A porta de vidro foi aberta, anunciando a chegada de uma morena de pernas compridas e olhos verdes brilhantes, ressaltados pela maquiagem.
— Bom dia, Eleanor — cumprimentou a secretária —, ou melhor, boa tarde! — corrigiu, após conferir o horário no relógio de pulso.
— Boa tarde, senhorita Moraes! — A secretária respondeu sorridente. Ela tinha um corte de cabelo curto e não devia passar muito dos vinte. — A doutora Gizelly está atendendo um último cliente antes de sair para o almoço. Quer que eu avise que a senhorita já chegou?
Ivy sorriu com a resposta da mulher.
— Não é necessário, eu vou esperar aqui enquanto isso!
Enquanto se dirigia ao sofá que havia ali, Ivy reparou em um enorme buquê de tulipas brancas sobre a mesa de centro. Cerrou os olhos ao observar as flores.
— São para Gizelly? — perguntou dirigindo o olhar à Eleanor.
— São sim, foram entregues pouco antes da senhorita chegar. Lindas, não são? Alguém deve estar arrependido…
— Arrependido?
— Sim, as tulipas brancas — disse, olhando admirada para as flores —, elas significam um pedido de desculpa ou perdão! — esclareceu.
— Ah, claro… Sabe quem as enviou?
— Não, senhorita, eu apenas disse ao entregador que as deixasse aí em cima da mesa.
— Tudo bem, estava apenas curiosa — disse Ivy.
Ao sentar, a morena avistou um pequeno envelope; branco como as flores.
Olhou então para a secretária; ela tinha o olhar colado à tela do notebook e digitava no teclado sem parar. Tinha a oportunidade. Nem tão rápido, nem tão devagar, esticou o braço e apanhou o envelope.
Trouxera sua bolsa para o seu colo e, detrás dela, o envelope e retirou de dentro um bilhete.
É, é tarde demais agora, para pedir desculpa?
Porque eu sinto falta mais do que só do seu corpo
É tarde demais para pedir desculpa?
É, eu sei que te decepcionei
É tarde demais para pedir desculpa?
brincadeiras à parte, sinto muito pelo nosso desentendimento hoje de manhã, eu odeio estar mal com você, de verdade :( e como eu sei que você acha chique receber flores em vida, achei que seria uma boa ideia para um pedido sincero de desculpa
~JB~ RK
Ivy enrijeceu a mandíbula e comprimiu os lábios.
Colocou o bilhete de volta no envelope e o guardou em sua bolsa, no mesmo instante em que a porta da sala de Gizelly se abriu e um homem grisalho saiu acompanhado pelo advogado.
O homem agradeceu o atendimento e se despediu das mulheres.
Sorridente, Gizelly, então, se aproximou de Ivy e apertou a amiga em seus braços.
— Tá esperando há muito tempo? — questionou preocupada, tocando o pulso da outra.
— Não, fia, acabei de chegar, não faz nem cinco minutos!
— Ah, então tá ótimo, vambora? Eu tô varada de fome! — disse, contornando a mesa de centro e então avistou o buquê sobre ela. — De quem são essas flores? Você que trouxe? — Sorriu de canto e arqueou as sobrancelhas.
— Tá me estranhando, muié!? São pra você, mas não fui eu quem trouxe, deve ser de algum admirador secreto… Cê tá me escondendo alguma coisa, dona Gizelly?
— Admirador secreto, Lavigne? É pra rir, né!? — Pegou o buquê nos braços e curvou os cantos dos lábios para baixo, antes de inspirar o perfume. — Ganhar flor em vida já é chique, branca então, elegantérrimo — frisou a palavra —, achei tendência!
A risada da secretária chamou a atenção das mulheres.
— Tá tudo bem, El? — Gizelly perguntou, franzindo as sobrancelhas.
A secretária abriu a boca, mas hesitou quando viu Ivy arregalar os olhos e balançar a cabeça em negação. Eleanor compreendeu o que ela queria e, apesar de desconhecer o porquê daquela reação, preferiu não contrariá-la.
— Tudo ótimo, é que a doutora é muito engraçada! — desconversou, sem que Gizelly percebesse a comunicação silenciosa que havia ocorrido ali.
— Já pode largar a advocacia e virar palhaça — Ivy zombou.
— Mas eu não tenho mais moral nenhuma com vocês, ein, impressionante! — Riu, abrindo os braços e os relaxando ao longo do corpo.
— Nunca teve, fia! — Ivy deu um tapa na bunda da advogada. — Agora chega de conversa fiada, porque eu também tô com fome — disse indo em direção à saída.
— Ui, agressiva! — comentou Gizelly pelo tapa, esfregando a bunda, e a acompanhou. — Até daqui a pouco, El!
O bistrô aonde costumavam almoçar ficava a apenas duas quadros do escritório de Gizelly, sendo assim, o tempo que levaram até lá foi preenchido com conversas triviais.
— Então... — iniciou Ivy. Ela e Gizelly haviam entregar seus pedidos ao garçom. — Desembucha, Gizelly!
A advogada se ajeitou na cadeira e mordeu os lábios antes de dizer:
— Sabe a pessoa com quem eu estive conversando essas últimas semanas? — Ivy balançou a cabeça em afirmação e se inclinou para frente, apoiando as mãos cruzadas sobre a mesa. — Ela me convidou para sair na sexta…
— E você aceitou, né? — Ficou ereta na cadeira e espalmou as mãos ao lado do prato.
— E eu aceitei! — Sorriu leve.
— Aleluia, arrepiei! — Ivy bateu palminhas e sorriu abertamente para a amiga, ao que Gizelly respondeu com uma careta de desgosto pela expressão quase patenteada pela ex-esposa. — Nossa, amiga, desculpa, é o costume…
— Não, eu sei, tá tudo bem, relaxa… — Gizelly sorriu de lado brevemente. — Eu e ela discutimos hoje de manhã de novo — comentou. Ivy agradeceu internamente, ela queria mais detalhes sobre o que tinha lido no bilhete, mas não queria que fosse ela a tocar no nome de Rafaella.
— O que ela fez agora?
— Na verdade, meio que fui eu quem comecei a briga, Lavigne… — Encolheu os ombros. — E por um motivo tão besta que eu nem sei como ela acreditou! — Bateu a mão aberta levemente contra a mesa e esticou o braço, como se pedisse uma explicação ao universo.
— Ô, Gizelly, explica isso direito, muié, cê lá é esfinge pra ficar lançando enigma agora? Devo tá doida!
— Eu vou desenvolver, né!? — Revirou os olhos antes de continuar. — Meu dia começou muito bem quando, eu recebi uma certa ligação e um convite para jantar, mas depois disso só desandou, me atrasei um pouco e nesse meio tempo recebi outra ligação; surpresas desagradáveis no serviço, já tô acostumada com esse tipo de coisa, inclusive já resolvi e deixei tudo no esquema de novo na parte da manhã mesmo. Contudo, entretanto, todavia… — Fez uma pausa dramática. — Como eu tava atrasada, acabei desistindo de tomar café, pra não perder mais tempo, só que as crianças e a Rafa insistiram, então eu fiquei. Ela tinha cozinhado pra mim e tudo, mas daí depois que a gente terminou de comer, eu chamei ela num canto afastado das crianças e perguntei se ela poderia pegar as crianças na sexta essa semana, ao invés de pegá-las no sábado e nisso, como estávamos bem perto uma da outra, eu percebi que aquela tava com cheirando a sexo até o último de fio de cabelo. — Respirou fundo ao lembrar do que descrevia. — Fiquei possessa? Fiquei. Paciência. Eu tava me controlando pra não dar esse gostinho a ela, quando aquela cretina toca no nome da Bianca, aí não teve jeito, fiz uma cena ridícula de ciúme, assinei meu atestado de surtada, Lavigne! — Apoiou os cotovelos na mesa e escondeu a cabeça entre as mãos.
— Meu pai amado, Gizelly! — Ivy riu nervosa e coçou a testa. — Você também não se preserva, que merda, mulher!
— Eu tento, amiga — justificou-se, olhando para baixo e mordendo a parte interna da bochecha. — O pior é que ela praticamente não desceu do salto pra brigar comigo, se não fosse o motivo dela ter me deixado com raiva pra começar, eu até teria ficado com pena. E a Bia, meu Deus! Espero que ela não conte sobre isso pra Bia, pelo amor de Deus, que vergonha. A Bia é maravilhosa comigo, minha parceira de crime, eu não tenho mais ciúme da Rafa com ela desde a época que a gente terminou o colégio, mas foi a única coisa que eu pensei na hora, pra não terminar de cavar minha cova de vez! — Olhou desesperada para Ivy e a mineira enxergou nos olhos da amiga uma súplica silenciosa por compreensão.
— Eu entendo, Gi. — Buscou as mãos da advogada sobre a mesa. — Dos males o pior, né? — Gizelly afirmou com a cabeça. — De qualquer forma ela ia saber que você estava com ciúme, mas usar a Bianca como desculpa foi genial, melhor do que deixar ela saber que você ainda repara até no cheiro dela.
Gizelly desviou o olhar diante da conclusão de Ivy. Sim, havia sido exatamente aquilo. Porém, a advogada ainda não havia admitido aquela verdade para si mesma com tanta clareza e tampouco esperava que Ivy conseguisse entender completamente o que estava se passando com ela.
Sentia-se como se seu coração estivesse envolto por ervas daninhas que cresceram despercebidas. E quando ela finalmente notou aquela presença indesejada, já era tarde; impedido de continuar a bater, seu coração não era mais capaz de lhe dar a força necessária para arrancar aquele mal pela raiz.
— Eu tenho invejo dela, sabe? — Ivy franziu as sobrancelhas e tombou a cabeça para o lado. Gizelly suspirou. — Ai, Lavigne, eu invejo a capacidade que ela tem de ser tão mais bem resolvida em relação aos seus sentimentos do que eu, a Rafa… se ela quer alguma coisa, ela pega e faz acontecer, eu queria ter conseguido seguir em frente antes, assim como ela fez…
— E desde quando isso é ser bem resolvida, Gizelly? — Ivy riu nervosa. — Pelo contrário, né, ela ter conseguido “seguir em frente” tão rápido só mostra que ela não tem controle sobre os próprios sentimentos e desejos… A Rafa é impulsiva! — constatou.
Gizelly ficou pensativa por um instante.
— Tá, dane-se... — Balançou a cabeça. — O foco aqui é outro!
— An… e qual seria?
— Eu também queria tá pagando de superada, né! — confessou exasperada. Ivy soltou uma gargalhada, jogando a cabeça para trás. — Será que dá pra parar de rir da minha tragédia? — perguntou antes de começar a rir de si mesma também, contagiada pela risada da amiga.
— Como é que não ri com você me falando um troço desse, Gizelly? Sem condições!
A advogada desferiu um tapa leve contra a mão de Ivy, que recuou instintivamente.
— Bom… se serve de consolo, eu não acho que ela superou nada ainda não… — Gizelly a encarou com os olhos estreitos e, percebendo isso, Ivy mudou de assunto. — Mas, ein, vamos falar de coisa boa… não vai me contar nada sobre seu admirador secreto? Ou admiradora?
— Eu já falei até demais, isso é tudo que cê vai conseguir de mim agora! — Plena, passou a ponta do polegar e do indicador de um lado ao outro da boca. — Minha boca é um túmulo, cê só vai saber mais alguma coisa quando der certo, quer dizer… se der certo!
— Cruz credo, deixa de ser pessimista, muié! — Ivy bateu com os nós dos dedos sobre a superfície de madeira da mesa. — Daqui a pouco cê vai tá tirando o atraso, anota o que eu tô dizendo!
— Tá bom, Mãe Dináh! — debochou da amiga.
Após o almoço com Gizelly, Ivy voltou para a Blessed, a agência de eventos em que trabalhava e da qual Rafaella era proprietária.
No instante em que pisou no saguão, lembrou-se da mensagem contida no bilhete que encontrara em meio ao buquê de flores que Gizelly havia recebido. Então, ao invés de ir para sua sala, rumou a passos firmes em outra direção.
Abriu a porta de maneira brusca, atraindo a atenção da figura atrás da mesa de mogno.
— Precisamos conversar — declarou determinada. Seu olhar era frio como gelo.
— Olá para você também! — Rafaella rebateu bem-humorada.
Ivy ignorou a cordialidade da outra
— O quê cê tá aprontando, Rafaella? — Espalmou as mãos com força sobre a mesa e apoiou o peso de seu corpo nos braços ao se inclinar para a frente.
— Do que cê tá falando? — Rafa perguntou séria, percebendo que sua abordagem amigável não surtiu efeito.
Ivy a analisou por um instante.
Sem desviar os olhos, revelou o bilhete sob a sua mão direito e o deslizou pela madeira até Rafaella.
Rafa sustentou o olhar de Ivy por um alguns segundos, tentando decifrá-lo. Uma luz se acendeu em sua cabeça. Esperava estar enganada.
Pegou o bilhete em suas mãos e o leu, reconhecendo-o imediatamente.
— Como cê conseguiu isso? — perguntou, esfregando a testa.
— Isso realmente importa? — rebateu, erguendo uma única sobrancelha.
— Ela leu? — Sacudiu o bilhete entre os dedos. Ivy negou. — Ao menos sabe que fui eu quem mandei? — Ivy negou outra vez.
— O quê significa isso, Rafa? — Ergueu a coluna e cruzou os braços. — E nem vem dar uma de espertinha falando que é um pedido de desculpas! — Seus lábios se estreitaram em um bico engraçado e passou a emitir repetidamente um som de reprovação. — Eu quero a verdade, seja sincera!
Rafaella respirou fundo.
“Como dizia o Chorão, hoje uma Ivy vai estragar meu dia”, pensou.
A última coisa da qual ela precisava era ser confrontada pela outra mineira naquele instante. Não fazia nem 24h que havia tomado a decisão e já estava sendo posta à prova. Apenas o fato de ser Ivy ali a sua frente já tornava tudo mais difícil. Se por um lado Bianca a havia apoiado, por outro, se tratando de Ivy, Rafaella sabia que não teria a mesma sorte.
Se acomodou melhor em sua cadeira, apoiando os antebraços nos braços da mobília. Encarou o teto.
“Afasta de mim esse cálice”, pediu em pensamento. Ivy limpou a garganta. “Tá bom, já entendi, Deus… Eu entendo, mas não concordo!”.
Voltou os seus olhos para uma Ivy que agora tinha as mãos na cintura e batia o pé freneticamente no chão. Sentiu vontade de rir com a cena, mas se absteve.
Ergueu o queixo e anunciou resoluta.
— Eu vou reconquistar a Gi! — Um sorriso soberbo brotou em seus lábios.
Ivy soltou uma risada seca.
— E quando foi que cê decidiu isso? Foi antes ou depois de descobrir que a Gizelly está com outra pessoa? — destilou. O sorriso de Rafaella se desfez e ela a boca secar.
— Então… ela tem mesmo outra pessoa? — Engoliu em seco, temendo pela resposta.
— Eu não acredito, Rafaella! Porra, eu ainda tinha esperança, mas você só faz merda!
— Ih, pode parando! — Ficou de pé e se pôs a andar pela sala. — Eu admito que não foi a melhor das motivações, okay? Não precisa tacar pedra! Até porque, quando eu decidi que ia reconquistar a Gi, eu mesma elegi algumas condições do que precisaria ser mudado pra dar certo dessa vez e involuntariamente já burlei uma dessas condições antes mesmo da gente recomeçar, porque de novo sou eu quem tá tomando a iniciativa!
Ivy, que prestava atenção atentamente, riu.
— Eu nem preciso falar nada, mas vou mesmo assim… você acha que é um boa maneira recomeçar quebrando uma regra?
— Óbvio que não! — Abriu os braços. — Mas que opção eu tenho? Esperar que ela venha atrás de mim?
— Não mesmo, ela acha que você já superou. — Rafa arregalou os olhos. — Para de ser sonsa, Rafa, não dá pra culpar a muié quando as coisas que cê faz conspiram pra todo mundo pensar isso!
— Eu não vou me desculpar por ter feito conscientemente algo que eu tinha quis e se a Gizelly ficou chateada com isso… — Ivy voltou a cruzar os braços. — Okay, ela ficou chateada com isso… Enfim, o que eu tô querendo dizer é que não tinha como eu saber, a gente tinha se separado há pouco tempo, não estávamos nos melhores termos e mesmo depois, quando foi melhorando, ela não demonstrou em momento algum que se incomodava e sentia minha falta! E agora também não importa mais, porque apesar disso eu já tô decidida, eu amo a Gi, sempre vou amar e por isso eu quero a minha mulher de volta, não posso me dar ao luxo de viver o resto da minha vida sem ela ao meu lado. É isso, Ivy, ninguém vai me impedir ou me fazer mudar de ideia!
Ivy soltou um riso anasalado e balançou a cabeça.
— Esse é uma conversa que você tem que ter com ela, não comigo. — Se aproximou de Rafaella e segurou em seus braços, sacudindo-a levemente. — Eu já vi o que acontece, Rafa, você e a Gi, sabe… pode dar muito certo ou muito errado. A Gi é a minha melhor amiga, mas você é minha amiga também, eu me importo com a felicidade das duas… A única coisa que eu não quero é que vocês se magoem novamente, mas eu não vou tentar te impedir, fica tranquila. — Rafaella tinha um olhar perdido. Ivy soltou os braços dela e pegou de volta o bilhete em cima da mesa. — Isso fica comigo, um incentivo melhor procê comprar mais flores pra consagrada! — disse, piscando para Rafa e se retirou da sala, deixando-a para trás ainda perplexa.
Diferente da segunda-feira agitada, o restante da semana foi tranquilo.
Era verdade que Gizelly percebeu uma mudança repentina no comportamento de Rafaella, porém, nada negativo. A mineira se mostrou mais prestativa e distraída do que o normal e isso a preocupou. Por ora, preferiu não questioná-la. Não voltaram a conversar sobre a discussão, mas tampouco discutiram outra vez.
E então a sexta-feira chegou. Como Rafaella cogitou, a reunião demorou mais do que o previsto e precisou pedir a Bianca que buscasse as meninas no colégio.
Eram quase 19h quando a reunião foi encerrada.
Buscou Pyong, que passara a tarde na casa de Ivy, na companhia do filho dela, o pequeno João Miguel. Assim como suas mães, os meninos eram muitos amigos. Estudavam juntos pela manhã e durante a tarde, por ser mais perto da escola deles e dos trabalhos de suas mães, ficavam na casa de Ivy, sob a supervisão de uma babá.
— Atenção, senhores passageiros, os motores apresentam graves falhas após a turbulência, serei obrigada a fazer um pouso de emergência! — Rafaella comunicou em um falso tom sério ao entrar no apartamento. Pyong gargalhava pendurado em suas costas. — Apertem os cintos! — Segurou mais forte os bracinhos do menino ao redor de seu pescoço e rodopiou com ele pela sala, até soltá-lo no sofá, ainda rindo.
— Já chegam fazendo bagunça! — Bianca atraiu a atenção dos recém-chegados para ela. Estava atrás da bancada da cozinha americana. — Aqui não é a casa da mãe Joana não!
— É a casa da mamãe Rafa, tia Bia! — Pyong falou, fazendo as mulheres rirem.
Ouvindo as vozes da mãe e do irmão, as meninas saíram do quarto, indo até a sala.
— Isso é hora de chegar? — Manu bocejou.
— Isso é hora de vocês ainda estarem de uniforme, fedidas e sem tomar banho? — Rafa retrucou, franzindo o nariz.
— A gente só tava tirando um cochilinho enquanto vocês não chegavam — justificou Dora.
— Vocês são muito tratante! — Rafa apontou os dedos para seus próprios olhos comprimidos e depois para elas, fazendo-as rirem. — Vão logo pro banho, cambada! Quando estiverem cheirosinhas, eu vou pedir pizza e a gente pode assistir algum filme!
A sugestão da mineira foi aceita com unanimidade.
O apartamento tinha três banheiros. Dora e Manu tomaram seus banhos uma em cada, enquanto Rafa banhou Pyong no outro. Quando terminou, deixou que ele escolhesse o pijama que iria vestir e voltou ao banheiro, para tomar o seu, dessa vez.
— A gente podia assistir algum indicado ao Oscar, né? — Dora sugeriu. A mesa de centro foi afastada e ela e Bianca estavam acomodadas no colchão inflável de casal que a mais velha tinha colocado sobre o tapete da sala. — A cerimônia é no próximo domingo e eu ainda não conseguir terminar de assistir todos! — Fez beicinho.
— Temos o filme que a tia Thelma sugeriu na clube do coral também — Manu lembrou. Ela tinha a cabeça apoiada sobre as pernas de Rafa, que fazia carinho em seu cabelos.
— Eu quero ver Banguela, a Manu falou que a gente ia poder ver o Banguela na casa da mamãe Rafa — Pyong falou chegando na sala e se jogando no colchão entre a irmã e a tia. Ele estava agarrado a sua girafa de pelúcia e vestia um pijama preto com um capuz que imitava a cabeça do dragão que citou.
A cena causou uma risada geral no cômodo.
— Acho que será Como treinar o seu dragão 3, então — Rafa concluiu sorridente.
— Mas a gente não precisa assistir só um — Bianca pontuou.
— Okay, então depois a gente vai assistir… — Dora conferia a lista de opções em seu celular. — História de um casamento.
— E depois La La Land! — disse Manu animada.
— Amo uma objetividade! — Rafa brincou.
O primeiro foi o mais tranquilo. Pyong acabou dormindo antes do final e Rafa o levou para o quarto, já que ele dormiria com ela.
O segundo filme, a fez se sentir desconfortável. A história era muito boa, mas também familiar vários aspectos, o que a deixou bastante pensativa.
O terceiro filme, ela teria que reassistir, pois não prestou atenção desde o início.
Desbloqueou a tela do celular; 1h08. Sorriu ao ver a si mesma, Gizelly e as crianças amontoados em seu papel de parede. Seu pequeno jardim. Adorava aquela foto.
Coração e mente se agitaram. Rafa levou os dedos à boca e passou a roer as unhas.
Ouviu Manu ressonar baixinho em seu colo. Sorriu outra vez.
Se desvencilhou com cuidado para não despertá-la e substituiu seu colo por uma almofada.
Ela tinha algo a fazer, algo inadiável. Uma semente a semear, uma semente da qual dependia o seu futuro.
Sentiu-se alerta em seu âmago: o tempo de plantio se esgotava.
“Você colhe o que planta”, pensou.
Rafaella não estava disposta a colher nada menos do que tudo o que queria. E ela queria Gizelly.
Gizelly estava prestes a subir os primeiros degraus da escada quando escutou a campainha tocar. Um sorriso brincou em seus lábios e ela negou com a cabeça. Girou sobre os calcanhares, caminhou de volta até a porta e antes de abri-la completamente:
— Isso não conta como um segundo encon… Rafa?
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