1856
Terras do Clã Real Jeon
Castelo Eodum-ui Nalgae(Asas da Escuridão)
Apesar de estar no meio da Primavera, o vento soprava frio e constante naquela região montanhosa, a majestosa construção neogótica de pedra se erguia em direção ao céu noturno com torres altas e pontudas, se destacando entre a vegetação vistosa do terreno rochoso onde se localizava e as trepadeiras selvagens que se agarravam aos muros altos.
Ruídos de ferraduras contra o chão calçado de pedras do pátio de entrada principal do castelo imponente ecoavam na noite, enquanto nobres chegavam em carruagens intrincadas, ostentando luxo em suas vestes de tecido caro delicado.
Todos tinham um interesse e curiosidade em comum, visitar o palácio famoso pela exuberância e o seu misterioso proprietário recluso. Todos estavam ansiosos por enfim conhecer o jovem governante da província próspera em que residiam.
O príncipe da Província Everlasting, herdeiro único do monarca do Principado de Jeon, estava dando um baile de comemoração. O jovem Jungkook completava a maioridade e abria os portões de sua residência, pela primeira vez em séculos o palácio magnífico e antigo receberia os súditos do estado-nação.
E após quase um dia de viagem de carruagem, Yoongi que acompanhava os dois meios irmãos e amigos, Hoseok e Jimin, espiava pela janela da carruagem a paisagem exótica. O caminho era estreito até o castelo e cercado por águas de um braço do mar azulado, o Min observou fascinado.
Já no interior luxuosíssimo do palácio extravagante, o Min tombava a cabeça para trás admirando a fileira ofuscante de lustres de cristais presos no teto alto demais do corredor extenso que dava para o Salão de Bailes e murmurou um "Estão vendo isso?" para os dois amigos, mas foi ignorado pelos dois irmãos ocupados em discutir entre si.
— Não sei porque tive que vir...–Jimin resmungou chateado.— Ninguém se importa se eu venho ou não, sou apenas o bastardo do antigo Conde.
— Ah, não diga isso, irmãozinho!–Hoseok o agarrou com ambas as mãos por baixo das axilas como se segurasse uma criança ou um animalzinho de estimação, ao erguê-lo do chão momentaneamente, tirando o irmão caçula emburrado da passagem na entrada do Salão de Bailes.— Eu me importo e o Yoongi também! Acho que alguém aqui está precisando de uma pílula do sorriso!
O Jung brincou bem humorado, avançando um passo e jogando um braço sobre os ombros do mais novo ao usar a outra mão para apertar e puxar a bochecha saliente de um lado do rosto andrógino e bonito do Park, fazendo-o fazer uma careta aborrecida manhosa e formar um beicinho mal-humorado nos lábios carnudos feito uma criança ao se livrar finalmente do irmão mais velho.
— Está reclamando de quê, Jimin-ah?–Yoongi retrucou provocador, enquanto o Jung se aprumava e se afastava retribuindo o cumprimento que recebera de uma senhora nobre.— Pelo menos você é o bastardo, eu sou apenas o criado pessoal do novo Conde.
— Mas você não se importa e o Hobi-hyung te trata como mais do que só um criado.–Jimin rebateu de forma infantil, mantendo o beicinho nos lábios carnudos ao cruzar os braços.— Detesto que fiquem me olhando torto, Yoongi-hyung.
— Ah, Jiminie, você é tão bebê chorão!
Yoongi cantarolou sorrindo debochado, ao mesmo tempo em que bagunçava os fios negros do rapaz dois anos mais jovem. O Park afastou a mão zombeteira de seus fios com um tapa e o Min riu divertido, antes de se virar para seguir o jovem conde de vestes elegantes que seguia salão adentro cumprimentando outros convidados da nobreza.
O rapaz mais jovem permaneceu no mesmo lugar de braços cruzados, com expressão frustrada nas belas feições andróginas e observou atentamente de longe o Min sorrindo alegre por estar ao lado do seu meio-irmão, enquanto avançavam entre os convidados para cumprimentar o príncipe governante da região.
Bufando em irritação, o Park se virou dando as costas e se afastou daqueles que considerava esnobes. As pessoas sempre o olhavam de cima, como se fosse inferior por ser apenas um bastardo e não ter sangue azul puro. Portanto, não percebeu que os olhos redondos e escuros do herdeiro de Jeon o observavam com interesse até perdê-lo de vista no corredor.
Enquanto Yoongi, que sorria tranquilo, sentiu o sorriso morrer ao olhar para o príncipe, um jovem alto mas aparentemente quatro anos mais jovem. Todo o seu corpo reagiu em reconhecimento com aquela presença e o paralisou, fazendo-o estancar no lugar subitamente. A sua mente se sobrecarregando com o misto intenso de sensações que o tomou sem aviso.
Sentia que conhecia aquela pessoa, embora nunca o tivesse visto em sua vida e por um momento, a sua visão turvou se desfocando. As rosas rubras como o sangue enfeitando o salão em arranjos vistosos lhe trouxe a lembrança dos olhos escarlates que pertenciam ao lobo negro robusto o qual encontrou em duas ocasiões ainda na infância.
A imagem do rapaz alto atlético de asas duplas elegantes de seus sonhos se mesclou ao jovem príncipe, fazendo-o levar a mão à testa com a sensação vertiginosa que o acometeu com intensidade. Enfiando os dedos pálidos e magros entre os fios escuros que caíam sobre a sua testa, Yoongi semicerrou os olhos bastante puxados, tentando se recompor do choque e do mal estar.
Arfou perturbado, sentindo o coração bater frenético e uma gota de suor frio escorrer por sua fronte. Só poderia estar completamente insano se cogitava que o príncipe governante de Everlasting era o mesmo rapaz de asas o qual havia chances de ainda ser um vampiro. Um garoto da realeza e um ser sobrenatural não possuíam nenhuma similaridade.
Isto é, se o que aconteceu tiver sido real e todo o ataque que sofrera com o demônio da noite não fora apenas alucinação criada por sua insanidade. Não tinha certeza e nem como comprovar que algo havia acontecido, pois mesmo quando visitou o local do ataque no dia seguinte não havia nada fora do normal, nenhum vestígio de que estivera ali durante a madrugada.
Observou petrificado o príncipe sorrir abertamente mostrando dentes bem alinhados e brancos com dois dentes dianteiros notavelmente maiores, fazendo a sua mente associá-lo de imediato à um coelho. Embora, se viu preso pelos olhos redondos de orbes escuros que brilhavam brincalhões com infantilidade cativante.
Poderia ser um príncipe que um dia herdaria a Coroa do principado, mas continuava sendo apenas um garoto de dezessete anos adorável que parecia tímido em receber atenções e ser bajulado por seus súditos. Como podia sequer pensar em associá-lo à um jovem mais velho de aura sensual e características sobrenaturais?
O sorriso alegre que era dirigido aos nobres convidados se desfez gradualmente nos lábios bem delineados do jovem príncipe quando o mesmo se voltou em sua direção e os olhos inocentes se tornaram sérios e intensos quando pousaram em si, mirando-o longamente. Prendeu a respiração sem saber o que fazer, sentia-se preso em uma armadilha, embora tampouco fizesse sentido.
— Yoongi.–A voz rouca de Hoseok o arrancou de maneira brusca do transe, trazendo-o atordoado de volta a si e se virou para o melhor amigo que o fitava com um misto de preocupação e estranheza.— Tem algo errado? Você não está se sentindo bem? Sente fraqueza ou está-...?
— Ah...Eu estou bem...–Yoongi balbuciou aturdido, tranquilizando o melhor amigo e balançou a cabeça em uma tentativa de espantar a névoa em sua mente.— Eu estou muito nervoso, eu acho.
Mentiu com um riso fraco e engoliu com dificuldade, piscando os olhos bastante puxados, antes de virar o rosto em outra direção.
— Está se saindo muito bem, não se preocupe tanto. Já eu não sei se aguentarei o tédio até o final da noite.–Hoseok brincou apesar da honestidade, sorrindo divertido.— Esses eventos costumam ser maçantes.
— Então não está nervoso para conhecer o príncipe?–Yoongi investigou curioso.
— Eu estava.–Hoseok admitiu rindo sem jeito e indicou o jovem príncipe que havia voltado a atenção para os outros convidados.— Mas olha só para ele, parece muito mais jovem e não perde um fio de compostura lidando com elegância com todas essas pessoas o pressionando.
— Acho que ele está nervoso também.–Yoongi comentou em um murmúrio, observando o príncipe interagindo com os nobres.— Só deve estar escondendo bem isso.
— É disso que eu estou falando!–Hoseok riu bem-humorado.— Preciso melhorar a minha atuação! Talvez eu possa pedir umas dicas para ele!
O Jung exclamou com tom divertido e o Min acabou por sorrir de forma meiga para o amigo, antes de segui-lo quando este se moveu para continuar a caminhar na direção do príncipe cercado de nobres no centro do ostensivo Salão de Bailes do palácio.
— Vossa Alteza.–Hoseok cumprimentou com uma reverência o jovem príncipe que voltou à atenção para o Jung.
— Conde Jung...–O rapaz de cabelos lisos castanhos murmurou apertando a ponte do nariz entre os dedos como se estivesse buscando o nome na memória, ao apertar os dentes juntos e murmurar pensativo, antes de estalar os dedos em animação.— Conde Hoseok da Casa Jung!
— Vejo que andou decorando os nomes dos nobres do Principado, Alteza.
Hoseok comentou com um sorriso largo divertido, relaxando visivelmente diante da postura amigável e infantil daquele que deveria ser o intimidante governante da província.
— Sim, é difícil me lembrar de todos.–O príncipe concordou sincero com um sorriso tímido e os orbes escuros brilhando em divertimento.— Não sei como as pessoas conseguem.
— Eu vivo me perguntando isso!–Hoseok admitiu com uma risada bem-humorada, satisfeito em encontrar alguém com quem se identificasse.— Mas tenho certeza que Vossa Alteza consegue se sair muito melhor do que eu.
— Não tenha tanta certeza disso.–O jovem príncipe riu também parecendo genuíno e estendeu a mão para o Jung.— Me sinto estranho quando me chamam de Alteza, me chame apenas de Príncipe Jungkook.
— Pode me chamar de Hoseok então, e é um prazer, Príncipe Jungkook.–Hoseok devolveu o aperto de mão de forma amigável, ainda sorrindo, antes que a atenção do herdeiro de Jeon se voltasse para a pessoa ao seu lado.
— E este é o seu acompanhante?
Jungkook indagou com um tom risonho e um brilho de divertimento nos orbes escuros que Yoongi não entendeu, mas o fez franzir levemente as sobrancelhas escuras.
— Ah, este é o meu servo.–Hoseok indicou com um sorriso desconcertado o Min.— Não é o meu acompanhante, é o meu criado pessoal e um amigo...Muito querido.
— Oh, entendo...–Jungkook murmurou manso, mirando intensamente os orbes castanho médio dos olhos bastante puxados do Min que sorria minimamente, sentindo-se inegavelmente desapontado pelas palavras do Jung.— Peço desculpas pelo meu engano.
O jovem príncipe se retratou sem desviar os olhos do rapaz de pele porcelana, que acabou se distraindo da decepção ao perceber o olhar fixo e intenso do rapaz mais novo. Yoongi entreabriu os lábios delicados e sustentou a mirada fixa do jovem de cabelos castanhos escuros, por um instante sentiu-se ser absorvido pela profundidade dos olhos tão escuros que brilhavam vivazes.
— É...Então...?–Hoseok começou desconfortável ao olhar de um para o outro e deu um de seus típicos sorrisos radiantes ao prosseguir com tom mais casual.— Se me permite a curiosidade, por que decidiu dar essa festa grandiosa tão de repente, Príncipe Jungkook?
— Posso ser honesto?–O jovem príncipe indagou com um sorriso tímido nos lábios bem delineados.
— Não se contenha!–Hoseok exclamou animado, achando o rapaz de cabelos castanhos escuros, aparentemente alguns anos mais jovem, adorável pela timidez.
— Não estava mais suportando o tédio.
O príncipe admitiu com um brilho enigmático nos orbes escuros e soltou um riso divertido em seguida, sendo acompanhado pelo jovem conde Jung com uma risada genuína desta vez, enquanto o Min se limitou a sorrir levemente de forma polida.
Após alguns minutos de conversa casual animada, o Jung se afastou relutante devido à sua obrigação de interagir com outros convidados e Yoongi se virou para segui-lo de imediato, era o seu dever estar sempre perto para servi-lo, caso fosse necessário.
— Espere!–O príncipe Jeon pediu com urgência e o Min se deteve bastante surpreso.— Desculpe, não foi a minha intenção te assustar. Mas deixou algo cair.
O Jeon se abaixou com elegância e se ergueu segurando um par de luvas brancas. Yoongi tateou os bolsos do casaco branco estampado que vestia, percebendo que estes estavam vazios e abriu a boca em um "o". Era só o que lhe faltava, ser um péssimo criado derrubando os pertences de seu Lorde na frente de ninguém menos que o Príncipe herdeiro da península que residiam. Se repreendeu constrangido.
Aparências eram tudo o que importava naquele mundo de luxo e títulos e havia regras rígidas, etiqueta a ser seguida, não só por nobres, mas por aqueles que os serviam. Sabia disso desde o início quando aceitou a oferta de emprego do amigo de infância e prometeu à si mesmo não constrangê-lo com falta de modos ou sendo estabanado.
— O-Obrigado, Alteza.–Yoongi murmurou envergonhado, se curvando ao apanhar as luvas.
— Me chame de Jungkook, Yoongi.–Jungkook pediu com um sorriso leve, enigmático.
— Como você sabe o meu nome?
Yoongi indagou intrigado, mirando com surpresa o jovem príncipe. Realezas não se importavam em conhecer os nomes de servos ou plebeus, já tinham muito com o que ocupar as suas memórias com estudos sobre política, estratégia de governo entre outras coisas, além de terem que aprender por obrigação nomes de nobres e realezas do país em que viviam e de outras nações para evitar um constrangimento ou acidente internacional.
— Não foi assim que o Hoseok-hyung se dirigiu à você?
Jungkook rebateu com um sorriso tranquilo, embora os seus orbes escuros possuíssem um brilho de divertimento como se desafiasse o jovem criado à desmascará-lo, enquanto o Min abaixava a cabeça com as bochechas se tingindo de rosa forte pela resposta que lhe parecia óbvia.
Yoongi lutou para se lembrar se Hoseok havia mencionado o seu nome, a sua mente insistindo em afirmar que estava certo e que o Jung não havia mencionado o seu nome em momento algum perto do príncipe legítimo da coroa, antes de perceber que novamente havia deslizado por falar tão informalmente com o príncipe herdeiro do Principado.
Nesse ritmo, acabaria causando problemas sérios para o melhor amigo e a família Jung, a qual o jovem que carregava o título de conde pertencia, e isso era a última coisa que desejava. Depois de tudo o que Hoseok e Jimin haviam feito por si, após a perda trágica da sua família, acolhendo-o e o ajudando a manter viva a chama da vida, queria retribuir tudo e não os prejudicar.
— E-Eu sinto muito, não tive a intenção-...–Yoongi balbuciou nervoso.
— Está tudo bem, Yoongi.–Jungkook o interrompeu com tom manso.— Não se preocupe tanto com formalidades.
O jovem príncipe o tranquilizou com um sorriso leve tímido, mirando-o com os orbes castanhos escuros brilhando enigmáticos. Todavia algo parecia estranho para o Min, como se o herdeiro Jeon estivesse apenas encenando, não a gentileza, mas a persona tímida e inexperiente que via à sua frente.
— Fico grato pela compreensão, Vossa Alteza.–Yoongi disse sério, decidindo seguir a etiqueta e ser agradecido com o fato do príncipe não ter se ofendido.
— Sem mais melindre, desejo que sejamos amigáveis.–Jungkook ofertou estendendo a mão ao plebeu, fazendo o Min arregalar os olhos bastante puxados em choque e apertar a sua mão sem luvas de forma hesitante.
— Se assim deseja, Alteza.–Yoongi murmurou, forçando um sorriso cortês.
— Sim e espero ter o privilégio de vê-lo mais vezes.–Jungkook afirmou direto e honesto, embora um brilho cínico estivesse presente nos seus orbes castanho escuros.— Foi um prazer conhecê-lo oficialmente, Yoongi.
O Jeon confidenciou com tom baixo e manso da sua voz harmoniosa, mas não teve tempo de refletir sobre as palavras subliminares do príncipe, pois sentiu os dedos do mesmo afrouxarem ao redor da sua mão para segurá-la com delicadeza ao virá-la, deixando a palma para baixo ao segurar os seus dedos finos compridos entre os levemente bronzeado. E antes que reagisse a sua mão era erguida à altura do rosto do herdeiro de Jeon.
Yoongi petrificou quando o jovem príncipe segurou galantemente a sua mão para beijar suavemente as juntas de seus dedos anelar e médio que se uniam ao dorso pálido. Os olhos escuros hipnóticos permaneceram fixos nos seus, mirando-o intensamente, enquanto sentia o calor e a textura acetinada dos lábios avermelhados do jovem príncipe acariciar a sua pele. Movendo em choque cru os lábios em um "o", sem voz, o Min arfou em incredulidade, momentaneamente sem reação.
— Sinto muito, acabei sendo inapropriado...–Jungkook se retratou com um sorriso tímido, abaixando a mão do rapaz mais velho, embora ainda não a tivesse soltado.— É que as suas mãos são tão brancas e a sua pele parece tão suave...Não se parecem nada com as mãos de um criado.
O Jeon comentou casualmente, deslizando suavemente o polegar pelo dorso dos dedos do jovem plebeu. Yoongi sentiu as bochechas esquentarem e após se recuperar do choque, olhou desconcertado ao redor, percebendo os cochichos e olhares indiscretos dos nobres. Afinal, não era uma Santidade, tampouco uma donzela para que lhe beijassem a mão.
Era impensável um homem beijar a mão de outro, ainda mais um príncipe beijar a mão de um criado. Era escandaloso.
— E-Eu...Oh...O-Obrigado, eu acho...–Yoongi agradeceu embaraçado, olhando de esguelha com um sorriso envergonhado, que exibia a sua gengiva rosada, o príncipe que também aparentava timidez.— Vossa Alteza é muito gentil.
— Príncipe Jungkook, deveria se comportar de acordo com a sua posição.–A voz unissex em tom seco e recriminador de Jimin, interrompeu a atmosfera embaraçosa.— O que todos pensarão desses seus modos peculiares com outros cavalheiros?
— Jiminie...
Yoongi murmurou surpreso, sentindo a névoa entorpecente em que se encontrava se dissipar da sua mente. Sequer havia percebido a aproximação do Park. Embora, admitiu secretamente estar agradecido, pois sentia que o jovem príncipe estava se divertindo às suas custas e se comportando como bem entendia, apenas para causar comoção, como uma autêntica criança mimada entediada.
— Estou experimentando e os modos da corte não estão me agradando muito, tampouco me importo com o que pensam de mim.–Jungkook disse indiferente, soltando finalmente a mão do Min que suspirou em alívio instintivamente.— Então não precisa se preocupar com a minha reputação, Sr....
— Park, Park Jimin.–Jimin adicionou de imediato com tom descrente pelas palavras indiferentes do jovem príncipe e prosseguiu com expressão desdenhosa.— Então está dizendo que não vê necessidade em seguir as regras impostas por Vossa Alteza Real e vosso pai ou as leis sagradas da Santa Fé? Se acha superior à todos nós ou apenas julga a nossa opinião irrelevante, Vossa Alteza?
— Eu diria que é a segunda opção.
Jungkook respondeu tranquilo, sem nenhum resquício da timidez ou polidez de segundos atrás. Dizendo sem rodeios que achava a opinião das outras pessoas sem importância. Yoongi observou atentamente com estranheza e desconfiança, o rapaz tímido e que chegou a achar adorável minutos atrás, havia desaparecido por completo em um piscar de olhos.
— Oh, é mesmo?
Jimin retrucou sarcástico, erguendo as sobrancelhas bonitas e encarando penetrante o jovem príncipe que aparentava ser ainda dois anos mais novo que o Park.
— Mesmo.–Jungkook confirmou com tom casual e indiferente, mostrando petulância.
— Mas que interessante.–Jimin replicou irônico. Pirralho petulante estava escrito nos orbes castanhos bonitos, embora o Park não tivesse vocalizado, Yoongi sabia o que Jimin diria se pudesse.— Por que não conversamos mais sobre essas suas opiniões irreverentes, Vossa Alteza?
— Vossa Alteza e o Jovem Mestre parecem estar se entendendo muito bem e se me permitem, eu devo retornar para o lado de Sua Graça.
Yoongi interrompeu a discussão com tom neutro e formal, se referindo aos amigos pela forma de tratamento que se devia a um filho da nobreza e um conde, fazendo uma breve reverência para ambos os jovens atraentes e se afastou em seguida.
Jimin assistiu contrariado o Min se aproximar do Jung que sorria polido conversando com outro nobre. No entanto, Hoseok se voltou de imediato para o criado e amigo com um sorriso brilhante, parecendo aliviado em tê-lo ao seu lado e logo foi retribuído pelo Min com um sorriso leve doce que mostrava os dentes curtos do rapaz mais baixo.
O Park apertou os lábios carnudos juntos em frustração evidente, franzindo as sobrancelhas bonitas em irritação e desviou o olhar penetrante do irmão e do Min, sem esconder o seu descontentamento. Distraído demais por seu próprio ciúme, nem percebeu o sorriso cínico e o brilho de divertimento nos olhos redondos e escuros do jovem príncipe, quando este deu meia volta.
— Entendo porque está apaixonado, o Yoongi é realmente bonito.–A voz do jovem príncipe o trouxe de volta à realidade e o Park encarou chocado o Jeon.— Ele é bonito por fora, mas eu me refiro à como ele é bonito por dentro. O Yoongi é doce e tem uma sensibilidade essencial para esse mundo, por isso ele se destaca facilmente dentre todas essas pessoas.
— Como você…?–Jimin balbuciou estupefato.
— Ainda por cima, o Yoongi é adorável quando sorri, você não acha?–Jungkook continuou, ignorando o choque do Park ao olhar para o Min e sorriu de canto provocativo, voltando o olhar de esguelha para o moreno mais baixo.— Não precisa responder, eu sei que você concorda comigo em tudo o que eu disser de bom sobre o Yoongi, Jimin-ssi.
— Não sei do que está falando.
Jimin retrucou defensivamente e engoliu em seco, chocado e nervoso demais para pontuar as palavras gentis e lisonjeiras do príncipe em relação ao Min. O Park apertou contrariado as mãos bonitas fechadas em punhos, tentando esconder o tremor nestas e sentiu as palmas úmidas de suor.
Sabia bem o que acontecia com aqueles que se desviavam dos princípios sagrados da Fé Católica Romana. E um homem apaixonado por outro? Isso era um pecado imensurável. Poderia até escapar de um julgamento por ser abastado e bastardo de um conde não menos, mas Yoongi acabaria sofrendo as consequências pela relação considerada pecaminosa que mantinham em segredo.
Nunca se perdoaria se algo acontecesse à Yoongi por sua causa. E isso tudo, sem mencionar os problemas do Min que deveriam ser mantidos à sete chaves e poderiam vir à tona com o relacionamento proibido de ambos sendo descoberto, colocando ainda mais a segurança de Yoongi em risco. Qualquer passo em falso que desse estaria assinando a sentença de morte de Yoongi.
— Ah, não precisa negar.
Jungkook disse soltando um risinho divertido, parecia achar graça da sua situação. Pouco Jimin sabia que o engraçado para o Jeon, era o fato do Park se preocupar com a "imoralidade" que estava vivendo e as consequências dela pelas mãos daqueles que se julgavam aptos para condenar pessoas como pecadores sem salvação. Hipocrisia humana sempre o divertia.
— Fique calmo, eu vejo claramente que tem sentimentos por ele e pouco me importo com essa "imoralidade".
O Jeon prosseguiu risonho, fazendo aspas com os dedos e chegando a soltar o início de um riso, mas pareceu se conter para não rir divertido, enquanto o Park o encarava em completa incredulidade.
Afinal, o que havia de errado com aquele garoto? Jimin questionou mentalmente sentindo-se angustiado, mas menos desesperado ao saber que corria menos riscos do que supôs à principio.
O Park desviou o olhar contrariado, sentindo a inquietação redobrar. Sempre deixava muito claro para qualquer um que o visse a sua adoração por Min Yoongi. Não conseguia evitar, era assim desde que eram crianças e esse era um dos principais motivos que faziam com que todos da nobreza o olhassem com superioridade.
O filho bastardo do falecido Conde Jung era apaixonado pelo filho de antigos servos do Castelo Gidae. E não era como se esperassem algo diferente de si, era um bastardo afinal, porém isso era apenas um motivo adicional para que fosse ainda mais desprezado e repudiado pela alta nobreza.
— Mas sabe, Jimin-ssi?–Jungkook o arrancou dos pensamentos amargos e inquietantes, se dirigindo outra vez ao Park de maneira formal que soava brincalhona e infantil.— Eu não me apegaria tanto ao Yoongi se fosse você. Você e ele? Isso nunca dará certo.
— O quê...?
Jimin murmurou em um sopro de voz. Estava chocado e alarmado com a afirmação repentina e audaciosa do jovem príncipe. O que ele poderia saber? Por que aquele garoto atrevido, praticamente uma criança, estava cuspindo aquela verdade em sua cara?
— Não precisa parecer tão magoado.–Jungkook disse casualmente com indiferença.— Você também é muito bonito, bonito até demais, eu tenho que dizer. Não vai ter dificuldades de encontrar uma pessoa que seja mais adequada para você.
— Você...
Jimin murmurou estupefato e franziu as sobrancelhas em irritação, se esforçando para não se render à vontade de agarrar aquele principezinho arrogante pelo colarinho e sacudi-lo, antes de jogá-lo em direção à parede. Decidindo manter a sua dignidade e não acabar preso e executado pela Guarda Real por agredir Sua Alteza, deu meia volta e deixou o Salão de Bailes sem olhar para trás ou ter um segundo pensamento.
Não pertencia àquele lugar e era melhor ir antes que causasse problemas reais para Yoongi. Por ora iria para os seus aposentos preparados na ala de hóspedes do palácio Eodum-ui Nalgae, nos quais estava temporariamente instalado junto com Hoseok e onde permaneceriam pelos próximos dias como convidados na corte do herdeiro da Coroa de Jeon. Haveria um banquete de comemoração após o baile e duraria pelo menos dois dias.
[...]
Yoongi estava se esforçando, estava mesmo tentando prestar atenção à conversa fútil que se desenrolava em sua frente e se remexeu incomodado ao receber o enésimo olhar julgador naquela noite. Após o espetáculo do príncipe, a maioria dos convidados o estudavam com olhares cheios de presunção e julgamento, ainda que não ousassem dizer uma palavra a respeito perto de si, devido à postura rígida e as feições fechadas do Jung.
Pois abaixo do príncipe herdeiro, o título de conde era o terceiro de maior poder, ficando atrás apenas dos títulos de Duque e Marquês. Com o Conde Jung mostrando ter simpatia pelo criado, nobres abaixo, de título ou não, não se atreveriam a dizer algo correndo o risco de aborrecer um dos nobres mais poderosos do Principado e o responsável por grande parte dos acordos comerciais de Jeon.
Distraído, a atenção dos seus orbes castanho médio foi capturada por uma figura alta de madeixas compridas douradas. Não, não era possível, o demônio de asas que o atacou não estaria ali. Deveria ser um nobre, mas...O corpo esguio, a forma como as madeixas de comprimento médio loiras caíam pelo pescoço até quase a altura do ombro eram idênticas ao do vampiro que bebeu de seu sangue.
Automaticamente, levou a mão até o lenço azul marinho enrolado em seu pescoço, escondendo as marcas ainda visíveis da mordida singular. Era quase como se esta reagisse à presença daquele que a deixou, só podia estar delirando. Vencido pela ansiedade e em um impulso, se afastou discretamente do Jung e praticamente correu atrás da pessoa que se dirigia às portas duplas gigantescas do Salão de Baile, prestes a deixar o cômodo colossal luxuoso.
Saindo também pela porta, Yoongi olhou freneticamente pelo corredor largo à procura do rapaz loiro e o avistou metros à frente virando uma curva para outra parte do castelo. Se encontrando no corredor vazio, disparou em uma corrida desesperada em uma tentativa de alcançar o nobre que o lembrava tanto a criatura da noite que o atacara.
Mais uma curva e mais outra, já nem sabia para onde ia ao seguir ofegante o jovem atraente de aura ludibriante que apesar de estar apenas andando, se distanciava cada vez mais, independente dos seus esforços. Ouvia as solas de couro das suas botas produzirem ruídos abafados no chão marmorizado impecavelmente polido, ecoando no palácio extravagante e diminuiu a corrida desesperada, arfando sem fôlego ao perder de vista o loiro.
Se não estivesse tão imerso em perseguir o suposto sósia do demônio da noite, teria parado para pensar que não era comum não ter encontrado nenhum guarda pelos corredores do castelo. Afinal, onde estavam os vigias da guarda real que viu posicionada em cada canto do castelo quando chegou para o baile com Jimin e Hoseok?
No entanto, o que passava em sua mente era como alguém andando alguns metros à frente ainda poderia superar alguém correndo. Poderia não ser o mais atlético, mas era sem dúvidas ágil. Dúvidas plausíveis, mas ainda desatentas e ao virar o rosto para o lado percebeu à sua direita que havia uma saída e que uma das bandas da porta dupla robusta estava entreaberta.
Ignorando o alerta em sua consciência que lhe dizia ser uma armadilha, o Min se aproximou vagarosamente e ainda cheio de ansiedade, e agarrou a alça quadrada dourada entre os dedos pálidos, antes de empurrá-la, abrindo mais a porta. A corrente forte e fria de vento o cumprimentou, despenteando vigorosamente os seus fios escuros e sedosos.
Entreabrindo mais os lábios finos delicados em surpresa, Yoongi avançou alguns passos no que parecia ser uma varanda extensa com cadeiras de descanso, mesa redonda para chás e arranjos de plantas exuberantes enfeitando o local aberto. Pestanejou ao encarar parcialmente a paisagem surreal diante dos seus olhos e se aproximou do parapeito esculpido da varanda para ver melhor.
Soltando um som de surpresa, sentiu a visão turvar e a tontura o atingir ao perceber a altura em que estava. Era muito mais alto do que estava acostumado, mesmo a torre mais alta do Castelo Gidae não chegava a ter metade da altura a qual se encontrava agora. Encarou a falésia de terra rochosa a esquerda, a encosta vertical desta até a escuridão das águas que formavam uma enseada, onde as ondas se chocavam contra os rochedos ao pé com o balanço da maré.
O vento soprava frio e zumbia em seus ouvidos, mas sentia uma sensação de liberdade indescritível o tomar arrepiando os pelos de seu corpo ao admirar a paisagem de tirar o fôlego. A Lua cheia prateada parecia maior do que já vira em toda a sua vida, brilhando soberana no alto do céu noturno e o luar pálido luminoso banhava a superfície do mar até se perder no horizonte, cintilando nas ondulações das ondas calmas no momento.
Se inclinou para ver melhor a geografia, estava escuro, mas pôde ver o terreno elevado em que o castelo se encontrava e à beira de um penhasco que terminava em uma ponta rochosa. O palácio foi construído sobre um terreno rochoso suspenso metros acima das águas do braço de mar. Prendendo a respiração, se sobressaltou quando um grasnar de corvo, familiar e ruidoso, soou vindo da lateral da varanda.
Ergueu rápido o corpo, quase se desequilibrando, para olhar a direção do som e franziu o cenho, sentindo a tensão em seu corpo ao se deparar com o que tanto temia. Um corvo negro vistoso estava pousado no parapeito de pedra à poucos metros de si. A sensação arrepiante estava lá outra vez e sentia olhos predatórios o observando, mas tudo o que via era a ave agourenta.
Como pôde negligenciar o que aconteceu a si? Como pôde pensar que foi apenas um pesadelo? A sensação que sentia agora era bem real e graças à Jimin sabia que aquela ave não deveria estar ali naquela hora da noite. Todavia, graças à sua imprudência mais uma vez se encontrava vulnerável. A sua consciência lhe recriminava mais uma vez por ser tão impulsivo.
Embora tudo o que poderia fazer agora era fugir, ao sentir o vento soprar mais forte e se assustou quando a força do vento frio fechou com um baque alto as portas duplas. Em pânico, correu até a porta e lutou para abri-la, se desesperando ao perceber que não cediam e pareciam estar trancadas.
O corvo grasnou mais uma vez e por mais insano que lhe parecesse, soava como um alerta. Respirando ofegante, se virou para trás, olhando frenético pela varanda extensa, percebendo sombras se insinuando nesta e as tochas nas paredes laterais e atrás de si tremularem com o vento antes de se apagarem completamente.
Inconscientemente, levou a mão ao pescoço, onde os dois furos ainda se cicatrizavam. Como pôde se esquecer do seu próprio temor? Do terror que experimentara há apenas algumas noites atrás?
O ruído alto das portas duplas se abrindo repentinamente atrás de si o assustou a ponto de sentir perder o ar e a sensação de asfixia o tomar, ao se virar em pânico, puxando o fôlego de forma errática com dificuldade, para enfrentar o seu predador.
— Yoongi.
A voz singular e harmoniosa do príncipe de Jeon quebrou bruscamente a atmosfera aterrorizante ao pronunciar o seu nome em tom sério e Yoongi pestanejou ao ter diante de si o jovem de madeixas lisas castanhas. Boquiaberto, permaneceu estático, sentindo o seu coração bater ruidoso de forma acelerada.
— Como encontrou esse lugar?–Jungkook indagou sério, mostrando curiosidade genuína.
Todavia, estava muito atordoado para sequer formar palavras. Sentindo-se inseguro com a sensação de alívio que o tomou com a presença do príncipe e com o seu mal estar que se dissipava, se virou para trás procurando o corvo com os olhos. Mas não encontrou nada. Não havia nada, apenas os assovios do vento que soprava agitado, embora menos potente do que segundos atrás. Até as chamas das lanternas estavam acesas outras vez. Estava vendo coisas mais uma vez?
— Você está bem, Yoongi?
Jungkook indagou calmo, chamando a sua atenção e transmitindo uma estranha sensação de conforto com a voz amena.
O jovem príncipe insistia em lhe chamar pelo nome de forma informal como se já se conhecessem e fossem íntimos. Embora abalado como estava, se limitou a assentir rapidamente com a cabeça e murmurar um som de confirmação, sem encontrar a própria voz para falar.
O herdeiro de Jeon não pareceu sequer ligeiramente convencido com a sua resposta e olhou desconfiado ao redor, mas não por temor e sim como se certificando de que não havia ninguém que não devesse estar ali. Yoongi franziu o cenho em consternação, ao levar a mão ao pescoço. Estava cansado de desconfiar de tudo. Sentia-se esgotado mentalmente.
— É um lenço muito bonito.–Jungkook disse calmo, mudando de assunto de repente e se aproximou ao indicar o lenço de seda na cor azul marinho de estampa que se encontrava ao redor do seu pescoço pálido.— Assumo que foi um presente do Hoseok-hyung.
— Sim...–Yoongi balbuciou rouco e falho, sentindo a garganta seca.
— Posso ver?–Jungkook pediu interessado com um brilho enigmático nos orbes escuros.
— Ah...–Yoongi murmurou em dúvida, afastando a mão do pescoço maculado pela marca da mordida e encarou com estranheza o príncipe Jeon.— Por quê...?
— Eu sou muito curioso.–Jungkook respondeu de imediato com um sorriso artificial nos lábios bem delineados.— Não pretendo roubá-lo, quero apenas vê-lo mais de perto.
Yoongi soltou o início de um riso sem graça e desenrolou o lenço vagarosamente, antes de entregar a peça sofisticada ao príncipe que a apanhou sem demora. Todavia os olhos redondos escuros do Jeon não permaneceram mais que segundos no lenço, antes de se erguerem para o seu pescoço, estudando-o atentamente.
— Como pensei...–Jungkook murmurou bastante sério, parecendo até mais velho e maduro do que minutos atrás.
— O quê...?
Yoongi indagou intrigado, pousando os dedos pálidos sobre os dois furos que ganhava um tom escuro amarelado nas bordas, a direção onde os orbes redondos escuros do Jeon estavam focados.
— Esse lenço fica muito bem em você.–Jungkook replicou com tom neutro e um sorriso artificial, ao erguer os olhos escuros para fitá-lo diretamente nos olhos.— Posso?
O Jeon pediu erguendo o lenço e fazendo menção de colocá-lo de volta em si com expressão ligeiramente nostálgica. O Min entreabriu os lábios ao assentir sem jeito e encarou intrigado as feições bonitas do jovem príncipe que sorriu levemente, destacando os seus lábios avermelhados e bem delineados, ao enrolar o lenço gentilmente ao redor do pescoço fino do rapaz mais baixo.
— Deveria tomar mais cuidado, Yoongi.–Jungkook murmurou sério com tom aveludado.— Não deveria ser tão descuidado de ficar andando por aí sozinho.
— Do que está falando?–Yoongi inquiriu confuso e intrigado, percebendo o brilho inquieto quase imperceptível nos olhos redondos escuros do Jeon.— Está falando como se soubesse muito sobre mim, mas o que você poderia saber?
— Bem mais do que você pensa, Yoongi.–Jungkook retrucou com um sorriso calmo, ao mirá-lo profundamente.— Pode parecer invenção, mas não somos tão estranhos assim...
— Jeon Jungkook...
Yoongi balbuciou de maneira automática, tentando se lembrar de onde o conhecia. Mais do que testar aquele nome em sua língua, reconhecia aqueles olhos profundos e misteriosos, pertenciam à alguém de quem não se recordava no momento. A sensação calorosa de familiaridade crescia quente em seu âmago e antes que pudesse pensar a respeito havia pronunciado em voz alta o nome do jovem príncipe.
— Então decidiu mesmo deixar a etiqueta de lado comigo?
Jungkook indagou divertido, tombando sutilmente a cabeça para o lado ao sorrir feliz, se mostrando visivelmente satisfeito apenas por ouvi-lo dizer o seu nome.
— Não, eu...
Yoongi engoliu em seco, se calando para procurar uma justificativa que fosse plausível para explicar o fato de ter sido informal com o herdeiro de Jeon.
— Não se preocupe.–Jungkook se adiantou tranquilo e ergueu a mão para tocar a sua bochecha, porém se deteve à tempo e fechou os dedos antes que alcançasse a sua pele pálida.— Eu prefiro que seja informal, seria estranho receber um tratamento tão formal desse rosto.
Desse rosto. O Min registrou confuso, o Jeon falava como se já tivesse conhecido alguém com o mesmo rosto que o seu. Mas era impossível, não importavam as coincidências, era impossível. Não havia mais nenhum Min naquela região e nem pelo Principado, o seu clã estava praticamente extinto ali. Não havia sobrado ninguém da sua família, além de si e duvidava que alguém da sua terra natal de parentesco distante tivesse um rosto tão similar ao seu.
— Sabe...–Jungkook interrompeu os seus pensamentos turbulentos.— Eu posso te ajudar com o seu problema. Não todos, mas com um deles. O mais importante.
— Qual problema?–Yoongi indagou confuso.
— Venha comigo.
Jungkook pediu com um sorriso leve e um brilho nostálgico nos orbes escuros e lhe deu as costas, seguindo pelo corredor interminável. Yoongi se moveu instintivamente, a curiosidade e a ansiedade lhe impulsionava a seguir o príncipe. Tinha mil perguntas e as dúvidas remontavam, estava ávido para ter ao menos uma resposta.
Para a sua surpresa, saíram em uma passarela suspensa que possuía colunas, parapeito esculpido e espaços abertos com a forma de arcos de ogivas, que possuíam um ângulo agudo na parte superior, na mesma arquitetura neogótica do resto do palácio. Yoongi sentia o vento frio despentear os seus fios e a luz amarela aconchegante das lanternas elegantes fixadas nas paredes da passarela não obscurecia o luar pálido e frio da Lua cheia.
Chegando à uma torre no fim do caminho, o Jeon usou uma chave que estava pendurada em uma corrente em seu pescoço e empurrou as portas duplas colossais que se abriram com um rangido que ecoou no local amplo e extenso. Acendendo os candeeiros das lanternas, Jungkook circulou pela sala que ao que tudo indicava era a Sala do Tesouro, onde ficavam guardadas e bem protegidas as jóias da Coroa.
O Min virou o corpo dando uma volta de cento e noventa graus, ao observar ao redor fascinado e apreensivo. As pedras preciosas diversas das joias armazenadas em redomas de vidro, cintilavam ofuscantes sob a luz trêmulas das chamas iluminando o salão que lhe lembrava um cofre ou uma fortaleza. Nunca vira tantas jóias valiosas e exuberantes em sua vida. Nem o Clã Jung, aclamado por sua herança, possuía um tesouro de joias tão extenso e ostensivo.
— Aqui, Yoongi.–A voz harmoniosa de Jungkook lhe despertou do torpor e o jovem príncipe o chamou com um gesto para perto.
— Por que me trouxe aqui?
Yoongi indagou intrigado, sem entender porque um herdeiro da coroa convidaria um criado qualquer para não só contemplar as famosas e históricas Joias da Coroa, mas sobretudo na Sala do Tesouro, a qual a localização deveria ser secreta e de grande importância. Se sentia privilegiado, mas não deixava de se sentir confuso com esse privilégio inesperado.
— Tem algo que eu quero que fique com você.–Jungkook respondeu simplista, como se não fosse nada demais.
— Quer que eu guarde uma das joias da sua família?
Yoongi inquiriu duvidoso, talvez tivesse escutado errado ou fosse mais uma brincadeira do jovem príncipe de olhar inocente e feições bonitas travessas.
— Não.–Jungkook negou de imediato com seriedade e o Min suspirou aliviado, havia entendido errado.— Não quero te encarregar de cuidar de uma joia real, quero te dar uma joia muito especial.
— O quê...?–Yoongi balbuciou aturdido, esperando uma risadinha divertida ou uma outra confirmação de que era uma piada.
— Bem...É mais como uma devolução, eu acho.–Jungkook prosseguiu com tom aveludado, como se não tivesse percebido o seu choque e o Jeon se voltou com um meio sorriso nostálgico nos lábios bem delineados.— Você também gosta de braceletes?
— Eu...–Yoongi murmurou atordoado. Sim, gostava de braceletes, mas os únicos que usava eram feitos de cordões velhos ou no máximo, de couro gasto.— Gosto, mas...
— Perfeito.–Jungkook sorriu mais de forma genuína e se voltou para uma caixa de vidro e a abriu com cuidado, antes de apanhar um bracelete delicado.— Você tem pulsos finos iguais aos dele, deve cair como uma luva.
O Jeon declarou com tom suave e nostálgico ao fitar o acessório, sem deixar de sorrir, mas parecia tão melancólico. Yoongi observou emudecido, sem saber o que dizer com a confusão de sentimentos que sentia. Por que os seus instintos insistiam em achar o jovem príncipe familiar? Nunca havia encontrado um membro da realeza antes dessa noite, disso sabia.
— A sua cor favorita também é Branco?
Jungkook investigou calmo, encarando-o intensamente enquanto se aproximava segurando um bracelete branco feito de tiras entrelaçadas de couro curtido. Uma das tiras possuía pedras de Quartzo que variavam entre a cor branca, roxo e rosa claro a adornando em fileira, cobrindo inteiramente esta. Outra era cravejada por minúsculos diamantes que cintilavam multicoloridos.
— Como adivinhou?
Yoongi indagou intrigado e recebeu um sorriso enigmático do príncipe Jeon que parou à sua frente, apenas um passo os separando. Quis perguntar, mas a sua atenção se voltou para o bracelete único que destoava das outras joias extravagantes da sala, mas que por alguma razão despertava o seu interesse.
O acessório era formado por várias tiras de couro branco e além das pedras adornando duas delas, possuíam ouro dourado reluzente enfeitando as bordas e preso no centro, estava um cristal grande lapidado de forma artesanal e rústica.
A pedra tinha uma aparência muito antiga e pela forma descuidada que foi lapidada e a aparência rústica do acessório, com toda a certeza havia pertencido à Era Medieval, talvez fim da Idade Média, se arriscaria a dizer. Pois o bracelete ainda possuía uma estética delicada e embora parecesse lascado, o cristal continuava a ser belo em sua cor incomum de um Branco de tom rosado quase imperceptível.
— Bonito, não acha?–Jungkook indagou com tom aveludado, tirando-o do transe de fitar o bracelete fascinante.— É encantado, protege quem usa da influência dos seres das trevas, até mesmo dos Anjos da Noite.
— Anjos...Da noite…?–Yoongi balbuciou aturdido, nunca em sua vida havia escutado alguém pronunciar tal termo para se referir a qualquer ser maligno da cultura Cristã ou místico da cultura pagã.— Nunca ouvi esse nome, nem ouvi falar deles antes...O que são Anjos da Noite?
— São as criações dos filhos de um Arcanjo muito temido que se rebelou contra os Céus.
Jungkook respondeu calmo de forma vaga e moveu os lábios para um lado, se mostrando incomodado por um milésimo de segundo, mas foi o suficiente para os seus olhos atentos e afiados captarem.
— Filhos de um arcanjo…?–Yoongi murmurou perplexo.— Anjos podem ter filhos?
— Sim, são os híbridos de Anjos e Humanos chamados de Nefilins pelos mortais.–Jungkook respondeu rápido e se calou, se tornando muito quieto.
— E as...Criações desses nefilins são chamados de Anjos da Noite?–Yoongi indagou intrigado.
— Sim, é o nome que foi dado originalmente à eles.–Jungkook simplista com tom neutro, parecia preferir mudar de assunto, apesar de tê-lo abordado inicialmente.
— Dado por quem?–Yoongi quis saber, ainda mais intrigado.
— Por aqueles que os criaram, é claro.–Jungkook replicou sério, franzindo o cenho levemente em desconforto.
— Mas...Por que eles os criaram?
Yoongi questionou curioso, sem entender. Era loucura tudo o que o Jeon estava dizendo. Anjos tendo filhos e esses filhos criando outros seres como se fossem Deuses? No entanto, o príncipe parecia tão convicto do que dizia e saber exatamente do que falava, que continuava pedindo mais questões.
— Solidão. Acredito que eles estavam conhecendo o significado de solidão...Como é se sentir sozinho.–Jungkook respondeu com tom suave, abaixando a cabeça ao mirar o bracelete com certa melancolia e acariciou levemente o cristal com o polegar.— Eles eram os únicos da espécie, existências singulares, um desvio de toda a natureza existente...E talvez por causa da parcela humana deles, eles se sentiam solitários e então um dia decidiram criar outros que fossem...Ainda que só um pouco, parecidos com eles.
O Jeon frisou o "um pouco" com tom levemente mais alto e afetado, sem encará-lo nos olhos e crispou os lábios avermelhados bem delineados, como se estivesse verdadeiramente desapontado com esse fato em específico da lenda bíblica.
— Parece uma história triste…–Yoongi murmurou sem se importar se estava sendo precipitado, pois sentia o pesar que emanava por alguma razão do jovem príncipe.
— Talvez seja mesmo triste.–Jungkook concordou vagamente, sem alterar o tom aveludado e ergueu os olhos para mirá-lo de forma profunda nos olhos.— Porque mesmo que eles tenham criado uma nova raça inteira de seres imortais, eles continuaram a ser os únicos de sua espécie em toda a Criação.
— Mas eles ainda tinham um ao outro.
Yoongi disse sem pensar duas vezes. Não sabia o porquê, mas sentiu a necessidade de consolar ou amenizar a melancolia inexplicável que vinha do Jeon.
— É...Tem razão.–Jungkook sorriu de canto sem jeito, mostrando os dentes brancos e abaixou o olhar para o bracelete em suas mãos.— Eles tinham…
O Jeon enfatizou a palavra Ter no passado com consternação e permaneceu em silêncio profundo, apenas encarando o cristal com os orbes castanhos escuros brilhando luminosos com tal intensidade que pareciam quase emitir luz própria na penumbra.
— Acredita mesmo em tudo isso?–Yoongi questionou duvidoso, piscando os olhos bastante puxados para se recompor do misto intenso de emoções em seu peito. Não entendia como o Jeon poderia ficar tão triste por um mito antigo.— Em anjos, nesses tais nefilins...Que eles sejam filhos de anjos e que esse bracelete seja mágico?
— Por que eu não acreditaria?–Jungkook replicou calmo e sincero.
— Eu não sei, me parece um pouco...
Yoongi começou confuso, mas se calou, ao se dar conta de algo. Talvez Jungkook se identificasse com a história porque se sentisse da mesma forma. Sabia que apesar de toda a riqueza, poder e glamour, ser da realeza era levar uma vida muito difícil, com todas as regras, a rigidez, as responsabilidades e as aparências que deveriam manter. E carregar uma coroa na cabeça parecia um fardo muito pesado.
Entendia isso apenas vendo Hoseok, após o Jung ter assumido o título do pai. E uma coroa ainda? Com certeza pesava bem mais e o status real ainda deixava o Jeon isolado da maioria das pessoas. E há quanto tempo Jungkook não via o pai? A história que conhecia era que o príncipe real ficava em seu palácio na capital da península e o príncipe herdeiro vive ali, no Castelo Eodum-ui Nalgae, desde que era muito criança.
Estava prestes a dizer algo impulsivo na tentativa de consolar o jovem Jeon, quando se deu conta de algo mais importante, ao pousar os olhos no acessório rústico e ao mesmo tempo delicado.
— Espera...Poderes mágicos? Você quer dizer, como feitiçaria?!–Yoongi exclamou alarmado e encarou o jovem príncipe.— Mas a família real é católica! Isso não é ir contra os ensinamentos religiosos?! É heresia! Um pecado mortal!
— São apenas detalhes, Yoongi.–Jungkook retrucou tranquilo, indiferente ao seu espanto.— Quem se importa com o que católicos fanáticos pensam? Eles estão longe de serem os donos da verdade.
— Eu não entendo...–Yoongi balbuciou chocado.— Você fala de forma tão fria sobre a religião...Como se não pertencesse à essa Fé, mas...
— Não se aborreça com detalhes, Yoongi, isso não é importante.–Jungkook disse displicente.— O que importa é que isso protegerá você.
— Me protegerá? Eu não acredito que esse bracelete...–Yoongi ergueu a mão para tocá-lo levemente com as pontas dos dedos pálidos.— Tenha todo esse poder.
— Mas aceite o presente.–Jungkook insistiu calmo.— Ficarei triste se recusar um presente meu, Yoongi.
Yoongi entreabriu os lábios, havia um sorriso travesso nos lábios bem delineados e um brilho infantil brincalhão nos orbes redondos escuros do herdeiro de Jeon, mas o mesmo ainda parecia de fato sincero. Sem saber como reagir, o jovem de pele porcelana assentiu vagarosamente com a cabeça, ainda se sentindo incerto sobre tudo.
Com um sorriso satisfeito que parecia ligeiramente aliviado, Jungkook abriu o fecho dourado de ouro do bracelete delicado e Yoongi ergueu o braço automaticamente para que o Jeon colocasse a joia em seu pulso, fechando-a com um clique suave. Ao mesmo tempo, sentiu que o seu corpo despertava repentinamente, a névoa de incerteza que pairava em sua mente desaparecia e a inquietação se esvaiu, restando apenas clareza.
Só percebeu que havia cerrado as pálpebras de cílios elegantes, quando foi tirado do torpor agradável da calma e controle, ao sentir o toque cálido dos dedos de pele clara levemente bronzeada do jovem príncipe ajeitando delicadamente o bracelete em seu pulso. Com a boca pequena rosada aberta em um "o", Yoongi encarou estupefato Jungkook.
O que havia sido aquilo? Foi apenas o bracelete ser fechado em seu pulso que sentia-se leve e mais consciente, como se qualquer influência maliciosa em sua mente ou a sua loucura houvesse desaparecido. Aquela joia tinha mesmo poderes mágicos ou o jovem príncipe apenas quisera brincar consigo levando-o à acreditar nisso?
Quando moveu os lábios delicados para tirar as suas dúvidas, o ruído estridente de uma banda da porta do salão sendo aberta ecoou no cômodo. Se virou surpreso e ficou ainda mais surpreso ao reconhecer o homem de cabelos loiros que parava na soleira se curvando profundamente em uma reverência respeitosa.
— Vossa Alteza.–A voz familiar soou calma e o homem de cabelos longos amarrados em um rabo de cavalo solto, o mensageiro real, se aprumou antes de lhe dirigir o olhar penetrante.— Perdoe a intromissão, Alteza, mas lamento informar que o Conde Hoseok está à procura do criado dele.
— Que pena.–Jungkook disse honesto e se voltou para o Min.— Parece que o nosso tempo juntos acabou por hoje.
O Jeon disse calmo e pousou a mão sobre a sua, que só então percebeu se encontrar agarrando com firmeza os dedos bronzeados do jovem príncipe que ainda estavam sobre o bracelete. Nem sequer percebeu quando ergueu a mão livre para segurar a do rapaz que ajeitava o acessório em seu pulso até segundos antes, constatou surpreso e embaraçado.
Ignorando a sua reação constrangida, Jungkook apanhou a sua mão tirando-a dali, antes de deslizar para baixo a mão ainda em seu pulso e acariciou os nós de seus dedos, sem soltar a sua outra mão. Logo após, o Jeon se inclinou em sua direção pressionando delicadamente os lábios acetinados em sua maçã do rosto, onde já sentia a sensação quente do rubor tomar.
— Espero te ver amanhã no banquete com o seu novo bracelete, Yoongi.
O príncipe Jeon murmurou baixo em seguida, próximo da sua orelha pálida, como se fosse um segredo entre ambos. Não conseguindo evitar, engoliu de forma audível instintivamente e se apressou a se afastar do rapaz inebriante, saindo apressado pela saída do cômodo sem olhar para trás. Não percebeu o sorriso divertido nos lábios bem delineados de Jungkook, enquanto o mensageiro loiro balançava a cabeça em desaprovação.
Diminuindo o ritmo dos passos apressados, Yoongi ergueu o braço e agarrou o antebraço ao encarar o bracelete. Seria mesmo um objeto mágico? E como o príncipe sabia que estava sofrendo com a influência de algo? Que tipo de influência exatamente Jungkook se referia?
E como ele poderia saber que precisava da proteção de um encanto para se proteger de criaturas da noite? Talvez Jungkook só quisesse ajudá-lo com a sua loucura, fazendo-o acreditar que o bracelete era mágico e estaria bem enquanto estivesse usando-o.
As dúvidas permeavam a sua mente e embora estivesse determinado à procurar por respostas, tinha a sensação de que o Jeon não lhe daria nenhuma. Mas não fazia diferença, isso nunca o impediu de tentar antes.
Talvez conseguisse algo. Ou pelo menos, agradeceria pelo presente. Afinal, independente das intenções de Jungkook, mesmo que a sua racionalidade se recusasse à aceitar, estava se sentindo melhor de qualquer forma. Sentia-se inegavelmente mais lúcido.
Embora, tinha a sensação persistente que estava negligenciando um detalhe muito importante. Se não estivesse tão sobrecarregado com todos os acontecimentos dos últimos dias, talvez percebesse que Jungkook lhe dera muito mais respostas do que pensava.
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