“Keep going
And I'll write a happy ending
Leave out the parts worth forgetting
When it hurts like hell”
(Queen of Silver Linings, Amy Allen)
Os dias seguintes foram uma contagem regressiva para Blake, mesmo não existindo um prazo escrito em algum papel, ela sentia que estava nos últimos dias antes de uma das dezenas de conversas importantes que precisaria tratar para resolver a sua vida.
Claro que a mais imediata delas envolvia o convite que deveria fazer para que as Huntresses MC se juntassem ao jantar que Willow estava planejando para se entender com os clubes da cidade… Blake não fez o convite para o Ravenscrow MC, por mais que fosse uma situação desagradável ter que ignorar Yang para comunicar Ironwood sobre aquilo, não se comparava a ter que conversar com as pessoas que mandaram matar o seu pai.
O que Ghira pensaria sobre aquilo?
Na realidade, o seu pai com certeza estaria ali, para começo da conversa. E Blake provavelmente não teria saído de Vale, assim como ela e Yang não teriam se separado. Além disso, os Belladonnas seriam uma família e não duas mulheres marcadas violentamente pelo luto.
Então, se o seu pai estivesse ali, ela ainda seria capaz de rir naquele desconforto. Porque ele estaria mal humorado, tentando encontrar alguma ressalva na ideia de Willow, sabendo que era o certo a fazer mesmo sendo algo complicado de aceitar. Blake sabia, pelo pouco que leu do diário perdido, que ele não gostava da vida violência… Ele era um dos corvos que queriam paz mesmo sabendo o que custaria para alcançá-la.
Eram dias em que lembranças se misturavam ao presente, em que Blake se via suspirando enquanto trabalhava, os olhos dourados incapazes de chorar porque ela se sentia presa no torpor que odiava. Era claustrofóbico e só não era mais assustador porque ela ainda tinha que monitorar as outras conversas importantes da sua vida…
Porque ela não conseguia esquecer a expressão triste de Ruby, muito menos os ferimentos na pele e outros que ela conseguia enxergar nos olhos prateados. Blake se sentia responsável por aquilo, aquela culpa voltava a castigar os seus ombros e a fazia perder a voz quando deveria conversar… Ela fez uma promessa e precisava cumpri-la. Mas, como fazer aquilo sem que acabasse sendo atingida no processo?
Yang tinha um coração enorme e a amava da mesma forma como há oito anos, mas Blake não esqueceu a dor nos olhos lavandas quando contou, tardiamente, sobre o emprego na campanha. E isso com Ruby era muito maior e era o tipo de coisa que Blake achou que tivesse força para enfrentar em nome da felicidade de Yang. A realidade era que ela não estava pronta para perder, não depois de lutar para ter de volta.
Então, ela atrasa aquilo que podia atrasar, mesmo sabendo que o limite estava próximo e logo, teria que enfrentar as consequências do que o passado fez com a sua família de sangue e o que ela mesma fez com a família que encontrou.
Blake suspirou, será que um dia ela seria livre? Será que existiria um tempo para em que pudesse apenas olhar para frente, sem ser pega no meio ou nas costas por algo doloroso?
— Ah, olá, Blake… Está ocupada? — A voz naturalmente séria e profissional de Terra Cotta-Arc chegou aos seus ouvidos e ela soltou o papel que olhava há mais de dez minutos, era uma planilha sobre os próximos eventos eleitorais de Willow que não exigia tanto tempo assim para ser entendida. Os olhos dourados se ergueram e ela tentou abrir um sorriso que, com certeza, não passou o que queria. Terra recuou um pouco, mas não manifestou qualquer emoção na expressão neutra. — Ainda não consegui encontrar um número de celular descartável que estejam usando com frequência nos últimos dias… As caçadoras são boas no que fazem.
Blake concordava com ela, afinal… O acidente que matou o seu pai não foi esclarecido em oito anos, as Huntresses MC continuavam impunes e isso não seria uma realidade se elas não fossem cuidadosas assim como o Ravenscrow MC também era. Ela levou a mão à testa, massageou as têmporas e disse extenuada:
— Claro que são e bem… Qualquer coisa, eu me arrisco a ir até a parte baixa e falar com quem estiver no comando delas. Mas, me avise quando as suas opções se esgotarem… Por favor.
— Eu tentarei impedir que essa seja a nossa única saída, Blake. — Terra respondeu gentilmente dessa vez, dando um sorriso pequeno antes de voltar a sua estação de trabalho e Blake se viu sozinha, tentando evitar o ciclo de pensamentos que cansava mais rápido do que o próprio trabalho.
Era metade do expediente, começo de tarde. Esse era o período em que o comitê ficava mais agitado, já que Willow costumava receber alguns líderes de comunidade, além de doadores, enquanto os demais tentavam encaixar compromissos que surgiam nessas reuniões. Era exaustivo, mas valia a pena. Blake ansiava por aqueles momentos porque costumava se perder no trabalho e esquecer o que carregava dentro de si.
Então, ela ajeitou os óculos no nariz e suspirou, abandonou a planilha que lia e abriu o notebook, digitando a senha enquanto procurava o que tinha programado para aquele dia. Além dos convites aos MCs que se tornavam cada vez mais urgentes, ela precisava começar a preparar Willow para entrevistas e debates… O que também começava a se revelar como uma dor de cabeça, já que elas ainda não sabiam quem seria o oponente nas eleições.
Algumas pré-candidaturas começaram a ser retiradas, o que já deixava Blake em alerta. Isso podia ser um sinal de que o oponente misterioso poderia ser alguém que bateria de frente com Willow em termos econômicos e se isso fosse a realidade, elas realmente precisavam estar prontas para convencer os eleitores através da competência. Willow exalava confiança e comprometimento, mas o passado dela podia ser um problema… Blake sabia por experiência própria.
Logo, Blake se concentrou em verificar as redes sociais e sites de notícias locais, assim como passou os olhos pelos relatórios que Terra mandava para ela com informações adquiridas de formas menos convencionais. Terra era muito boa com tecnologia, o que a fazia essencial em vários setores do comitê de campanha. Informação era um deles.
Não existia novidade ali também. Blake teria que se contentar em trabalhar na parte genérica antes de intervir naquilo que era específico e que podia derrubar Willow. Ela suspirou, tedioso, mas pelo menos ela tinha o que fazer pelo resto da tarde…
— Sra. Belladonna! Que prazer tê-la aqui! — A voz de Saphron, sempre animada, chamaria a atenção de Blake em qualquer outra situação, mas quando ela escutou o sobrenome, ela ergueu os olhos rapidamente não por ser, também, o seu e sim, porque ela não esperava ouvi-lo naquele local. Os olhos dourados vasculharam cada canto do comitê e encontraram Saphron recepcionando Kali.
Blake não se surpreendeu quando um par de olhos parecidos com os seus também a encontrou. Claro que elas iam procurar porque já tinha muita coisa perdida entre elas.
Kali não usava os conjuntos de cores pastéis do hospital. Ela usava uma calça jeans azul clara com uma camisa de flanela cinza, tinha os cabelos curtos presos para longe do rosto e não usava maquiagem. A mulher tinha um sorriso nos lábios quando trocava algumas palavras com Saphron. Logo, os olhos azuis da irmã de Jaune e esposa de Terra também estavam em Blake.
Claro, Kali resolveu abordá-la ali.
Saphron se afastou com um afago no braço de Kali e Blake resolveu abaixar os olhos para tentar aproveitar os poucos segundos de paz que ainda tinha. Ela escutou uma nova movimentação no comitê e ergueu os olhos por costume, Willow recepcionava um grupo de sacerdotes com um sorriso e Blake se viu contemplando a cena, ignorando completamente a mãe que caminhava na mesma direção que ela observava.
Kali chegou até ela, mas nada disse. Ela se virou para observar o que tanto chamava a atenção de Blake, antes de pigarrear e dizer constrangida:
— Boa tarde, Blake…
— Boa tarde… O que traz a senhora aqui? — A amargura não se perdeu no tom de voz educado, Blake percebeu que apertava as bordas da mesa e resolveu se levantar. Quem sabe, de pé, ela conseguisse lidar melhor com o seu desconforto. Assim, ela contornou a mesa e escorou as costas no tampo, cruzando os braços. O olhar não era corajoso o bastante para enfrentar a mãe e por isso, a dona dele acompanhou Willow conduzir os sacerdotes até o seu escritório. Kali suspirou e, ignorando a pergunta, fez outra:
— Você está bem…?
— Sim, mas estou trabalhando. Então, se for irrelevante à campanha de Willow Schnee, eu realmente vou ter que adiar até acabar o meu expediente. — Dessa vez, a frieza se sobrepôs à educação e Blake arriscou olhar para a mãe que encolheu diante de suas palavras. De imediato, se arrependeu. Ela conviveu com medo por muito tempo e não queria ser a razão de alguém para sentir aquilo, nem mesmo da sua mãe. Kali mexeu na barra da camisa antes de dizer cuidadosa:
— É algo relacionado à campanha, mas… Eu realmente gostaria de saber como você está, ainda mais depois das manchetes...
Então, Kali apontou a esmo para o seu corpo e Blake ofegou. Ainda existia alguma familiaridade entre elas porque a sua mãe conseguiu juntar as peças. Mesmo sendo tão aleatório, o gesto de Kali era direcionado para o seu quadril, para a cicatriz que ela sentiu quando falaram sobre o que o ódio era capaz de fazer… Blake agitou a cabeça negativamente e cruzou os braços, ela não sabia o que fazer com aquilo.
Ela não esperava que a sua mãe ainda tivesse algo maternal dentro dela.
— O Dr. Klein me contou que precisou cuidar de uma amiga da família Schnee e com tudo que saiu, sobre o tiroteio na floresta e o agente do FBI desaparecido, eu…! — Kali não completou o raciocínio e, então, Blake olhou para ela. O que a sua mãe pensava sobre aquilo? Olhos dourados estavam agitados nos seus e Blake, impaciente naquele silêncio que se estendia em anos e não somente naqueles segundos que elas dividiam agora, perguntou:
— Então, a senhora pensou que, provavelmente, o passado tenha se repetido, não? Que alguém tivesse morrido por minha causa…
Dessa vez, Blake se sentiu orgulhosa pela conquista do silêncio. Dessa vez, ela realmente foi a causa da ausência de palavras de sua mãe e do choque nos olhos dela. Ela tinha culpa daquela vez e era bom saber que foi ela que provocou e não alguém que a julgou sem que ela tivesse a chance de se defender. Kali agitou a cabeça de uma forma muito parecida com a que ela fez antes e respondeu:
— Eu não pensei, eu fiquei preocupada. Pensei que pudesse ter corrido perigo por causa do diário e…!
— Do diário, mãe?! — Blake exclamou mais alto do que gostaria, porque a troca entre elas chamou a atenção de Henry e Velvet que tentaram disfarçar o olhar inquieto na direção delas. Então, Blake respirou fundo. — Pois fique tranquila, o que você leu aconteceu por causa do meu tempo em Mistral…
Kali não merecia saber sobre o sumiço do diário, assim como Blake também não estava com paciência para enfrentar a censura que poderia receber caso essa informação viesse à tona naquela conversa.
Blake manteve os olhos na mãe, esperando encontrar a mesma frieza com a qual teve que lidar quando voltou a Vale. Na verdade, ela estava preparada para qualquer coisa negativa e não para o olhar cauteloso e, de certa forma, envergonhado que recebeu. Kali entrelaçou os dedos das mãos em frente ao corpo e suspirou, os olhos dourados dela brilhavam de forma límpida ao dizer magoada:
— Eu… Eu não sei o que dizer, Blake… Mas, eu posso escutar você. Sabe disso, não? Quer dizer, agora… Eu posso escutar você e eu sei que você precisa.
— Eu não sei se preciso agora, eu precisava há oito anos, disso eu sei. — Blake respondeu agressiva, como um animal encurralado e desviou os olhos da mãe rapidamente porque sabia que poderia chorar a qualquer momento.
Ela não queria ficar ali, não tinha sentido em tentar trabalhar com o preço de suas atitudes a enfrentando, literalmente. Por isso, ela voltou a contornar a mesa e esbarrou no braço da mãe que parecia tentar alcançá-la e nem mesmo esse toque inesperado foi capaz de prendê-la ali. Ela reuniu os seus pertences e sem erguer a cabeça, disse a Velvet:
— Avise Willow que eu saí para resolver as pendências que ela me cobrou. Amanhã de manhã, eu estarei aqui.
— Eu aviso, mas você está bem, Blake…? A sua mãe… — Velvet era gentil e até tentou confortá-la, mas Blake estava arisca demais para aquilo. Por isso, ela ignorou o tom de voz e as tentativas físicas de alcançá-la e saiu do comitê de campanha o mais rápido que pode.
Ela não sabia como resolver a questão envolvendo os assassinos de seu pai e com aqueles que atormentavam Yang, mas ela sabia que não conseguia ficar perto da mãe, pelo menos, não agora… Blake sabia de quem precisava, mas não podia acabar com o dia de Yang porque não conseguia lidar com as consequências daquilo que foi escolhido por ela e do que ela mesma escolheu.
Por isso, assim que ela saiu do comitê, ela resolveu procurar consolo, não maternal e nem amoroso, mas sim, fraternal. Blake precisava de Sun para que ele não dissesse o que ela queria ouvir e sim, o que ela precisava ouvir para se resolver.
….
Quando o seu telefone vibrou no bolso, Yang estava na frente Blake. Puxou o celular sem se preocupar, imaginando que seria Pyrrha ou Nora. Blake comentava sobre o andamento da campanha enquanto tomava o café que, na verdade, era de Yang. Talvez a Belladonna estivesse passando tempo demais com Weiss e começando, aos poucos, a se render aos prazeres da cafeína. Ela estava vestida nas roupas de trabalho, os óculos embaçando mais e mais a cada gole do café. A forma como ela balançava a mão e falava era encantadora.
Desde que elas conversaram sobre esse novo emprego de Blake, o melhor passatempo de Yang era observar a morena trabalhar. Apesar de buscar distraí-la, assistir os olhos dourados atentos nas várias telas era divertido. E, Yang dizia com facilidade, é muito sexy.
Enquanto passava outro café, escutando o devaneio de Blake, decidiu ver quem estava ligando.
Reconheceu o número imediatamente. Era Robyn.
Blake não pareceu perceber que a loira tencionou na sua frente, o que foi um alívio para ela. Yang se aproximou dela, dizendo que precisava atender isso, beijou o canto da cabeça dela e se retirou para o quarto.
Sendo qualquer outra pessoa, Yang atenderia na frente de Blake. Se perguntou se a morena teria percebido isso, mas imaginou que não. Andava tão entretida com toda a situação da campanha... Ou, talvez, Yang aprendeu a fingir.
Entrando no quarto, fez questão de se aproximar da janela, abrindo-a, se encostando e, finalmente, atendendo a ligação.
- Olha lá, achei que nem ia me atender. - Robyn foi a primeira a falar, tinham alguns sons atrás dela, barulho de talher batendo em porcelana, algumas conversas paralelas. - Nós duas sabemos que o nosso trabalho não permite dormir até tarde.
Ela ainda soltou uma risada baixa e o barulho no fundo foi diminuindo. Yang conseguia visualizar ela se afastando com o telefone.
- Estava ocupada. Aconteceu alguma coisa? - Cortou qualquer brincadeira que Robyn insistisse. Se passasse tempo demais no telefone, Blake começaria com as perguntas e Yang, realmente, não queria mentir.
- Ih, acho que a noite não foi boa. - Robyn continuou, mas o seu tom já indicava que partiria para o assunto. - Podemos nos encontrar mais tarde? Chegou algumas coisas aqui no clube que podem ser do interesse dos corvos.
Uma ponta de preocupação apertou no peito de Yang, mas ela concordou e as duas combinaram de se encontrar no território das Huntresses, antes do almoço. A caçadora ainda recomendou que Yang não estivesse de colete ao entrar no território, facilitaria o trabalho dela e a VP não precisaria ter medo de receber um tiro nas costas.
Desligando o telefone, Yang se permitiu pensar nas possibilidades do que Robyn teria para mostrá-la. Apesar das brincadeiras, o tom da presidente era tenso e preocupado. Poderia ter relação com o terreno e com o corpo escondido lá? Alguém mais sabia disso? Essas semanas que se passaram foram silenciosas demais, claro que alguma coisa aconteceria e Yang voltaria a viver em uma constante ansiedade.
Sua mente viajou por alguns curtos minutos antes de se obrigar a voltar para a realidade e retornar para a sala, encontrando Blake mexendo no novo tablet, os olhos focados na tela.
A concentração de Blake permitiu que Yang respirasse fundo e retornasse para o humor de antes. Pegando a chave da Glide e acenando para Blake. Ela guardou o tablet e lhe seguiu para fora do apartamento.
Yang tinha certeza de que conseguiu roer todas as unhas enquanto esperava a hora de encontrar Robyn. Levou alguns tapas de Nora porque não conseguia parar de balançar a perna enquanto consertava um dos carros na oficina. Pyrrha a olhou estranho algumas vezes, mas nenhuma das duas perguntou algo.
Talvez suas amigas tivessem a confiança de que, em algum momento, ela diria o que estava acontecendo, por isso, esperavam. No entanto, fazia um tempo que não conversavam sobre esses assuntos. Sempre que se reuniam, conversavam sobre suas vidas amorosas, comentavam coisas que aconteciam pelo MC, mas nunca sobre os detalhes mais sórdidos da vida de cada uma.
Ela se perguntava porque as duas nunca a questionaram sobre o paradeiro do corpo de Adam Taurus.
Assim como Blake nunca lhe perguntou sobre isso.
Mas não era hora de ter esses questionamentos, só aumentaria a sua ansiedade e ela já tinha o suficiente para o dia de hoje. Então, Yang seguiu até ver que a hora do almoço se aproximava. Subiu na Harley e partiu para o território das Huntresses. Seguindo as recomendações da Robyn, passou no apartamento para deixar o colete, pensando e repensando que não deveria fazer isso.
Não deveria confiar tanto em Robyn Hill.
Era tarde demais, porém. Ela já passava pela linha que dividia os territórios, entrando de cabeça erguida, procurando os coletes marrom escuro das caçadoras. Seus olhos pegaram alguns, todas atentas nela, mas nenhuma parecia estar segurando uma arma. Sabiam que Robyn a chamou ali.
Yang seguiu até o local de encontro. Imaginou que fossem se encontrar na sede das Huntresses, mas quando parou a moto, percebeu que estava em um parque. Um parque mal cuidado. Cada brinquedo fazia Yang pensar que acabaria com tétano, só de se aproximar.
Estava frio, mesmo para o horário quente, mas ainda havia crianças correndo por todo lugar, escorregando na grama úmida, gritando respostas para os pais preocupados. Yang se encolheu ao ver que algumas subiam nos balanços enferrujados, os pais gritando cada vez mais, mas as crianças não pareciam se preocupar.
Yang não conseguiu evitar se perguntar: Será que deu trabalho para seus pais?
Decidiu mudar a sua atenção, sabendo que essa linha de pensamento não a levaria para bons lugares. Tirou o capacete, passando os dedos pelos longos fios loiros e se aconchegando melhor na jaqueta de couro marrom, afofando a lã externa das lapelas e tentando parecer confortável. O que se provava complicado. Muitos a conheciam naquela cidade, e estavam reconhecendo sua presença ali, bem longe de qualquer terreno do Ravenscrow MC.
- Relaxa, soquinho. Tá segura comigo. - O tom convencido de Robyn interrompeu seus pensamentos preocupados e Yang virou a cabeça, encontrando a caçadora vindo na sua direção, andando. A moto dela não parecia estar perto. Yang franziu o rosto e a presidente balançou a mão em descaso. - Eu moro aqui perto, não vou gastar gasolina quando posso andar. Além de que… hoje é um dia bonito.
Nisso, Yang concordava. A gasolina estava cara e o dia estava lindo. Mesmo com o frio, o sol brilhava forte, impedindo que seus dedos congelassem sem as luvas. Saiu da moto, enfiou a chave no bolso da jaqueta e deixou as mãos lá, observando a mulher que parava na sua frente, ainda portando aquele sorriso relaxado.
- Podia ter trazido algum café, né? Vou começar a pensar que não sou bem vinda por aqui. - E sorriu para a mulher, que riu com o que disse. Robyn usava calças jeans escuras, botas da mesma cor, uma camisa genérica na cor verde escura e alguns desenhos aleatórios na frente, uma jaqueta preta e o colete marrom por cima.
- Quem sabe da próxima vez, Xiao Long? Você me diz o seu pedido e posso te surpreender. - Ela piscou um dos olhos roxos na direção de Yang, a loira apenas sorriu, dando de ombros. Robyn apontou na direção de um banco mais distante das crianças gritando pelo parque. - Não tô afim de ficar em pé. Principalmente para essa conversa. Então, vamos?
Yang assentiu e elas caminharam, lado a lado, por breves segundos antes de sentarem no banco de madeira úmida. Assim que sentaram, Yang não esperou nem mais um minuto para fazer Robyn falar.
- Então, o que me traz aqui? - Batucou os pés no chão, sem virar para olhar a mulher ao lado. Lavandas corriam pelas ruas daquela parte da cidade. Era mais calma que o outro lado, bem mais familiar.
Se esforçasse um pouco a memória, sabia que podia lembrar das vezes que Summer trouxe ela para passear por essas partes. Tirar a pequena Yang das discussões entre Taiyang e Raven, antes do divórcio.
- Antes, queria dizer que deu tudo certo no terreno dos Schnees. Mesmo que… - Yang virou para ver o que silenciou Robyn e a encontrou de olhos cerrados para o nada. Antes que pudesse perguntar, ela continuou falando: - Tinha um cara por aqui. Usava uma máscara cobrindo a boca, era branca, vermelha e preta. Devo ter visto um pessoal parecido antes, mas nunca tão de perto. Se eu fosse você, ficaria de olho nessa gente.
Ela olhou de canto para Yang, que franziu o rosto. Na sua cabeça, repassava a descrição de Robyn. Essas cores não eram estranhas, já viu alguém as usando antes. Mas quem? Quando?
- Mas não é só isso que quero falar. - Robyn continuou, empurrando Yang com o cotovelo. Ela pigarreou e ficou mais ereta, indicando que o assunto seria sério. - Willow Schnee tá concorrendo e eu jurava que ela seria a única, a mulher é incrível, bonita, ganharia fácil, mas... Andei recebendo cartas no clube.
- E onde meu clube entra nisso? - Ergueu uma sobrancelha, recostando no banco e focando sua atenção completamente na presidente. Os dedos se apertavam dentro dos bolsos da jaqueta, a descrição anterior ainda cutucando na sua mente.
- Esse é o negócio, Yang. - Os olhos roxos tinham aquele brilho sério que, a última vez que viu, Adam estava envolvido. - Não tinha assinatura na carta. Era um pedido de proteção. Aí já é estranho, nós nunca nos disponibilizamos para proteger ninguém, isso é coisa do seu clube. Principalmente quando se trata de proteger gente grande e duvidosa.
- Olha, o Ironwood… - Yang começou, suspirando pesadamente só de pensar que teria que se justificar. No entanto, Robyn se apressou para balançar a cabeça e continuar a falar:
- Só sei que, pra esse cara dizer que vai se candidatar e quer a nossa proteção, tem alguma coisa complicada pro lado de vocês. É bom ficar de olho e se preparar para essas próximas surpresas.
Yang não tinha pensado dessa forma. Sim, para alguém pedir algo para as Huntresses, tinha alguma coisa contra o Ravenscrow. O mesmo não acontecia ao contrário, já que as Huntresses não eram a maioria em Vale e tinham pouco poder pela cidade.
- Esse tempo calmo estava bom demais para ser verdade. - Yang suspirou, passou uma mão pelo cabelo e escutou uma risada de Robyn.
- Não tem nada de calmo no que a gente faz, soquinho. Não agora, pelo menos. - Ela apertou o cotovelo nas costelas de Yang, que grunhiu e se afastou. - Quem sabe as coisas mudem quando você aceitar a minha proposta?
- Não é tão simples assim, Robyn. - Yang abaixou a cabeça, colocando a mão de volta no bolso. - Tem coisa demais e…
- Eu sei, eu sei. Continue pensando, soquinho. - Ela aperta o cotovelo em Yang de novo, que decide retribuir com um tapa no braço dela, fazendo-a rir. Então Robyn se levantou do banco e acenou para frente. - Quer ir comigo naquele café ali? Ou vai voltar pro teu clube?
Yang revirou os olhos e assentiu. Sabia que tinha algo para fazer de tarde e, teoricamente, ela saiu para almoçar. Deveria aproveitar e fazer isso agora.
- Só se você pagar.
....
— Uau, o que aconteceu?! — Foi a primeira coisa que Sun exclamou quando a viu se aproximar dele com um saco de papelão que emanava uma temperatura quente e cheirava a frango, legumes e banana frita. Ela estendeu o embrulho para ele, deixando evidente a logo do restaurante que ele amava. — Ok, não precisa responder. Deve tá rolando algo muito sério pra você aparecer aqui com uma marmita do restaurante que eu mais amo nessa cidade…
— Eu… — Blake não conseguiu nem contradizer o que o amigo sugeriu porque, de imediato, se sentiu desconfortável. Não era certo que ela o procurasse, depois de alguns dias de silêncio, apenas porque precisava desabafar e ser ouvida com sinceridade. Não era justo com Sun…
Nem com Yang, nem com qualquer outra pessoa a qual ela devia sinceridade, principalmente aquelas que amava.
Mas, ela só precisava conversar e Sun era o único que a ouvia sem julgá-la demais. Ou, julgando-a na medida certa para que ela enxergasse que realmente precisava fazer algo em relação aos segredos que carregava. Porque ele era assim… Enérgico, até idiotamente incansável em alguns momentos, mas extremamente leal em muitos outros.
Claro que Sun não a julgou, ele apenas franziu as sobrancelhas para o seu olhar desconsolado e gritou para que um dos rapazes assumisse o caixa da SeaMonkey’s antes de bater no balcão e esbravejar:
— Vou dar uma pausa para almoçar, não explodam a loja sem mim!
Não existiu uma resposta compreensível vinda de Sage e Scarlet, apenas resmungos. Blake percebeu que Netuno não estava ali e aquilo chamou a atenção, mas antes que pudesse perguntar o motivo, Sun já a arrastava para os fundos em que ela conheceu no pouco tempo que ajudou o melhor amigo na loja.
Eles caminharam em silêncio, mas antes de entrarem no depósito dos fundos, que cheirava à maconha (agora Blake sabia) e colônia masculina forte, Sun a olhou por sobre o ombro e Blake teve a impressão de ter visto algo nos olhos azuis, tristeza, talvez? Logo, Sun abria a porta de forma cavalheiresca e abria um sorriso antes de dizer gentil:
— Não falei por maldade, sabe disso… É que você não consegue esconder esse olhar de gato que caiu da mudança quando tá chateada com alguma coisa.
— Eu realmente queria entender porque todo mundo me compara com um gato. — Blake encolheu os ombros e assumiu uma expressão indignada, antes de erguer o queixo e passar orgulhosa por Sun. Ela escutou o amigo rir com gosto dela, antes de acompanhá-la e comentar brincalhão:
— Agora, só faltaram as orelhinhas abaixadas.
Ela não perdeu a oportunidade de dar um tapa no braço musculoso dele, logo depois de colocar o saco de papel em segurança em cima da mesa. Então, Blake tirou uma das caixinhas do interior, verificando a anotação do restaurante antes de entregar a Sun. Porém, os olhos dele foram para uma caixinha menor que ela ergueu antes de alcançar a própria. Ela fez um sinal negativo com o indicador e bronqueou:
— Não, não… Você vai comer como uma pessoa normal hoje! Primeiro o almoço, depois a sobremesa.
Sun bufou impaciente, antes de apanhar os hashis que ela entregava. Assim, a dupla se acomodou nas caixas do depósito que cheirava à maconha e cereais. Blake demorou a tomar a iniciativa e abrir a própria caixinha, por mais apetitoso que fosse o cheiro do peixe ao molho agridoce que pediu para si. Ela não estava com fome e não sabia como começar a falar.
Mas sabia que ela deveria começar, porque foi ela quem sumiu do seu melhor amigo quando a sua vida entrou nos eixos.
— Para de pensar besteira e come, Belladonna. Ou eu vou comer bananas empanadas sozinho. — Foi a vez de Sun bronquear, só que ela não o levou muito a sério porque ele tinha as bochechas estufadas de tanto frango xadrez que tinha na boca. Ainda assim, Blake sorriu pequeno e observou os próprios dedos trêmulos antes de abrir a sua caixinha e suspirar.
Ela não precisava que Sun voltasse a se preocupar, ela só queria conversar com alguém porque, depois de não querer incomodar Weiss na Corporação Schnee e de evitar Yang (antes de ligar para ela de fato e não ser atendida), ela se deu conta de que não tinha muitas pessoas em Vale agora que voltou… E sua mãe… Sua mãe não contava como opção, mesmo que se oferecesse para tal.
O silêncio perdurou por alguns segundos enquanto Blake se forçava a mastigar para pensar melhor sobre o que queria e precisava falar. Muito aconteceu desde que viu Sun pela última vez, inclusive, ela quase morreu naquele meio tempo… Ainda assim, ele continuava ali, com um sorriso incandescente e um olhar ansioso. Como se ela não tivesse o deixado no escuro durante todo aquele tempo.
Novamente, ela entregava sombras a quem iluminava a sua vida… Blake tinha problemas de compartimentalização, ela sabia disso e Sun não merecia nada daquilo.
— Eu e Yang continuamos firmes e fortes… Moro com ela agora. — Ela sussurrou frágil, antes de levar os hashis à boca e se forçar a mastigar e engolir o peixe agridoce, estava delicioso e, talvez, tivesse trazido mais leveza aos pesos que castigavam os seus ombros. Sun fez um som esquisito com a boca, meio que concordando e engolindo e ela riu… Ele ia se engasgar daquele jeito. — Eu também me demiti do Diário de Vale… Sou assessora de campanha de Willow Schnee agora.
Pela primeira vez naquele reencontro disfarçado de almoço, os olhos azuis de Sun se focaram nela e Blake se viu colocando a caixinha de comida de lado. O que foi providencial porque, no segundo seguinte, ela se viu esmagada em um abraço de urso enquanto Sun pulava com ela nos braços e dizia efusivo:
— Parabéns, gata radical! Era isso que você fazia né? Nossa, se eu não tinha motivo para votar na sugar mommy, agora eu tenho!
— Sugar mommy, Wukong?! — Blake exclamou indignada antes de colocar a mão no rosto do amigo e o empurrar para longe dela. Sun grunhiu e caiu sentado na caixa onde estava anteriormente, antes de rir abertamente e voltar para a sua caixinha de comida. Ela o contemplou com um misto de indignação e riso, antes de também voltar para o seu almoço. — Mais respeito com a minha chefe, por favor…
— Eu fico feliz, de verdade, por você. — Havia tanta sinceridade nos olhos azuis de Sun que era impossível duvidar dele, Blake sentiu as bochechas esquentarem e se ocupou em colocar mais comida na boca, o apetite abrindo aos poucos conforme conversava com o amigo.
Então, novamente, o silêncio veio, interrompido apenas pelos discretos sons de mastigação enquanto eles trocavam olhares que terminavam em sorrisos de bocas cheias. Blake, por mais que quisesse conversar, não sabia como… E Sun, com a generosidade que ela sabia ter em demasia no peito, disse gentil:
— Bem, já que você tá tendo problemas para falar, eu vou primeiro: não tô bravo contigo, nem chateado. Eu imagino o que pode ter rolado só pelo que vi nos jornais… Você precisava de tempo e, pelo menos, voltou dessa vez, Belladonna. Nada mudou entre a gente, ainda tô aqui para escutar você reclamar da vida enquanto tento colocar algo coerente nessa sua cabeça dura. Só não me troca pela Weiss porque isso sim machucaria meu ego.
Blake quase se engasgou com o que engolia. Ela franziu as sobrancelhas para o péssimo timing do amigo, mas quando se recuperou, riu junto com ele que tinha um sorriso culpado e feliz nos lábios. Ela suspirou, comeu quase todo o conteúdo da caixinha e Sun, terminando a dele, esperava pela sobremesa. Ele cruzou as pernas na caixa em que se sentou e ela abraçou os joelhos, se desequilibrando, antes de esconder o rosto e grunhir:
— Eu sinto que sempre reclamo da vida para você.
— E eu sinto que você se cobra demais pela felicidade que alcançou. — Sun rebateu com um ar convencido, apontando o indicador para ela e piscando, o que provocou mais um sorriso nela. Então, ele apoiou as mãos nos joelhos, satisfeito. — Então, desembucha. Qual o drama da vez?
Blake também se fez essa pergunta, porque não sabia por onde começar. Afinal, tinha uma prova fortíssima contra o Ravenscrow MC desaparecida por causa do seu descuido, além disso, ela escondia de Yang que queria mudar o clube e trazê-la de volta para Ruby e agora… Ainda precisava falar com a provável mandante do assassinato de seu pai para manter seu emprego. Era demais.
Por isso, ela suspirou e ergueu os olhos dourados para Sun que esperava pacientemente, cutucando o fundo da caixinha com os hashis. Ele parecia tão ingênuo naquela atitude e ela acabou sorrindo de novo antes de responder melancólica:
— Willow quer que eu contate Robyn Hill, a líder das caçadoras, para que conversem junto com Ironwood e os corvos… E isso é só o começo. Porque ainda tem Ruby no meio disso tudo.
— Ok, ok… Acho que perdi muita coisa. — Sun comentou surpreso, arregalando os olhos azuis antes de voltar a se calar porque Blake empalideceu. Realmente, era muita coisa e ela não sabia nem como falar sobre tudo aquilo. Mesmo assim, ela precisava e por isso, ela esticou as pernas, ansiosa, e continuou:
— E eu não falei nada disso para Yang… Eu não sei o que ela vai pensar sobre estar no mesmo lugar que o Huntresses MC e sobre Ruby… Eu honestamente não sei o que ela vai fazer quando souber que eu tentei resolver a situação familiar dela sem falar com ela.
Ela sentiu a própria voz tremer no fim da última frase. O reflexo a fez abraçar os próprios ombros, mas foi impedida de fazer isso quando Sun rompeu a distância entre eles e a empurrou na superfície da caixa em que ela estava sentada. Ali, ele se acomodou da forma mais apertada possível e passou o braço pelos ombros encolhidos dela, então, ele beijou o topo da cabeça dela e disse:
— Xiao Long é uma frouxa por você, B… Ela não conseguiria ficar brava contigo por causa disso. Mas, se você precisar de mais do que isso para se convencer, não é como se você estivesse fazendo tudo sem pensar nela.
— Mas… Yang é feita de verdade. Ela não mentiu para mim desde que eu voltei, fui eu quem escondeu coisas e… Quase matei nós duas. — Blake contra argumentou com um fio de voz, segurou a mão do amigo como se aquela fosse a única sustentação que ela possuía. Os olhos dourados arderam e ela respirou pesado… Ainda tinha o diário e sua mãe, mas ela não conseguia pensar nisso, existia um limite até para ela. A culpa a corroeu e ela se viu à beira do choro. A mão de Sun apertou a sua e ele sussurrou:
— Eu não vou perguntar sobre o que você não contou… E eu concordo com você, Yang é feita de verdade porque ela vive no meio de um monte de cara que mente e esconde coisas dela. Mas não assuma que ela tá sendo sincera com você o tempo todo, a gente precisa guardar certos segredos, só não podemos guardar aqueles que mexem com quem a gente ama.
Blake sabia que não era a intenção de Sun machucá-la, mas os erros eram somente dela… E cada um de seus segredos envolvia Yang. Obviamente, a culpa rebaixou ainda mais os seus ombros e o rapaz, claramente, percebeu aquilo. Sun se afastou e segurou o rosto dela pelo queixo, trazendo-a para olhar para ele. Surpresa, Blake viu que os olhos azuis do amigo estavam frios, repletos de seriedade e, ainda assim, carinhosos. Ele sorriu de lado, meio triste, como se o que falaria mexesse com ele também e disse:
— É complicado se dividir com uma pessoa, a gente tem medo das partes mais feias que temos… Mas é necessário se aquela pessoa é o que a gente quer na nossa vida. E eu sei, desde que você ainda era a minha namorada, que Yang sempre foi sua e você, dela.
— Sun…? Tá tudo bem? Eu falando sobre mim e você…? — Blake quase se esqueceu dos próprios problemas porque uma lágrima escorregou dos olhos azuis de Sun e ele a limpou com um gesto brusco, rindo irônico em seguida. Ela puxou a mão dele para o seu colo e, insistente, procurou o olhar dele que a encontrou, magoado. Sun suspirou e resmungou:
— Netuno, ele é… Só saiba que ele é um babaca que não assume as coisas que faz. O que é diferente de você, B… Você assume demais e esse é o seu maior defeito e também, a sua maior qualidade. Não se cobre tanto, por favor… Só… Seja feliz do seu jeito…
Blake não pensou tanto sobre felicidade desde que chegou a Vale porque liberdade era tudo que precisava… Só que agora, ela não tinha mais grilhões em seus pulsos, nem um aperto fantasmagórico em seu pescoço. Agora, as suas sombras e a sua escuridão eram somente suas e, talvez, fosse a hora de deixar alguém entrar para que pudesse enxergar melhor. Porque não se podia ter felicidade se não pudesse enxergá-la de fato…
Sun era um que iluminava os seus dias, mas era Yang quem extinguiu os seus fantasmas. Por isso, ela respirou fundo ao se dar conta que não era a covardia que calava a sua boca… Ela tinha coragem de falar porque sabia que era o certo, mas ela tinha medo de perder…
Só que ela perderia Yang mesmo se não falasse porque a verdade é frágil mesmo nas sombras. Qualquer fonte de luz pode iluminá-la a ponto de destruí-la caso não fosse bem administrada.
Assim, ela apertou as mãos em torno da mão de Sun e eles se olharam brevemente. Blake sorriu para o amigo e encostou a testa brevemente na dela, Sun riu ruidosamente e sussurrou:
— Não é porque Netuno me tira do sério ou Yang lhe faz sempre ter medo de perder ela que nenhum desses dois não vale a pena… Pelo contrário, eles valem demais e é por isso que nós dois estamos fazendo papel de idiota agora.
Assim, os dois acabaram rindo com lágrimas nos olhos… Nenhum deles estava errado no que sentia. Porém, Sun tinha uma verdade universal em suas palavras: geralmente, eram pessoas como Netuno e Yang que faziam tudo o resto valer à pena. À primeira vista, parecia que tanto Blake como Sun estavam frágeis quando, na verdade, eram fortes justamente por causa daqueles dois…
Porque não havia amor sem ceder, assim como não havia intimidade sem um pouco de verdade.
…
Assim que Yang colocou um pé dentro da sede do clube, foi abordada por um Mercury bastante ansioso, preocupado e querendo falar com ela sobre algo sério. E, como boa culpada que escondia algo, ela se sentiu igualmente ansiosa. Correu os um olhar pelas pessoas do clube, esperando que nenhum deles tenha percebido a saída silenciosa dela e a volta suspeita, também silenciosa.
Porém, enquanto Mercury explicava, Yang foi se acalmando. Não tinha nada relacionado a saída dela, o rapaz só queria a ajuda dela no serviço que teria que cumprir para o Ravenscrow. Esperavam Hazel enquanto ele explicava o que teria que fazer.
Como normalmente acontecia com aqueles que exigiam a proteção do Ravenscrow MC, o clube teria que ir cobrar, ao menos uma vez no mês, o valor que ficou acertado quando o acordo foi feito. Era apenas uma das formas que o clube se mantinha, e uma das que Yang não tinha problema em participar. Afinal, não tinha nada de ilegal nisso e ela podia fazer sem pesar na consciência.
Alguns lugares tinham o clube como segurança, lugares como: Bares, estúdios, algumas bandas, cantores e, como era esperado, clubes de striptease. O que era o caso agora.
- Hazel disse que você tinha a melhor ligação com a Neon Katt e facilitaria o serviço… - Yang fez uma careta enquanto ele falava. Mercury não percebeu, pois continuou falando e falando.
Neon Katt era uma das strippers do ‘Never Miss a Beat’, o clube de um musicista chamado Flynt. Yang não sabia muito da vida dos dois, só que são atlesianos e tem a vida bem feita em Vale. Tudo bem até aí. Yang gostava dos dois, gostava do ambiente e ela foi a que ofereceu a proteção.
Eis o problema, Yang sabia bem porque ela tinha melhor ligação com Neon Katt, e essa ‘ligação’ se chamava ‘sexo’. Sim, elas transaram algumas vezes durante os oito anos que se passaram, após o término dela com Weiss. Nada passou disso, elas tinham química na cama e se curtiam. No entanto, o que a fez pensar em dizer ‘não’ para Mercury é que ela não via Neon Katt desde antes de Blake voltar para Vale.
- Então, vamos? - Mercury quase saltava nos calcanhares, ainda ansioso. Yang entendia, seu primeiro serviço também a deixou ansiosa. Mesmo que não fosse emocionante.
- Olha, Mercury… - Começou, mas foi interrompida pela aproximação de Hazel, que cerrou os olhos para ela, esperando que continuasse. Droga. Se ela falasse qualquer coisa agora, ele saberia que teria ligação com Blake. Todos no clube sabiam do seu… caso, com Neon. Não era segredo, não quando tinha festas no ‘Never Miss a Beat’ e ela não saía do seu lado até que desaparecessem em uma das salas do andar de cima do clube. Lançando um olhar mais duro para Hazel, Yang decidiu que não o deixaria vencer. Ela tinha o clube como prioridade. - Que horas nós vamos?
Mercury soltou o ar, comemorando o fato dela ter aceitado. Yang continuou com as lavandas presas nos olhos do homem na sua frente, que relaxou com a resposta dela, um sorriso mínimo aparecendo nos lábios.
- Umas seis da noite, duas horas antes de abrirem. Aí teremos tempo para conversar e, quem sabe, aumentar esse valor. - Hazel respondeu, balançando a cabeça com insatisfação. - As coisas estão calmas demais, a sua… Raven, vem falando que precisamos de um retorno maior.
- Pois é, por isso que eu tô te chamando. - Mercury se volta para ela, as mãos agora nos bolsos da calça jeans. Ele ainda parecia ansioso, porém, bem mais calmo. - A sua ligação com a Neon vai facilitar isso pra gente. Então, vou precisar desse seu rostinho bonito e carismático pra ganhar o coração deles.
E ele ainda deu um soquinho no ombro dela, que balançou um pouco, meio aérea.
- Ah… - Yang engole em seco, respira fundo e assente. Droga. - Tudo bem.
Never Miss a Beat é um dos maiores clubes de striptease de Vale. Luzes rosadas e azuladas adornavam o letreiro na frente do estabelecimento de forma discreta. A entrada era sofisticada, combinando com todo o interior. Se não fosse pelas cores extravagantes, aquele lugar poderia se passar por algum estúdio de música.
Yang diria que o Umbrella, do Torchwick, seria um belo concorrente deles, mas ela sabia que lá estava longe de ser algo envolvendo apenas striptease.
Ao parar a moto, Yang olhou ao redor antes de desligar o motor. O lugar era na parte alta de Vale, indicando que pessoas mais… poderosas, frequentavam esse estabelecimento. A rua estava vazia, provavelmente por causa do frio que castigava as noites de inverno.
Por instinto, Yang procurou por Blake. Talvez a Belladonna aparecesse do nada, a visse ali, perguntaria o que estava fazendo e a loira gaguejava para tentar explicar. Ao invés de ficar chateada, a morena apenas lhe daria um soco no ombro e sorriria. Seus pensamentos eram bem otimistas, aparentemente. Blake ainda estava chateada só por saber que ela e Weiss chegaram a namorar enquanto ela estava longe, ela nem queria imaginar o que aconteceria se a morena a visse aqui.
- Yang! - Mercury a chamou, tirando-a dos pensamentos pessimistas. Yang ergueu as sobrancelhas, ele estava parado na frente do estabelecimento, acenando com a cabeça para que ela o acompanhasse.
Hazel já estava empurrando a porta, passando pelo segurança parado na porta. Era um deles, que acenou para ela. Quando ela passou por ele, escutou um ‘boa noite, VP, tenha uma boa diversão lá dentro’ cheio de intenção, sabendo mais do que ela gostaria e Yang quis grunhir.
O interior era como o exterior, sofisticado e brilhante. Azul e rosa eram as cores que tomavam conta de todo aquele ambiente. As paredes eram no tom branco, mas dificilmente fácil de distinguir com as luzes em flashes por todo aquele lugar. O som ainda estava baixo, as músicas tocando em um tom agradável e o cheiro era de um ambiente limpo.
Flynt e Neon saíram de Atlas, mas Atlas nunca saiu deles.
Era um enorme salão, assim que entrava, dava de cara com o bar colorido cheio de garrafas de bebidas que Yang nunca conseguiria nomear. No final do salão havia um enorme palco com cortinas de uma cor rosa forte e, o que preenchia todo o ambiente, eram diversas mesas e sofás, quatro delas eram maiores e tinham pole dances. Tudo ainda estava bem vazio, mas já haviam duas pessoas atrás do bar, mixando bebidas, conversando entre si, soltando risadas e, claramente, flertando.
- Kobalt, Ivori. - Chamou assim que se aproximou, as mãos enterradas no bolso, apertando os dedos com nervosismo. Hazel e Mercury a acompanharam, o mais novo olhando por todo o lugar. Deveria ser a primeira vez dele aqui. - Sabe onde eu…
Não pode nem terminar, os dois a olharam cheios de intenção. O cabelo azul de Kobalt parecia preto debaixo daquela luz, totalmente diferente do branco de Ivori, que mudava de cor. Os dois se inclinaram no balcão, sorrindo para ela que, dessa vez, se deixou grunhir.
- Está procurando a patroa? - Ivori que falou, o que já era raro por si só, Yang não lembrava de já ter visto ele lhe dirigindo a palavra. A loira assentiu, sem transmitir qualquer emoção. Ele acenou para cima, para os escritórios que ficavam no andar de cima do enorme salão. - Ela tá ansiosa pra te ver desde que recebeu a ligação mais cedo. Nem precisa bater na porta, pode ir entrando.
- Faz tempo que não vem aqui, loirinha. - Kobalt que falou dessa vez, lançando um olhar curioso para Mercury, agora interessado. - Gostei da companhia.
- Claro que gostou. - Yang grunhiu baixinho, ignorando eles para virar para os dois companheiros. Hazel não parecia muito feliz por estar ali e Mercury sorria para os dois rapazes atrás dela, um sorriso que não surpreendeu Yang. - Vocês vão comigo…?
- Na ah, gostosa. - Kobalt a interrompeu, se inclinando mais ainda em cima do balcão, os olhos cerrados para ela. - Ela disse que quer só você lá. Os bonitões podem ficar aqui, não terão tédio, nós garantimos.
E ele ainda fez o show de piscar para os dois. Hazel grunhiu atrás dela e Yang o entendeu perfeitamente. Virou e o viu acenar para ela ir para o andar de cima. Indicando também que tudo ficaria bem. Mas eles já perderam Mercury, que andava para sentar no bar e se aproximava de Ivori, conversando sobre algo que ela não quer escutar.
Decidindo que, se não hesitar, não vai demorar, Yang se apressa para subir as escadas, ignorando a ansiedade no estômago. Se Neon já sabia que ela iria aparecer ali, o que encontraria quando abrisse a porta?
As escadas ficavam atrás do bar e o andar de cima não era espaçoso como o salão embaixo. Era apenas um corredor com portas do lado direito e alguns quadros na parede do lado esquerdo. Os quadros eram discos, alguns do próprio Flynt, alguns quadros com pintura abstrata. Era bem decorado e bem diferente do andar de baixo.
Yang foi andando na direção que ela já sabia. O escritório de Neon era ao lado do de Flynt. Os dois eram donos daquele lugar, mas a mulher ainda gostava de dançar no andar de baixo. Ela realmente gostava de dançar, e fazia isso muito bem.
Ela sabia que o rapaz não estava lá, pelo que Hazel comentou antes de saírem, ele estava em Atlas gravando mais um álbum e Neon ficou cuidando da maior parte da administração do Never Miss a Beat.
Mesmo sabendo do que Ivori disse, Yang deu duas batidas na porta. Não queria abrir e encontrar algo que ela sabia que encontraria. Neon e ela não eram tímidas uma com a outra. Ela nem queria começar a pensar no tipo de coisa que já fizeram. Droga, ela realmente não queria estar aqui.
- Yang? - A voz soou do outro lado da porta assim que Yang abaixou o braço. Era Neon, ela nem tinha dúvidas. E o tom dela indicava coisas demais. Yang fechou os olhos, pigarreando. Reunindo forças para abrir aquela bendita porta. - Querida, você sabe que pode entrar. Estarei sempre aberta para você.
Claro que ela diria isso. Claro.
Yang apertou os olhos fechados e abriu a porta, entrando sem pensar duas vezes. Se ela pensasse demais, não entraria. Precisava entrar, queria acabar com aquilo logo.
- A gente precisa conversar. - Comunicou assim que fechou a porta atrás dela, ainda sem abrir os olhos. Escutou uma risada vindo de algum ponto na sua frente. Era rouca e divertida. Yang quase podia imaginar o cabelo rosado, a franja com duas mechas azuladas, os olhos esverdeados e aquele sorriso irritante.
- Claro, podemos conversar quando quiser. Que tal abrir os olhos, querida? Faz tempo que não te vejo, tô com saudade.
Com isso, Yang abriu os olhos. O tom dela mudou um pouco e isso a fez ficar curiosa. Neon estava sentada em cima da mesa, as pernas cruzadas e bem nuas, o vestido azul claro, bem curto, não fazia o mínimo esforço para cobrí-las. Ela estava com o cotovelo apoiado no joelho. O cabelo rosado estava preso no alto da cabeça, a franja caindo sobre os olhos esverdeados, que cintilavam na direção dela.
Nada mais indicava algo sugestivo, isso fez Yang relaxar um pouco e dar alguns passos na direção da dançarina.
- Então, você já deve saber porque a gente veio aqui… - Yang não perdeu tempo em iniciar o assunto, sinalizando para a porta, indicando que não estava sozinha.
Neon balançou a cabeça, fazendo-a parar. A mulher abriu as pernas e se inclinou para trás, apoiando as mãos na mesa. E, pela primeira vez desde que se conheceram, Neon estava de calcinha por baixo do vestido. As coisas realmente estavam diferentes.
Então, ela cruza as pernas de novo, indicando o sofá de couro no canto da sala, para ela sentar.
- Não fale comigo como se nunca tivesse me comido, garota. - Ela reclama e Yang sente o rosto esquentar, mas faz o que ela indica, senta no sofá, se afundando e passando as mãos pelo jeans escuro. Neon solta uma risada e se levanta da mesa, andando na direção dela, mas não senta ao seu lado. Ela aponta para a mesa de bebidas e Yang nega com a cabeça. - Claro, passou tanto tempo sem vir aqui que acabo esquecendo que não gosta de beber.
Ela anda até a mesa de bebidas, de costas para Yang, que evita olhar para ela a todo custo. Neon não era do tipo que tinha um corpo cheio de curvas, mas ela era incrivelmente bonita e sabia disso. Era o corpo de uma dançarina. As pernas eram bem fortes e…
Yang só queria acabar aquilo e ir embora de lá.
Porém, era interessante ver como ela se sentia diante de uma mulher bonita, estando em um relacionamento com Blake.
O seu amor pela Belladonna era tão grande que ela sentia que nenhuma outra mulher chegaria aos pés dela. E estava certa, afinal. Blake Belladonna era única, e era de Yang. Assim como Yang era de Blake. Ninguém a tiraria dela.
- Por favor, Yang. Nós duas sabemos que eu sei que você agora anda com uma coleira nesse pescocinho branco. - A voz dela chama a sua atenção. Neon agora se aproximava do sofá, carregando dois copos com uísque. Yang suspirou, desviando o olhar. Mesmo sabendo que ela não bebia, Neon adorava insistir. A mulher sentou ao seu lado, colocando os dois copos na mesa de centro e virando na sua direção. - Dessa vez, a coleira é literal e não é uma das minhas. Triste.
- Neon… - Yang levou as mãos até o rosto, passando os dedos pelos olhos com força, grunhindo. Ela não queria mesmo estar nessa situação.
- Tudo bem, tudo bem. Eu paro. - Yang percebeu ela se inclinando e pegando um dos copos na mesa de centro. Ela tomou um gole antes de continuar falando. - Blake Belladonna está de volta na cidade. Há alguns meses, pelo que percebi. Foi bom colocar um rosto ao nome, já que o escutei tanto. Maaass… não vamos falar disso. Vamos falar de negócios, certo?
Yang olhava para ela, o rosto quente, mas engoliu em seco e assentiu, ignorando tudo que ela disse antes e focando nos negócios.
Ela sempre fez questão de manter o nome de Blake longe de situações como essa, mas, às vezes, as coisas entre Neon e ela se tornavam pessoais. Elas conversavam e Yang não conseguia tirar o nome de Blake da boca. Chegou a falar sobre o relacionamento das duas algumas vezes e Neon nunca a condenou. Yang achava até que ela conseguiria lhe entender.
- Você sabe o que eu vim fazer aqui, mas preciso te dizer que o valor…
- Vai aumentar, como eu imaginava. - Ela bebeu outro gole, desviando o olhar de Yang, suspirando enquanto engolia. Yang assentiu e sentiu uma mão no seu ombro, subindo pela sua nuca. Claro. Se afastou de Neon, balançando a cabeça. A mulher riu e colocou o copo de volta na mesa de centro. - Só queria fazer um teste, mas acho que a coleira ta bem curta. Tudo bem, fico feliz por ter tido tempo para te aproveitar antes dela chegar.
- Neon, por favor… - Yang gemeu, levando a mão para a ponte entre os olhos. Ela só queria ir embora. - Será que podemos falar…
- Você sabe que vou renovar o acordo com os corvos, Yang. Nem precisa ficar insistindo. Não importa o valor, o trabalho é bom demais para perder. - O tom de voz dela mudou totalmente, agora mais sério. Yang virou para olhá-la, vendo-a com os olhos perdidos na enorme janela atrás delas. Era um olhar pensativo, preocupado. - Seus corvos fazem um trabalho excelente protegendo as minhas meninas, elas se sentem seguras. É o que mais importa para mim e para Flynt.
Yang sentiu a mudança de humor e relaxou mais um pouco contra o estofado de couro.
- É o que mais importa para mim também. Não se preocupe, o valor aumenta, mas o serviço também vai melhorar. - Garantiu, mesmo sabendo que não foi o que Hazel disse. Ela queria garantir a segurança daquelas meninas. Até porque, ela sabia que muitas buscavam aquele lugar para fugir de ambientes nada saudáveis. Neon e Flynt entregavam tudo que elas precisavam para se manter bem. - E lembre, se alguma coisa acontecer, você sempre pode me ligar.
Com isso, os olhos esverdeados foram para os seus lavandas, a atenção dobrada. Neon tinha aquele olhar que Yang sabia que ela queria se inclinar e beijá-la. Isso a fez se afastar um pouco mais, conseguindo uma risada baixa da mulher na sua frente.
- Não vou tentar nada, Xiao Long. Sou uma mulher insaciável, sexual, mas sei quando não devo me meter com alguém. - Ela se inclinou na direção da mesinha mais uma vez, apanhando os dois copos dessa vez. Levou o cheio na direção de Yang, erguendo ambas as sobrancelhas. - Só esse aqui. Uma despedida e um brinde para comemorar um acordo fechado entre… amigas.
Yang olhou para o líquido âmbar balançando no copo quadrado. Engoliu em seco, respirando fundo e assentindo. Apanhou o copo, brindou com o de Neon e ficou olhando para aquele líquido.
De todas as bebidas que já bebeu na vida, uísque era a que vinha com maior peso na consciência. Na sua cabeça, só vinha o flash do frasco de bronze no chão do carpete, líquido âmbar escorrendo e fazendo uma poça ao redor dele. Seu estômago se revirou com força, gelando todo o seu interior.
Se ela pensasse mais, não tomaria. Então fez isso, tomou sem pensar. Virando o copo inteiro e engolindo com uma careta, ignorando o líquido descendo rasgando pela sua garganta desacostumada. A bebida a esquentou imediatamente e ela considerou tirar a jaqueta, mas nunca faria isso ali.
Não mais, ao menos.
- Nossa! Mas isso eu não esperava. - Neon soltou uma risada humorada. Ela tinha a mão nas costas de Yang mais uma vez, brincando com a gola do colete, em cima da jaqueta. Dessa vez, Yang não tinha forças para afastar, apenas lançando um olhar para a outra mulher, que lhe deu um leve tapa antes de tirar a mão. - Já te disse, não vou tentar nada.
- Diz isso, mas continua com as mãos em mim. - Devolveu, se inclinando e colocando o copo de volta na mesa de centro. Não tomaria mais nada e Neon sabia disso.
- Claro, você é uma delícia, garota. Sabe disso. - Neon tomou o resto do conteúdo do copo e colocou de volta na mesa de centro, antes de se levantar, arrumando a barra do vestido azul. - Vou sentir falta do que você fazia comigo, era bom demais. Agora só tenho inveja da Belladonna. Qualquer coisa, sabe que pode me chamar. Adoraria participar de uma sessão com as duas.
Yang revirou os olhos e decidiu que agora era hora de ir. Elas se despediram e a loira foi surpreendida quando Neon se aproximou dela, a abraçando e beijando embaixo do ouvido. Um beijo sensual e de boca aberta.
Isso a arrepiou e ela se afastou rapidamente, lançando um olhar duro para a outra mulher, que apenas riu e andou até a porta, abrindo para ela passar.
Enquanto Yang descia as escadas, indo na direção de um Hazel completamente sozinho, jogando o jogo da cobrinha no celular, ela pensava que, certamente, poderia ser pior.
…
Se Blake não podia ter Yang durante aquele dia, ela se contentou com Sun. A tarde foi bem proveitosa com o amigo e ela só deixou a SeaMonkey’s no final do expediente. Naquelas horas todas, não houve nem sinal de Neptune nem de Yang… Para ela, era algo incômodo e para Sun, algo preocupante.
As razões das conversas e confissões dos dois amigos pareciam alheias ao que ambos sentiam e isso reforçou a necessidade de Blake. Ela podia sentir o início de um abismo entre ela e Yang e não queria que a distância fosse a razão do fim da história delas naquela segunda chance. Por isso, ela decidiu conversar com a VP do Ravenscrow MC naquela noite… Na pior das hipóteses, o fim seria sincero, sem mentiras e coisas escondidas na escuridão.
Sun a deixou em casa com um sorriso encorajador. Ela não manifestou o que faria a ele, mas o rapaz tinha uma espécie de sensor para saber quando estava diante de um dos momentos cruciais de sua vida… Afinal, Sun percebeu que ela ia terminar com ele antes mesmo que ela percebesse. Assim, Blake retribuiu o sorriso e deixou um beijo carinhoso na bochecha dele.
A Harley Davidson de Yang estava estacionada em frente ao prédio, quase camuflada à escuridão que começava a se estender no anoitecer de Vale. Blake entendia um pouco sobre motos, afinal, o seu pai era apaixonado… E a Dyna Super Glide de Yang era um bom exemplo dos motivos que levavam homens e mulheres a amarem aquele tipo de coisa. O preto predomina no corpo da moto, apenas perturbado por alguns traços em dourado e pelos contornos ainda mais escuros do corvo no tanque de gasolina, cujos olhos vermelhos chamam mais atenção do que tudo. Era melancólico que Yang fosse perturbada pela ave até na sua própria moto…
Porém, o que mais incomodava Blake não era nem isso. Era complicado para ela perceber que, diferente de Pyrrha, Yang não trazia nada na moto que remetesse a ela. Na realidade, até mesmo as Belladonnas eram escondidas aos olhos do mundo e, principalmente, do olhar de Raven Branwen. Pyrrha tinha um floco de neve tatuado na mão e outro no tampo do tanque de gasolina…
Blake chacoalhou a cabeça. Ela não precisava daquela injeção de insegurança e insatisfação no momento. A noite seria complicada e ela não precisava de duvidar de algo além de si mesma.
Por isso, ela desviou os olhos dourados da moto e passou direto pela pequena recepção do prédio. O porteiro a cumprimentou com um sorriso educado e ela mal teve tempo de retribuir ao passar quase correndo por ele. No elevador, se permitiu respirar fundo, mesmo sentindo os ombros tensos durante todo o trajeto até o andar da casa que tentava construir com Yang. As portas se abriram e Blake soltou o ar antes de dar o primeiro passo para o corredor deserto e silencioso.
Enquanto caminhava, ela tirava as chaves da bolsa e pensava na melhor forma de abordar o assunto. Não havia facilidade no que estava disposta a fazer naquela noite e, por isso, ela desistiu de planejar na metade do caminho. Talvez, ela teria mais sorte se simplesmente deixasse as coisas fluírem… Sem ressalvas. Blake tinha medo de planejar e acabar, inconscientemente, escondendo outras tantas coisas.
A chave encontrou a fechadura e a porta do apartamento se abriu. De imediato, Blake sentiu um aroma delicioso vindo da cozinha… Ela reconheceu o cheiro da manteiga derretendo e, talvez, de alguns legumes cozidos. Foi impossível não abrir um sorriso… Era até injusto duvidar de Yang quando era recepcionada em casa daquela forma.
Yang era bem direta em suas demonstrações de carinho e alimentá-la decentemente talvez fosse uma das melhores.
Assim, ela se guiou pelo cheiro e chegou à cozinha. Yang cozinhava de costas para ela, parecendo confortável em estar descalça, com uma calça de moletom preta e uma camisa amarela de mangas longas. E para alguém que levava uma vida criminosa, Yang era bem distraída porque não a escutou chegar. Ou, talvez, ela que foi silenciosa demais como se acostumou a ser quando estava frente a frente com um conflito.
— Isso parece delicioso… E eu não me refiro só a comida. — A voz saiu naturalmente, porque Blake não se cansava de reforçar como Yang a fazia feliz. Assim como a sua fala, as mãos enlaçaram o abdômen definido pelas costas e ela sentiu Yang se sobressaltar em seus braços, antes de se aconchegar ao seu corpo menor. Blake fechou os olhos e enterrou o rosto entre as omoplatas de Yang, sorvendo todo o perfume cítrico ali. Yang estremeceu e disse com uma risada:
— E eu espero que a gente coma antes de fazer qualquer coisa… Tô cansada de tentar servir algo quente e você arruinar tudo.
— Eu não vi nem ouvi você reclamando do arruinar de sua comida, Xiao Long… — Blake pode se ouvir praticamente ronronar junto ao tecido da camisa, antes de se afastar e se esticar, deixando um beijo no pedaço de pele do pescoço que encontrou no meio dos longos fios loiros. Mais uma vez, Yang riu ainda que a atenção estivesse no que era feito no fogão. Então, ela se mexeu e Blake sentiu o olhar lavanda de canto para si antes de escutar:
— Você ainda pode se trocar, se quiser… Temos um tempinho.
Blake resmungou em afirmação antes de se soltar e tomar o caminho para o quarto que dividiam. A cada passo, ela removia uma das peças que usava para trabalhar, de forma que chegou ao quarto apenas de calcinha e sutiã. Então, ela bagunçou os cabelos, aliviando a pressão no couro cabeludo e se espreguiçou. Com as roupas de trabalho em cima da cama, ela vasculhou o lado de Yang no guarda-roupa, satisfeita ao encontrar uma camisa surrada de alguma banda de rock e calças de moletom parecidíssimas com a que a outra usava.
O perfume cítrico presente mesmo nas roupas lavadas a fez sorrir e ela apanhou aquelas na cama para levar até o cesto. Yang a chamou da cozinha e ela respondeu de volta, tentando mirar o bolo de roupas no cesto e falhando miseravelmente. Ela teve que voltar para colocar tudo certinho, porque Yang detestava as suas bagunças.
E ao se aproximar, ela achou que estava enlouquecendo. Existia um cheiro que não pertencia àquele lugar, principalmente… Existia uma fragrância doce e enjoativa que não pertencia às roupas de Yang.
Blake sentiu que, de alguma forma, ela se distanciou de tudo naquele instante. Yang a chamou de novo, mas ela não escutou. Ela também não enxergou quando vasculhou o cesto de roupas e encontrou a blusa de lã preta que lembrava ter visto Yang vestir quando acordaram juntas de manhã. A peça de roupa estava em suas mãos e Blake a apertava com força entre os dedos. Ela sabia que o cheiro vinha dali e, mesmo pensando que era patético, ela levou o tecido ao nariz. Sim, o perfume doce e enjoativo se misturava ao de Yang e a fez franzir o rosto, assim como ardeu os olhos… Ela só não sabia se a razão estava no perfume ou no que apertou o seu peito.
Por segundos, ela ficou paralisada, pensando no que aquilo podia significar ainda que, de certa forma, era bastante óbvio. Ela se sentia acuada, tanto pela posição que estava como pelo que sentia, Blake respirou fundo e olhou por cima do ombro, preparada para ver Yang abordá-la e perguntar o que ela fazia vasculhando as suas roupas… Ela estremeceu e engoliu em seco.
Estava difícil respirar, complicado segurar o choro e… Ela não sabia se tinha forças para olhar nos olhos de Yang.
Ela deveria duvidar de Yang depois de tudo que elas passaram? Ou talvez ela devesse duvidar justamente por tudo que passaram…? Será que Yang se arrependia do que fez com Adam? Será que aquela morte as separou em vez de aproximá-las? Então… O que foram aqueles meses? O que significavam as noites infindáveis entre elas? E… Será que Yang não era mais somente dela?
As inseguranças de Blake castigaram os seus ombros como se pesasse toneladas e ela só despertou da escuridão em que se enterrava porque os passos de Yang eram pesados e, no estado em que estava, ela seria capaz de escutá-los mesmo que fossem silenciosos… Yang não era furtiva na maioria das partes de sua vida, até agora.
Blake jogou as roupas no cesto e limpou as lágrimas que nem sabia que tinha derramado. Ela se levantou tão rápido que a maioria das articulações de seu corpo reclamou. Yang estava próxima, precisamente, na porta do quarto e dizia:
— Bella…? Olha, se isso é uma tentativa sua de me atrair até aqui…!
— Eu já estou indo. — Blake se surpreendeu com a própria frieza em sua voz, porém, essa percepção parece encorajá-la porque ela apertou os punhos e se virou, sem olhar nos olhos de Yang porque sabia que, se olhasse, provavelmente enxergaria o que não queria ver ali. Porque, afinal, ela conhecia Yang e saberia se algo estivesse errado.
Não, elas não estavam erradas… Com isso, Blake não sabia nem onde elas estavam mais.
Blake passou reto por Yang, mas pode sentir-se fuzilada pelo lavanda. Ainda assim, ela marchou pelo corredor que levava à cozinha, sem fome e sem saber o que deveria fazer. Mas, a raiva e o ciúmes consumiam o choque e a calma que ela tentava cultivar. De imediato, várias mulheres, às quais sabia terem passado pela cama de Yang enquanto não estava em Vale, vieram à sua mente. Até mesmo as que ela não tinha certeza perturbaram o seu juízo.
Era demais.
Blake também mentiu, mas… Jamais daquela forma.
— Você tem algo para me contar? — Novamente, as palavras de Blake a traíram e saíram antes que ela pudesse pensar sobre elas. O seu corpo também, já que ela se virou no corredor e encarou Yang de frente. Tudo que recebeu foi um olhar confuso e uma postura surpresa, aquilo doeu ainda mais. Blake foi enganada por tempo demais, ela reconhecia certos sinais, mas não esperava vê-los em Yang. — Talvez, como foi seu dia?
— Blake…? Do que você tá falando? — Yang parecia preocupada com o seu comportamento e Blake tentou ignorar isso, porque sabia como as pessoas podiam mentir em situações como aquela. Todo aquele confronto a fazia lembrar dos anos que ela queria esquecer, só não queria ter que esquecer Yang também. Os olhos dourados arderam e ela respirou fundo para sufocar o choro, antes de dizer irônica:
— Foi apenas uma pergunta, Yang… Ou existem coisas que você faz e não pode me contar?
Os ombros de Yang caíram e Blake estava tão cheia do pior que não conseguiu discernir o que provocava aquilo. Um passo foi dado em sua direção e ela deu outro para trás, Yang ergueu as mãos como se estivesse prestes a se render e Blake não sabia mais o que via diante de si. Era dissimulação ou era sinceridade? Se fosse sinceridade, por que Yang simplesmente não se explicava? Ao invés disso, Yang suspirou e, ainda de mãos erguidas, perguntou delicada:
— Blake, por favor… O que tá acontecendo?
— Você que precisa me dizer, Yang… Porque eu me recuso a acreditar nas coisas que eu estou sentindo agora. Eu só… — Blake não sabia mais o que falava, só que toda a sua postura a traiu naquele momento porque a sua voz falhou e ela se sentiu tremer. Ela abraçou o próprio corpo, as mãos se fechando nos espinhos tatuados em sua pele. Ela voltou a olhar para Yang, sabendo que estava perdida tentando se encontrar no lavanda no qual não mais enxergava a verdade. — Por favor, não faça isso comigo. Não você.
Yang recuou e Blake sentiu a sua visão desaparecer nas sombras por alguns segundos. Ela não conseguia interpretar aquilo de outra forma, Yang estava praticamente se condenando e quando conseguiu enxergar de novo, ela viu como os olhos lavandas estavam límpidos na culpa. Blake soluçou e Yang, nervosa, respondeu:
— Eu não sabia como falar pra você o que tá acontecendo… Mas, agora, eu acho que vou ter que dar um jeito de falar.
O silêncio não era um convite para falar, parecia mais como a última chance de elas não falarem o que poderia machucar uma a outra. Blake entendeu aquele aviso, Yang não. A VP colocou as mãos nos bolsos da calça de moletom e desviou os olhos dela, falando de forma desconfortável para um ponto na parede, distante delas:
— Tudo começou quando o Adam apareceu aqui… Ela tem me ajudado a lidar com tudo e…
Blake não imaginava que toda aquela situação poderia piorar. Agora, ao invés do sufocamento, o que ela sentia era uma fúria tão cega que a fazia pensar seriamente na probabilidade de machucar Yang. Como ela dizia aquele tipo de coisa sem se preocupar com o que sentiria…? Ela até deu um passo à frente, porque ela só conhecia a violência em situações como aquela, mas… Adam Taurus lhe veio à mente e Blake tocou a cicatriz no quadril, engolindo em seco ao sentir a pressão da própria mão sobre aquela pele curada e marcada pelo ódio. Ela sentiu os olhos de Yang em seu movimento e isso não impediu a risada sarcástica de chegar aos seus lábios. Blake tossiu a própria dor e comentou machucada:
— Que bom saber que você matou o Adam por sentir pena de mim e não porque ainda me ama.
— O quê?! Pena? Blake… Do que você tá falando? Não é pena… O fato de ela saber o que acontece na cidade, como eu, me ajudou a rastrear aquele cretino. — O olhar de Yang era firme, tentando passar algo que Blake nem sabia se ainda tinha como acreditar… E a única mulher que se encaixava naquela descrição era Emerald. A bile subiu à garganta de Blake, ela sentiu ânsia e, por isso, caminhou para frente, voltando a passar por Yang.
Ela marchou em direção ao quarto e quando se viu longe do olhar lavanda, se permitiu ceder algumas lágrimas. Ela não choraria em frente de Yang, ela não se submeteria àquele tipo de situação… Ela esperava aquilo de qualquer um, menos de Yang que amou durante oito anos, mesmo nos seus piores momentos. E o que mais machucava era que o amor não acabava ali, se tivesse acabado, Blake não estaria sentindo o coração arrebentar dentro do peito.
— Droga, Blake! Eu sabia que devia ter falado… Eu só queria confiar nela antes. Robyn é uma carta coringa, mas a gente vem conversando sobre Vale, sobre melhorar a cidade e…! — Blake quase não entendeu o que ouviu porque tudo virou de ponta cabeça. Yang conversava com Robyn Hill…? Desde quando…? E onde a dona daquele perfume nojento ficava naquela situação?
Se antes o coração de Blake estava prestes a arrebentar, agora, ela não mais sabia se existia um para guardar aquele sentimento que se espalhava em forma de dor pelo seu corpo. Existia uma mulher e também existia Robyn Hill… Yang a machucou duas vezes e tentando se justificar, acabou se entregando ainda mais. No meio da dor, a fúria voltou a se manifestar.
Ela se culpava por mentir enquanto era enganada daquela forma. Blake não queria pensar em traição, ela não queria admitir que foi vítima de algo assim depois de tudo que passou para voltar àquela cidade… Em um segundo, aquilo era sobre ela e Yang somente e agora, envolvia o seu pai, a sua mãe e aquele maldito clube que ela pensou que podia mudar…
Yang, a melhor deles, se deitava com um inimigo…? Com alguém que era, possivelmente, a mandante do assassinato de seu pai até que se provasse o contrário. Claro, Blake leu coisas no diário do pai que podiam significar outra coisa, mas… Existiu uma investigação que foi finalizada como um acidente que parecia perfeito demais para ser só um. Até se provar o contrário, Robyn Hill matou Ghira Belladonna e agora, Yang confiava nela enquanto Blake se cobrava, dia após dia, por ter que mentir para tentar refazer o que ela mesma parcialmente destruiu.
Era um misto de dor, desespero e desamparo. Blake se virou abruptamente, enfrentando os olhos lavandas sem medo de perder-se neles. Ela já estava perdida em meio a tantas mentiras… Elas não pareciam as mesmas Blake e Yang que se apaixonaram quando crianças e aprenderam a amar enquanto cresciam. Blake não reconhecia aquela Yang a sua frente, uma que lhe escondia as coisas que mais podiam machucá-la… Yang não era feita de verdade…?
— Primeiro, aquele perfume barato podre na sua blusa e agora… Robyn Hill? — Blake não conseguia conter o sarcasmo em sua voz, a emoção escorria pelas suas palavras como se fosse veneno quando, na realidade, ela falava assim porque não queria chorar em frente a quem ainda amava apesar de tudo. — Isso me faz me sentir menos pior por esconder as coisas de você para o seu próprio bem. É bom saber que eu não sou a única que mentiu aqui.
Não havia por que esperar resposta. Blake deu às costas e continuou o seu caminho até o quarto que dividiam, ela se esticou na ponta dos pés para apanhar a mochila surrada que achou que nunca mais precisaria nas prateleiras superiores do guarda-roupa. Então, ela arrancou a blusa e a calça que não lhe pertenciam e pegou o mesmo que, dessa vez, era seu. Em seguida, passou a apanhar o que era seu em meio a cabides e prateleiras. Ela escutou os passos pesados de Yang a encontrarem, seguidos pela voz atribulada:
— Perfume…? Do que você tá falando…? E como assim você mentiu? Se é sobre o emprego, você sabe que eu não ligo e...!
Quando Yang parou de falar, Blake teve que virar o rosto porque ela sentiu uma vontade imediata de desabar ali e voltar para aqueles braços que a faziam se sentir em casa. Mas ela não podia, não com tanta mentira entre elas. Só que ela ainda amava Yang e odiava ser quem, mais uma vez, ia embora… Odiava ser a garota que deixava a outra para trás, só que… Ela estava acostumada a fugir, mesmo que pensasse que não era isso que fazia agora. A primeira vez também doeu, mas dessa vez… Blake não sabia o que sentia, tudo doía e explodia dentro de si. Ela continuou a guardar as roupas na mochila e quando se virou, Yang estava pálida diante de si. Não sabia se ainda devia alguma satisfação a ela, só que o que restava do seu coração ainda doía o bastante para o fazer:
— Você não precisa esconder, eu sei que esteve com uma mulher hoje. A quantidade de perfume na sua blusa só poderia ter chegado ali se você tivesse se esfregado com qualquer uma e…
— O que você… O que você tá fazendo? — A voz de Yang estava tão quebrada e tão distante que Blake duvidava que ela tivesse escutado qualquer coisa que tivesse dito antes ou, talvez, estivesse em negação por ter sido descoberta ou algo do tipo. Blake não sabia o que pensar, apenas suspirou e terminou de fechar a mochila, se virando para Yang ao dizer exausta:
— Eu não sei, eu…!
— E por isso você simplesmente vai embora? — Yang parecia ter entendido o que aconteceu agora e existia certo ímpeto nos olhos dela, como se pudesse parar Blake. Só que também existia certeza para quem ia, assim como amargura. Blake suspirou e massageou as têmporas com uma mão, enquanto a outra jogava a alça da mochila no ombro e ela passava por Yang, apanhando as suas coisas do trabalho ao responder melancólica:
— Nós não conversamos sobre a primeira vez que eu fui embora e eu não acho que eu preciso falar com você a respeito do por que eu vou agora… Eu escondi coisas de você também, assim como você não quis escutar quando eu quis falar. Só saiba que eu menti porque não queria que você tivesse que escolher entre eu e o MC como escolheu entre esse maldito corvo e a sua família. Ruby já escolheu, ela quer você de volta na vida dela… Só seja uma boa pessoa para ela quando isso acontecer.
Blake escutou o parar dos passos de Yang e não precisou se virar para saber que ela travou. Não era assim que ela queria que aquela informação viesse à tona, na realidade… O que acontecia não era como Blake planejou nem nos piores cenários. Ela estava repleta de dor e ressentimento e sentia até vergonha por, mesmo assim, se virar para encarar a sua punição ou que ainda podia vir de Yang capaz de feri-la.
— Você contatou a minha irmã…?! Você tem noção do que fez, Blake?! — Yang estava há alguns metros e a mão estava na nuca, puxando os fios loiros dali. Aquela era uma péssima mania, mas Blake sabia que era o que mantinha Yang racional em momentos como aquele. Tanto é que a VP estava recomposta ao continuar. — E você sabia porque me escutou dizer que sentia falta dela e… Blake…
Não havia resposta certa para aquela fala. Blake era culpada, mas não por trair o que elas sentiam e sim, por ter medo de perder o que conquistou há pouco. Não sabia se faria o mesmo caso tivesse uma nova chance, mas não sentia remorso algum por ter tentado proteger Yang enquanto era feita de boba no meio de tudo que envolvia quem Yang era no Ravenscrow MC. Elas se perderam e pareciam tão distantes uma da outra…
Blake queria parar o que era aquilo agora, ela não queria se machucar ainda mais assim como aceitou que quebrou mais uma promessa e feriu Yang, de novo. Blake só queria que aquilo parasse, independentemente do que o futuro ainda pudesse reservar a elas. Por isso, o silêncio. Só que a ausência de palavras e desculpas esfarrapadas pareceu recompor Yang porque ela tinha a postura ereta de novo, praticamente reconstruída ao dizer:
— E você simplesmente vai embora, sem falar comigo…
O primeiro passo para longe de Yang nesse presente doeu tanto quanto aquele que ela deu há oito anos… Diferente do que houve no passado, Blake sabia o que fazia agora. Não ia embora por desconhecer e para se proteger e sim, por saber que ela e Yang se destruiriam caso tentassem resolver qualquer pendência naquele momento. Os dias de luz tinham ficado no passado e agora, parecia que a escuridão de Blake, feita de segredos e mentiras com melhores intenções, engoliu as duas…
Blake até mesmo se esqueceu do perfume doce enjoativo que coçou o seu nariz antes de todas as mentiras virem à tona. O coração dela, traído e arrebentado, era o de menos quando ela olhava para Yang daquela forma… Ela podia enxergar o ressentimento diante do que fez e aquilo doía mais do que ser trocada por outra. Talvez, Yang devesse procurar outra mulher porque Blake se perguntava, agora, se valia o preço que colocou nos ombros da VP.
Atrás delas, uma partida sem justificativas. No presente, o peso do colete do Ravenscrow MC e das mentiras que ambas cultivaram quando prometeram a verdade. Ela não sabia o que o futuro reservava para elas ou se ainda existiria um para as duas juntas…
— Eu achava que isso nunca ia se repetir, mas a real é que essa é a primeira vez que isso acontece… — A voz de Yang perdeu toda e qualquer emoção dos últimos minutos infernais e isso fez Blake inclinar a cabeça para ela, apertando a alça da mochila com uma mão enquanto tinha a outra na chave do apartamento no bolso da calça. O que ia fazer com aquilo…? Como um objeto tão cotidiano parecia ser a sentença de um fim? — É a primeira vez que eu vejo você ir embora.
Então, Blake se virou abruptamente, mas não conseguiu ver Yang de imediato. A sua vista embaçou e as lágrimas escorreram, antes de ela piscar os olhos dourados e abaixar a cabeça, deixando a chave sobre a mesinha ao lado da porta e não mais olhar para quem deixava para trás.
Blake concordou em deixar Yang daquela vez, mas, agora… Yang também não a veria chorar. O amor delas não valia as lágrimas, nem a felicidade na qual elas se enganaram naqueles meses…
No final das contas, o amor delas era realmente uma violência que, dessa vez, feriu as duas antes que pudesse matar mais alguém.
...
A verdade é que Yang pensou em abrir a porta e ir atrás dela. Ela ensaiou alguns passos, parando em frente a madeira branca, chegando a tocar a ponta dos dedos, passando pelas imperfeições… a verdade é que ela queria ir atrás de Blake, mas a verdade, também, é que ela não conseguia. Estava com medo.
Do que? Bom, naquele momento…
Tinha medo da possibilidade de Blake nunca voltar. Será que se Yang pegar a moto agora e for para a rodoviária, encontraria ela lá? Não era uma boa ideia, ela sabia disso, mas também sabia que não conseguiria ficar naquele apartamento. Não com ele tão vazio e com memórias tão ruins.
Balançando a cabeça, Yang enxugou as lágrimas que caíam pelo rosto sem ela perceber. Apertou os dentes e caminhou até o quarto, ignorando o cheiro de Blake predominando naquele ambiente. Passando pela cozinha, parou para ver os pratos com hambúrguer caseiro e o pão bola que a Belladonna tinha comprado. Tinha pensado na piada, enquanto fazia os hambúrgueres.
Yang diria que sempre encontraria uma forma de fazer as ideias de Blake virarem realidade. Seria uma forma idiota de dizer que ela sempre ajudaria Blake a realizar os sonhos dela.
Se Blake contatou Ruby, o que isso significava? Porque ela achou que isso seria uma boa ideia? Ruby queria vê-la, mas… Yang não podia pensar nisso, se pensasse, ficaria esperançosa. No momento em que tomou a decisão de vestir o colete de couro sabia que não teria volta. Não adiantava Ruby querer vê-la, ela não poderia ver Ruby. Taiyang a caçaria e arrancaria seu couro sem pensar duas vezes.
Colocar uma Rose sob as asas de corvos já tinha se provado algo… que nunca deveria ser feito. O que Blake tinha na cabeça quando pensou que isso seria uma boa ideia?
Yang respirou pesado e desviou o olhar dos hambúrgueres, passando direto para o quarto, parando na porta imediatamente. O seu peito apertou tanto que ela precisou fazer um esforço para puxar o ar para dentro. As roupas ainda estavam espalhadas pela cama, algumas que Blake esqueceu, as suas que ela estava usando antes. Era como se Blake não quisesse levá-la consigo.
Respirou fundo e enfiou as mãos no cabelo, soltando o ar com um grunhido pesado. Queria pular na cama e se enfiar debaixo de um travesseiro, mas sabia que sentiria o cheiro dela em todo lugar, acabaria sem conseguir dormir.
Então, fez o mesmo movimento que Blake fazia antes. Foi até o guarda roupa, apanhou a sua única mochila e tratou de enfiar algumas roupas que usaria pelos próximos dias. Não eram muitas, teria que voltar para pegar mais depois. Com outro suspiro pesado, decidiu que teria que levar alguns casacos. Queria a sua jaqueta que usou o dia todo, era a sua melhor.
Caminhou até o banheiro, ainda respirando pesado. Sentia o aperto no peito tentando sufocá-la, mas empurrava para longe. Não precisava chorar, não agora. Precisava ser racional. Precisava pensar no que fazer naquele momento.
Quanto mais se forçava a pensar, menos conseguia agir. Seu corpo inteiro pesava, tinha chegado ao ponto em que seus pés se arrastavam pelo assoalho. Se sentia dormente, cansada. Todo o cansaço do dia a puxando para baixo. Gostaria de pensar que era cansaço físico, mas sabia que era emocional.
Robyn no início do dia, a ideia de que Blake odiaria saber que ela conversava com a caçadora sobre os clubes. Neon durante a tarde, a ideia de Blake odiaria mais ainda, saber que ela estava entrando em um clube de stripper e indo encontrar um caso antigo…
Yang parou de andar na frente da roupa suja, seus olhos cerrando para as roupas. Abaixou e começou a procurar a jaqueta, tirando as roupas do trabalho de Blake e, finalmente, alcançando o couro marrom com a gola de lã. Assim que puxou para fora do cesto, o cheiro inundou seus sentidos.
Neon Katt.
Em todo lugar. Era o mesmo cheiro do escritório dela.
Esse era o perfume que Blake falava quando ela chegou no quarto e foi invadida pelo medo ao vê-la empacotando as coisas. Era doce, enjoado… Blake achava que… Ah, merda.
Em um ataque de raiva e frustração, Yang jogou as roupas para o lado, chutando o cesto e saindo do banheiro. Blake realmente achava que ela teria a capacidade de traí-la? A sua Bella? A mulher por quem ela, literalmente, faria tudo? Como Blake poderia pensar tão pouco dela?
Yang poderia ser a maior cafajeste nos anos que se passaram, mas ela sempre se manteve fiel àqueles que amava. Ela nunca, em toda a sua vida, pensou em trair alguém que amava. Principalmente a mulher que ela tem certeza de que é o amor da vida dela. O fato de Blake considerar isso a fazia se sentir…
Enojada.
Terminando de empacotar as coisas, enfiando roupas pelos cantos da mochila com bastante frustração, Yang puxou a bolsa e saiu do quarto. Andou até a cozinha, guardou os hambúrgueres em um depósito, pegou a sacola de pão e enfiou os dois na bolsa. Yang tinha consciência de que não poderia deixar aquela comida estragar, mesmo se não tivesse fome.
Quando deixou o apartamento, imaginava que fosse sentir vontade de voltar, mas essa vontade não veio. Não tinha como vir enquanto as memórias ruins repassavam pela sua mente, insistindo em fazê-la querer ficar o mais longe possível de lá.
No caminho, enquanto sentia o vento frio daquela noite de Vale, Yang sentiu o telefone vibrar dentro do bolso da jaqueta. Pensou que poderia ser Blake, avisando que estava em algum lugar seguro, mas sabia que não adiantava alimentar essa ideia. Criar esperança só aumentaria a frustração depois.
Parou a moto no estacionamento em frente a entrada da sede do MC. Tirou o capacete, apanhou a mochila e caminhou até a entrada da sede. Então, o celular vibrou novamente no bolso, a lembrando da mensagem que ainda não viu. Agora eram duas mensagens que ela, realmente, não queria ver.
Balançando a cabeça, Yang apenas empurrou a porta com o ombro e entrou, sentindo o mesmo cheiro característico daquele ambiente masculino demais para o gosto dela. Porém, para o seu agrado, estava quase vazio. Salvo por alguns que jogavam sinuca, ela parecia ser a única ali, já que não lhe deram atenção.
Continuou andando, não querendo parar para conversar, porém, foi parada por uma presença surgindo na sua frente. O cabelo verde e os olhos vermelhos a fizeram grunhir, cansada só de imaginar o que viria.
- Hmm, vejo que teve problemas no paraíso. - Emerald lançava um olhar para a mochila no seu ombro, seus olhos brilhavam com interesse claro. Yang respirou fundo, olhando ao redor, procurando uma forma de fugir de lá. - Achei que você já deveria saber, Yang. Ela nunca vai entender o seu estilo de vida, as coisas podem ter sido diferentes antes, mas agora…
- Emerald. - Yang cortou antes que ela continuasse. Não queria, nem por um segundo, continuar escutando enquanto Emerald falava de Blake. - Eu não quero ouvir uma palavra que sair da sua boca. Então, antes que eu te empurre para entrar no corredor, vou pedir para que saia. Por favor.
Yang nem ao menos a olhava enquanto falava. Os olhos fixos na porta do quarto que entraria em alguns segundos. Só queria tomar mais um banho e ir dormir… ou tentar dormir.
Emerald falou algo, Yang sabia disso, mas seus olhos foram atraídos por algo que ela viu de canto de olho.
Parada na porta do outro corredor, estava Raven. Cabelo negro preso no alto da cabeça, uma camisa de botão branca, dobrada até os cotovelos, bastante desarrumada, indicando cansaço pelo dia. Mas, o que fez Yang engolir em seco, foi o olhar curioso e o sorriso suspeito nos lábios da sua mãe.
Ela não percebeu, mas sua mão apertou em punho, fechando-se com mais força na alça da mochila. Uma onda fria embrulhou seu estômago e Yang achou que iria vomitar, mas continuou ali, olhos fixos nos vermelhos da mulher que parecia tanto com ela. O medo que ela sentia enquanto olhava para Raven era irracional.
- Isso é uma surpresa. - A voz de Raven quase não alcançou seus ouvidos, por causa da distância, mas Yang conseguiu ler seus lábios, e engoliu em seco.
Aquela mulher tinha um poder sobre ela. O que Yang sentia ao olhar naqueles olhos vermelhos, era a mesma coisa que ela sentia ao analisar o corvo costurado atrás do colete que carregava por anos. Não era uma sensação boa. Principalmente para se sentir enquanto se sentia vulnerável.
Yang se forçou a desviar o olhar. Não queria ter mais uma razão para sentir medo naquela noite. Ela só queria ficar sozinha.
Emerald não estava mais na sua frente e Yang não virou para procurá-la, apenas continuou andando, marchando na direção do seu quarto, entrando e batendo a porta atrás de si.
Encostou-se contra a madeira envernizada, respirando o cheiro daquele lugar que era, ao mesmo tempo, conhecido e desconhecido, por ela. Ainda no mesmo lugar, jogou a mochila na cama e enfiou as mãos nos fios loiros, puxando-os com força.
Não sabia o que estava sentindo, mas era tanta coisa... Queria chorar, queria gritar, queria esmurrar a cama até desmaiar de exaustão. Mas… Yang apenas se arrastou até sentar no chão, puxando os joelhos contra o peito e deixando a testa encostar neles.
Ela tinha perdido Blake para sempre? Mas porque? Porque Blake lhe deixou dessa vez? Nunca teve respostas pela última vez, disso ela estava certa, mas… Yang não sabia se queria respostas por aquela vez, mas queria por essa. Blake a deixou por causa de Robyn?
Mas Yang sabia que isso aconteceria. Sabia que a sua aproximação com a caçadora seria motivo de intriga no relacionamento delas. Ela foi idiota por imaginar que teria como resolver com uma conversa saudável, as duas sentadas conversando sobre como se sentiam e não… não o que aconteceu.
Tanta coisa e Yang realmente não queria enfatizar a fala de Blake sobre Ruby, mas sabia que teria que pensar nisso depois. Se Blake e Ruby vinham conversando, Yang teria que fazer algo para interferir e ela sabia que isso não poderia ser positivo. Ela teria que honrar a escolha que tomou anos atrás.
Novamente, o celular vibrou e Yang resolveu que teria que ver o que era em algum momento. Então enfiou a mão no bolso da jaqueta e o puxou.
Era Weiss.
“Ela chegou aqui. Tá chorando tanto que acho que vai acabar desidratando. O que aconteceu, Yang?”
“Olha, se eu tiver que ficar no meio de mais uma briga de vocês, ao menos me diga o que aconteceu.”
“Sinceramente, eu não sei nem o que fazer agora. Ela ta no meu quarto, tive que mandar Pyrrha para casa, nem a pau que eu deixo essa garota dormir sozinha. Você me paga, Xiao Long.”
E, enquanto Yang lia as outras, mais uma chegou.
“Ela disse algo sobre a Robyn. Yang, o que aconteceu? E vê se me responde, garota, já não basta uma chorando as pitangas aqui, preciso saber se você tá bem."
Fungando, forçando as lágrimas para dentro, Yang decidiu que deveria dar essa satisfação para Weiss. Se Blake decidiu ir até ela durante esse momento, Weiss era a melhor pessoa para apará-la.
“Estou no MC. Não sei se entendi alguma coisa para conseguir te explicar. Amanhã a gente conversa.”
Imediatamente, Weiss lhe respondeu. Yang imaginava que ela segurava o celular e que Blake, provavelmente, estava perto dela. O estômago dela se revirou com a ideia de Blake tão perto e não falar com ela.
“Amanhã vai ser um dia interessante, certamente.”
Depois disso, ela parou de falar e Yang não tinha forças para responder. Continuou onde estava, jogou o celular na cama e deixou o rosto enterrado nos joelhos. Então, apesar de evitar tanto, Yang sabia que não conseguiria evitar, não com tanta coisa apertando seu peito, e ela chorou.
Chorou como quem nunca tinha chorado antes.
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