“You who wish to conquer pain
You must learn what makes me kind
The crumbs of love that you offer me
Are the crumbs that I’ve left behind
Your pain is no credential here
It’s just a shadow of my wound”
(Avalanche, Nick Cave)
- Yang, pelo amor de Deus, o que é isso na sua cara?
Okay. Talvez Yang devesse ter esperado isso quando colocou os pés dentro do seu quarto na sede do MC.
Antes de sair da academia, tinha pedido para que Weiss a encontrasse no seu quarto no MC. A herdeira não parecia nada feliz, além de ansiosa e estressada, mas Yang disse que ela também ligasse para Pyrrha e as duas lhe esperassem lá. O nome da ruiva foi um botão que ela apertou para que Weiss se sentisse melhor diante da situação.
Porém, ao pisar dentro do quarto e levantar os olhos para as duas mulheres sentadas na sua cama, Yang esqueceu de um detalhe.
Quando entrou na sede em si, conseguiu se desviar de olhares ao se apressar para chegar no quarto. Não porque tinha lembrado do olho ferido, mas porque ela estava com pressa. E, definitivamente, o boné que pegou emprestado de Nora, ajudou nisso. Não tinha como os outros membros do clube identificarem as marcas que a sua amiga resolveu deixar no seu rosto.
Apesar de agradecer à Nora pela forma que ela conseguiu de lhe fazer ter uma ‘base’ depois de tudo, não era como se ela tivesse uma desculpa para qualquer um que lhe perguntasse sobre o olho inchado.
Yang ergueu as mãos quando Weiss levantou da cama de supetão, os olhos azuis arregalados de ansiedade e preocupação.
- Tá tudo bem! Eu que pedi isso aqui. - Apontou para o olho inchado, que agora estava completamente fechado. O que ela disse só pareceu estressar Weiss mais ainda. Pyrrha agora também se levantava, estreitando os ombros e franzindo o rosto, a ex-militar estava pronta para enfrentar quem fez o que fez com Yang. - Eu estava com a Nora, a gente treinou um pouco. Está tudo bem.
- Se eu soubesse que terminar o relacionamento com a Blake fosse tirar uns parafusos da sua cabeça, teria implorado pra ela voltar com você. - Weiss resmungou, voltando a se sentar e cruzando as pernas. Yang ignorou o que ela disse e a pontada que veio logo em seguida, mas parou para abrir um leve sorriso com o quão desconfortável a herdeira estava naquele ambiente. Faziam alguns anos que Weiss não entrava naquele quarto.
- Quando foi que a Nora ficou melhor que você? - Pyrrha perguntou e seu tom brincalhão fez Yang revirar os olhos e se voltar para ela, que agora tinha os braços cruzados e um sorriso.
Resolveu ignorar a pergunta de Pyrrha completamente. Andou até uma cadeira no canto do quarto, puxando-a para frente do casal, sentando logo em seguida. Yang só queria discutir uma coisa naquele momento e era a volta de um dos homens mais desprezíveis que já viveu em Vale.
- O que mais me irrita é o sorriso dele na capa. - Weiss resmungou quando Yang sentou, a herdeira segurava o próprio celular, provavelmente lendo e relendo a notícia sem parar. - É como se ele soubesse que está causando com essa candidatura.
De canto de olho, viu que Pyrrha se aproximou e sentou ao lado da namorada, colocando uma mão na perna dela. Weiss colocou uma mão sobre a dela e apertou. Yang assistiu tudo tentando não sorrir, mas sentindo um aperto de inveja no peito.
- E ele sabe. Claro que sabe. Nem ao menos teria se candidatado se não soubesse que incomodaria as pessoas certas. - Se juntou Weiss no resmungo, recostando na cadeira e cruzando os braços. Corria o olho bom pela amiga, tentando identificar algum desconforto além do normal, mas Weiss estava surpreendentemente forte. - Winter e Willow estão sabendo de algo?
Weiss levou uma mão até a testa, coçando-a como um tique nervoso, empurrando a franja branca para trás antes de responder com resignação.
- Não ainda, mas não deve demorar pra minha irmã ver algum portal de notícia. Não quero nem pensar na reação dela… Já a minha mãe… - Ela levantou os olhos para Yang antes de direcionar o olhar para Pyrrha. Era triste, cansado e algo que as duas não viam a muito tempo. A loira podia sentir a preocupação emanando da ruiva. - Blake deve descobrir primeiro que ela, mas acho que eu tenho que voltar para lá. Não posso deixar ela quebrar essa notícia pra minha mãe sozinha. Não vai ser bonito.
Yang engoliu em seco com a menção a Blake, mas assentiu para o que Weiss disse. Porém, a herdeira não se levantou, voltando as orbes azuis para a tela do smartphone de última geração que ela, definitivamente, não poderia comprar com o salário que tinha na oficina.
- Eu vou pegar um café pra gente. Quer que eu pegue um gelo pra você? - Pyrrha murmurou olhando para Yang, que negou com a cabeça, sorrindo em agradecimento. A ruiva lançou um olhar para a namorada, beijou a cabeleira branca antes de levantar da cama e sair do quarto. A VP sorriu pela forma como Weiss se inclinou na direção de Pyrrha, ainda sem tirar os olhos da tela do celular.
Ainda lhe deixava encantada a forma como as duas agiam. Pyrrha sempre foi um poço de calmaria e ela passava isso para Weiss através de pequenos gestos ou, até mesmo, apenas com a presença dela no ambiente. Yang gostava de presenciar esses momentos das duas, mesmo que, agora, lhe dessem um sentimento de inveja que, há muito tempo, tinha sido silenciado.
- Tem um nome que eu reconheço. - Yang murmurou, as lavandas fixas no celular preso na mão pálida. Mesmo não vendo o que Weiss via, ela repassava mentalmente os parágrafos da notícia. Weiss levantou os olhos para ela, inclinando a cabeça com curiosidade. - Arthur Watts. Ele apareceu aqui há uns dias. Um problema no carro, mas era só um pneu furado. Estranhamente furado, devo dizer.
- Você acha que ele tinha outros interesses além de consertar o pneu? - Weiss não parecia surpresa e nem curiosa, a pergunta era totalmente retórica. Yang até soltou uma risada baixa, com pouco humor.
- Ah, com certeza. Me pergunto se eles foram também sondar as Huntresses. - Comentou pensativa, olhando para um canto atrás de Weiss. Estranhamente, seu olhar parou na mesa de cabeceira, no puxador de gaveta, onde ela sabia que tinha um bilhete.
Será que Weiss sabe o que aconteceu entre Yang e Blake?
- Bem, não é como se você não pudesse perguntar para alguém de lá agora… - A cutucada de Weiss doeu mais do que Yang esperava, mas respondia sua pergunta. O tom dela era acusatório, mas, quando voltou a encarar os olhos azuis, seu olhar era preocupado. Pensou em falar algo, mas não sabia como, então apenas desviou olhar e torceu pra Pyrrha chegar logo. Instintivamente, sua mão foi para a nuca, puxando os fios que tinham escapado do cabelo preso. Weiss não pensava o mesmo que ela, ela até descruzou as pernas e se inclinou na direção de Yang. - Quando foi que começou essa amizade? E olhe pra mim quando for me responder.
Yang fechou os olhos, respirando fundo, deixando a mão cair no colo. Weiss a tratava como uma criança e isso a irritava, pois sabia que ela conseguiria exatamente o que queria com o tom autoritário. Puxando ainda mais a respiração, a VP virou para encarar os olhos azuis.
- Quando estávamos tentando… resolver, a situação com o Adam Taurus. - Respondeu mais baixo, não querendo que outras pessoas escutassem esse nome. O que, dificilmente, aconteceria. Seu quarto era o último no corredor. - Um pouco antes de tudo acontecer, ela me ajudou a encontrar o lugar que ele estava se escondendo.
- Então, ela ajudou a gente com a situação… Entendi. - Weiss voltou a se sentar de forma ereta, satisfeita com a resposta de Yang. A loira voltou a se recostar na cadeira, percebendo que tinha se inclinado para responder. - Acha que ele foi atrás delas? Robyn não comentou algo?
Yang cerrou os olhos, tentando lembrar de seus momentos com Robyn que pudessem indicar alguma menção a Jacques. Então, algo cintilou na sua mente. Algo que ela acabou enterrando embaixo da briga que ela teve com Blake no apartamento.
- Na verdade, acho que tem sim… - Começou, mas a porta abriu e Yang se apressou para interromper o que iria dizer. Porém, Pyrrha que entrava segurando três canecas estrategicamente. Yang se apressou para levantar e pegar o que ela imaginava ser sua.
- E aí? Chegaram a conversar sobre o que vamos fazer? - Pyrrha perguntou, se aproximando de Weiss estendendo uma caneca branca para ela, que apanhou lançando um sorriso para a namorada, que retribuiu antes de tomar um gole da própria. - Foi mal se ficou fraco. Pelo que Hazel disse, Ironwood não para de tomar café desde que acordou hoje. Eu tive que usar o resto do pó antes que saíssem pra comprar, e não tinha muito.
Yang revirou os olhos com força e tomou um gole para experimentar. Não estava tão fraco quanto esperava, mas também não estava no nível que ela estava acostumada. Pelo olhar de Weiss, também não era satisfatório para ela.
- Respondendo a sua pergunta: Não. Não tem muito o que fazer a não ser vencer a eleição. - Weiss tomou mais um gole e respirou fundo, segurando a caneca com as duas mãos, aquecendo as palmas. Ela não tinha um olhar fixo, ele estava perdido em algum ponto na camisa de Yang. - Meu maior medo é saber que ele é capaz de, literalmente… qualquer coisa.
Ela respirou cansada, levando a caneca aos lábios e tomando um longo gole. Foi fácil ver um flash da antiga Weiss. Retraída, insegura, cansada... Mesmo que, na sua frente, estivesse uma que, certamente, era muito mais forte. Mas era incrível como aquele homem tinha o poder de fazê-la regredir e voltar para aqueles anos de medo e insegurança. Até mesmo as roupas sociais que usava, Yang percebeu como elas pareciam fora do lugar naquele flash. Mas, ela sabia, a Weiss de agora era uma mulher bem mais forte do que ela estaria julgando agora.
A mão de Pyrrha na coxa de Weiss a fez erguer os olhos para a namorada, um sorriso pequeno aparecendo nos lábios. Elas se encararam por alguns segundos e Yang se deixou ficar mais tranquila. Não tem como Weiss regredir, não com a quantidade de apoio que ela tem hoje em dia. Não existia uma só pessoa, ao redor a herdeira, que deixaria algo de ruim acontecer.
Ela até gostaria de se colocar em primeiro lugar nessa fila de pessoas, mas sabia muito bem que esse lugar era o de Pyrrha. Portanto, estava feliz com o seu segundo lugar.
Yang se preparou para sentar de volta na cadeira quando escutou algo vibrando vindo da cabeceira. Franzindo o rosto, andou até ela, colocou o café em cima e abriu a gaveta, apanhando o celular descartável. Ela não conhecia esse número.
- Quem é? - Pyrrha perguntou quando viu a expressão confusa de Yang, que deu de ombros, os olhos ainda fixos nos números, tentando identificar. Era muito mais difícil não ter um nome para identificar as chamadas. - Atende logo.
Yang fez o que ela disse, levando o celular ao ouvido e, antes que pudesse falar algo, a pessoa do outro lado falou:
- Xiao Long, eu espero que isso não seja obra do seu clube idiota. - A voz não era desconhecida, ela já escutou algumas vezes quando visitou o terreno das Huntresses. - Caso não saiba, aqui é May Marigold. Se você não responder, a minha cara vai ser a última que você vai ver quando eu…
- Tá bom! Ok, May. Ok. Saquei. - Pigarreou, lançando um olhar assustado para as outras duas no quarto. Pyrrha levantou da cama, de novo com a postura armada. - O que aconteceu e porque você acha que tem algo relacionado com Ravenscrow?
- Ah, eu não sei. Talvez pelo fato de que a Robyn não aparece aqui desde ontem!? - Yang ergueu as sobrancelhas para isso, uma ponta de preocupação no peito. - Ela não atende os telefones. Nada! Então, se isso tiver o nome do seu clube…
- May, eu não faço ideia do que você tá falando! - Virou de costas para as duas, sentindo os olhares queimando em suas costas. Tinham coisas demais acontecendo e ela não queria que elas se envolvessem. Já bastava o Jacques. - Quando foi a última vez que você falou com ela?
- Bom, com essa, estou indo embora. - Weiss avisou e Yang virou para vê-la colocar a caneca em cima da sua cômoda. Ela lançou um olhar para Yang, que assentiu. O problema de Weiss era o Jacques agora. O de Yang era… o que quer que essa ligação fosse. Depois, ela poderia se unir a Weiss. A troca de olhares durou alguns segundos antes das orbes azuis irem para Pyrrha com um olhar carinhoso. A ruiva estava pronta para acompanhá-la. - Não precisa vir. Esse momento vai ser melhor se eu estiver a sós com ela.
Pyrrha parecia relutante, mas Weiss ficou de ponta de pé, depositando o beijo nos lábios da ruiva, que suspirou, satisfeita. Yang virou de costas de novo, decidindo não participar dessa cena.
- Será que você não escuta, loira? Eu disse que ela sumiu desde ontem de noite, ninguém sabe onde ela tá, porque ninguém consegue entrar em contato com ela! - May estava perdendo a paciência mais e mais e Yang entendeu que deveria cooperar.
- Ok! Entendi. Quer que eu vá até aí e a gente possa ver se…
- Você nem aparece aqui agora, Xiao Long! - May se apressou, seu tom mudando para algo mais preocupado. - Todas estão em alerta agora, se tu entra aqui, não dá pra saber o que pode acontecer. Eu te aviso quando for a hora de você vir.
E desligou sem deixar que Yang pudesse acrescentar alguma coisa.
Onde que Robyn se meteu?
…
— Eu acho que podemos considerar desacelerar a campanha até termos noção do que Jacques quer com essa candidatura… — Blake percebeu como Weiss estava sendo cuidadosa com as palavras, parecia que ela escolhia cada uma enquanto olhava preocupada para a mãe que continuava sentada e imóvel na cadeira no seu escritório no comitê. Blake suspirou, ela não se preparou para aquele cenário e agora, não sabia como deveriam proceder.
Willow estalou os lábios e ergueu os olhos para o teto, ela sequer parecia a mulher que acordou naquela manhã. Era perceptível como ela se esgotou ao tentar sustentar a postura tranquila naquele dia de trabalho, até que não aguentou e cedeu, liberando os demais funcionários do comitê para que pudesse discutir aquele assunto delicado e podre com Blake e Weiss.
A assessora estava preocupada com a sua chefe, mas também existia parte dela que temia e muito pela melhor amiga. Porque, por mais que soubesse da força que aquela Weiss reconstruída possuía, Blake sabia melhor do que ninguém o que a volta de um agressor podia fazer a uma mulher. E isso já era perceptível pela forma como os olhos azuis encaravam a porta quando a mesma se abria e como Weiss estremecia diante de cada toque no celular… Weiss também resistia, mas somente aquele dia com Jacques de volta às vidas delas já provocava estragos…
E Blake queria ser capaz de protegê-las e por isso, tentava pensar racionalmente além de seus próprios problemas que pareciam tão pequenos agora. Por isso, ela esperava que o seu bilhete tivesse feito sentido para Yang, assim como esperava que Ruby tivesse um pouco mais de paciência… Porque ela sabia que precisava fazer algo pelas Schnees, não porque fazia parte de seu emprego e sim, porque dessa vez, ela podia fazer algo. Porque agora, ela estava em Vale e não a quilômetros de distância… Talvez, estivesse se culpando demais, como sempre.
Mas era impossível não sentir empatia por tudo aquilo. Não quando ela viveu algo da mesma natureza, não quando todas ali foram vítimas da crueldade de homens pequenos e medíocres.
— O que ele quer é tirar, mais uma vez, algo de nós… E agora, eu não vou permitir. Por isso, eu não concordo. Eu não vou recuar porque ele decidiu se aproveitar de algo que eu resolvi fazer. — Willow estava decidida e se aquela situação não se tratasse de Jacques, seria inspirador. Blake a admirava, mas também conhecia as recaídas que uma situação como aquela provocavam… E ela temia que Willow voltasse a ser a mãe ausente da qual ela lembrava Weiss se queixar. A herdeira tentou argumentar com a mãe, mas foi calada com um olhar frio. Então, a candidata olhou para a sua assessora com a mesma determinação de antes. — Eu deixei esse homem se aproveitar da minha família uma vez, eu sei do que ele é capaz e por isso, não vou permitir que ele banque o esperto de novo… Então, Blake, o que você sugere?
Com dois olhares azuis gélidos nela, Blake teve um pouco de dificuldade em fornecer uma resposta imediata. Porém, nem Willow e nem Weiss queriam algo impensado, então, Blake tentou colocar todos os seus problemas emocionais dentro de uma caixa, assim como tentou deixar o passado em seu lugar para se concentrar naquele presente que, mais uma vez, parecia prestes a explodir em suas mãos.
Jacques tinha um objetivo com aquela candidatura e nenhuma delas conseguia enxergar no momento. Podia ser qualquer coisa, até porque esse homem não tinha escrúpulo algum, tanto em seus objetivos quanto em seus métodos. E seria um desafio, para qualquer outro assessor, descobrir o que ele queria… Mas Blake lidou com tipos piores do que Jacques quando varria a sujeira da White Fang para debaixo do tapete. Ela era uma oponente a altura e faria com que Willow também fosse uma… A única coisa que, mesmo de forma dolorosa, podia bater de frente com a sujeira que Jacques pudesse trazer a Vale, era a verdade.
A verdade doía, só que era mais forte do que qualquer mentira ou atuação que aquele homem pudesse plantar naquela cidade. E Blake conhecia muito sobre as consequências de uma mentira, sabia como a dissimulação poderia desabar o que foi construído com tanto afinco. Por mais que uma mentira parecesse resistente à primeira vista, ela não se sustentava… A verdade podia demorar, mas ela vinha à tona.
E Vale tinha segredos demais que eram ignorados para que um homem como Jacques Schnee se tornasse relevante ali. Por isso, a resposta que Blake teve para aquele problema era a mesma que servia para a sua vida pessoal… A verdade seria importante e crucial para enfrentarem aquilo.
Blake respirou fundo e ergueu os olhos dourados para as duas Schnees. Os seus ombros se encolheram, não por medo e sim, pelo que pediria a uma parte da família que tanto já sofreu. E estava prestes a falar quando a porta do comitê se abriu abruptamente. O coração quase veio à boca e ela, por reflexo, procurou a bolsa e a pistola do pai que carregava dentro… Weiss estava na porta do escritório da mãe com os olhos na extremidade oposta do local.
— Ah, Winter… Um aviso seria de bom tom diante do que estamos enfrentando agora. — A voz da herdeira se fez ouvir além dos batimentos cardíacos que ecoaram nos ouvidos de Blake. Todas soltaram o ar que seguravam e sequer sabiam enquanto a Schnee mais velha marchava para dentro do escritório com Whitley em seus calcanhares. O cubículo pareceu ainda menor com tanta gente ali e Winter, como já era esperado, ignorou a irmã e perguntou sem cerimônia:
— Então…? O que vamos fazer com aquele filho da puta?
— Filha, por favor… Não fale esse tipo de coisa na frente de Whitley. — Willow bronqueou ainda de pé, massageando a testa enquanto sorria frágil para a primogênita. O caçula, por sua vez, revirou os olhos e cruzou os braços, antes de se jogar em uma cadeira ao lado da porta. Blake se levantou para que Winter se sentasse ao lado de Weiss e contornou a mesa, ficando ao lado de sua chefe. — E Blake estava prestes a nos dizer o que poderíamos fazer com seu pai.
— “Meu pai”... Que piada de mau gosto. — Winter comentou amarga o que provocou sorrisinhos compreensivos em Weiss e Whitley enquanto Willow acenava negativamente com a cabeça e fazia sinal para que Blake continuasse. A assessora inclinou a cabeça, suspirou e respondeu calmamente:
— Eu acredito que seja bom esperarmos o primeiro movimento da equipe de Jacques para sabermos como ele pretende abordar o passado da família na campanha. Eu sei que esperam o pior dele, assim como eu, mas precisamos ter certeza sobre isso. E nós temos um alicerce entre a população da cidade, nossa campanha vem em uma crescente e não podemos nos desesperar diante disso… Ele que tem que correr atrás do prejuízo.
— Eu concordo, até porque foi isso que ele fez quando mandou o assessor dele na oficina do MC para, com certeza, averiguar a situação. — Weiss comentou entediada, cruzando os braços e revirando os olhos. A informação era importante, mas não foi somente isso que a mente de Blake captou. Afinal… Aquela informação chegou a Weiss via Yang e saber que não era mais a primeira opção, nem para uma situação profissional como aquela, a incomodou. Claro que era esperado, mas isso não queria dizer que não doía. Blake abaixou a cabeça para disfarçar a tristeza em seu olhar e escutou Willow dizer:
— Eu não esperava menos de Jacques, infelizmente, ele é um cretino inteligente. Eu só gostaria de saber porque não soubemos disso antes…
— Yang disse que só juntou as peças depois que leu o nome do assessor na notícia que saiu hoje de manhã. — Mesmo de cabeça baixa, Blake podia sentir que o olhar preocupado de Weiss estava nela ao dizer aquelas palavras. Mas isso não era importante agora, ela não era importante agora. O que contava ali era a campanha e a segurança da Família Schnee. Por isso, ela ergueu os olhos dourados que ardiam para o restante do escritório e respondeu profissional:
— O que me leva a pensar que ele provavelmente vai tentar contatar o Huntress MC para averiguar a lealdade deles também… Só que isso é o de menos, já firmamos nossas alianças no jantar. Se Jacques atacar vocês, reagiremos com verdades sem prejudicarmos nossos aliados no processo. Porém, eu preciso alertá-los sobre como serão as coisas daqui para frente porque disso eu tenho certeza.
O silêncio no pequeno escritório apenas auxiliou Blake a se lembrar de coisas que queria esquecer. Agora, além das lembranças recentes que viveu há pouco em Vale, ela se lembrou dos seus momentos na White Fang e de como precisou explorar as fragilidades de pessoas honestas para assegurar a integridade de uma organização que passou a provocar o mal ao invés do bem.
Ela simplesmente sabia que Jacques faria o mesmo. Blake já foi um tipo sem escrúpulos e era assim que pessoas do tipo agiam. Blake estava se reconhecendo, querendo ou não…
— Eu me pergunto o que pode acontecer a nós depois de tudo que já aconteceu. — Weiss suspirou baixinho enquanto abraçava o próprio corpo e se encolhia na cadeira em que estava sentada, Blake viu ali, nitidamente, a amiga da sua adolescência que era cheia de insegurança e de medo, que não se permitia aproximar por medo de perder… Aquilo a revoltou, porque Blake também conhecia a solidão. Com os olhos dourados fixos na amiga, respondeu:
— A mídia é cruel em situações como essa… Não somente pela informação, mas pelo que ela pode trazer e quando falo disso, eu falo de dinheiro. Vão tentar devorar todos vocês e eu vejo Jacques explorando isso porque um espetáculo caótico pode distrair as pessoas do que realmente importa. Então, vocês serão caçados e precisarão se manter firmes, como a família que eu sei que vocês são.
Uma menção à família sempre mexia com Blake. Ela se lembrava de dançar com o pai na cozinha, de ajudar a mãe nos bolos e de beijar Yang escondido pelos cantos da casa…Família era sinônimo de segurança para Blake e ela sabia que os Schnees estariam seguros se ficassem juntos.
O silêncio, dessa vez, foi reconfortante porque a assessora pôde ver a troca de olhares entre os demais no escritório. Winter abrandou a expressão e riu quando Weiss se esticou toda na cadeira para fazer uma careta para ela, Willow suspirou diante da interação das filhas e gargalhou, o que fez Whitley erguer os olhos do celular e olhar boquiaberto para as três mulheres da família antes de bufar numa tentativa de parecer impaciente que se perdeu no sorriso que ele não conseguiu segurar.
Blake ficou ali, observando aquela família tão quebrada e refeita pela vida, enquanto ponderava sobre a sua que, simplesmente, deixou de existir…
E então, mais uma vez, o silêncio do local foi interrompido pelo som da porta se abrindo. Dessa vez, nenhum dos Schnees se levantou para averiguar do que se tratava, cabendo a Blake verificar, com a expressão confusa, quem era. Mas, a expressão se dissolveu em choque quando os olhos dourados viram de quem se tratava.
Jacques Schnee passava por entre as mesas do local como se o possuísse. Ele ajeitava as lapelas do paletó bem cortado e de grife com gestos pomposos e olhava, com escárnio, para o comitê de campanha da ex-esposa. Blake apertou o batente da porta e se virou, pálida, pensando em como informaria que a ameaça que eles discutiam acabara de chegar. Ela engoliu em seco, mas não precisou procurar a sua voz porque Jacques, ao enxergá-la na porta do escritório, pigarreou e anunciou irônico:
— Eu esperava mais de você, Willow!
Infelizmente, Blake também presenciou a mudança abrupta no humor dentro do escritório. Weiss se encolheu diante da voz do pai, Willow paralisou assim que se levantou, Whitley saltou para longe da porta, se escondendo às costas de Winter que tomava à frente, a mão afastando o blazer e perigosamente próxima do coldre na cintura.
Era assustador, Blake sequer vivenciou o que eles passaram, mas o medo era familiar demais e por isso, daquela vez, ela agiu diferente. Dessa vez, por Weiss e pelos demais, Blake resolveu pedir ajuda. Ela caminhou até a amiga, segurou o rosto dela entre as suas mãos, forçando o contato visual e sussurrou ofegante:
— Apenas segure as pontas aqui, eu vou pedir ajuda.
Weiss parecia ter perdido a voz. Tudo que ela fez foi acenar positivamente com a cabeça e Blake arrumou um tempo para abraçá-la apertado e afagar os cabelos brancos. Sentiu uma mão pesar em suas costas e ao se virar, Winter observava Jacques terminar o percurso até o escritório, ela parecia uma ave de rapina contemplando a presa ao dizer:
— Pode ir, Blake… Espere nos fundos. Eu seguro as coisas por aqui. Dessa vez, esse desgraçado não vai falar muito se eu puder evitar.
E com essa garantia, Blake se afastou, sentindo a mão fria de Weiss escapar das suas e o coração quase sair pela boca. Ao sair, escutou os passos de Jacques pararem e quase viu o sorriso no cumprimento hipócrita dele:
— Ora, ora, Srta. Belladonna… Não esperava vê-la aqui depois do que aconteceu ao seu pai…!
Ela não ficou para escutar mais. Homens como Jacques pertenciam à mesma laia de Adam Taurus e só mudavam o modo de atuação. E ao sujar as suas mãos com o sangue podre do último, ela fez uma promessa silenciosa de que tentaria não ceder àquele tipo de homem de novo. Por isso, ela fez questão de não responder e sim, esbarrar em Jacques de tal forma que ele até se desequilibrou. Ele soltou uma exclamação de dor misturada à irritação e ela não ouviu…
Porque Blake não pensou duas vezes ao ligar para Pyrrha Nikos.
…
Sair da sede do Ravenscrow foi a parte mais difícil. Yang não sabia que, ao entrar, teria chamado tanto a atenção de Ironwood, que apareceu na sua porta minutos depois que Weiss saiu. Pensou em só passar por ele, dizer que tinha algo para resolver, Pyrrha estava ali do seu lado, ela poderia confirmar isso, mas o olhar frio nos olhos azuis do presidente a fez parar ali.
Ele estava com aquela postura de general clássica, as mãos para trás do corpo, o peito estufado e a olhando de cima. Fazia um bom tempo que Yang não o via, tinha uma teoria de que o sumiço dele tinha relação com o jantar na mansão Schnee e o fato de Raven ter feito o tal acordo com Willow Schnee. Talvez o fato dela ter feito esse acordo sem consultá-lo tivesse irritado o pavio curto daquele homem que parecia ter somente uma emoção.
Ela percebeu quando aqueles olhos passavam pelo seu corpo, analisando a sua postura de uma forma fria, Yang apertou a mandíbula, sabendo que teria que explicar o porquê do olho roxo. Ironwood não a deixaria sair de lá sem essa explicação, e isso se confirmou quando ele a encarou, erguendo uma sobrancelha em silêncio.
Era a forma que ele tinha de fazer com que todos se diminuíssem na presença dele, mas Yang sempre o desafiou, e fez isso agora, erguendo o queixo e respondendo a pergunta silenciosa.
- Estava treinando com a Nora. Me distrai, ela se aproveitou. - Não tinha uma só emoção na resposta, ela fez questão disso. Ironwood ergueu a outra sobrancelha, a expressão fria se transformando em surpresa.
- Parece que anda tendo muito disso ultimamente, né VP? Distrações. - Ele quase cuspiu a última palavra, erguendo mais a cabeça, desviando o olhar para o quarto atrás de Yang, antes de assentir. - Vá em frente, não é como se eu tivesse alguma autoridade por aqui.
E ele apenas saiu andando pelo corredor. Yang parou para observá-lo, assistindo a forma como ele andava pesadamente pelo carpete preto, virando na direção do escritório do corredor que dava para o escritório de Raven. A dona dos olhos lavanda supôs que ele estava indo abrir a boca para sua mãe sobre seu olho inchado.
Porém, Yang não estava se preocupando com isso agora. Olhou por cima do ombro, pegando os olhos verdes preocupados antes de assentir, garantindo que estava bem, e seguir com Pyrrha para fora do quarto.
O MC estava vazio, e ela supôs que todos estavam trabalhando nesse horário da tarde. Ainda não tinha almoçado e estava sem tempo para isso. Estavam acontecendo coisas demais e ainda não eram nem três da tarde. Pyrrha a seguiu até o estacionamento, ambas subindo em suas Harleys e arrumando os capacetes.
Yang ligou a moto, sentindo o motor vibrar embaixo de si, já se preparando para sair do estacionamento da sede. Mas a moto de Pyrrha não lhe seguiu, olhou por cima do ombro e encontrou a ruiva, sentada na moto desligada, os olhos fixos no celular que segurava nas duas mãos.
Fez a volta, parando ao lado da Iron 883 e tirando o capacete para olhar nos olhos verdes. Não precisou falar algo, Pyrrha levantou os olhos para ela e falou:
- Vai na frente, tem algo que preciso resolver antes. - O tom era frio, os olhos mais frios ainda. Eram raros os momentos em que ela era assim e isso sempre deixava Yang em estado de alerta. Franziu o rosto, esperando mais alguma explicação, mas Pyrrha apenas enfiou o capacete, ligando a moto. - Não vai só, chama a Nora pra te acompanhar.
Como sempre, a Pyrrha preocupada. Yang assentiu, entendendo que não teria muita explicação depois disso. Pyrrha claramente tinha algo lhe incomodando e não queria perder tempo discutindo isso com Yang. A loira entendeu, ela também tinha seus momentos, mas não deixou de se preocupar.
Tinham poucas pessoas que deixariam Pyrrha dessa forma e uma delas é a namorada da ruiva. Weiss era um dos grandes gatilhos para ativar essa frieza misturada com preocupação na ruiva. Portanto, Yang precisou de alguns minutos sentada na moto, considerando puxar o celular e ligar para a herdeira e questionar se estava tudo bem. Ou, até mesmo, ligar para Blake e perguntar o que poderia estar acontecendo.
Mas, observando o último número que ligou para ela, Yang sabia que tinha um papel nessa situação. Confiava em Pyrrha e, como já tinha estabelecido antes, a ruiva era a primeira na fila de pessoas que protegia Weiss Schnee de qualquer mal - Jacques Schnee, principalmente.
Ainda sentada naquela moto, sabendo que deveria já ter saído de lá, Yang correu os olhos pelo lugar, vendo como as pessoas andavam tranquilamente. Alguns membros do clube conversavam entre si enquanto consertava os carros que estavam por ali, vez ou outra alguém a via e acenava.
Deveria já ter saído daquele estacionamento, a sola das botas a prendiam no asfalto. Estava presa, sentada naquela moto que, em tantas outras vezes, foi o seu refúgio. Segurava a chave com tanta força, se não estivesse usando luvas, teria a impressão dela na palma. Deveria ter saído, mas não conseguia.
May estava lhe esperando para que fossem atrás de Robyn. Se sentia preocupada, sabia que deveria ir, procurá-la por qualquer canto que a presidente das caçadoras poderia estar. A própria faria isso se os papéis fossem invertidos e Yang não tinha dúvidas disso.
Porém, sem conseguir se controlar, seus pensamentos logo a levaram para Blake. Mais especificamente, a última noite que passaram juntas.
Lembrava de tudo como se tivesse acontecido mais cedo naquele dia, Blake orgulhosamente se erguendo por entre suas pernas, subindo pelo seu corpo, os olhos brilhando com uma fome inegável e Yang a recebendo, como sempre o fez. Era difícil esquecer como os olhos dourados brilharam na luz da lua, os fios negros espalhados pelo seu travesseiro, o sentimento de conectar seus olhos com os dela...
Essas serem a sua última memória de Blake não eram uma coisa muito boa. Era complicado controlar os arrepios que desciam pela sua espinha, fazendo-a suspirar e tentar ignorar as reações do próprio corpo.
Porém, era impossível não pensar em Blake naquele momento. Pyrrha estava correndo na direção de Weiss para ajudá-la em algo. E se Blake estiver com Weiss? E se Blake estiver precisando dela? Mas, é claro, ela não iria lhe contatar por causa do que aconteceu entre as duas.
Teve que se controlar para não pensar que ela não era mais a primeira alternativa de Blake.
Esse sentimento não era bom, e Yang teve que respirar fundo o ar frio daquela tarde em Vale, empurrando ele para baixo com toda a angústia que crescia no peito. Sentia vontade de ir atrás de Pyrrha, mas seguiu na direção contrária.
Nora já a esperava do lado de fora do estúdio, sentada na moto e um olhar atento para a rua que seguiriam juntas. Yang parou ao lado dela com a Glyde e acenou para que seguissem. A sua amiga parecia ansiosa quando colocou o capacete e ligou a moto. Yang sabia que essa deveria ser a primeira vez dela entrando naquele território.
Com um sorriso pequeno, ela lembrou da sua primeira vez naquele lugar. Primeira vez entrando na parte baixa da cidade, mesmo seguindo a presidente do Huntress MC, sentia os olhos de outros membros do clube queimando no colete. Claramente ela não foi bem vinda ali, mas esse não era o caso agora.
Yang imaginou que May e Fiona informaram aos outros integrantes sobre a ida dela até o território. Ela e Nora não vestiam os coletes, mas seguiam tranquilamente, recebendo poucos olhares, apenas um breve reconhecimento de que elas estavam ali e, principalmente, estavam ali para ajudar.
Porém, tinha que admitir que o jantar com os Schnees melhorou o clima da cidade em relação a essa rivalidade. A cidade está bem mais tranquila depois que Willow decidiu propor uma trégua. Se Robyn estiver bem quando encontrá-la, Yang precisa mencionar isso para ela. Tinha certeza de que ela ficaria feliz em saber que uma das coisas que comentaram, está finalmente acontecendo.
Apesar de já ter andado pela parte baixa de Vale, Yang nunca conheceu a sede das caçadoras. Talvez Robyn não confiasse o suficiente nela para levá-la até lá. Ou, talvez, fosse como acontecia com Yang: Robyn também escondia o nível dessa “aliança” que tinham. Apesar de que Yang imaginava que as outras já soubessem disso, talvez Robyn não fosse completamente sincera com elas.
Portanto, sem saber exatamente onde estava andando, Yang seguiu as instruções que May passou rapidamente pelo telefone. Seguia com Nora pelas ruas, cumprimentando qualquer pessoa que surgia com o colete das Huntresses, uma forma de avisar que estava andando por ali de forma pacífica.
A rua que indicava ser a sede, era como qualquer outra do bairro. Yang teve que parar a moto no meio fio, olhar ao redor e procurar com mais firmeza, cerrando os olhos para todos os lugares que ela acharia ser uma sede de um clube de motociclismo.
- Não vai me dizer que a gente se perdeu. Aqui, de todos os lugares. - Nora resmungou entre dentes, os olhos azuis esverdeados passando por todos os lugares, atenta e preocupada. Yang chegou a sorrir, identificando a óbvia ansiedade na amiga.
- Eu não me perdi. Estamos no lugar certo, só não sei exatamente onde é que…- Foi interrompida pelo flash de cabelo azul surgindo no canto do olho, virou para encontrar May Marigold saindo de um restaurante. Yang inclinou a cabeça para o lado, tirando os óculos escuros para ter certeza de que estava vendo certo. - Ah, olha só! Vamos.
- Vamos pra onde, garota…?
Mas Yang já ligou a moto de novo, indo na direção de May. O restaurante ficava no final da rua e parecia como qualquer outro lugar daquela área da cidade. Apenas um pequeno restaurante com cores nada chamativas, completamente escondido. A própria Yang quis rir, a diferença entre os MC’s era clara. Onde o Ravenscrow era óbvio e dramático, as Huntresses eram discretas e cuidadosas.
Nora lhe seguia, mas Yang conseguia sentir o olhar duvidoso para o restaurante que elas se direcionavam. As dúvidas dela foram sanadas quando May cruzou os braços na frente do lugar, olhando para as duas com os olhos amarelos brilhando com impaciência.
‘O Toupeira’ era o nome do restaurante e, tirando o nome diferente, nada chamava a atenção. A fachada era como qualquer outra da rua, o nome com uma fonte comum, a porta espelhada com a placa de ‘aberto’ balançando na frente, as janelas abertas tinham um acabamento de madeira e a pintura, do lado de fora, eram no mesmo tom que as caçadoras carregavam em suas roupas: Um verde musgo com detalhes em marrom e branco.
Não era um restaurante turístico e sim, apenas mais um para que aqueles que ficavam por ali, pudessem almoçar em seus horários de almoço, antes de voltarem a trabalhar. Apesar de ser um restaurante comum, Yang conseguia identificar quando ele era bem organizado. Talvez Robyn administrasse aquele lugar.
- Achei que eu teria que ir te buscar. O que porra aconteceu com o seu olho? - May resmungou, fazendo uma cara insatisfeita quando Yang tirou o capacete ao parar a moto no estacionamento em frente ao restaurante. A loira parou para analisá-la um pouco, optando por não responder, mesmo com Nora soltando uma risada baixa. Identificou que a camisa que a mulher usava era da mesma cor da parede do restaurante, além da tag na camisa dizendo o seu nome completo. May deveria trabalhar ali, assim como Yang trabalhava na mecânica. - Agora vem logo, a gente precisa discutir isso.
E ela se virou, empurrando a porta de vidro com força e entrando. Yang e Nora ficaram para trás, tirando o capacete e observando a porta balançar de dentro para fora, até parar fechada.
- Elas até parecem tranquilas pra quem perdeu a presidente. - Nora comentou baixinho, se inclinando na moto para falar para Yang, que ergueu as sobrancelhas, concordando. Realmente, May parecia mais calma do que estava no telefone.
- Só vamos entrar e ver o que podemos fazer. - Acenou para Nora ir na frente, seguindo logo atrás, os olhos atentos na rua, procurando ver o cabelo loiro claro de Robyn Hill, mas nada.
Ao entrar, Yang não se surpreendeu por ver o lugar vazio, tirando por uma única mesa. Porém, pelas roupas que as pessoas usavam, podia apostar que todos eram do próprio MC.
O restaurante era como ela imaginava ser. Um lugar espaçoso, com bastante mesa, todas de madeira com um forro verde musgo. As paredes tinham um revestimento galícia cinza e branco, de certa forma, combinavam com o porcelanato branco no chão.
Nas paredes havia quadros de fotografias, Yang podia identificar que eram fotos do próprio clube. Conseguia ver uma foto de Robyn com as meninas, dela só com a Fiona apontando para os patches de Presidente e Vice Presidente. Tinha uma da Robyn mais nova com uma mulher idosa, tinha uma da Fiona com um homem de bigode e boina, do mesmo tamanho dela. Então, surpreendendo Yang, tinha uma enorme fotografia de uma cidade, essa era mais destacada entre as outras.
Era Mantle, ela sabia bem pelos prédios escuros e as luzes amareladas. Lembrava das fotos que seu pai tirava com o tio Qrow e o Ghira.
Acima do balcão da caixa registradora havia um enorme cardápio com comidas que ela conhecia. Eram comidas naturais de Mantle. Chegou a abrir um leve sorriso. Fazia um tempo que não comia um bom cuscuz recheado, ou uma tapioca. Talvez devesse vir até esse lugar mais vezes, quem sabe aprenderia alguns desses pratos...
- Yang! - Isso a trouxe de volta para a realidade, fazendo-a girar com um estalo, encarando os olhos amarelados de May. A mulher estava ainda mais impaciente, a mandíbula travada e os olhos raivosos. Porém, de todos ali, ela era a única com raiva. Passando os olhos, Yang percebeu que Joana, a maior dentre todas ali, parecia mais calma do que a própria May. - Quando foi que você viu ela pela última vez?
- May, eu tenho certeza de que… - Fiona tentou, mas a outra mulher apenas revirou os olhos, não os tirando de Yang, que engoliu em seco.
- Não interessa se ela já fez isso antes, Fi. Faz tempo demais, ela não teria dado esse sumiço sem avisar algo.
- Mas ainda sim, May. - Foi a vez de Joana falar, a mulher estava encostada na parede, os braços enormes cruzados e um olhar confuso. - Eu sei que você não tava aqui na época, mas ela já passou semanas desaparecida, só para voltar como se nada tivesse rolado.
May virou para olhá-la, os olhos amarelos com um brilho ameaçador. Nora lançou um olhar de canto para Yang, que viu como ela girava a chave da moto entre os dedos, ansiosa. Colocou uma mão no ombro da amiga e deu alguns passos para frente.
- Se querem saber, a última vez que falei com ela, foi no jantar. - Pigarreou, tentando chamar a atenção para si. Três pares de olhos se prenderam nela, desconfiança, impaciência e curiosidade. Yang engoliu em seco. - Não sei como posso ajudar, mas estou aqui para qualquer coisa…
- Eu não acho que vamos precisar…
- Fiona…!
- May, você precisa parar de…
- Que porra é essa!? - A conversa paralela foi tanta que ninguém percebeu a nova presença entrando no restaurante. Ao reconhecerem a voz, todas viraram para encarar a mulher. Robyn Hill. As roupas desniveladas, o cabelo bagunçado, olheiras abaixo dos olhos e, estranhamente pálida. Porém, tirando a raiva brilhando nos olhos roxos, não havia nada indicando que teria acontecido algo mais sério com ela.
Os olhos dela correram por todas naquele lugar, procurando algo que não pareceu encontrar. Porém, quando seus olhos pararam em Yang, algo diferente brilhou neles. A VP estava pronta para cumprimentá-la, perguntar se algo aconteceu e porque ela parecia tão cansada, mas não teve tempo.
- Robyn..! Onde que você…? - May tentou, se levantando da cadeira e tentando se aproximar da mulher, que apenas se afastou e agarrou Yang pela gola da camisa, empurrando-a contra a parede.
- Que porra…! - Tentou, agarrando os pulsos de Robyn, que só a apertou com mais força na parede de pedra. Ela era mais alta que Yang, porém, não era mais forte, pensou em usar isso ao seu favor.
Conseguiu ver Nora se aproximando rapidamente, irritada e mais ansiosa, mas sendo parada pela Fiona, que lançava um olhar preocupado para as duas, porém, mais ninguém se aproximou. Porque estavam deixando isso acontecer?
A adrenalina começou a correr no seu sangue, forçando-a a batalhar contra o aperto de Robyn.
- Se eu for sofrer mais uma consequência por causa da sua gente, eu acabo com você. - Robyn rosnou tão baixo que Yang duvidou que qualquer outra tenha escutado. Ela piscou, confusa, deixando as mãos caírem ao lado do corpo, parando de lutar contra o aperto. A sua confusão pareceu acordar Robyn, que se afastou com um ultimo empurrão.
- O que aconteceu? - Perguntou, ainda baixo, para a mulher na sua frente. Robyn levou uma mão até o rosto, apertando os dedos nos olhos e soltando um suspiro pesado. - Onde você estava?
A sua atenção estava em Robyn, mas correu os olhos pelo restaurante, vendo que as outras estavam atentas ao que acontecia entre ela e a presidente. Robyn respirou fundo, endireitando os ombros antes de olhar para Yang mais uma vez. Agora, seu olhar estava apenas cansado. Yang poderia supor que ‘derrotado’ era o termo mais correto.
- Lembra daquela carta que eu te falei? - Yang apenas assentiu, não querendo interromper o pensamento dela. - Então, a falta de resposta incomodou a pessoa que mandou. Ontem, eu tava voltando pra casa, me pegaram desprevenida. Digamos que… eu não passei a noite em casa.
Ela falou mais alto, para que as outras escutassem. Yang percebeu May se aproximando pelo canto do olho, mas Fiona apenas estendeu a mão, parando-a. Robyn balançou a cabeça mais uma vez, apertando os dedos nos olhos com mais força. Yang entendeu que era um sinal de uma enxaqueca pesada.
- Então, você sabe quem foi? - Perguntou o mais baixo possível, tentando não piorar a dor que a outra mulher sentia.
- Bem, eles eram idiotas, então foi fácil de adivinhar quem foi. Os cartazes por tudo quanto é lado foram fáceis de identificar. - Ela ergueu os olhos para Yang novamente, um sorriso sem humor pintando os lábios secos. - Jacques Schnee. Na verdade, não foi bem ele. Mas quem fez isso, estava do lado dele. Achei que não ia escutar o nome Arthur Watts por um bom tempo…
Yang franziu o rosto para o que ela disse, se inclinando na parede. Robyn olhava para o chão, as mãos fechadas em punho, os ombros tensos. Tinha alguma história aí e Yang queria saber o que era.
- Como você…?
- Como eu conheço ele? Bem… - Ela levantou os olhos para Yang mais uma vez, dessa vez, Robyn estava tão cansada que parecia não querer mais falar, mas ainda sim, abriu a boca: - Acho bom você pesquisar um pouco sobre uma pessoa chamada Salem.
Foi a última coisa que ela disse, dando passos para longe dela, se distanciando e entrando em um corredor contrário ao que daria para a cozinha do restaurante. Ninguém tentou pará-la.
…
Winter não conseguia acreditar no que via e tampouco conseguia discernir o que estava sentindo diante do que estava na sua frente.
Porém, ela conseguia sentir perfeitamente a mão pequena de sua irmã sobre a sua que estava perigosamente próxima ao coldre em sua cintura, assim como percebia os dedos de Whitley puxando a barra do seu blazer e escutava a respiração pesada de sua mãe próxima às suas costas.
Todo aquele desespero silencioso, que se propagava apenas por gestos e sensações… Tudo por causa do homem ordinário que, não satisfeito em perturbar a paz que eles conquistaram com tanto esforço após os anos de terror na presença dele, ainda ousava aparecer ali, como se fosse inocente…
Como se ele não tivesse destruído uma família por inteiro antes de ser tirado à força do centro da mesma.
— Ora, ora… Eu esperava um pouco mais de receptividade, ainda mais de você, Winter. — Jacques não disfarçava o deliciar que sentia observando-os assim, tão amedrontados e, por isso, Winter aprumou os ombros e ergueu os olhos, encarando-o por inteiro. O seu olhar podia ser o mais ameaçador possível, mas aquele homem parecia ter ego suficiente para ignorar isso. Ele inclinou a cabeça de um lado para o outro, ignorando a filha mais velha e caçando os mais novos. O estremecer do corpo de Weiss junto ao seu fez Winter fechar os olhos, mas Whitley parecia firme segurando-a. — Talvez, eu devesse ter dito: “família, cheguei!”
Winter apertou a mandíbula, sentindo os músculos pressionarem os seus dentes até o ponto em que a dor a fez abrir os olhos, encontrando Jacques com a postura relaxada, a mão direita ajeitando o relógio de ouro no pulso esquerdo. Ele sorria enquanto fazia aquilo e tudo que Winter queria era quebrar cada dente estupidamente branco de seu pai. Passos foram ouvidos, seguidos pela voz clara (e trêmula) de Willow ao dizer:
— Essa nunca foi sua família, Jacques… Por isso, eu peço que saia antes que…!
— E quem é você para dizer isso, Willow? Porque, até onde eu lembro, você mal conseguia discernir quem eram os seus do fundo das garrafas de vodka que você consumia. — A frieza era uma palavra frequentemente usada para discernir os comportamentos cuidadosos da Família Schnee, porém, naquele momento, era sentida com enorme intensidade já que as palavras calaram Willow completamente. A matriarca, recentemente forte e centrada, se encolheu em uma mulher arrependida, cujas lágrimas escorriam silenciosamente pelo seu rosto.
Weiss finalmente soltou Winter enquanto o puxão de Whitley se tornava mais intenso em seu blazer. A primogênita sentiu, com a ausência desse toque, a ponta de seus dedos tocarem a superfície fria da arma… Então, ela voltou o tecido do blazer para o lugar e fechou a mão, apertando-a, como se pudesse canalizar aquele desejo para aquele ato.
Como tudo relacionado ao seu pai, Winter perderia mais do que ganharia se deixasse se levar pelos absurdos dele. Antes, era nova demais para entender que, enquanto ele a tratava com o mínimo de respeito, os seus irmãos sofreram atrocidades. Agora, ela sabia muito bem o que Jacques era capaz de fazer e, talvez, por isso era tão tentador simplesmente… Desaparecer com ele.
Jacques aplaudia o próprio feito e as palmas pareciam altas demais no silêncio que tomou conta do comitê de campanha. Winter se perguntava onde Belladonna tinha ido para esperar, provavelmente, alguém do Ravenscrow MC. Porém, esses questionamentos se perdiam em meio aos suspiros pesados de sua mãe e do riso que conseguia enxergar no rosto deturpado de Jacques. Contudo, foram as palavras de Weiss que pareceram altas demais para Winter:
— Por favor, mamãe… Não se deixe levar por isso, você é melhor do que ele jamais foi e…
De fato, ela era. Antes, Winter achava que não… Mas ela viu a mãe se reerguer das cinzas, pela família quando o agressor dela foi tirado da jogada. Talvez, tenha sido em uma das visitas à reabilitação, quando segurava as mãos de Weiss e Whitley e viu Willow pálida, tentando sorrir em meio à névoa medicamentosa, que Winter teve pleno entendimento do estrago que Jacques fez a sua família. Porque, naquele instante, ela teve um vislumbre do que poderia ter sido crescer com uma mãe presente…
E agora, depois daqueles anos todos, ela tinha vivenciado isso. Winter não perderia isso de novo, custasse o que custasse. As palmas continuavam e foram seguidas das risadas baixas e irônicas de Jacques, até que ele finalmente disse:
— Mesmo com essa aparência simplista, vocês estão de parabéns por esse local, uma pena que será mais um dos péssimos investimentos da Corporação Schnee desde que eu fui forçado a deixar a presidência…
— Isso não é um investimento da empresa e sim, uma iniciativa da mamãe. Não tem dinheiro nosso envolvido na campanha… Essa falta de caráter nos negócios é uma característica sua, papai. — O silêncio era familiar à situação tensa instalada no local, mas ele se tornou ainda mais denso quando foi a voz de Whitley quem o irrompeu. Winter desviou os olhos brevemente da maior ameaça no comitê e a surpresa estava presente ao contemplar o nojo nas feições do irmão caçula, ela não pode deixar de sorrir de canto, orgulhosa. Jacques soltou um muxoxo dramático e respondeu afetado:
— Perdão? Quem você pensa que é para falar comigo desse jeito, garoto…!
— Ah, por favor, papai… Não banque o inocente depois da ceninha que acabou de fazer. Eu odeio desmentir meu irmão, mas sim, temos dinheiro Schnee envolvido na campanha e pelo menos, é por uma boa causa desta vez. — Weiss parecia ter se encorajado depois do enfrentamento surpreendente do irmão e os olhos de Jacques desviaram-se para ela. Winter percebeu quando o olhar do homem se fixou na cicatriz, do lado esquerdo do rosto da que, agora, herdou o império familiar.
O bigode branco de Jacques se remexeu e um sorriso se abriu embaixo dele. Winter estremeceu pela primeira vez desde aquele reencontro porque, agora, o pai lembrou a ela dos muitos criminosos que não se arrependiam quando presos. Era como se ele tivesse orgulho do que provocou em Weiss… Novamente, ela se mexeu e, mais uma vez, a sua mão direita gravitou perto demais do coldre.
Weiss tinha o queixo erguido, a face esquerda inclinada diretamente em direção à iluminação do comitê. Winter conhecia aquela expressão e aquela postura, se Jacques podia ser orgulhoso por ter produzido aquilo no rosto dela, Weiss também podia se orgulhar por ter sobrevivido àquela insanidade. E era isso que a herdeira demonstrava agora, ela estava viva e estava orgulhosa por ter sobrevivido àquele homem.
— Uma pena que aquele nosso desentendimento tenha provocado isso no seu rosto, Weiss… Se não tivesse sido tão inconsequente naquela época, talvez fosse tão bonita como Winter é agora. — Aquela era outra tática que Jacques se acostumou a usar e que, aparentemente, pensava que ainda funcionava. Winter e Weiss se entreolharam, porque aquela questão nunca foi problemática para ela e mesmo se fosse, a tendência era que Winter se sentisse abalada com a impecabilidade com a qual a irmã sempre se vestia. Jacques olhou as unhas e suspirou, uma falsa tristeza rebaixando seus ombros. — Eu sinto muito que isso tenha acontecido com você, logo você que sempre teve medo de ficar sozinha… Não é?
Winter ofegou e avançou em direção a Jacques, mas Whitley conseguiu puxá-la e, ao menos, mantê-la controlada enquanto ela se debatia. Ela realmente não sabia como ele estava conseguindo, porque tudo que ela queria era desaparecer com aquela expressão nojenta do rosto do pai. Winter sequer pensava na arma no coldre, eram os seus punhos que estavam fechados e ela sentia que eles fariam o trabalho caso ela escapasse dali…
Sim, ela seria capaz de destruir a cara do pai com as próprias mãos. Winter não agiu no momento certo no passado e ela não ficou todos os anos naquele presente, burlando a lei que jurou proteger para poder se redimir com a própria família, para que aquele homem voltasse e clamasse algo que nunca foi dele.
A risada baixa e educada de Weiss a trouxe de volta, Winter estava quase cedendo a tempestade fria que começava a engoli-la quando se virou para a irmã que tinha os braços cruzados em frente ao corpo, a sobrancelha branca arqueada e uma expressão de incredulidade no rosto. A cicatriz brilhava à luz fluorescente e a dona dela, com um sorriso vitorioso nos lábios, disse sem vergonha alguma:
— Ah papai… Você realmente não sabe nada sobre os filhos que teve. Mas, adianto para o senhor que solidão nunca foi um problema para mim, nem naquela época, como deve se lembrar bem já que o soco de Yang Xiao Long parece ser algo inesquecível assim como não é agora, já que a minha cama anda totalmente ocupada por Pyrrha Nikos.
Aquela não era uma situação para risos, mas foi isso que ocupou o ambiente quando não somente Weiss, mas Winter, Whitley e até mesmo Willow se deixaram levar pelas palavras ferinas da herdeira. Jacques enrubesceu da cabeça aos pés e as palavras se perderam enquanto ele permanecia de boca aberta. Winter levou a mão à testa para relaxar e percebeu que suava, mas nem mesmo isso tirou a alegria de suas feições exauridas.
Weiss amava o caos e se divertia com isso… Os anos de terapia deram garras e presas a sua irmãzinha e agora, ela acabou de morder e cuspir o pai abusivo que todos eles dividiram.
Nenhum deles escutou o som do celular de Jacques, mas pareceu que tocou, já que ele ergueu um indicador para a família como se exigisse que eles ficassem quietos. A solicitação foi ignorada, mas Winter sentiu que o aperto na barra do seu blazer se foi quando Whitley fez o mesmo, tirando o celular do bolso e teclando algumas coisas antes de se jogar na cadeira mais próxima.
Jacques não trocou palavras com quem o ligava, apenas ficou alguns minutos com o aparelho no ouvido antes de voltá-lo para o interior do terno azul escuro. Ele ajeitou as abotoaduras que, teimosamente, ainda tinham as iniciais J e S talhadas e voltou a atenção aos filhos e à ex-esposa. Willow estava em pé de novo, com um braço ao redor de Weiss e uma mão apoiada no ombro de Whitley. Ela tinha o queixo erguido e Winter fez o seu trabalho, se colocando em frente a eles, como o escudo que deveria ter sido no passado.
O homem observou aquela conformação, mais calmo e recomposto do que estava há segundos. Ele também ajeitou as lapelas do terno e olhou ao redor, dessa vez, não escondeu a expressão de desprezo. Só que quando ele ergueu os olhos, Jacques não olhava para a família como um todo e sim para Winter. Ela retribuiu o olhar, se sentindo ligeiramente corajosa diante do estrago que a irmã mais nova provocou e estufou o peito, pronta para enfrentá-lo. Jacques sorriu e acenou negativamente com a cabeça antes de sibilar:
— Você não sabe como me dói ver você junto deles, Winter… Eu criei você melhor do que isso e acredito que, no fundo, você sabe que é verdade. Você não é nada e deve tudo a mim, então… Eu realmente não entendo o motivo de você estar desse e não do meu lado agora.
Não havia quem segurasse Winter Schnee agora. Assim como não existisse quem pudesse controlar a tempestade que esteve presente desde o começo daquele reencontro e que, agora, se transformou em uma avalanche. Jacques não mentiu, ela realmente era quem era por causa dele… E isso incluía a sua covardia e a sua fraqueza, assim como a sua incapacidade de se apegar a alguém depois que foi traída, da pior forma, por ele.
E tudo isso desabou sobre os ombros dela de forma avassaladora. Winter se viu envolvida pela frieza que ela se acostumou a enxergar nos olhos do pai e que, inocentemente, pensou ser outra coisa. Aquele homem nunca amou ninguém e parecia ter passado aquilo para ela… Dentre todos, ela era quem mais se parecia com Jacques.
Foi essa conclusão que fez a sua mão praticamente voar para o coldre em sua cintura. Foi isso que a impulsionou para frente, marchando até o homem com arma em punho.
Winter não apontou a arma diretamente para ele, ela se deixou aproximar antes de apanhá-lo pela gola da camisa social e puxando-o, forçando a arma de encontro a têmpora dele e o empurrando para baixo, até que ele estava todo encolhido e ela, magnânima, acima dele… Mas ela sabia que isso não era verdade e era por isso que as lágrimas escorriam de seus olhos.
Winter não sabia o que estava fazendo, ela mal enxergava a expressão nos olhos do pai… Mas ela sentia tudo que ele fez nela ecoar, como se ela nunca tivesse encarado aquilo de frente.
Três vozes diferentes gritaram o seu nome e ela não escutou uma delas. Uma porta bateu, assim como passos correram em sua direção… E mesmo assim, a única coisa que Winter sentiu foi a sua mão sendo bruscamente empurrada para baixo, assim como seu corpo ser empurrado para longe.
Ela sentiu falta do fedor de suor do seu pai, da apreensão dele junto ao cano de sua arma, da humilhação dele ao se encolher aos seus pés… Winter sentiu falta de se sentir forte diante de Jacques e aquele era um sentimento tão familiar ao que aquele homem fazia a sua família que ela simplesmente estalou para o que acontecia.
Então, ela piscou uma, duas vezes… E quem a visse diria que o seu olhar readquiriu o brilho quando o fez. Assim, ela conseguiu enxergar Pyrrha Nikos praticamente arrastando o seu pai para fora do comitê e ela teve que se debater mais de uma vez para escapar de quem a segurava e segui-los. Ela ainda tinha a arma em mãos quando viu Jacques ser jogado no asfalto e Pyrrha ficar sobre ele e dizer:
— Apareça aqui de novo e quem vai visitar você em seguida sou eu.
Pyrrha cuspiu na direção de Jacques e ele se encolheu, antes de ficar em pé novamente. A ruiva pensou em voltar ao interior do comitê, mas quando se virou e viu Winter ali, vacilou e permaneceu, os olhos verdes trilhando um percurso em direção a sua mão direita. Winter sentiu o olhar de Pyrrha queimar em sua pele e, por isso, guardou a arma no coldre de forma automática e abaixou a cabeça.
Um homem, também de bigode, saiu de um carro do outro lado da rua e arrastou o corpo amedrontado de Jacques Schnee pela rua. Os dois cantaram pneus antes de saírem e a porta do comitê voltou a se abrir. Weiss saiu por ela, se jogando nos braços de Pyrrha e afundando o rosto no peito da ruiva que apenas beijou-a no topo da cabeça. Willow veio em seguida, abraçada a Blake e Whitley, olhando chocada para ela e…
Winter quebrou.
A sua mão direita queimava e ela sentia o peso da arma como se ainda a empunhasse. Winter começou a tremer e se sentiu sozinha… Porque todo mundo ali tinha deixado Jacques no passado, enfrentando o medo e o trauma para seguir em frente…
Mas ela…? Winter quase se tornou alguém como Jacques hoje, da forma como ele disse antes que ela explodisse.
A verdade tomou-a com a frieza de uma avalanche e Winter fugiu, ignorando a família que a chamava, preferindo ficar sozinha para não ferir ninguém a não ser si mesma.
…
Robyn ainda conseguia sentir o fedor de queimado em seu corpo, mesmo que já tivesse tomado um banho e que até mesmo tivesse tomado um vento na cara ao ir buscar a sua Harley Davidson Softail Heritage na estrada vicinal para qual foi levada, a oeste de Vale, antes de desaparecer, completamente, do radar de qualquer um que pudesse procurá-la…
Era um armazém, mas também parecia uma fornalha. Robyn estava inquieta demais para se localizar e entender para onde estava indo. Porém, o seu pensamento sempre ficou com o seu MC, tentando pensar num plano para sair viva daquilo e não trazer mais caos para a cidade, caso o seu corpo fosse encontrado em uma vala qualquer…
O mistério continuou quando a porta da van de vidros fumês se arrastou e Robyn ganhou o primeiro soco daquele dia, nas costelas, porque fez um comentário sobre covardes se esconderem atrás de máscaras horríveis. Era uma verdade que o grupo patético que a “sequestrou” parecia não concordar. Robyn foi jogada numa sala escura até que as luzes se acenderam de imediato e a porta de metal foi aberta.
Era uma daquelas máscaras idiotas, do tipo que Robyn não esqueceu porque um desgraçado que a usou tentou fazer mal a Winter Schnee… Então, quer dizer que eles tinham buscado retratação? Ela tinha dois punhos para arrancar a máscara daquele cara a socos se fosse preciso.
Mas isso não foi necessário.
— Espero que a demora em sua resposta seja indicativo de que pensou a respeito… Do contrário, a gente vai ter que fazer você decidir agora.
Ah claro, aquelas cartas sem remetentes que tiraram o sono da Robyn em algumas noites… Ela tinha as suas suspeitas, ainda mais depois de ter recebido um convite pacífico de Willow Schnee para acertar as diferenças entre corvos e caçadoras nem que fosse por um tempo e com promessa de mais caso ela fosse eleita. Era óbvio que a matriarca não ia querer um caos depois do jantar.
E Leonardo Lionheart era muito covarde para mexer com os MCs, mesmo que isso pudesse determinar a sua vitória nas eleições… Isso eliminava os candidatos à eleição municipal. Mas, e se houvesse um terceiro…?
Robyn pensava nisso quando levou o segundo soco do dia, este atingiu as suas costas, na altura dos seus rins e ela não pode deixar de perceber que o mandante daquilo, porque era óbvio que os palhaços de máscara eram pau-mandados, não queria envolvimento na parte suja do negócio.
Ela conhecia algumas pessoas que seriam capazes de fazer uma proposta daquela, querendo proteção e exigindo rapidez na resposta… Robyn só queria um dia normal naquela cidade, mas isso estava bem longe de si, ainda mais agora que estava tão enrolada com o Ravenscrow MC e com circunstâncias bem maiores do que o Huntresses MC.
Robyn não respondeu ao que foi dito a ela, apenas abaixou a cabeça e recuperou o fôlego que tinha perdido com a agressão. O capanga a rodeou e a porta voltou a se abrir, outro entrou e eles se olharam, escondidos por aquelas máscaras patéticas. Robyn não ia ceder até porque sabia que eles precisavam dela, ela podia sair dali quebrada, mas não sairia morta… Porque ela era a presidente e a palavra dela era a última na mesa de decisões.
— Vai chegar um momento que não precisaremos de você, Hill… Isso aqui foi um aviso, pensa melhor até a gente se ver de novo.
E com isso, Robyn apagou com uma coronhada na nuca. Quando ela acordou, estava a algumas quadras da sede do Huntresses MC e pelo horário, ela passou boa parte do dia sumida. Ela teve dificuldades para se levantar, mas os seus sentidos estavam bem aguçados, talvez pela descarga de adrenalina… E foi quando ela escutou os sons de uma TV ligada em uma loja de produtos usados.
A reportagem era sobre as eleições e para a sua surpresa, quem era entrevistado tinha os mesmos olhos azuis de Winter Schnee, mas eles eram imóveis enquanto os daquela mulher praticamente pareciam aprisionados dentro de todas as camadas que ela possuía e Robyn mal começou a desvendar.
Winter ainda estava em sua mente, com aquela expressão ébria e desolada, quando Robyn entendeu o que estava acontecendo com ela e com Vale… Diferente de Leonardo, Jacques teria a audácia de mandar sequestrar alguém, mas não teria o estômago para aparecer no cativeiro. Sem contar que ele faria parecer que não tinha envolvimento com aquilo e com certeza, teria um álibi. Porque era isso que homens medíocres faziam quando tinham poder e dinheiro.
Dinheiro…? Mas como ele teria dinheiro se ele perdeu tudo após o divórcio…? A resposta veio quando Robyn chegou até a vitrine da loja de usados e parou em frente a TV que transmitia a entrevista e diante dela, estava a imagem de um homem que ela conhecia, apesar de nunca ter cruzado com ele.
Arthur Watts quase perdeu tudo na guerra, mas isso não o impediu de tentar sufocar as tentativas de sua avó para ajudar aqueles que foram deixados em Mantle. Robyn apertou os punhos e até parou de sentir as dores dos golpes que recebeu, mas esse completo torpor por ter as dores de seu passado de volta também a fizeram se lembrar de uma coisa…
Existia alguém mais perigoso do que Watts, alguém que foi capaz de destruí-lo e comprar a empresa de tecnologia dele, forçando-o a trabalhar para ela. E se aquela mulher estava interessada em Vale, Jacques Schnee tinha muito em mãos sem sequer desconfiar.
Ela estava transtornada quando voltou à sede e ficou ainda mais quando viu Xiao Long ali. Será que aquela pirralha sabia no que o clube dela e o de Robyn estava envolvido? Será que ela estava desconfiada do tamanho da merda que acabou de cair na cabeça delas por causa daquela tentativa de colocar as coisas no eixo naquela cidade? Robyn perdeu um pouco da fé em Vale, mas isso não era culpa da cidade em si e sim, do que ela atraiu.
Caralho, por que Salem queria Vale?
Por isso, Robyn quase agrediu Yang. Ela precisava dissipar o medo que começou a sentir e pessoas como ela só sabem atacar ou retrucar quando se sentem assim. Ela sequer pensou muito a respeito do que aquilo poderia causar na balança que as duas tentaram equilibrar com aquele trato… Robyn pensaria naquilo depois e o depois era agora, alta madrugada, com a sede do Huntresses MC em silêncio.
— Robyn…? — O silêncio foi interrompido pela voz delicada e cuidadosa de Fiona, a sua VP estava receosa de entrar na sala de reuniões e a presidente percebeu. Por isso, não se movimentou e permaneceu onde estava, sentada na sua cadeira de couro surrada, com os pés no tampo da mesa de madeira, deixando-os respeitosamente distantes da águia talhada ali. Ainda assim, ela se permitiu sorrir para a pequena que não parecia uma fora-da-lei. Fiona enrubesceu. — Só vim avisar que eu tô indo… Você precisa de alguma coisa?
— Não, valeu Fiona… Eu vou ficar aqui mais um pouquinho e prometo avisar se eu for sumir. — Robyn respondeu com uma leve ironia, mas os seus olhos arroxeados brilhavam calorosos quando direcionados à mais nova. Fiona riu esganiçada e deu um passo para dentro da sala, fechando a porta atrás de si e encostando-se nela. Os ombros pequenos cederam e Robyn franziu a testa, parecia que o colete pesava para a outra. Fiona suspirou e disse:
— Sobre isso, eu… Desculpa pelo comportamento da May. Se eu soubesse que ela ia trazer Yang aqui, eu tinha tentado controlar as coisas, nem que fosse com algumas mentiras, mas… Eu também fiquei preocupada, parece que as coisas mudaram de uma hora para outra aqui.
Robyn sentiu as suas costelas doerem diante das palavras de Fiona, talvez fosse um reflexo da exaustão emocional e intelectual, porque isso era algo que não saiu de sua mente desde o momento em que acordou na rua. E olhando para a sua VP, viu algo além do arrependimento. Robyn enxergou o medo que nenhuma das suas caçadoras conseguia esconder dela, ela mesma não conseguia…
Ninguém sabia ao certo quem era Salem, mas as pessoas sabiam como terminavam as coisas quando ela se envolvia. E agora, a vida que elas conheciam corria risco de, simplesmente, desaparecer caso não tomassem a decisão certa.
Mesmo que estivesse tão amedrontada e inquieta quanto qualquer um, Robyn precisava manter a calma e ser racional, ou tentar ser, pelo menos. Xiao Long não era presidente de seu MC e as coisas seriam mais fáceis se ela fosse, isso não podia ser alterado e, então, Robyn organizaria as coisas do seu lado enquanto a outra fazia o dever de casa. Por isso, respirou fundo e tirou as botas de cima da mesa, e disse:
— Acredite, preocupação é algo que precisamos ter a partir de agora… Eu vou me cuidar e preciso que vocês se cuidem também. Ao menos, eu acho que sabemos quem tá por trás do gigolô engomadinho e precisamos que os corvos cheguem a essa conclusão também. Já fiz demais pedindo para que Xiao Long estudasse um pouco, não vou colocar meu MC no fogo para ajudar outro que nos queimou sempre que pode…
Com essas palavras, Robyn percebeu que a magia de Jacques começava a se manifestar. Um aliado poderoso e uma face conhecida faziam com que desconfianças ressurgissem e divisões começassem a serem feitas… Ela precisava impedir aquilo, mas não hoje.
Hoje, Robyn queria recuperar um pouco de sua dignidade, mesmo que isso envolvesse dormir na sede depois de beber cerveja até sentir sono.
— Tudo bem… De qualquer forma, esse dia dos infernos tá acabando! — Fiona respondeu com um sorriso sem jeito, tentando recuperar um pouco do otimismo e da ponderação que a fizeram ser VP de Robyn. Então, ela acenou e saiu da sala, assobiando enquanto Robyn afundava na cadeira e fechava os olhos.
A sua nuca doía pela coronhada e pela posição em que estava, mas aquela dor parecia uma punição satisfatória para as burradas que andava fazendo. Ela precisava parar de sumir do seu MC, não era mais uma membro qualquer e precisava se garantir como presidente. Outros olhavam para ela e precisavam dela… A estrada era desconhecida e perigosa agora.
A estrada… Nem parecia que Robyn tinha percorrido alguns quilômetros em cima da sua moto depois de buscá-la com Fiona. Em outros tempos, o asfalto quente e rápido teria limpado a sua cabeça e solucionado o problema antes mesmo de ela voltar aos limites de Vale… Porém, aquela situação era grande demais e a estrada apenas silenciou os pensamentos. Agora, Robyn os tinha de volta e ainda mais altos.
Tão altos que ela mal escutou as batidas na porta reforçada da sede. Porém, quando as batidas se tornaram ainda mais intensas, foi impossível não perceber. Robyn se viu sacando a arma do coldre corporal antes mesmo que pudesse raciocinar. A adrenalina voltou às suas veias e ela se viu percorrendo a distância até a porta a passos silenciosos e rápidos.
As batidas aumentaram a frequência, mas diminuíram a intensidade. Quando Robyn chegou à porta, conseguiu enxergar a sombra embaixo da mesma - fruto do poste de iluminação que Joanna fez questão de instalar para segurança delas, afinal, o fundo de um restaurante não é o lugar mais seguro do mundo - se mexer. Robyn também escutou o solado de borracha se arrastar através da madeira e isso a fez destrancar a primeira fechadura.
Porém, o barulho foi alto demais naquele silêncio e, definitivamente, a sombra parou ao invés de fugir. Robyn franziu a sobrancelha e destrancou a segunda fechadura, a sombra ainda parada do outro lado. Porém, mesmo estando numa situação de poder ali, empunhando uma arma e decidindo se abria ou não aquela porta, a presidente vacilou e engoliu em seco.
Novamente, o medo.
— É… Boa noite, Robyn. Eu… Eu sinto muito por aparecer aqui, mas… Eu estava de passagem. — De todas as coisas que Robyn imaginava escutar naquela noite, nenhuma delas envolvia a voz trêmula e educada de Winter Schnee. A velocidade de seu corpo mudou e dessa vez, rápida, ela girou a terceira fechadura e escancarou a porta.
Winter tinha os cabelos presos de forma apertada e perfeita, a camisa social verde clara amassada e com dois botões desabotoados junto ao pescoço, o blazer verde musgo que fazia conjunto com a calça da mesma cor estava nos braços ao invés dos ombros. A agente do FBI estava bem diferente de todas as vezes em que Robyn a viu, por mais que existisse a mesma solidão impressa nos olhos azuis gélidos, aquele desalinho fazia parecer que ela, finalmente, quebrou.
E foi essa percepção que fez Robyn abrir caminho para que ela passasse. Winter entrou na sede do Huntresses MC sem fazer discernimento do que tinha ao seu redor. Ela parou no meio da pequena sala de convivência que tinham e jogou o blazer sobre uma mesa bamba de madeira que ainda tinha um cinzeiro sujo e garrafas vazias de cerveja em cima. A peça de roupa escapou por pouco do vidro e Winter pareceu não perceber essa sua falta de jeito.
Algo estava muito errado e Robyn sabia quem era, provavelmente, a razão daquilo. Jacques se tornou ainda mais desprezível em sua mente.
— Eu não acho que seja bom para você empunhar uma arma em frente a uma agente federal, Hill… — Winter riu amargamente ao dizer essas palavras, mas não existia humor em sua voz. Robyn estremeceu e voltou a arma ao coldre, colocando as mãos no bolso e observando a postura praticamente perfeita da antiga herdeira Schnee. As mãos de pianista, agora livres, foram para a cintura e Robyn enxergou o coldre da dona dela e mesmo que os seus olhos quisessem descer um pouco mais, a presidente aprisionou o arroxeado e suspirou. Winter riu baixinho, provocando uma careta de dúvida no rosto da outra. — Mas eu não farei objeção e nem vou prestar queixa se você me oferecer algo para beber… Pode ser até uma dessas cervejas baratas aqui.
Não houve reação imediata de Robyn e isso se deu ao fato de que ela foi novamente surpreendida por um olhar azul em sua direção, lançado por cima do ombro que a atingiu por completo, provocando mais perguntas do que respostas. Winter se virava quando Robyn fez o mesmo, desviando o olhar enquanto tentava entender o que estava acontecendo ali…
O que Winter queria? O que essa aparição significava? O que elas eram para se encontrarem depois do dia do cão que ambas, aparentemente, tiveram?
— Eu tenho coisa melhor, essa porcaria aí é do gosto duvidoso da May e da Joanna… — As palavras saíram num tom de voz rouco e Robyn até mesmo tossiu quando voltou a se movimentar, rumo a sala de reuniões. Winter a seguiu e ela sabia que deveria impedi-la, porque aquele era um local sagrado para o Huntresses MC… Mas, o seu único pensamento era continuar se movimentando e seguir o fluxo.
Porém, os sons dos passos de Winter a seguindo deixavam a situação ainda mais… Tensa. Passos podiam aproximar pessoas até demais assim como poderiam afastá-las para sempre e Robyn ainda não conseguiu enxergar a verdade na forma como Winter caminhava. Para onde elas estavam indo?
Dessa vez, Winter entrou em um local e o observou. Robyn, enquanto apanhava o uísque escocês que guardava em um dos armários, viu os olhos azuis elétricos percorreram a sala de reuniões apertada, demorando-se na mesa talhada e nas fotos do MC penduradas nas paredes. Também existia uma bandeira marrom com a águia do clube pintada em branco que ficava na parede atrás da cadeira onde Robyn se sentava na ponta da mesa. A agente enxergou cada um daqueles elementos, mas a presidente não viu qualquer sinal de censura enquanto servia as doses da bebida.
O silêncio perdurava e começava a incomodar. Robyn pigarreou ao depositar a garrafa sobre a mesa e nem mesmo o som seco do vidro na madeira chamou a atenção de Winter que continuava com suas observações em silêncio. Isso perturbou a caçadora que acreditava ter, diante de si, uma das pessoas mais observadoras e tensas que conhecia…
Era algo parecido com aquela noite, quando Winter se deixou levar por um cigarro e pelo peso das responsabilidades que Robyn sabia que ela carregava, mesmo que não falasse a respeito. Robyn também observava e, geralmente, conseguia concluir coisas que a maioria das pessoas ignorava.
Se orgulhava por conseguir ler as pessoas… Só que agora, Winter Schnee parecia algo que ela não conseguia entender porque jamais tinha visto.
— Hey, rainha do gelo… — Robyn colocou um sorriso no rosto ao dizer essas palavras. Ela não sabia o que Winter queria, mas um pouco de conforto e alguns apelidos podiam deixar o ambiente mais leve. O olhar azul encontrou o arroxeado e a caçadora lançou o copo pela superfície da mesa, o vidro deslizou elegantemente pela madeira antes de ser capturado pelos dedos finos e longos. Winter deu um sorriso torto antes de levar o líquido âmbar aos lábios e Robyn contemplou o fechar de olhos dela, seguidos de um suspiro aliviado.
Bem, se Winter precisasse de uma companheira de copo, a presidente do Huntresses MC bem que precisava de doses de álcool naquela noite… E como se o seu corpo quisesse lembrá-la do que passou, a dor nas suas costas fez par àquela das suas costelas e ela precisou alongar o pescoço ao beber do copo. Dessa vez, Robyn sentiu os olhos azuis em si, mas a dona deles nada disse porque estava ocupada terminando a dose em um gole só.
Em silêncio, Robyn bebericou a sua enquanto tentava se ocupar de outra coisa. Ela não ousava olhar de novo para Winter naquele estado porque aquele dia estava confuso demais para algo bom sair dele. Porém, foi impossível ignorar os passos que se aproximavam de si. Ao olhar, a agente federal caminhava decidida com o copo vazio em mãos. Robyn se adiantou, esticando os dedos para a garrafa e encontrando algo macio e frio ao invés do vidro.
Os dedos longos e finos eram surpreendentemente fortes, mantendo a mão dela no lugar enquanto Winter percorria o fim da distância entre elas e se encostava no tampo da mesa, ela puxou a garrafa consigo e isso culminou em proximidade. Robyn sentiu seu espaço ser invadido por um perfume amadeirado que se misturava ao cheiro do álcool e ao calor da respiração junto de si. Ela, que tanto viu os olhos azuis em outros pontos naquela noite, os tinha fixos nos seus agora. A caçadora se viu cativa ao invés de perseguir, mas isso não a impediu que respirasse fundo e tentasse dizer algo. Os dedos que aprisionavam a sua mão na garrafa a libertaram e agora, o indicador entre eles estava sob os seus lábios.
Winter, sempre tão fria e impessoal, parecia ser feita de outra coisa agora. Ainda que o toque nos lábios de Robyn fosse gélido e trêmulo, ela se sentia invadida de uma forma que não permitia que a intenção dele fosse sentida de outra forma. Winter queria aquela proximidade… Ela só não sabia como pedir.
Mas Robyn era boa com pessoas e mesmo sem entender as futuras consequências daquela noite, ela permitiu que aquela avalanche a derrubasse e cedeu. Robyn beijou Winter como se pudesse fazê-la entender, entre suspiros e ofegares, que ali era um lugar para ela se deixar levar… Para que as porções quebradas encontrassem outras e tentassem se encaixar.
Mãos delicadas envolveram o colete de couro e removeram-no dos ombros largos, escorregando-os pelos braços fortes. Robyn ofegou de encontro aos lábios de Winter e mal conseguiu se desenrolar de suas roupas que eram arrancadas quando a mão fria guiou a sua para a cintura delgada, apertando os dedos junto aos seus, entrelaçando-os no tecido delicado da camisa social. Foi a vez de Robyn assumir a dianteira, puxando a camisa de dentro da calça, deslizando a boca pelo pescoço alvo e mordendo-o antes de, com a mão esquerda, tocar os cabelos brancos…
Winter tremeu junto de seu corpo e Robyn libertou os fios, massageando o couro cabeludo enquanto beijava o ponto de pulso, sugando-o levemente e lambendo até a orelha, onde mordeu o lóbulo e sussurrou fora de si:
— Você fica tão bem de cabelos soltos…
Aquela frase, dita outra vez no silêncio de uma sala com péssima acústica, não provocou o que provocou agora. Robyn, primeiro, sentiu Winter imobilizar em seus braços e quando se afastou para olhá-la nos olhos, sentiu ser puxada de volta e um abraço se fechou em seu tronco, forçando-as a permanecerem juntas mesmo diante daquele momento confuso. Robyn mordeu os lábios porque a dor em sua costela voltou a se fazer presente, mas esqueceu de tudo quando sentiu a musculatura do pescoço de Winter se flexionar e a voz dela, sôfrega, chegar aos seus ouvidos:
— Só me diga o que eu posso fazer para continuar assim nessa noite…
Quando estivesse sã, Robyn se envergonharia por ter entendido o que estava acontecendo só naquele momento. Mas como poderia não entender quando Winter praticamente desenhava o que queria naquela noite? Ela queria se sentir bem, queria se sentir pertencente a um lugar…
Novamente, Robyn ofegou porque aquilo era surpreendentemente sensual. E foi isso que a fez continuar sem se importar com o amanhã. Ela voltou a se fundir a Winter, afastando-se do pescoço dela já vermelho por toda a atividade ali. E por um breve momento, elas se olharam. Winter estava desalinhada e dessa vez, parecia natural porque havia um brilho avassalador no interior azul sempre tão gélido. E o que Robyn encontrou ali e não soube explicar a fez guiar a mão dos cabelos brancos para a curva da mandíbula, observando os lábios de Winter abrirem-se angustiados. Então, beijou-a no canto da boca e parou alguns milímetros antes para sussurrar:
— Eu só quero que você se sinta bem, que você não se segure e me deixe cuidar de você… Tá bom? Foi isso que veio procurar aqui não? Alguém que faça você se sentir bem?
Winter mordeu o lábio inferior e suspirou, acenando com a cabeça antes de se aproximar, encostando a testa junto a de Robyn. Por um momento, o calor daquele momento se perdeu naquela delicadeza, até que as duas mãos de Robyn sustentaram o rosto da outra, deslizando pelo colo, massageando os seios antes de desabotoar os primeiros botões ainda fechados. Robyn a olhava enquanto fazia isso, observando aquela mulher fria se derreter em seus toques, vendo-a inclinar a cabeça para trás quando beijou o topo dos seios antes de afastar o sutiã e envolver o mamilo brevemente com a boca. As mãos de Winter a deixaram e se fecharam na borda da mesa de reuniões, Robyn se inclinou mais em direção a ela para remover o sutiã e sussurrou junto dela:
— Eu quero continuar vendo você dessa forma, tão linda… Mas eu preciso que você me diga do que gosta, ou prefere que eu descubra sozinha?
Winter parecia no limite entre o prazer e a razão porque ela vacilou e apenas apertou as mãos na borda da mesa. Robyn observou a tensão dos movimentos, impressionada com o que as suas palavras e o seu cuidado faziam com o corpo daquela mulher. Resolveu ser corajosa e deslizou o dedo indicador no vale dos seios até chegar à cintura da calça social, ali, desabotoou o botão e desceu o zíper. O calor era perceptível naquela região e os dedos de Robyn foram em direção a ele, instintivamente, até que ela os controlou e beijou Winter de novo, afastando-se quando ela pediu mais. Um gemido a fez ofegar e Robyn mordeu-lhe o pescoço, sentindo o tremer do corpo da outra junto de si. Então, voltou a se aproximar da orelha dela e grunhiu:
— Eu gosto de ouvir todos esses sons, mas você deveria ter me respondido, meu amor…
Era cedo para falar de amor, Robyn sabia… Mas existia algo tão certo na forma como sua boca proferiu aquelas palavras e na forma como Winter reagiu, perdendo o equilíbrio por alguns momentos, antes de Robyn a segurá-la pelos lábios e virá-la, deixando que a bunda dela tocasse a sua pélvis. Winter tentou fechar as pernas, tentando saciar a necessidade de contato que tinha em seu centro e Robyn passou a mão de leve por ali, sentindo-a gemer mais alto no silêncio da sede do MC.
Era um som tão bonito e Robyn queria ouvi-lo mais vezes. Por isso, finalmente, as suas mãos tiveram piedade de Winter e deixou que elas finalmente tocassem onde deveriam. Ela encontrou o calor e a umidade de Winter no centro de tudo. As pernas delgadas se fecharam em sua mão enquanto Robyn levava a outra a um seio e o massageava. Winter se contorceu, inclinando-se de encontro à sua frente e elas, meio sem querer e como se simplesmente tivessem a localização precisa uma da outra, se encontraram em um beijo torto e desesperado.
Robyn sufocava os gemidos de Winter com beijos e sentia o arranhar em sua nuca enquanto a mantinha no lugar e tentava obedecer ao ritmo com o qual era presenteada. Em algum momento, ela se afastou e tentou se apoiar na mesa, Robyn abriu os olhos para a ausência de contato e encontrou o reflexo da janela. As duas imersas naquele prazer avassalador que precisou do inferno para chegar ao êxtase. A caçadora engoliu em seco porque a mulher no reflexo, cativa em seus braços, parcialmente nua e exposta para a noite, era a mais bonita com a qual esteve… E mesmo naquela beleza gélida e estonteante, existiam marcas que se perdiam na superfície, que se mostravam a cada momento que ela se impedia de gemer por prazer, a cada dia que ela acordava e amarrava aqueles cabelos lindos, a cada segundo que ela precisava ouvir que era boa porque não mais acreditava nisso…
Winter Schnee se entregava ao prazer em seus braços, tão intensa e tão visceral e ainda assim, tão danificada que, mesmo ali, Robyn sentia uma imensa necessidade de avançar contra Jacques Schnee e o matar, não pelo que aconteceu com ela naquele dia e sim, pelo que ele fez a mulher que desvanecia em seus braços, que se entregava ao frio para não sentir aquele tipo de coisa que elas dividam o tempo todo…
Winter queria se sentir bem e boa de novo, Robyn queria que ela enxergasse como era vista por seus olhos arroxeados. Por isso, a caçadora desacelerou os movimentos, sentindo o corpo todo de Winter se tencionar. A outra pensava que estava sendo punida, mas Robyn a daria algo mais naquela noite… E se aquele fosse o único momento delas, que fosse algo que Winter se lembraria para sempre e que girasse a chave dentro dela. Por isso, se inclinou sobre ela, mordendo-lhe a orelha antes de sussurrar carinhosa:
— Abra os olhos, meu amor… Eu quero que você veja quão linda você é de verdade.
Não era uma ordem, mas Winter abriu os olhos lentamente, se esforçando para enxergar além da névoa de prazer. E quando os olhos azuis no reflexo encararam aqueles entre os braços de Robyn, houve um segundo em que o mundo pareceu girar mais devagar… E Robyn arriscou, se fosse para aquela mulher ser sua, que fosse por inteiro e por isso, ela disse ao ouvido dela:
— Boa garota...
Mas não houve chance para que as duas pudessem entender o que acabou de acontecer. Os movimentos foram retomados, a escalada de prazer culminou em êxtase e Winter Schnee desabou sobre o tampo da mesa de decisões do Huntresses MC.
Ela tremia e Robyn se inclinou sobre ela, afastando o tecido da camisa para beijar os ombros magros, depois a nuca até dar o tempo suficiente para que ela se recompusesse. Winter demorou alguns segundos antes de se erguer e quando o fez, Robyn enxergou a bochecha corada, mas não viu os olhos. Sabendo que Winter a observava por entre os cabelos soltos através do reflexo, Robyn retirou os dedos de dentro dela, lambendo-os enquanto olhava para o vidro.
Winter virou a cabeça e abraçou os ombros, parecendo menor do que era e respirou fundo antes de gaguejar:
— Eu… Eu… O que eu… O que eu posso fazer por você?
Aquela não era uma noite para sentimentos, pelo menos, não para aqueles que não ousavam falar. Robyn sorriu quando terminou de chupar o último dos dedos e abraçou Winter pelas costas, desfazendo o nó dos braços cruzados. Então, virou-a e os olhos azuis estavam em si, mais claros e em paz, mesmo que a dona deles estivesse uma bagunça. Então, Robyn tirou o coldre corporal, jogando-o no encosto da cadeira para, em seguida, tirar o moletom e se revelar somente da cintura para cima.
O olhar elétrico chegou aos arroxeados nas suas costelas, mas Robyn impediu que ela perguntasse ao beijá-la, então, entrelaçou a mão a dela e se sentou na cadeira que anteriormente, lhe deu dor de cabeça naquela noite, para sussurrar charmosa:
— Você pode começar vindo até aqui para nós duas descobrirmos o que mais você gosta.
Winter riu de lado e encolheu os ombros, antes de se encaixar entre as pernas de Robyn e permitir que ela beijasse o seu abdômen enquanto mordia os lábios e inclinava a cabeça para o teto, o prazer voltando a ser construído dentro de si… Robyn percebeu a mudança no corpo da mulher que acreditava ser feita de gelo. Então continuou a beijá-la até tê-la, novamente, derretida em seus braços em uma névoa de prazer e cuidado.
…
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