estava aberta. Entrou a fechando de maneira silenciosa, e só respirando após ouvir o leve CLICK da porta.
Vamos ver...! Parou, ao respirar, seu estômago dando um nó por completo, seu rosto ficando pálido imperceptivelmente na escuridão. O odor forte, terrível, que invadiu seus pulmões o fez lacrimejar. O som de moscas se fez mais alto que seus batimentos cardíacos em seus ouvidos.
Era o cheiro de um corpo apodrecendo no sol.
Aquilo o lembrou de quando foi com seu avô Jiraya recolher algumas cerejas na mata que rodeava o acampamento em que estavam, tinha dez anos na época, e quando rodearam um arbusto o primeiro alerta que tiveram foi o cheiro. O horrível cheiro de podridão, um filhote de lobo se decompunha no chão molhado derretendo com insetos por todo o corpo abominável. Apesar de tudo nunca havia sentindo aquele cheiro tão grande, tão abrangente.
É cheiro de morte.
Deve ser um animal, deve ser uma cabana de caça.
Exceto, que pela silhueta que via da luz da lua nas frestas, aquele corpo não parecia de um animal. E aquela região era proibida a caça, tinha certeza de que havia lido a respeito.
Naruto virou-se, chocando suas costas na porta de madeira. Não conseguia se mexer. Suas mãos tatearam seu bolso em busca do seu celular. Quando o encontrou, usou a tela inicial, tentando o máximo chamar a menor atenção para si, e ainda assim ver alguma coisa.
Mas que porra é...
A cena que viu foi horrível. Havia três corpos amontoados em um canto da sala pequena, ou o que restou deles. Estavam desfigurados, em um dos corpos um braço faltava, grandes pedaços de pele e músculos rasgados, partes do corpo inchadas e úmidas de putrefação. Uma poça de sangue escuro e supurado estava quase que completamente seco ao redor deles. E era bem notável, que aquelas roupas rasgadas e sujas eram o uniforme do colégio. E incitadas pela luz as moscas zumbiam loucas ao redor do monte de carne.
Naruto engoliu de volta a bile que subiu por sua garganta, evitando dar um grito de puro horror e evitou respirar profundamente. Aquele cheiro parecia piorar ainda mais seu pânico. Fechou os olhos tentado se acalmar... E droga! Como ficaria calmo com três mortos derretendo no chão a menos de um metro de si?
Memórias da última vez que viu corpos assim lhe vieram à frente da mente, e podia sentir sua respiração ficar ainda mais pesada. Lembrava de sangue nas paredes, nos porta-retratos, vidro quebrados e seu avô...
Se acalme. Tente respirar!
Tinha que se acalmar. E entender o máximo da situação. Não eram os mesmos corpos. Aquilo tinha acontecido anos atrás. Não era mais uma criança indefesa. Estava treinando para evitar que coisas como aquela acontecessem novamente.
Pegue o máximo de informações. E saia. Repetiu para si mesmo. Cada detalhe da cena do crime pode ser importante.
Abriu os olhos, se aproximou dos corpos com as mãos fechadas em punhos trêmulos. Levantou a gola de seu agasalho tampando o nariz tentado filtrar o ar com o pano, adiantando pouco. Se agachou sobre o sangue, perto o bastante para tocá-los, mas longe o bastante para não interferir em nada, ou saberem que esteve ali.
Pôde agora os distinguir: dois garotos e uma garota, os longos cabelos loiros da garota estavam manchados de vermelho, o rosto irreconhecível, completamente fatiado, a carne escura, a pele esverdeada. Podia perceber, por ali, que eram tempos diferentes de morte e aquela não havia sido a cena do crime.
Eles haviam sido trazidos ali já mortos.
Os garotos, um que teve os braços arrancados, pareciam em um estado pior, ainda mais apodrecido, a carne havia se degradado e dado lugar a insetos esbranquiçados que os comiam aos poucos. Havia terra. Ele havia sido enterrado antes.
Estão deslocando os corpos. Os enterrando em outro lugar.
Naruto novamente sentiu a vertigem, mas manteve-se ali mordendo o lábio.
Era claro que os 3 haviam sido torturados.
Moveu-se devagar alternando seu campo de visão, queria ver o rosto de algum dos garotos, qualquer coisa que o ajudasse a os reconhecer, mas um deles estava de bruços e o outro tinha o rosto coberto pelo cabelo da garota. Não tinha coragem de tocá-los, não sem cobrir a mão. Foi então que viu a luz cruzando pela janela. Uma lanterna.
Fechou seu celular e ficou no breu. Alguns pontos escuros e claros nuançaram em sua visão que tentava se acostumar a escuridão repentina. Naruto tentava não ofegar, destampando o rosto e se levantando.
Virou-se, forçando sua visão, não vendo nada além de sombras escuras no chão e no outro canto, onde lembrava que tinha algumas caixas de madeira. Foi até lá, suas mãos tremiam, como todo seu corpo e seu estômago ainda dava voltas. Tocou a madeira lascada de farpas, deslizando os dedos pela superfície empoeirada. E tentado fazer o mínimo de barulho infiltrou os dedos por debaixo da tábua a erguendo, devagar.
Parou, o som de algo sendo esmagado vindo do lado de fora.
Estavam perto.
Deslizou o braço para dentro da caixa sem pensar no que pudesse ter ali, somente preocupado em encontrar qualquer tipo de arma, tateando. Seus dedos tocaram um metal gelado e se fecharam ao redor dele o agarrando com firmeza, o puxou para cima, era pesado. Ao retirá-lo dali, deslizou a mão sobre o metal longo e fino, com uma encurvada na ponta.
Um pé-de-cabra? Apertou-o.
Caminhou devagar até a porta, apurando os sentidos, para perceber qualquer movimento. Quando a maçaneta se mexeu, e a porta abriu, se colocou no exato lugar que sabia que seria o ponto cego de quem entrasse. Não podia ver um palmo a frente, a cabana era pequena demais e não tinha janela ou qualquer outro tipo de abertura além da porta e das frestas que vira mais cedo, então só tinha um trajeto de fuga.
Ficou silencioso. A porta abriu e duas silhuetas entraram. Observou pelo canto dos olhos. Apenas um deles segurava uma lanterna, o outro mais atrás. Não viu armas, mas não podia ter certeza daquele ângulo. Se atingisse um, o outro poderia revidar, e estaria indefeso conta uma arma de fogo. Os dois adentraram mais e por sorte nenhum se colocou na porta de vigia. Provavelmente não haviam o visto dentro da cabana, ou eles teriam o feito.
Poderia esperá-los sair, mas havia uma chance grande de que trancariam a porta. Conseguia ver as chaves na mão de um deles. Por isso esperou que adentrassem ainda mais, um deles parando rente aos corpos. E pela familiaridade deles com a situação, teve a certeza: Eles com certeza não eram os mocinhos naquilo tudo. E com certeza não o deixariam sair ileso.
Se não sair daqui, vou acabar no chão empoeirado apodrecendo como os três ali... Colégio seguro, eles disseram. Onde eu vim parar?! Pensou quase histericamente,
Controlou sua respiração, se afastando aos poucos da porta. Virou-se, forçando sua visão, passou lentamente por trás dos dois a caminho da porta.
CREACK!
Sentiu, mais do que viu, quando os dois se viraram. A luz da lanterna tocou sua nuca e não esperou por nada. Apenas correu.
Podia sentir passos atrás de si, mas nenhum deles gritou.
Eu reconheceria suas vozes se escapasse. Sua mente trabalhou rapidamente. Deve ser alguém que eu conheço, ou vou ter contato. Merda, isso só piora. Eles viram meu rosto?
Sabia que eles não conseguiriam o alcançar. Seu pai sempre dizia que era rápido, e se sabia de uma coisa, era usar uma floresta ao seu favor. Pisando com força no chão fofo, não vendo nada além de sombras, vasculhando sua mente a procura da direção certa a seguir, enquanto tentava ignorar alguns insetos que batiam em seu rosto ou ramos das árvores. Desviou de direção, as luzes ficando para trás.
Fez a curva, ainda empunhando o pé de cabra, correndo rapidamente. Conteve sua felicidade ao ver a grande masmorra surgir mais a frente e o borrão do portão ficar cada vez mais perto. Acelerou o passo enérgico. A mata ficando mais rala.
Até sentir algo acertar sua panturrilha direita fortemente.
Desabou, se chocando na terra fofa de folhas úmidas, batendo a cabeça. A ferramenta escapando de sua mão. Assustado tentando não gritar de dor se virou de bruços. Procurando quem ou o que o derrubou, vendo a grande sombra a sua frente. Era uma pessoa, a poucos passos de distância. Segurava alguma coisa, que não podia identificar mais sua mente o fazia acreditar ser uma arma.
Esticou o braço destro para trás, procurando entre as folhas o pé-de-cabra. A sombra deu um passo em sua direção, parecendo horrivelmente maior do que deveria ser. Naruto sentiu novamente a sensação de seu estômago gelar, e pânico. Sua mente gritava que iria morrer se não encontrasse a ferramenta, ao mesmo tempo em que gritava para que corresse. Pura adrenalina correndo em suas veias, acelerando seu cérebro, o fazendo pensar em milhões de rotas de fuga em segundos.
Mais um passo.
E sua mão se fechou ao redor do metal.
Mais um passo.
O homem colocava a lanterna em sua direção, tentando ver seu rosto mais claramente. Antes que ele conseguisse, com toda a força que tinha, arremessou o pé-de-cabra na direção dele. Ouviu o som agourento da pancada e a sombra afundou no chão. Tudo aconteceu tão rapidamente que Naruto demorou alguns segundos para assimilar. Havia acertado a cabeça. Pura sorte.
Ele não está sozinho! Se levante! Corra daí!
Levantou-se, tentado ignorar a dor. O que quer que tenham o acertado, foi forte o bastante para lhe dar uma bela contusão no nervo, por sorte não quebrando sua perna.
Se jogou para frente, se forçando a correr, mesmo mancando. Se vendo de fora da cortina de árvores, empurrou com demasiada força o portão, voando por ele enquanto ele batia contra o baixo muro. Avançou na porta de madeira entrando, sentindo-se aliviado pela primeira vez ao estar rodeado pelas paredes geladas de pedra. Sua vista agradeceu a luminosidade baixa dos corredores enquanto se empurrava escada à cima, pulado os degraus, tropeçando em alguns.
Tomou diferentes direções, mesmo com a dor na perna, por via das dúvidas. Eles haviam visto a roupa do colégio, mas não seu rosto. Sabiam que era um aluno, mas com sorte, não quem. Naruto não era o único aluno loiro naquele colégio, afinal.
Uma leve brisa passou por si, quando conseguiu chegar ao topo da escada, pela primeira vez notando que havia suado em todo o processo. Respirou fundo fechando os olhos e jogando a cabeça para trás, cansado.
Abriu os olhos e caminhou para seu quarto, mancando, enquanto retirava as chaves do bolso. Ao chegar em frente à porta, a destrancou e entrou, trancando-a novamente. Quando se viu dentro do quarto escuro e quentinho, suspirou fechando os olhos e se recostando a porta. Deslizando por ela até o chão.
Sai dormia na outra cama, alheio a tudo. Alheio a corpos em cabanas.
Fechou os olhos com força, e finalmente se livrou da dormência que parecia se apossar de si.
E chorou.
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E mais uma noite insone.
Estava se sentindo péssimo naquela manhã. Seus olhos vermelhos, inchados e secos pareciam cheios de areia, faziam sons ao piscar. Mas não era para menos, não havia dormido um minuto sequer naquela noite, não conseguiu.
Se pegou em um impasse, tinha que decidir o que fazer. Sabia que não podia simplesmente denunciar o que havia acontecido. Os corpos com certeza haviam sido retirados. Não tinha ideia dos envolvidos.
Ainda assim, não podia simplesmente não fazer nada.
Sempre que fechava os olhos a imagem daqueles corpos, se misturando com as lembranças terríveis do seu passado... O terror de fugir do desconhecido no breu da noite... E sua perna machucada que doía... E ainda por cima as vozes... As malditas vozes apenas pioravam.
Isso é tortura!
Se alguém queria o enlouquecer, estava conseguindo, definitivamente. Ia acabar saindo daquele lugar em uma camisa de força.
Isso se saísse.
Visões, jogos estranhos, Sasuke-bipolar.... tudo parecia menor agora. Eram corpos de adolescentes. E pessoas muito perigosas espreitando a noite o colégio, o que lhe trazia um sentimento infernal de insegurança, impotência.
O que eu faço?
Tomou banho se arrumou em piloto automático. Passou o creme na perna, que portava uma grande marca arroxeada na panturrilha. Era a prova de que não havia apenas alucinado tudo aquilo, algo que havia cogitado durante a noite. Não seria a primeira que algo assim acontecia.
Mas também era uma pista que o incriminava, se as pessoas certas percebessem.
Saiu como sempre com Sai, que lhe encheu de perguntas.
— Foi visitar o Uchiha a noite e levou uma rasteira para estar mancando assim é? — Ele disse malicioso.
— Não seu babaca.
— Então foi ver o Uchiha, levou um fora e depois uma rasteira é? Você tá com cara de quem chorou a noite inteira...
— Cala a boca Sai! — Rosnou, pensando em estrangular o outro.
Se conteve ao ver Ino correndo na direção deles, o rosto preocupado.
— Naruto! Eu soube que você desmaiou! O que houve? Está doente? — Ela parou a frente deles, os obrigando a parar também, e tocou o braço de Naruto cuidadosamente.
— Estou bem, foi só minha pressão que caiu. E isso foi há dias, Ino. — Disse, tentando livrar da mão da garota discretamente.
— Eu não vi você desde então. — A garota franziu o cenho. — Você está pálido, e seus machucados...
—Eu já disse que estou bem! — Desvencilhou-se da garota.
Estava irritado, cansado, com os olhos doloridos assim como o resto do corpo. Não estava a fim de conversar e nem de dar justificativas, deixando Sai e Ino surpresos com sua reação.
Sabia que se sentiria mal depois, mas podia ser egoísta naquele momento.
Se apressou para entrar na sala. Sasuke estava sentado na carteira da fileira ao lado da sua, com uma cara de poucos amigos. Naruto foi até lá e se sentou, como sempre. Se virou e se pôs a olhar pela janela. Para a floresta.
As lembranças da noite passada estavam girando em sua cabeça, o pressionando. Tinha de tomar uma decisão. Não poderia guardar aquele segredo consigo.
Primeiro, porque era errado. Saber que tinha três corpos de ex-alunos dali apodrecendo no chão, talvez as famílias preocupadas com eles... Esse pensamento o fez se sentir ainda mais pressionado.
Segundo porque nada impedia que ele fosse um próximo corpo na floresta se não pegassem quem fez isso. Ou Gaara, ou Sai, ou Ino ou...ou Sasuke.
Eu tenho de fazer alguma coisa. Sou o único que sabe sobre eles, não posso simplesmente esquecer, eu tenho de contar a alguém, alguém que possa tomar alguma decisão... Mas quem acreditaria em mim?
Seu pai acreditaria. Apesar de tudo, sabia que ele não brincaria com algo assim.
Tinha que entrar em contato com ele. Mas como? E sem levantar suspeitas? Não sabia quem mais estava envolvido em tudo aquilo.
A única forma de ligar para as famílias era por meio da direção. Sinal de celular não funcionava ali, os aparelhos eram inúteis para algo além de ouvir música e jogar. Sabia que alguns alunos conseguiam acessar a internet ilegalmente para acessar as redes sociais, mas eram por momentos e sempre o sinal era tombado. E Deus sabe quem estaria vigiando uma conversa online, era arriscado demais.
A direção.
Sentiu um arrepio desagradável ao pensar no que isso implicaria.
— Sai? — Se virou logo após que ele se sentou. Vendo que o Uchiha o olhava de esgueira. Aproximou o rosto mais para perto do outro que franziu com a sua aproximação.
— Ei, ei, eu não curto dessa fruta não. — Sai negou acenando freneticamente. Naruto rolou os olhos contendo a vontade de esbofetear o outro.
— Larga de burrice! Eu queria saber sobre o diretor.
— Obito Uchiha?
Sasuke pôde ouvir quando Sai havia dito o nome de seu tio. Sentindo uma irritação imediata.
O que o Dobe quer com meu tio? Se inclinou um pouco, queria ouvir o teor da conversa, mas Naruto abaixou ainda mais o tom.
— É. — Naruto estremeceu. — Esse cara, ele é mesmo de confiança?
Seu pai havia dito que era.
Seu pai também havia dito que aquele colégio era seguro, e havia corpos em cabanas.
Sai o fitou curioso, por um momento pensando no porquê do interesse repentino do colega de quarto no diretor.
— Acho que sim.
— Acha?
— Eu não sei. Nunca falei com ele mais que um bom dia.
Naruto engoliu em seco se virando para frente. Sai era realmente um imprestável.
Não faça isso.
Se fosse para me levar pelos meus instintos... Eu ficaria bem longe dele...Mas...posso o convencer que apenas sinto falta do meu pai.
Não conseguia convencer nem a si mesmo.
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Sasuke caminhava ao seu lado, as mãos no bolso e a mesma expressão indiferente de sempre. Iam em direção ao refeitório, mas tinha outra coisa para fazer. Iria falar logo com Obito, mesmo que essa ideia não lhe agradasse tanto. Precisava falar com seu pai.
Logo após burlarem um grupo de garotas que chamavam pelo Uchiha, Naruto parou. Sasuke parou um passo à frente com cara de nada.
— Ei, vamos logo.
Naruto coçou a nuca, olhando para o chão. Teria de disfarçar se não quisesse que o outro lhe seguisse.
— Vou pegar uma coisa no quarto primeiro. — Apontou par ao pavilhão de trás.
Sasuke ergueu uma sobrancelha fina, o olhar avaliativo o percorreu de cima a baixo.
— Okay.
E sem dizer mais nada, Naruto virou cambaleando pelo jardim até o pavilhão. Esperaria que saísse do campo de visão dele para ir ao pavilhão certo, onde lembrava ficar a diretoria.
Passou por algumas árvores, ainda sentindo o olhar do outro em suas costas o fuzilando. E quando passou por trás de uma pilastra, parou. Esperou um pouco e agarrando-se a ela olhou se o Uchiha ainda estava ali. Nada, tudo limpo. Começou a andar em direção ao pavilhão norte.
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Sasuke esperou um pouco encostado a porta do refeitório, vendo o loiro quase correr na direção do outro pavilhão. Sabia que ele estava mentindo, estava indo ver seu tio, tinha certeza.
Quando o viu sumir por uma porta avançou, mãos ainda nos bolsos, franja ao vento. Iria ver o que aquele idiota queria com Obito e se possível, não permitir que ele chegasse perto do velho.
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Naruto entrou na sala, a mesma em que ficou esperando o pai no dia em que chegou. Foi até a porta de mogno e bateu, uma mulher assentiu e entrou. A sala da secretaria era do mesmo tamanho da de espera. O papel de parede azul com desenhos parecia velho, duas poltronas de couro bege no canto, uma luminária em forma de folha ao lado de uma janela, da qual poderia ver o jardim interno do colégio. O chão coberto por um carpete vermelho.
Na extremidade esquerda da sala, ao lado de uma grande porta escura ficava a escrivaninha com um computador da secretária. Secretária essa que parecia ter seus trinta anos. Cabelos loiros presos em um coque social, os olhos caramelo, lábios finos e bem desenhados. Uma mulher bonita, que lhe olhava de maneira avaliativa.
— Com licença senhora, eu gostaria de falar com o diretor Uchiha?
Disse se aproximando, sorrindo de forma charmosa.
— A que respeito? — Ela perguntou, parecendo não dar a mínima a ele, pegando o telefone.
— Sobre a permissão para entrar em contato com os familiares. É uma emergência familiar.
A loira o olhou descrente, mas pegou o telefone ainda assim. Talvez sua aparência insone tenha a convencido.
A ouvir murmurar algo como sempre tem um nessa época.
— Anúncio a quem?
— Naruto Uzumaki.
Não foram precisas muitas palavras para que sua entrada fosse liberada. A mulher queria abrir a porta para si, mas se negou veemente.
Naruto abriu a porta e parou chocado com a bizarra atmosfera da sala. Era como uma sátira de um clube de homens dos anos cinquenta, um grande escritório decorado com uma extravagância beirando o ridículo.
As paredes tinham grandes estantes de mogno e mesas cercando uma espécie de área de descanso feita com acolchoadas cadeiras de couro e uma mesa de mármore, tudo sob um provável tapete oriental. Um elaborado lustre vinha do teto, jogando sua melodiosa luz. Quadros e delicados vasos estavam por toda parte, mas seus clássicos designs eram ofuscados pelas empalhadas cabeças de animais e pássaros que dominavam um canto, ao lado de uma grande mesa, onde um notebook e alguns porta-caneta repousavam junto a algumas pastas.
Naruto se sentiu um enfeite sendo olhado pelos animas empalhados.
Tinha um falcão que parecia estar voando, cabeças de alce e veado. O efeito foi tão pavoroso que por um momento Naruto não respirou. Foi quando a alta poltrona atrás da mesa girou de repente. Conteve um grito de terror, esperando ver a Morte, sorrindo para si. Mas era um homem, aquele homem.
Ele não era menos assustador que a morte, com certeza não.
Obito Uchiha sorriu, de maneira que todos seus belos dentes ficassem expostos, como se estivesse se divertindo com uma piada interna. Os cabelos negros bagunçados. Os olhos ônix intensos se mostravam satisfeitos e de alguma forma irracional, ele o olhava em expectativa.
Davlin
Sentiu uma revulsão imediata.
Naruto estava paralisado no lugar, seu corpo reagindo da mesma forma de quando o viu no auditório três dias atrás. O coração palpitando, dolorido, suas mãos começaram a tremer. Sua garganta se apertou. Havia algo naquele homem altivo, que o fazia pensar em fugir, querer fugir dali. O mais longe que pudesse, o mais rápido que pudesse.
Era como ver um predador terrivelmente perigoso. De alguma maneira aquela áurea escura e tenebrosa parecia tentar lhe alcançar, lhe engolir. Obito parecia realmente pertencer a aquela sala fria, parecia fazer parte dela; seu terno escuro combinava muito bem com ele.
É como ver a personificação do diabo!
— Sr. Uzumaki, por favor... — Ele disse enquanto indicava a poltrona à frente da mesa, sua voz transparecia um divertimento sem igual. Naruto estremeceu mordendo a bochecha por dentro com força. Tinha de se acalmar, tinha de reprimir aquelas ações estranhas que tinha quando o via. Aquele homem era só... excêntrico.
Caminhou devagar, poucos passos e já estava de pé a frente da mesa. O olhar voltado ao chão, sentindo que era encarado intensamente pelo mais velho. E se sentou, quase desabando na poltrona de couro.
— Minha secretária me disse que você queria falar comigo a sós, Sr. Uzumaki. — Sua voz era grave e firme, aquele tom de quem está sempre de rindo de uma boa piada, ou fazendo suas próprias. Naruto sentia o corpo retesar, sentindo-se novamente pressionado.
Imediatamente algo dentro de si lhe dizia para não contar nada. Tinha que ter cuidado em como jogar aquilo. Sempre fora um bom ator, mas noites sem dormir não exatamente o ajudavam a pensar racionalmente.
Ou não teria saído para floresta no meio da madrugado e entrado em uma cabana estilo serial killer apenas por curiosidade.
— Se-senhor Uchiha...
— Oh, por favor, chame-me somente de Obito, é claro se eu puder o chamar somente de Naruto.
Não, não pode.
Saia daí... Novamente aquela voz, a mesma que ouviu antes de desmaiar no campo de futebol, que ouvia há dias. A diferença era que agora, era bem mais audível. Saia daí. Agora.
— Certo... Hum, Sr Uchiha. — Falou ignorando o pedido. — Meu pai me disse que poderia entrar em contato com ele através do senhor.
O homem o olhou de forma estranha.
—Sim, claro. Mas geralmente não permitimos contato tão cedo no ano letivo. Vai contra o objetivo de trabalhar a independência dos alunos, você vê.— O homem se recostou mais na cadeira, o avaliando. Notou os olhos dele em sua perna. Tentou lembrar se ele o viu mancando, mas não tinha certeza. — A não ser em casos específicos.
—Específicos?
—Doenças, por exemplo. Soube que desmaiou mais cedo essa semana?
—Ah, sim. — Era uma boa desculpa. — É sobre isso que preciso falar com ele.
O homem o avaliou bem de perto, e então sentiu um arrepio lhe percorrer.
—Sei que não está sendo totalmente verdadeiro, Naruto.
Tentou não prender sua respiração, seus olhos inocentes.
—E por que eu mentiria sobre algo assim?
—Não sei. Me diga você.
Os olhos dele eram profundos nos seus, calmos.
—Pode confiar em mim.
— Pode confiar em mim.
Uma floresta, olhos escuros o fitando de forma brincalhona. Olhando para frente, via mãos pequenas, suas mãos estendidas. Abaixo, o rosto dele se quebrou em uma risada, os braços estendidos.
—Pode pular, eu vou te segurar
Som de riacho. Colina. Ao longe paredes de pedra. Uma cruz. Sinos.
— Eu nunca machucaria você, meu menino.
—...aruto?
A voz dele parecia genuinamente preocupada, e olhou de supetão para cima, sacudindo a cabeça da visão estranha.
— Não é nada.
Não havia sido uma boa ideia ir ali. Não estava em um bom estado mental para lidar com aquela situação.
— Isso não pareceu nada.
Se acalme.
Preciso mentir para sair dessa situação. Ele não vai aceitar apenas que preciso falar com meu pai.
— Sim, não estou bem. — Falou de repente, quase mordendo a língua ao assumir fraqueza na frente de um predador. — Por isso preciso falar com meu pai.
— Ou pode falar comigo. É meu dever ajudar os alunos, esse é meu trabalho. — O homem o olhava fixamente. Naruto se sentiu mal, seu estômago deu um nó.
—Eu preferiria tratar desse assunto com meu pai, Diretor. Tenho certeza de que consegue entender, sendo uma questão familiar sobre minha saúde.
Minta melhor do que isso.
—Tenho certeza de que ele deixou a escola ciente sobre certas particularidades médicas minhas que são sigilosas devido a quem ele é.
— Ah, Naruto, falando assim parece que não confia em mim?
Não me chame pelo meu nome. Não tem permissão!
— Mas eu acredito que sei o que está acontecendo.
Sentiu um arrepio percorrer sua espinha quando o homem sorriu. Ele parecia terrivelmente satisfeito.
— Deixe-me adivinhar, sei como é difícil falar algumas coisas para adultos, já tive a sua idade, você vê. Tem envolvimento com sua perna? Notei que está mancando terrivelmente essa manhã.
Sai daí. Sai dai!
Naruto pegou uma das canetas e rodou ela entre seus dedos, tentando se postar de forma casual, sua voz adquirindo um tom envergonhado.
— Tive um pequeno acidente no treino ontem.
— Oh? Seus olhos estão vermelhos também. Teve uma noite difícil?
Naruto tentou acalmar sua respiração, olhando a porta de soslaio. Como se adivinhasse seu pensamento o homem se ergueu, caminhando pela sala. Naruto seguiu cada passo seu sem se erguer da cadeira.
— Saudades de casa. Não consegui dormir.
Suas palavras saíram quase calmas, o que era um milagre porque Naruto sentia seu peito contraído, estava difícil para respirar. Seus instintos apitavam.
Eu devo estar errado, eu tenho que estar errado...
— Por isso as saídas noturnas? Não consegue dormir?
Naruto respirou fundo e soltou o ar devagar.
Merda.
Encarou Obito Uchiha, ignorando a voz gritando em sua cabeça. O sorriso divertido, a expressão de um predador que havia visto sua presa caminhar em seu território de forma estúpida.
Obito Uchiha sabia exatamente o que havia feito noite passada.
Talvez alguém tenha me visto dentro dos corredores. Tentou uma última vez.
— Apenas algumas caminhadas nos corredores.
Ouviu uma risada suave, olhando de perfil se recostando na mesa ao seu lado de forma casual.
Muito perto.
Abaixou sua mão com a caneta disfarçadamente.
— Nós dois sabemos que não foi isso, Naruto.
Fechou os olhos brevemente.
Ele sabe.
— Ficou com medo? — Obito o olhava de cima, a voz em simpatia. — A primeira vez sempre é a pior, posso imaginar.
— Não sei do que está falando.
O homem apenas riu novamente.
— Dos corpos, claro.
Um tremor passou pelo seu corpo, Naruto o fitou em silêncio. A voz ainda gritava em sua mente, a sua saída pela porta estava bloqueada, os olhos do predador estavam nos seus.
Em um momento de histeria estranha Naruto queria dizer que não era a primeira vez. Não eram os primeiros corpos que via. Nem de longe.
Era sua única vantagem, talvez. Obito não sabia que ele não era o único assassino naquela sala.
— Eu já passei por isso. — Obito continuou, jovial. — Era jovem como você, mas acredito que foi bem pior para mim.
Empatia, compartilhar de uma experiência com alguém faz com que ela confie em você, que crie uma ligação. Ele vai tentar me convencer a ficar calado.
Obito se moveu, Naruto o olhou por um momento, observando-o, ainda silencioso. Com as mãos nos bolsos, ele entrou em seu ponto cego.
Obito soltou um suspiro alto.
— Você tem uma excelente pontaria, Naruto. Ele teve que ir ao hospital com uma concussão. Me pergunto o quanto disso foi sorte. Quando ele acordou, no entanto, conseguiu ter uma boa desconfiança de quem andou entrando onde não deveria. Você, afinal, é bem...peculiar para não ser notado, mesmo de costas. Mas ainda assim, obrigado pela confirmação.
— Não sei do que...
— Naruto.
A voz saiu em um tom suave, mas diferente do que já havia ouvido. Sem diversão alguma. Engoliu as palavras, seu corpo tenso.
— Então você sabia? — murmurou suavemente, desistindo de tentar se fazer de desentendido.
Eu sou tão idiota.
— Quem você acha que os colocou lá?
A voz dele estava perto, atrás da sua cadeira. Naruto forçou uma calma abrupta em seu corpo, apertando a caneta em sua mão.
Sentiu a voz dele em seu ouvido.
— Quem você acha que ordenou a morte deles?
Naruto moveu sua mão rapidamente, mirando a caneta no olho perto do seu rosto. Uma mão segurou seu pulso com força antes que conseguisse atingir o alvo.
Abriu seu punho, soltando a caneta e a pegando com a outra mão. Mudou a trajetória para atacar novamente, apenas para sentir um punhal gelado em seu pescoço.
— Quieto.
A voz era dura, a mão em seu punho apertando mais forte.
— Solte a caneta.
A voz em sua cabeça era apenas um zumbido incoerente. Naruto apertou seu punho e sentiu a lâmina apertar mais, tensionando seu pescoço para cima. Obito o olhava, a expressão extremamente calma.
— Naruto, solte a caneta.
Abriu o punho e ela caiu no carpete. Tentou não engolir e se cortar, ainda mais quando o outro sorriu.
— Bom menino. Você é realmente incrível, Naruto. Esse golpe mirou para me matar. Você é um pouco diferente do que imaginava.
Naruto não queria nem começar a entender essa frase.
— Vai se foder.
O outro apenas sorriu novamente. Ele afastou a lâmina, mas antes que pudesse tentar algo a mais a mão dele havia agarrado seu cabelo com força e sua testa foi contra a mesa. A dor não foi tão terrível e seu nariz não foi atingido. Poderia ser pior. Sentia que poderia ser pior.
—Mais respeito, Naruto.
A voz perto do seu ouvido era jovial. E isso era pior. Sentia o corpo dele próximo e isso era muito pior.
Naruto trincou os dentes e se preparou para jogar a cabeça para trás e acertar o nariz do outro, mas logo ele não estava mais lá.
— Eu já sabia que numa hora ou outra você descobriria. Quando me falaram, sabia que havia sido você. Parece sentir o cheiro de problemas... Igual a seu avô. — A mão dele continuava firme em seu cabelo, o punhal agora perto de suas costelas, em um ponto vital. — Não sabe a hora de fechar a boca também. Então eu irei te ensinar...
A mão em seu cabelo o obrigou a se erguer, a cadeira sendo chutada longe. Apenas seu instinto de autopreservação o fez não se mover quando ele o virou de frente, soltando seu cabelo e o prendendo contra a mesa, sua presença enorme muito perto.
A expressão de Obito não estava nada jovial agora. Naruto olhou de soslaio quando ele pegou outro punhal de algum lugar, esse indo novamente para sua garganta.
— Sei o que pensa em fazer, contar ao seu pai. Seria uma boa ideia, se não houvesse diversos fatores envolvidos.
O punhal forçou sua garganta, atrapalhando sua respiração.
— Acompanhe meu raciocínio, por favor. Imagine, numa situação hipotética, que você conte a alguém, nesse caso seu pai. A primeira reação será de incredulidade, ninguém acreditará em um garoto que foi expulso do antigo colégio, um delinquente.
Obito riu, se deliciando em como os olhos azuis vibravam nas órbitas. O rosto dele parecia quase calmo, mas aqueles olhos azuis entregavam tudo.
Tentou não focar no ferimento vermelho na testa dele, onde bateu contra a mesa. Não havia usado muito força, mas ainda assim não era sua intenção ser tão duro inicialmente. Até ver que se abaixasse sua guarda poderia morrer. Naruto com certeza não era o que pensava. Nenhuma ficha sua fazia sentido com aquela criatura ali na sua frente, parecendo quase calma mesmo com um punhal perto do seu coração e outro na sua garganta.
Apenas os olhos dele tinham algum sentimento, mas não era medo. Era apenas pura fúria.
Imaginava o que ele havia passado para ser assim.
Somos mais parecidos do que pensei.
A noção era estranhamente prazerosa.
— Imagine então que, de repente, sua mãe morre. Um tiro na cabeça enquanto está o Hospital Geral de Seattle trabalhando. Todos ficam desesperados, aí você entende. Foi por causa do que contou. Então tenta avisar o pai que o ignora, a próxima pessoa, sua amável prima Karin. A vadia está em Paris de férias, e de um dia para o outro desaparece. Então, seu pai começa a lhe dar atenção e oh! Morto também. Só resta você, com tantas mortes nas costas, você se sente tentado a se suicidar, mas antes que o faça, Sasuke meu sobrinho, morre deixando uma carta que lhe dá toda a culpa pelas mortes de seus familiares, além da morte dos três alunos.
Naruto abaixou o olhar, fitando o punhal em sua garganta. Naruto tentou a todo custo continuar impassível, sem transparecer nada.
— Você entendeu Naruto, querido, a situação não é muito favorável a você.
Naruto acenou devagar, tendo cuidado com o punhal. Obito deu um passo para trás, removendo o punhal entre suas costelas. O garoto era muito impulsivo, sabia lutar e manusear armas, traduzindo, era uma pessoa perigosa.
Deixou de apertar o punhal na garganta dele, mas não o removeu.
Mas não mais que eu.
— Então o que decidiu? Vai ficar calado e me obedecer, ou se rebelar?
— ... — Naruto continuou calado, sentiu novamente a lâmina se forçar, quase cortando a pele. — Eu aceito.
Não foram precisas mais palavras e sentiu o alívio de não ter mais o punhal pressionado na garganta. Obito o fitava, com um sorriso de pura felicidade, sua postura se relaxando, voltando a ser aquele homem de humor bizarro.
— Fico muito satisfeito com sua decisão! Eu realmente não queria ter de lhe matar, me parece ser quase que abominável fazer isso com uma criatura tão rara. — O homem elevou a mão em direção ao rosto de Naruto, que a estapeou rapidamente.
— Não toque em mim.
Sua voz saiu venenosa, a calma se esvaindo.
A expressão de felicidade de Obito se transformou em raiva imediatamente.
O punhal estava novamente entre suas costelas.
— Vou explicar a parte em que não entendeu, garoto. Você, agora me pertence. Sua vida me pertence, isso o faz meu. Você só irá se aproximar e conversar com as pessoas que eu quiser, o que eu mandar fazer, você fará! Senão sua família vai pagar!
Obito esticou a mão direita ainda com o punhal, tocando o pescoço dourado com a lâmina, deslizando-o até se infiltrar pela gola da camisa branca, cortando os botões pelo caminho. Naruto os sentiu cair, se forçando a não fechar os olhos ou manter a respiração calma. Sentiu sua gravata cair também, tendo sido cortada facilmente.
Obito passou a lâmina na clavícula proeminente, traçando linhas delicadas com a parte cega da arma, sem ferir a pele. Desde que o vira no auditório vinha sonhando em poder tê-lo tão perto quanto agora. Desde aquele momento, quando o viu, quando finalmente teve a certeza de que ele era real. Todo aquele tempo ele era real, todos aqueles anos sonhando só para o ter ali, em seu domínio.
Ele era muito mais do que havia se quer sonhado e não conseguia explicar quantas vezes o fantasiou nos últimos dias em sua cabeça, em como seria tê-lo finalmente. Ele estava ali, e logo estaria na sua cama e...
Um som de respiração alta, de dor, o fez focar novamente, notando que uma das linhas havia se aprofundado e sangrado. Parou abruptamente, removendo o punhal como se o queimasse, se controlando para não pedir desculpas ou o fitar nos olhos novamente com o risco de se sentir culpado.
Se afastou dele totalmente e voltou para detrás da mesa, controlando sua respiração. O garoto se virou, os olhos azuis arregalados, dando passos para trás, uma mão tocando o ferimento. As pernas trêmulas pareciam não suportar mais seu peso. Obito não esperava uma reação tão extrema a sua aproximação. Teria que ser mais cuidadoso do que pensava.
Abriu a gaveta e jogou um lenço para ele, para limpar a fina linha de sangue em sua clavícula.
— Deixe a gravata aí, mais tarde mandarei alguém entregar outra no seu dormitório e uma nova camisa. Agora vá, e não se esqueça de nosso trato. — Finalizou. — Minha raposinha.
Naruto ajeitou sua camisa como pôde, caminhando da maneira mais rápida que podia daquele lugar.
Sabia muito bem como chantagens como essa funcionavam, respeitaria as regras, mas se tivesse um simples deslize tudo era posto a perder. Só por aquele breve encontro percebeu também que Obito era um homem imprevisível e isso o tornava extremamente perigoso. Ele poderia assassinar toda sua família em segundos, poderia matá-lo quando quisesse, não tinha garantias de nada. E pelas atitudes dele sabia exatamente o que ele queria também.
Não conseguia nem pensar nisso sem entrar em pânico.
Ele tinha até colocado Sasuke no meio, seu próprio sobrinho.
Só tinha um modo de acabar com tudo, sabia disso.
Eventualmente, matar Obito seria sua única opção.
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