Olhando para trás eu vejo bem, que minha vida pode ser retratada como uma tragédia atrás da outra. Como uma peça armada da qual nunca tive controle algum.
E ainda assim...não era como se tudo fosse ruim o tempo todo: Eu tive muitos momentos felizes, correndo pela sala com o tio Naa e Karin, andando nos ombros do meu daídi e me sentindo o dono do mundo. Eu lembro do calor no colo da minha mam enquanto ela cantava música dos anos 50, de ver meus pais dançando ao som do rádio na cozinha quando pensavam que ninguém estava olhando.
Eu lembro dos meus avós brincando comigo atrás da cabana, se bicando, mas com os olhos cheios de amor um para o outro.
Eu lembro das histórias perto da lareira, dos jogos de hockey com meu pai, e dos agentes dele vindo para minha festa de aniversário e brincando comigo a tarde inteira. De caminhar pelos corredores da agência, visitando todo mundo com um olhar de inocência sobre o mundo que queria tanto ainda ter.
Tudo era possível naquela época. Eu queria ser médico como a mam e salvar pessoas, morar em uma cabana nas montanhas cheias de cachorros e fazer trilha aos fins de semana com alguém que eu amasse tanto quando mam e daidí se amavam.
Eu tinha certeza de que nenhum mal podia nos atingir, ninguém era mais poderoso que daidí, e as pessoas que eu amava viveriam para sempre.
Quando tudo ruiu em um galpão abandonado eu me dei conta que o mal existia e ele estava ali, e eu não podia fazer nada.
Quando eu vi daídi chorar ao me deixar com meu avô, eu vi que ele não era o mais poderoso do mundo.
Quando tudo quebrou numa cabana ensanguentada, eu me dei conta que as pessoas que eu amava podiam me deixar, e essa era a pior dor que podia existir.
Quando Gaara sumiu naquele corredor para nunca mais voltar, eu percebi que você poderia sim sentir aquela dor mais de uma vez, e ainda assim continuar respirando.
O SOM ABAFADO DAS PANCADAS ERA AGOURENTO. Tentou manter os olhos fechados como o avô mandara, mas não conseguia. Sua voz estava rouca de gritar, as mãos machucadas pelas amarras que tentava se soltar a todo custo. Um pé estava nas suas costas, o mantendo no lugar. Não conseguia respirar, pela posição, e pela dor física e emocional. Era dor demais.
Ele não tivera chance alguma. Não pudera fazer nada para ajudar. Tudo o que podia fazer era ver aqueles homens espancando seu avô daquela maneira, o obrigando a olhar tudo. Não podia ser verdade. Só podia ser um pesadelo. Ninguém derrotava seu avô, nem seu pai conseguia. E agora aqueles homens que nem sabia de onde haviam saído estavam o machucando.
Seu avô tossiu sangue.
Tinha que ser mentira.
Havia parado de gritar, e tudo o que conseguia fazer era olhar, vidrado. Eles estavam falando alguma coisa, gritando, perguntando. Seu avô estava falando alguma coisa em meio aos gemidos.
Uma mão foi para seu cabelo de forma dolorosa, puxando-o para cima, de pé. Seguraram seu queixo, queriam que ele visse. Eles também haviam levantado seu avô. Seus olhos se prenderam nos dele, no seu rosto machucado, inchado. Seu avô tentou sorrir, para lhe assegurar algo, mas havia tanto sangue que ele sabia que era mentira.
O homem atrás de dele falou algo em seu ouvido. Uma arma foi levantada. Seu avô moveu os lábios, lhe falando algo, e sentiu mais lágrimas nos olhos ao entender o que ele dizia. Sua boca se abriu para gritar, reencontrando sua voz. E foi quando ouviu o estampido, a bala atravessando a nuca do avô. Ele caiu de joelhos, antes de desabar, o transformando em uma massa de sangue no chão.
Seu coração acelerou dolorosamente, ouviu risadas dos homens, eles falavam algo sobre terminar a revista na cabana. Sua respiração se tornou um hiperventilar e foi empurrado ao chão, caindo cobre uma poça de sangue do próprio avô. Não notou, seu olhar vidrado quando o viraram de barriga para cima com o pé de forma abrupta.
Foi quando tudo se tornou vermelho.
Seja forte Sionnach beag. Você tem que ser muito forte
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Os olhos azuis se abriram na escuridão do quarto, sua respiração acelerada, coberto de suor. Se sentou na cama, a mão no rosto, tentando se certificar que estava acordado, que aquilo não era real. Fazia... Muito tempo que não tinha aquele pesadelo, que não lembrava daquele dia. Do pior dia da sua vida.
Colocou a mão no peito, tentando acalmar o coração. Fechou os olhos apertado, sabendo que se olhasse para si mesmo agora veria o sangue. Demorou meses para ele parar de ver o sangue cobrindo suas mãos, sujando tudo o que tocava. Não podia regredir mais do que já havia desde que todo aquele inferno havia começado dentro do colégio. Isso não. Tinha que se manter frio de alguma forma.
“Seja forte Sionnach beag. Você tem que ser muito forte.”
A voz parecia tão... Forte. Como se estivesse ali agora, ao seu lado. Como se fosse um mau presságio. Um aviso.
Seus olhos foram para a janela. Havia acabado de amanhecer. Nem mesmo sabia como sabia disso, já que chovia muito. A pior chuva que já vira ali, e levando-se em conta onde estava, era alguma coisa. Seu coração estava apertado. As image-s não saiam da sua cabeça.
Não conseguia ficar ali. Já sentia uma ânsia de ir lavar as mãos. De esfregá—las até todo aquele sangue sair delas.
Sabia até para onde teria que ir.
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Os corredores estavam vazios naquela hora da manhã. Se encolheu melhor entre os agasalhos, os olhos nas pedras cinzentas no chão. Estava bem perto de onde Itachi havia lhe ensinado uma das passagens secretas para fora. A chuva não havia dado uma trégua ainda, mas poderia se manter seco caso seguisse pelas passagens até a ala Norte, que era onde ficava a torre abandonada.
Ele não poderia ir para o labirinto nesse temporal, e aqueles eram os únicos lugares em que conseguia pensar direito quando estava ali. O labirinto quando queria conversar com Itachi, ele sempre lhe ajudava a clarear sua mente, e a torre quando queria ficar só, o que era seu caso no momento.
Alcançou o carpete indiano que escondia a entrada que procurava, e o virava quando ouviu o sussurro, tão perto que pensou ser ao seu lado.
“Naruto.”
Virou o rosto, alerta. Alguém o havia chamado. Encontrou o corredor vazio atrás de si, como antes. Por um momento cogitou ter sido Aeron, mas ele continuava em silêncio na sua cabeça, e aquela voz não era dele.
— Gaara?
Sabia que era ilógico. O quarto do amigo nem mesmo ficava naquela ala, e ele não era uma pessoa da manhã tanto quando ele mesmo.
Quase gritou de susto com o bater de asas repentino, uma forma escura vindo no corredor rapidamente. Olhou aturdido o corvo se debater procurando uma saída, até alcançar umas das janelas e sair, seu som infernal o seguindo nos corredores vazios naquela manhã. Ficou paralisado por alguns segundos, a mão em seu coração com o susto.
Balançou a cabeça, a testa franzida enquanto puxava mais o capuz na sua cabeça. E então desapareceu dentro da passagem.
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O corpo de Gaara havia sido descoberto as sete da manhã, quando seu colega de quarto tentou acordá-lo. As nove da manhã, a escola já havia se tornado em um pandemônio. Pessoas sussurravam nos cantos, aulas foram canceladas, e fora avisado a todos que iria haver um anúncio no ginásio as dez para falar sobre o trágico acontecimento.
E Sasuke não havia encontrado Naruto ainda. Ninguém havia o visto a manhã inteira. Sai havia dito que o vira muito cedo do quarto, provavelmente após um dos pesadelos que ele havia dito que acordavam o colega de quarto muito frequentemente, principalmente quando chovia muito forte, como era o caso daquele dia.
E por esse mesmo motivo, sabiam que ele deveria estar em algum lugar dentro do colégio. Sasuke se perguntava se ele já sabia. Ele tinha que achá-lo. Tentara falar com Itachi também, mas o irmão também estava fora de alcance, entre os vencedores, tentando conter a bagunça que o colégio havia se tornado, guiando os alunos para o local do anúncio. Sasuke esperava encontrar Naruto ali, não havia mais lugar algum. E se Naruto não soubesse do que acontecera, ele queria estar com ele. Ele tinha que fazer algo por ele.
Os amigos dele também pareciam aflitos. Todos que sabiam da amizade de Naruto com Gaara procuravam-no com os olhos no decorrer que iam entrando dentro do ginásio lotado. Todos se mantiveram de pé, em fileira indiana, como o mandado. Sasuke fora empurrado pelo fluxo, seus olhos procurando, mas era quase impossível pela quantidade de alunos no local.
— Você viu o Uzumaki?
Virou o rosto ao ouvir o nome perto de si fazendo a mesma pergunta que fazia a pessoa a seu lado. Viu a Hyuuga em uma das fileiras, andando por entre os alunos, perguntando na voz mais alta que já ouvira dela em meio a algazarra. Seus olhos se encontraram e ele viu a pergunta muda ali, e o pânico não disfarçado nos olhos muito claros. Imaginava se seu rosto estaria igual ao dela. Ficaram assim por segundos até ela desviar, e uma parte estranha de sua mente pensou que aquele fora o momento mais íntimo que tivera com ela durante todo o tempo que estudou ali.
Logo avistou a frente do ginásio e viu seu irmão ao lado de Rebecca, que parecia ser a pessoa a fazer o anúncio. Sentiu um arrepio de medo ao pensar que a ausência de Naruto e Obito ao mesmo tempo podia significar algo ruim. Tudo se passava na sua mente. Os olhos de Itachi também vasculhavam o ginásio de forma disfarçada, o rosto em branco, mas Sasuke o conhecia bem demais para saber o que se passava na mente dele. Os olhos dos irmãos se encontraram, e Sasuke negou com a cabeça, deixando todo o medo transbordar em seus olhos só para o irmão ver.
— Silêncio! Pedimos silêncio!
A voz comandou dos alto-falantes, várias vezes, até todos caírem em um silêncio tenso. Os olhos na frente, para a mulher que os analisava de forma séria, a face mais séria que Sasuke já vira nela. Ela estava rodeada por três vencedores, e Sasuke viu que outros estavam espalhados pelo ginásio, assim como alguns agentes do FBI. Quando tudo ficou mudo, ele ouviu a respiração dela em um suspiro. Sua voz estava cansada.
—Muitos de vocês, a maioria acredito, devem saber o cunho deste anúncio. Estou aqui para esclarecer o acontecido, e desfazer qualquer mal-entendido que tenha se formado sobre essa terrível, e, temo dizer, anunciada tragédia.
A esse momento, Sasuke pensava que ninguém estava respirando, os olhos apenas na mulher. Os dele vagavam ao redor das cabeças, procurando a cor única do cabelo de Naruto.
— Middleford Mir é um colégio antigo, de tradição. Somos responsáveis por acolher e guiar jovens como vocês, no árduo caminho que é a vida adulta, muitos em uma carreira perigosa por justiça por nosso país. E conseguimos, na maioria dos casos, êxito nessa difícil tarefa. Porém. — Ela pausou, olhos guiando-se na multidão. — Infelizmente não somos onipotentes. Podemos apenas guiá-los e mostrar-lhes o caminho certo. E alguns de vocês, vão acabar se perdendo. Hoje, foi um dia triste em que isso aconteceu. Um jovem, de apenas 17 anos, um futuro promissor. Uma vida perdida por conta de uma overdose. Temos uma política severa sobre drogas dentro dessa instituição, consumo, e principalmente fornecimento. Saibam que todos os possíveis envolvidos nessa tragédia serão encontrados e punidos. E assim, outras vidas, como a do jovem Gaara Sabaku poderão ser salvas.
A voz dela pausou novamente. Sasuke estava pouco atento as palavras da mulher, mas viu a expressão de seu irmão ficar alerta, os olhos crispando para a entrada do ginásio. No mesmo momento sua cabeça doeu de forma terrível, seu coração acelerou. E ele sabia que aquele sentimento não era seu. Era de Naruto. Ele estava ali.
— Gaara?
No silêncio repentino, para si a voz lhe pareceu ecoar pelas paredes. Virou a cabeça e o viu.
Naruto estava parado na porta do ginásio, os olhos azuis muito abertos, estático. Os olhos de Rebecca seguiram a visão de Itachi e encararam o Uzumaki, cheios de pena. Sasuke saiu da fila, começando a atravessar a multidão em direção a ele, sem ver mais nada.
— Naruto!
Sua voz se juntou com outras, não sabia dizer de quem. Outras cabeças viraram para a direção da comoção criada. Naruto o olhou, os olhos azuis estavam arregalados, cheios de lágrimas, o rosto cheio de dor, dando passos para trás. Rebecca havia voltado a falar algo, a voz agora um pouco trêmula. Os alunos haviam voltado a cochichar, as vozes crescendo como um zumbido ao redor.
— Isso tudo foi uma grande tragédia. Eu espero que possamos...
A voz dela foi interrompida quando as lâmpadas começaram a piscar. Sasuke tentou não perder Naruto de vista, enquanto o burburinho apenas aumentava e ele recuava mais. Viu que Hinata o havia alcançado primeiro, lhe falando algo, mas Naruto recuou dela rapidamente, suas costas batendo na parede, gritando alguma coisa.
E foi quanto uma lâmpada estourou. Ouviu um grito de alguém pelo susto.
— Bréagadóir...
A voz de Naruto foi surpreendentemente alta, mesmo parecendo um sussurro, como se tivesse ecoado, como se viesse de todos os lugares.
Ou talvez fosse na sua cabeça apenas.
Outra lâmpada estourou. E agora os alunos se agitavam ainda mais, alguns se abaixando para se protegerem dos cacos de vidro. Assustados pelos acontecimentos estranhos.
— Mantenham a calma, o anúncio ainda não terminou. Por favor, mantenham a calma.
— Naruto!
— Thugais d'éitheach!
E foi nesse momento, quando Sasuke o alcançou, os braços passaram ao redor do garoto menor que tremia de forma surpreendente, que todas as janelas do ginásio explodiram num caos. As lâmpadas remanescentes estouraram num brilho verde das fluorescentes, como se por uma força sobrenatural. A gritaria começou, na penumbra que tomava o local mesmo sendo dia, as pessoas começaram a tentar sair, esquecendo o protocolo de um possível ataque e apenas tentando salvarem suas peles. Estavam em pânico, alguns machucados pelos cacos de vidro das janelas altas, que caíram como facas sobre eles.
— Maraíodh é...
A voz do outro garoto estava estranhamente vazia. Sentiu um arrepio percorrer sua espinha. O apertou com mais força, mas teve a terrível sensação que ele nem mesmo percebia que ele estava ali. A cabeça dele estava em seu peito, e logo sentiu a umidade ali. Sua cabeça doeu de uma forma ainda mais terrível, como se algo quisesse sair dela.
— Maraíodh é...
Naruto estava sussurrando essa palavra como um mantra, ou era na sua cabeça, em pensamentos, não conseguia entender mais. Ele já sentira uma dor parecida, quando Naruto estava sendo atacado por Obito. Naquela noite, aquela mesma dor tomou sua cabeça, como se a explodissem de dentro para fora, seus olhos ardendo. Uma dor medonha que o deixava sem ar.
A dor de Naruto, fluindo para si.
O apertou mais forte. Ele tremia ainda mais. As pessoas começaram a empurrar, ouviu gritos de ordens para todo lado. Alguém o empurrou por espaço, o afastando da porta e ambos entrando mais na multidão. Sua reação estava lenta devido a dor, e Naruto não estava reagindo melhor. A chuva, uma tempestade como nunca viram ali entrava pelas janelas quebradas, molhando-os.
Tudo havia se transformado num caos infernal.
— Marfóir...
— Shh, vamos sair daqui.
Sasuke não pensou em nada, apenas agarrou o braço do garoto, tentando o tirar daquele inferno. Chegou ao corredor, onde todos os alunos se espremiam para caminhar. As luzes ali também começaram a piscar. Uma delas estourou acima da sua cabeça, tentou proteger a ambos do vidro.
Mais um empurrão da multidão e acabou batendo as costas na parede com força. E foi nesse momento que a mão menor escapou de seu agarre.
— Naruto!
Algo bateu forte em suas costas. E foi quando apagou.
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— Morto por uma dose cavalar de arsênico, isso não me parece algo feito por exposição. — O homem alto, de cabelos escuros disse olhando os laudos, enquanto andava ao lado de Minato.
— Envenenamento. — disse sério, levando a mão ao bolso e retirando o celular, do qual tinha uma mensagem recebida há menos de dois minutos e cerca de sete chamadas não atendidas de seu pai. Isso era normal. Havia deixado o celular no silencioso durante a autopsia que tinha testemunhado. — Quero uma reunião com os criminalistas do caso, não podemos demorar muito para dar notícias ao presidente. — Apertou alguns botões, visualizando a mensagem. — Envenenado por arsênico, só isso não resolv...
Engasgou-se, seus passos cessando. O homem vestido de branco que antes o acompanhava parou também, o olhando curioso. Minato empalideceu e retirou os óculos do rosto, ainda olhando a tela pequena do celular.
— Senhor?
Minado sentiu suas pernas tremerem, juntou todas as forças que tinha para se manter de pé e ligar para o número da mensagem e o levou ao ouvido com rapidez. Dois toques depois, alguém atendeu.
— Pai? — a voz chorosa disse baixo, a respiração arfante. — Daídi?
— Sou eu, meu amor. — disse rápido, ouvindo os soluços abafados e desesperados do outro lado do fone. Seu peito se comprimindo. — O que aconteceu? Por que está chorando? Cadê o vovô?
— O vovô ele... Eles... — Ouviu o som de algo se quebrando, abafado, como se fosse do outro lado de uma porta. Minato perdeu a força das pernas, mas foi amparado pelo legista que o levou até a parede onde se apoiou. A voz foi ainda mais baixa. — Daídi... Vem pra cá...agora...
Minato iria tranquilizar a criança quando o som invadiu seu ouvido, três estampidos seguidos do som de algo se quebrando novamente. Uma porta. O garotinho deu um grito e o som de algo pesado no chão foi alto o bastante para ouvir.
E então, a linha caiu.
Ficou mudo ouvindo o som da chamada encerrada.
— Naruto! — gritou ao telefone, mas já era tarde. As mãos tremendo, retornou a ligação, mas o número dava fora de cobertura ou desligado. Seu coração palpitava com rapidez, e começou a ofegar. — Jesus...
— Senhor, o que foi... — empurrou o rapaz e começou a andar rapidamente, juntando todo seu desespero para tomar alguma atitude que não fosse ficar em choque. Pegou a arma do coldre e checou as balas, respirando profundamente enquanto ia até seu carro, deixando o outro surpreso.
Não soube de onde tirou tamanha calma, talvez pelo tempo que passou indo aos psiquiatras e terapeutas com seu filho, havia aprendido a ter um pouco de calma em momentos extremos. Mas nenhum treinamento poderia ensinar seu coração a bater mais menos doloroso dentro de seu peito, girando o volante com maestria na entrada que dava a casa de Jiraya. A estrada lamacenta não dificultou para que corresse entre as árvores, utilizando o máximo do carro de tração que possuía. No caminho pode notar que havia rastros de carros na estrada também, que um ou alguns carros já haviam passado por ali, o que o deixou ainda mais afoito. Ligou no caminho para Anko e os outros, mas eles estavam ainda mais longe do alcance da casa do que ele.
Estava nas suas mãos.
Quando viu a casa surgir entre as árvores, a varanda ampla com o balanço antigo, torceu que tudo estivasse bem, mesmo que fosse uma esperança vã. Não havia nenhum carro ali, a garagem estava aberta e o Jeep de seu pai estava ali como sempre. Manobrou o carro e parou de qualquer jeito na frente da casa, saltando para fora do carro, mas antes pegando uma pistola que estava no banco do carro.
E foi quando notou as janelas. Estavam todas quebradas. A porta da frente estava aberta, e a chuva entrava livremente dentro dela.
Minato entrou na sala e o que viu era pior que o exterior. Pareciam que todas as janelas tinham sido estouradas de fora para dentro. Os cacos estavam por toda parte no carpete e móveis, como uma capa brilhante. As luzes e o lustre simples, deles só restavam as partes metalizadas, pois o cristal e as lâmpadas haviam explodido. E no chão cinco corpos jaziam, e no centro de todo o mar de sangue e carne, estava o garotinho miúdo que soluçava abraçado a um corpo no chão.
O coração de Minato falhou duas batidas. Tudo aquilo, a bagunça do cômodo, deixou-o zonzo. Havia uma arma no chão e uma espingarda que Jiraya usava para caçar do outro lado da sala.
Os quatro homens que não conhecia, da cabeça de dois, nada restava mais que parte da coluna cervical e alguns pedaços do que seriam as cabeças, que pareciam ter explodido. Havia sangue respingando as paredes, nas estantes onde estavam os livros que Jiraya tanto amava ler, até no retrato da família onde estavam Jiraya com Tsunade ao seu lado, Minato abraçado a Kushina que segurava o pequeno bebê de fartos cabelos loiros. Todos sorriam, mas eles estavam quase cobertos pelo sangue vermelho que parecia quase fresco. A sala toda tinha um cheiro forte e embriagante de sal e ferrugem, morte
E ali no meio, abraçado ao corpo do avô estava Naruto. E quando ele levantou os olhos azuis vermelhos e úmidos de lágrimas, Minato teve a pior certeza de que um pai poderia ter.
De que seu filho estava perdido.
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Uma parte racional da sua mente avisava a Obito que havia sido precipitado. Muito precipitado. E as consequências de suas ações foram imediatas. Uma reunião havia sido marcada para aquela mesma noite, e ele estava incerto sobre seu futuro após ela. Tinha que se manter frio. Nem mesmo os velhos poderiam provar de certeza que ele havia matado o garoto, ou naquele momento ele já estaria morto.
Suas ações haviam sido puramente emocionais, e agora havia tragado os olhos para dentro da escola, logo o FBI, o que poderia ter consequências devastadoras.
Nada vai acontecer, eu fiz tudo certo.
Não havia como eles saberem. O garoto tinha um histórico. A família mesmo já o havia internado em uma clínica para lutar contra a dependência uma vez, todos sabiam disso. E com a morte recente da irmã, ele havia colapsado. Ele não deixou nada para trás, a não ser as provas que implantara. E Obito era bom nisso. Muito bom. Não havia nada que pudesse levantar suspeitas. Apenas uma pessoa teria certeza sobre a verdade da morte do garoto, e era Naruto. Ele entenderia bem o recado.
Tentou buscar algum remorso dentro de si, mas não havia nenhum. O Uzumaki merecia aquilo. Ele o havia avisado, e mais de uma vez. Ele o alertara. E Naruto não só havia contado tudo ao moleque, como o desobedecera em outros aspectos. Ele estava com Sasuke, para ir contra ele, contra suas ordens. Isso era necessário para controlá-lo. Se ele perdesse o controle sobre Naruto tudo iria ruir. Quem tivesse o controle sobre ele nesse cabo de guerra ganharia no final, e seria ele.
Serviu-se de mais conhaque, olhando para a forte tempestade lá fora. O pai do garoto havia sido avisado do ocorrido, o corpo seria levado pela família após as investigações necessárias. Ele nem mesmo conseguia lembrar do rosto do garoto ao certo, era apenas um borrão.
Apenas mais um. Mais um meio de ter o que queria, o que era seu de direito há muito tempo.
A voz baixa e rouca o tirou de seus pensamentos.
— Marfóir …
A porta nem mesmo havia se mexido, ele devia ter entrado através de uma das passagens escondidas. Não era como se não estivesse o esperando. Porém ele lembrava bem da última vez em que ele havia entrado em seu escritório. Teria que ter melhor controle dessa vez. Não iria ousar cometer o mesmo erro.
— Então você apareceu.
Tomou mais o gole da bebida e virou a cabeça. Ele estava nas sombras da sala, o cabelo loiro bagunçado ao redor do rosto. Sua expressão fria tremeu ao ver que o rosto dele estava coberto por lágrimas, mas os olhos estavam vazios, os azuis de um cinza opaco, o rosto sem expressão alguma, apenas fixos em si de onde estava. As mãos estavam caídas ao longo do corpo.
Ele imaginara que ele viria até si gritando, que tentaria o atacar. Que soltaria toda a carga emocional que possuía, como sempre. Mas ele parecia estranhamente apático. A única coisa que denunciava seu estado eram as lágrimas, que não paravam de cair pelo rosto. Como se ele estivesse em estado de choque.
— Marfóir …
Havia algo de muito errado. Seu senso de perigo estava ligado. Ele sabia que Naruto não era páreo para si, aquilo já havia mais do que sido comprovado com o último embate. Ainda assim, seus sentidos ficaram alerta. Sua mão tremia para pegar os punhais na sua mesa, onde estava ainda de pé ao lado, perto da janela. Era como estar sendo mirado por um lobo, e essa sensação o incomodou.
— Is fuath liom tú.
O sussurro rouco foi estranhamente audível, mesmo que a chuva estivesse chicoteando de forma barulhenta através da janela. Ele deu um passo para fora das sombras, o rosto ainda apático. De alguma forma esperou que ele tivesse uma arma apontada para si, mas não havia nada. Apenas o olhar vazio, que nem mesmo parecia o estar vendo, mas enxergando através de si, com intensidade.
— Você causou isso, Naruto. — Sua voz saiu calma, controlada. Sua mão já havia ido por baixo da mesa para a faca. Ele estava pronto para colocar controle de uma vez por todas naquele garoto. Ele tentara agir de outras formas, de todas as possíveis. Mas apenas força parecia funcionar com ele. — A morte dele está nas suas mãos. Tínhamos um trato, e você não cumpriu. Falou demais.
As luzes começaram a piscar na sala, um vento que ele não sabia de onde vinha no lugar fechado começou a rodeá-los. O garoto deu mais um passo, ficando no centro da sala. E foi quando os olhos dele se focaram totalmente nos seus. O vazio sumiu, e no lugar estava o azul-cinzento tempestuoso, o rosto se contorceu em uma expressão homicida, o rosto perdendo a cor.
— Beidh d’agam.
A voz não foi mais que um sussurro, e sua janela explodiu.
Apenas seus bons reflexos o impediram de ser empalado pelo vidro. A chuva entrou na sala em uma velocidade alarmante, água e vento gelado. Saltou para o lado, a faca ainda em mãos. De alguma forma esperava que Naruto estivesse em cima dele, aproveitando-se da brecha, ele devia ter jogado algo na janela, mas... Ele nem mesmo se movera. Como?
Levantou sua cabeça de onde se agachara, já pronto, e ele estava no mesmo lugar, a única diferença de sua posição era uma de suas mãos, que ele erguera na altura dos ombros. Os azuis nunca o deixando. O movimento era estranho, focou o olhar na mão dele, esperando seu próximo passo, quando de repente se viu atingido por algo que vinha da sua direita. A pancada o jogou para a parede atrás de sua mesa. Ficou sem ar, aquilo fora forte o bastante para ao menos fraturar alguma de suas costelas.
Se viu confuso por segundos, até perceber que fora uma de suas cabeças, que fora arrancada da parede. Não houve tempo para pensar em como e quando, quando ouviu o silvo e se abaixou. Outra delas se chocou contra a parede onde estava, se quebrando. Como? Aquilo era pesado! E estavam sendo arrancados e jogados como se não fossem nada.
Naruto nem mesmo estava saindo do lugar!
Estreitou os olhos, observando o garoto.
Telecinese?
Fazia até sentido. Naruto tinha que ser mesmo especial, de alguma forma. Deveria ser por isso que os velhos o queriam a todo custo. O trabalho todo que tiveram para trazê-lo até aquele lugar, mantê-lo ali. Então não era só por ele ser um Namikaze ou seu treinamento. Eles sabiam. Aqueles malditos sabiam que havia algo a mais e o deixaram no escuro. Mas por que ele não usara isso na outra vez que estivera ali? Por que esconder sua força em um momento daqueles? Obito poderia ter matado Naruto. Ele o teria, sem se dar conta.
Não fazia sentido.
Ele seria algum projeto do governo? Quem teria feito aquilo? Seu pai? Nagato? Quem... Como... Como conseguiram?
Ouviu um grito, cheio de dor, de raiva. Levantou a cabeça e viu Naruto ainda no centro da sala, o rosto contorcido de dor, as lágrimas por toda a face. Naruto não parecia ser mais ele mesmo, estava completamente fora de si. Sua sala estava destruída. As cabeças tinham sido arrancadas, móveis estavam virados. Apenas sua velocidade havia o salvo. O viu erguer a mão esquerda e se preparou para se defender, mas o golpe veio da direita. Sentiu seu corpo sofrendo um impacto de lugar nenhum, de algo que não se podia ver. A dor foi surreal quando foi jogado contra sua mesa, a quebrando no processo.
Não teve tempo de se recuperar, e se viu cercado. Piscou, incrédulo.
Os cacos de vidro da janela que estourara estavam ao redor de si, como facas no ar, apontados para seus pontos vitais. Flutuando, brilhantes e letais.
Não havia fuga, estava encurralado.
— Naruto...
— Beidh d’agam!
Em um último movimento jogou a faca da sua mão, tentando fazê-lo perder a concentração, mas com apenas um movimento de mão dele a faca foi desviada, voou e fincou na parede. Os olhos dos dois se encontravam, e Obito não viu nada de Naruto ali. Não havia hesitação. Apenas dor. Apenas loucura. Um olhar animalesco.
Naruto era perigoso. Naruto era letal. Ele estava pronto para matá-lo. Tudo se virara contra si sem perceber. Ele era a presa ali. Se não saísse daquela situação, iria morrer.
Naruto soluçou abaixando uma mão, por fim piscando lentamente pela primeira vez. Lágrimas desceram, as pupilas dilatadas de tal maneira que somente uma pequena faixa de azul acinzentado ficava à vista. Com a mão direita que ainda estava erguida, ele moveu o dedo indicador. Imediatamente sentiu a fisgada, e o vidro afundou na carne de seu braço esquerdo, engoliu o grito de dor, sangue escorreu por seu braço umedecendo seu terno. Levou a mão ao braço lesado e sentiu outra fisgada, mais dolorosa ainda, quando outro vidro atravessou sua perna direita.
Gritou, angustiado. Teria desabado pela fraqueza na perna que o varreu, se não tivesse outra onda de adrenalina atravessado por suas veias, levantou os olhos e o encarou, tentando achar uma saída para aquela situação.
Quase não notou a outra movimentação quando alguém mais surgiu na sala.
— Naruto! Éirigh as!!!
A voz alta fez o garoto se empertigar, mas os olhos não saíram dos seus, o rosto se retorcendo mais ferozmente.
— Níl!
O grito saiu desesperado enquanto mais lágrimas escorriam no rosto do garoto. Do outro lado da sala destruída estava Itachi, que entrara pela mesma passagem que Naruto. Obito não virou para ver o sobrinho. O vidro se aproximara mais, um deles na sua garganta, o impedindo de se mover. De algum modo achou que à medida que Itachi se aproximava de forma calma para o centro da sala ele seria atacado também, mas o garoto só tinha olhos para Obito.
Todo seu ódio era para ele.
— Ní hé seo duit, Naruto. Éirigh as!
— Níl...Níl!
O garoto rangeu os dentes, como se lutasse contra uma ordem. Os vidros começaram a cair no chão, um por um, se partindo e centenas de brilhantes pedaços.
— Naruto... Ná déan dearmad cé thú féin.
O garoto gritou. Os vidros que restavam caíram no chão e Obito sentiu novamente o impacto de lugar nenhum, o jogando contra a parede com força. Apagou.
...............
Naruto caiu de joelhos, no chão molhado pela chuva, e sentiu os braços ao redor de si. Itachi. Mas na sua cabeça, o nome gritado era outro. Ewen.
Era tudo confuso. E era muita dor. Era tanta dor que o sufocava. Itachi continuava falando, em irlandês, como seu avô fazia quando estava assustado. Como seu pai fazia para a dor ir embora. E deixou que ele fizesse. Estava com medo de si mesmo. Porque tudo o que ele queria agora era matar. Apenas matar quem estava lhe causando dor. Seu avô lhe dissera que era errado matar, mas ele estava morto.
E Gaara também.
— Me tira daqui... — pediu, sufocado, os braços se enroscando no pescoço de Itachi por direção, como fazia com seu pai, com seu avô.
Como faria com Gaara.
Tudo era confuso. Estava ensopado, e ferido por dentro. Sentiu-se sendo içado, e Itachi continuava murmurando em irlandês, o acalmando, lhe falando que tudo ficaria bem. Suplantando a voz que gritava raivosa em sua cabeça, Aeron, que gritava, querendo que ele terminasse o que havia começado. Ele não sabia o que fazer, mas se concentrou na voz calorosa de Itachi, nos braços dele ao redor de si. Nos braços de Ewen. Do seu pai, do seu avô, de Gaara. No conforto de Sasuke, em tudo o que ele representava.
E que poderia ser tirado de si também.
Como Gaara.
— Me tira daqui... — pediu novamente, mesmo que Itachi já estivesse caminhando consigo há muito tempo, dentro da passagem, o levando para algum lugar, qualquer lugar.
— Shh, tudo bem. Vou te levar para Sasuke. — Não sabia em que língua Itachi falava agora, a voz calma, quase hipnótica. A mesma voz, de muitas vezes. Ewen, Ewen. Esse era o nome. Ewen.
— Não. — pediu, baixo, cansado. — Não... Sasuke... Não. Não me leve para ele. Ou vão me tirar ele também... — Ele nem mesmo sabia se havia falado aquilo alto o bastante. Mas sentiu os braços o apertarem mais.
— Tudo bem. Apenas descanse. Eu vou cuidar de você. — a voz saiu distante e triste. E novamente, sentiu o desejo de o atender. Ewen. Ewen, era Ewen. Aeron disse que era Ewen. Ele era consolo e era dor.
Fechou os olhos. Porque tudo era dor.
“Seja forte Sionnach beag. Você tem que ser muito forte”
...................................
Naruto era silencioso enquanto chorava, Itachi não conseguia não pensar nisso. Não havia mais do que uns poucos ocasionais soluços, tão baixinhos que ele sentia mais a vibração em seu peito do que os ouvia realmente. O corpo dele tremia, a respiração era quente e acelerada, e as lágrimas pareciam cair sem parar. Era como uma criancinha indefesa, que estivesse acostumada a chorar de forma silenciosa para não chamar atenção de ninguém. Muito diferente do Naruto que vira há pouco tempo, pronto para matar Obito. Muito diferente do Aeron, que quando entregue ao sofrimento, infligia sofrimento em troca mesmo sem se dar conta.
Aeron não teria parado. Ele teria matado Obito sem piscar os olhos. Era como comparar uma tempestade com uma brisa, e não pela primeira vez ele pensou, desde que encontrara Naruto, em como ele era completamente diferente de Aeron, e de todos os outros que vieram antes dele. Não que ele fosse fraco. Não era isso. Naruto era muito... Bondoso. Apesar de tudo, do descontrole, do seu ar agressivo, ele era…bom.
Então, por quê? Por que justo Naruto estava manifestando todos os sinais da sua herança? E não só isso, mas toda a dor que vinha junto. Parecia que desde que nascera, tudo o que Naruto estava experimentando eram desgraças, uma atrás da outra, assim como Aeron vivera. Os outros antes, também tiveram seu quinhão de sofrimento, mas com Naruto... Aquilo já estava sendo ridículo.
Talvez aquilo fosse por ele ser o sétimo, e se o pacto estivesse certo, seria o último de qualquer forma. Ou outra coisa, que ele nem mesmo sabia. Mas o certo é que havia algo de diferente dessa vez. Naruto estava tendo visões. Aeron, de alguma forma, estava em contato com ele desde sempre, o que nunca acontecera antes. E isso, isso ele não conseguia entender. Se Naruto era Aeron, como isso seria possível? E ainda, a ligação dele e Sasuke, era igual a de Aeron e Noland, e isso nunca havia acontecido antes. Da forma que as coisas estavam indo, chegaria a um ponto que se um dos dois morresse...ele não queria pensar nisso.
De alguma forma, o destino estava transformando a última vez na primeira. O parentesco com Obito, a ligação, a má sorte. A diferença era que Aeron era um deus, acostumado a sofrer sem se vergar, com milênios de experiência. Naruto era apenas uma criança, que atraia desgraças — e desgraçados — como um ímã. Era surpreendente que ele não tivesse quebrado naquele ponto.
Sentiu o agarre em sua camisa aumentar assim que cruzou a saída da passagem para o corredor que levava a seu dormitório. As luzes começaram a piscar também ali, como se atraídas pelas emoções fortes que ainda perturbavam o adolescente.
— Shhh, está tudo bem.
Falou baixo, beijando a testa suada enquanto o carregava. Sentiu ele esconder de novo a cabeça em seu ombro. As luzes pararam de piscar, mas tudo ficou escuro. Um blackout.
Ele não sabia se Naruto estava causando aquilo, ou seria agora a tempestade que parecia ainda mais furiosa. Devia ter acontecido algum problema com os geradores também. Tudo deveria estar um caos e ele sentiu seu peito apertar de preocupação com Sasuke. Só esperava que ele estivesse bem. Queria correr e procurar o irmão, mas não podia deixar Naruto assim, não quando parecia que ele era a única coisa que estava mantendo o garoto sob controle. De algum modo ele sabia, que se o deixasse agora, Naruto iria atrás de Obito de novo, e mais do que janelas e lâmpadas seriam quebradas.
Ele já vira Aeron destruir um templo inteiro, por muito menos, estando controlado.
Chegou à entrada de seu dormitório. Não precisava de luz para achar o caminho, e tudo ali parecia deserto. Todos os outros deviam estar tentando colocar ordem. Com a queda de energia, todas as portas automáticas haviam sido abertas, incluindo a de seu dormitório. Entrou, acostumado com o escuro, e encontrou o caminho da sua cama, mas quando foi colocar o garoto ali, ele não o largou.
Controlou a exclamação de susto quando o peso dele o puxou para baixo, os braços sem largar seu pescoço, e foi puxado para a cama. Prendeu a respiração enquanto se apoiava no colchão com os cotovelos para não o esmagar, as pernas dele enroscadas nas suas.
Seu coração acelerou e engoliu em seco, sentindo o calor do corpo do outro, com uma percepção que não tivera até então durante a noite. O cheiro que vinha de Naruto era inebriante. As mãos dele largaram seu pescoço, mas agarraram sua camisa, em um pedido mudo para que não o deixasse. Sentia a respiração dele perto do seu rosto, e até mesmo isso tinha um cheiro tentador. Seu corpo reagiu por si só, em busca de sentir mais daquele cheiro, e se deixou cair um pouco sobre ele, acomodando seu peso. Uma de suas pernas afastou um pouco as dele.
As luzes se acenderam de repente, o som do gerador funcionando em um ronco. E isso piorou tudo. Pela luz que vinha da porta do banheiro aberta ele conseguia ver o rosto dele desenhado na penumbra. E não ajudava em nada o fato de Naruto ser uma daquelas pessoas que ficavam ainda mais bonitas quando choravam. O cabelo dele parecia ainda mais bagunçado, jogado na cama de lençóis negros fazendo o contraste que emoldurava seu rosto úmido.
Como se Itachi precisasse disso.
Sua respiração acelerou ainda mais, os olhos negros fixos, viajando pelo rosto do outro, dos olhos fechados até a boca que tremia entreaberta.
Uma parte racional sua sabia que aquela reação era devido ao dom de Aeron. Que todo aquele fascínio que nublava sua mente não era natural. Se apoiou com uma das mãos, e com a outra tirou os cabelos que grudavam de suor no rosto dele. Agora estava ainda mais perto. Seria fácil demais, apenas alguns centímetros e iria beijá-lo.
Fechou os olhos, a mão desenhando a mandíbula dele com os dedos, enquanto sua consciência gritava que parasse com aquilo. Porque tudo era errado demais. Sentia o hálito direto em seu rosto agora.
— Sasuke?
Parou imediatamente, abrindo os olhos. A voz dele saiu como de uma criancinha perdida, devolvendo sua sanidade. Se afastou imediatamente, o tanto que podia com Naruto agarrado em sua camisa. Olhou os olhos azuis abertos, nublados. Só então se deu quanto no quanto ele estava quente, febril. E sentiu nojo de si mesmo pelo o que quase havia feito.
Ele teria beijado Naruto. Ele teria sucumbido aquele maldito feitiço, mesmo Naruto estando ali, vulnerável, doente, quebrado. Mesmo que ele pertencesse a seu irmão, como sempre. Ele teria traído a confiança dele e tudo iria ter dado errado. Ele teria destruído tudo naquele momento, e não sabia se teria conseguido parar.
— Níl!Níl!Níl!
O grito o assustou e teve certeza de que ele havia percebido o que ele quase tinha feito, e teria se erguido, se afastado dele, mas o que ele falou em seguida em uma mistura de irlandês e inglês que tentava traduzir o fizeram paralisar.
— Ele está ferido... Ele está ferido... Está doendo... Está doendo muito.
As mãos largaram sua camisa finalmente, e foram para os cabelos loiros. O corpo dele tremia e as luzes do banheiro começaram a piscar. O copo ao lado da cabeceira explodiu.
— Naruto! — sentou-se na cintura do outro que começava a se mexer tentando sair, gritando o nome do seu irmão. Seu coração estava louco em seu peito, mas manteve a voz calma. Com as mãos segurou o rosto do outro para que olhasse para si. Os olhos de Naruto estavam de uma cor que nunca havia visto, um azul escuro, tempestuoso, o rosto em uma expressão de dor. — Olhe para mim! O que aconteceu com Sasuke? Onde ele está?
— Dói… Muito. Faz parar... Faz parar! — sua voz era de cortar o coração.
— Eu sei, mas vai passar. Eu vou ajudar ele, vocês dois. Me diga onde ele está.
Sua voz parecia estranha a si mesmo. A calma que não sentia. Sasuke estava ferido. Ou pior. Obrigou o outro a olhá-lo, com autoridade.
— Está escuro... — Naruto balbuciou. — Corredor... Eu não... — sua voz cortou em um soluço e ele puxou os cabelos. — Está doendo Ewen. Salve o Noland... Salve ele.
Largou o rosto dele ao ouvir esses nomes, seus olhos arregalados.
— Sasuke... Sasuke...
Balançou a cabeça. Aquilo ficava para depois. Tinha algo mais importante agora. Tirou o celular do bolso, dizendo palavras de conforto para o adolescente na língua natal dos dois.
Naruto se encolheu em posição fetal abaixo de si, sem parecer ouvi-lo, murmurando o nome de Sasuke. Discou o número conhecido, e foi atendido na primeira chamada. Sua voz saiu sem nenhum tremor, mesmo que o telefone tremesse em sua mão.
— Kimimaro. Chame Sasori. Eu preciso de vocês dois.
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— Minato, você está sendo precipitado, a situação já está sob controle!
Minato, que até então estivera ignorando Tobirama enquanto andava no estacionamento do prédio em direção a seu carro, parou e virou nos calcanhares para encarar o mais velho. Os olhos azuis furiosos fizeram o outro paralisar.
— Sob controle? Um aluno sofreu uma overdose e morreu! Uma maldita tempestade explodiu o ginásio e deixou o lugar em um blackout e sem comunicação, vulnerável tempo suficiente para ser atacado. Eu nem mesmo estou conseguindo falar com meu filho. Alunos foram feridos, Naruto pode ter sido ferido. Eu vou tirar meu filho daquele maldito lugar que nem deveria ter colocado para começo de conversa!
Minato respirou fundo, se controlando, e voltou a caminhar, desativando o alarme do carro. Quando entrou no carro o outro entrou no banco ao lado sem permissão. Minato o encarou, uma ordem muda para que saísse do carro na mesma hora.
— Escute, apenas escute. Você vai cometer um erro! Você acabou de ouvir Danzou, Naruto está bem. Ele mesmo disse. Ele não está entre os feridos...
— Então por que não falou comigo? Que colocasse meu filho na maldita videoconferência! Há algo errado, e não vou esperar para...
— Escute! — Falou de forma autoritária para o homem furioso. Tinha que parar Minato. Se ele fosse atrás do moleque... As coisas iriam ficar feias. Ainda mais agora que eles haviam visto de primeira mão do que ele era capaz de verdade. Antes era só um relato de um agente que havia escapado do massacre na casa de Jiraya anos atrás. Mas agora era real. Ele não podia deixar o Namikaze colocar tudo a perder agora. — Danzou lhe explicou isso também, ele disse que Naruto está ajudando na enfermaria, que amigos dele foram machucados. Você conhece Naruto, sabe muito bem que ele faria isso.
— Que tirasse alguns minutos para falar comigo! Eu conheço meu filho, você disse, ele não me deixaria sem...
— Ele vai ligar para você, essa noite. Se ele não estiver bem, você faz o que bem entender, e eu irei apoiá-lo. Mas Minato, você colocou Naruto ali para que ele aprendesse a se virar. Naruto não é mais um garotinho que corre para você por tudo. Você tem que aceitar isso.
Minato esmurrou a direção, desligando a chave,
— Eu o coloquei lá para assustá-lo! —falou entre dentes. — Para dar uma lição apenas.
— Que ele está aprendendo. Você viu os relatórios. Naruto é o melhor lutador. Suas notas estão boas, e ele tem amigos, coisa que nunca teve nas outras escolas. Não houve mais brigas. Se ele precisasse de verdade ele teria ligado, como sempre. Ele está independente, e isso está o assustando.
— Não tente me dizer o que estou sentindo! — Minato vociferou encarando o homem. — Eu coloquei Naruto lá porque você disse que ele ficaria seguro, coisa que ele nunca pareceu estar em lugar nenhum. E ainda assim, eu planejava tirá-lo tão logo passasse o susto e ele aprendesse.
— E isso não serviria de nada! — Tobirama suspirou quando Minato desviou o olhar. Colocou a mão no ombro do outro, de modo calmo. — Eu sei que Kushina sente falta dele, e você também. Mas não vai mostrar autoridade nenhuma desse jeito. Naruto estava impossível. Nenhuma escola o estava aceitando. Essa o aceitou apenas porque eu sou amigo dos donos. E ele está se adaptando. Não pode tirar isso dele. Não pode trancá-lo em uma redoma o resto da vida porque alguns fatos aconteceram...
— Fatos? — Minato levantou os olhos de modo frio. — Alguns fatos... Naruto foi estuprado e torturado quando era apenas um menino. Ele viu o avô sendo espancado e morto na sua frente, e presenciou a morte violenta dos que fizeram isso. Você chama de alguns fatos? Por acaso estava lá quando ele lavava as mãos até elas sangrarem, durante meses? Ou esfregava o chão do próprio quarto por horas por que dizia que estava tudo sujo de sangue? Ele nem mesmo falava com a gente. Ele não comia, não dormia.
— Ele fez terapia. Ele não tem mais onze anos. Ele não tem uma crise desde os 13.
— Esse não é o ponto!
— O ponto é que você está com medo. Você está vitimizando Naruto. Admita Minato. Você e Kushina fazem isso com o garoto o tempo todo. Você não confia nele.
— Eu confio em Naruto! — o tom foi ofendido, mas Tobirama reparou que ele parecia mais calmo pelo menos. Tinha que convencer Minato, ou tudo seria por nada. — Não confio em um bando de adolescentes hormonais perto dele, presos dentro daquele lugar, em vista da maneira estranha que as pessoas e comportam perto dele, e você sabe bem disso. Eu não sei onde estava com a cabeça...
— Você está se ouvindo? Confio em você, não confio nos outros. A velha frase.
Minato corou com isso, o rosto desconfortável. E Tobirama sabia que havia ganhado.
— Naruto está bem. Ele é melhor lutador que você Minato. Ninguém o tocaria se ele não quisesse.
Minato não respondeu a princípio. Olhou para frente, e então ligou a chave. Na sua mente lhe veio um sonho na noite anterior. Naruto criança, em meio há muito sangue, igual àquela tarde, aquela maldita tarde na cabana. Aquelas malditas lembranças o estavam perturbando, e aquilo não era um bom sinal. Não falara nem mesmo para a Kushina, mas sabia que ela também não estava dormindo bem desde que Naruto fora para o internato, não queria preocupá-la ainda mais.
— Se eu não ver meu filho essa noite quando eu ligar, amanhã pela manhã vou buscá-lo. Nem que tenha que colocar aquele lugar abaixo. Entendido?
— Claro.
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— Você é insano, Obito. Insano! — pela quinta vez Madara rosnava a mesma coisa, enquanto andava pela sala, como um pai que tinha descoberto que o filho havia engravidado uma garota. — Será que não podemos te deixar um segundo só, com as rédeas desse lugar? Merda! Eu tirei férias e você estupra uma criança e mata outra!
Sentado em sua cadeira, tentando manter o olhar impassível, olhava o primo que parecia furioso como nunca havia visto antes. Hiashi e Danzou estavam sentados lado a lado, sérios e calados, e isso nunca era bom. Nagato estava sentado no canto da sala com um ultrabook no colo, agitado, enquanto do lado de fora o mundo parecia desabar. Já estava de tarde, e a chuva continuava com a mesma intensidade.
— Eu fiz o que precisava fazer com o Sabaku, ele iria nos delatar, já sobre Nar... — se calou ao sentir os olhos acinzentados de Nagato em si. Se corrigiu. — Namikaze, eu já dei explicações.
— Explicações que não valeram de nada. — A voz fria o cortou. — Muito menos a punição. Você, atraiu os olhares para todos nós. — Dessa vez quem disse foi o próprio Nagato, os olhos presos nos escuros que haviam se desviado.
Obito bufou, preferiu olhar para o tampo de granito da mesa. Estavam na mesma sala de antes de paredes vermelhas com verde escuro. Só que agora, havia pedido que colocassem uma mesa ali, no lugar que antes estavam as poltronas. Ele queria evitar qualquer ataque vindo de Nagato, agora que estava ferido, era melhor prevenir do que remediar novas lesões.
Apesar disso, os outros cinco pareciam absortos demais para notar a diferença, principalmente o Uzumaki, que havia arrastado sua cadeira para longe da mesa.
— Deveria me agradecer por ter matado o garoto, como eu disse, o Namikaze havia contado ao Sabaku. Ele iria bater com a língua nos dentes a qualquer momento...
— Pouco adiantou. — Madara voltou a cortar — O Namikaze quer falar com o filho, e depois do que ele fez na sua sala, duvido que esteja em condições de falar com ele. Itachi está com o garoto, mas duvido que ele esteja melhor.
— Eu tinha dito que se saísse da linha novamente, você sairia daqui aos pontapés. — Danzou falou pela primeira vez, os olhos nos seus. — A única coisa o segurando aqui era Madara, mas não o vejo muito disposto agora.
Fechou o punho com força. Não iria deixar aqueles malditos fazerem isso. O jogar fora daquela forma. Não sem ter o que queria antes.
Não sairia dali sem Naruto.
— Vocês esquecem que ajudei a erguerem o que tem agora? Quantas pessoas eu matei por vocês?
— Tenho certeza de que não foi nenhum sacrifício. — Hiashi disse alto o bastante para que todos ouvissem, desviando a atenção de Obito — Você sempre foi bom em destruir as coisas, Obito Uchiha. Aparentemente tudo o que você toca.
— Como é que é?
— É a única coisa em que você sempre foi bom. Matar, destruir. Provou bem isso quando jogou pela primeira vez, não foi? — Danzou continuou por Hiashi, a voz fria e calma. — Eu admito que impressionou a todos quando ganhou o jogo já na primeira prova, matando todos os outros jogadores. Eu achava que tinha feito isso por descobrir o propósito do jogo, que era inteligente, mas cada vez acho que não foi isso. Você os matou porque gosta de fazer isso.
Seu corpo se retesou, as lembranças de gritos e sangue na sua mente. Mesmo depois de anos, aquilo sempre voltava para o assombrar.
—Afinal, foi para isso que seu pai te criou, não foi? Apenas para ser uma arma. Nunca passou disso.
Madara estava estranhamente calado. Quando o fitou procurando alguma simpatia, ele havia desviado os olhos para a parede, os lábios em uma linha reta em desagrado. Ele era um dos únicos do clã que sabiam sobre o seu passado. Sobre o que seu pai havia feito com ele. Havia sido ele que havia o tirado dele, afinal, e jogou seu pai na cadeia. E por muitos anos teve uma dívida de gratidão por isso.
Apenas para perceber que não foi piedade que fez Madara o salvar do seu pai, quando ele o jogou em um jogo que teria que fazer justamente aquilo que seu pai havia o ensinado a fazer.
—O fato é, Obito, você estava indo bem, até perder o controle de tudo. E devíamos ter previsto isso, eu admito. — Danzou continuou. — Eu não sei a razão do garoto o afetar assim, mas era sua última chance. Você tem um mês para ser deposto.
— Você não está falando sério.
— Mais sério impossível.
A boca do Uchiha tremeu de leve, e seu olhar antes levemente surpreso se tornou mordaz. Eles realmente achavam que iria assim? Calado? Que iriam se livrar dele tão fácil?
—Vocês esquecem do que eu sei? De tudo o que...
—Obito! — Madara o olhou de forma firme. Notou os outros rígidos e tensos. — Apenas cale-se e aceite, é melhor.
A ameaça era bem clara. O quanto era dispensável. Provavelmente só não estava morto agora por causa de Madara. Teria que ser cuidadoso em como iria fazer aquilo, porque não iria embora assim.
— Quanto tempo mais iriam me iludir? Me enganar. Mentir para mim que Naruto estava no jogo pelo o que ele tinha visto na floresta? Vocês nunca tiveram intenção de se livrar dele nesse jogo, não é? Ele nunca esteve realmente sob ameaça.
Houve uma mudança de postura de todos ali, parecendo tensos, assim como os ombros do ruivo que se comprimiram.
— Me respondam! — rugiu.
—Obito! — Madara o cortou novamente.
Para sua surpresa, Danzou riu, satisfeito.
— Ao menos para isso você serviu. — O velho parecia satisfeito — Nós não tínhamos certeza, mas agora temos uma vítima na nossa frente, e as fitas de vídeo, sabemos do que ele é capaz.
Isso desarmou rapidamente Obito, então eles não sabiam do poder do garoto, concretamente?
— Então...?
— Sem mais perguntas. — Interrompeu-o. — Você chamou atenção do FBI, chamou atenção do Namikaze, desencadeou uma “crise” no garoto, o que mais quer para sair daqui?
Obito piscou, e disse sem rodeios, olhando nos olhos de Nagato, como se não houvesse mais ninguém na sala:
— Eu vou, quando tiver o que vim buscar.
Não sairia dali sem Naruto.
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