Oque vc faria se tudo oque vc tivesse na vida fosse tirado de vc? Oque vc faria se a única pessoa que vc mais amava e a única que vc tinha, morresse? Oque vc faria? Oque... vc faria? São perguntas que na hora do desespero, não sabemos as respostas. São perguntas capazes de nos deixarem loucos, ou de nos deixarem sem nenhum rumo na vida.
Oque vc faria? Ou melhor, oque eu irei fazer? Não sei quanto tempo se passou, mas já via o sol se pôr atrás das grandes árvores da floresta que cercava o pequeno condomínio de casa de classe média onde morava. Sentada em um tronco abraçando minhas pernas fortemente, começo a sentir a briza fria e as gotas geladas da chuva, meu corpo treme compulsivamente, as pontas de meus dedos estavam roxos e posso jurar que meus lábios estavam da mesma forma. Meus membros doiam, meus cabelos longos começavam a ficar enxarcados, juntamente com a minha roupa. Meus olhos pareciam ter congelado com as lágrimas que insistiam em cair. O frio aumenta e começo a bater queixo e os músculos de meus braços se endurencem. Maldito frio do Kansas.
A noite começa a cair, a floresta começa a escurecer e a chuva não sessa de jeito nenhum. Ou eu movo agora, ou serei congelada pelo frio da madrugada. Lentamente movo meus dedos da mão, desprendendo das minhas pernas. Antes que possa me levantar, vejo de longe a silhueta de Andressa minha melhor agora. Ela corre se esquivando e pulando de galhos no chão, ao se aproximar de mim ela se agacha ao meu lado ofegante.
— Te procurei por todo os lados. — ela diz tirando uma mexa de seus cabelos loiros da testa.
Ela me olha por alguns minutos até se recompor e largar a lanterna ao seu lado.
— Eu... Sinceramente não sei oque dizer amiga.— ela diz cabisbaixa.
Encaro seu rosto de pele branquinha e macia e depois seus olhos da cor do céu numa manhã ensolarada.
— Não há nada que dizer Andressa.— respondo me abraçando.
— Vc quer sair daqui?— ela pergunta.
Apenas assinto e ela estende sua mão. Pego sem hesitar, precisava de um banho quente e algo para beber. Com um pouco de dificuldade Andressa nos guia pela floresta com sua mão entrelaçada na minha. Ao sairmos por entre duas árvores, avisto a caminhonete de Andressa, a mesma percebe meu olhar e diz:
— Vc quer ir pra sua casa ou para minha?
— Pra sua, eu não piso na minha casa nunca mais.— respondo seria.
Com mais alguns passos, pisando na lama e sujando nossas botas, Andressa me põe no banco do passageiro ao seu lado, ela da a volta e entra pela outra porta sem esperar mais ela liga o veículo saindo do lamaçal logo em seguida. Minha casa ficava a poucas quadras da floresta. Encosto minha testa no vidro da janela e encaro a vista da pequena cidade Holton, fria e molhada nos meses de julho a agosto. Quando era mais jovem questionava bastante a minha mãe o pq dela ter nos tirado de Louisiana. Eu amava aquele lugar, e tinha o maior orgulho de ter nascido lá. No meio dos meus pensamentos, vejo Andressa estacionar em frente a sua casa. Me ergo e abro a porta saindo rapidamente do carro e indo em direção a pequena cobertura que tinha na porta de entrada de sua casa. A loira aperta a campanhia e em questões de segundos sua mãe, dona Marta abre a porta. A mulher de estatura mediana, com seus cabelos grisalhos presos num coque alto, lança um sorriso para sua filha e um olhar triste mas ao mesmo tempo reconfortante para mim.
— Entre meus pintinhos molhados.— ela diz dando-nos passagem.
Entro e fico parada encima do tapete.
— Vá tomar um banho minha querida, tem roupas suas no closet de Andressa.— ela diz e eu assinto.
Subo as escadas silenciosamente e ando pelo corredor até chegar no quarto de Andressa. Entro e já passo para o banheiro, tiro meu casaco de moletom, e tiro o restante das roupas. Já nua entro no box e ligo o registro do chuveiro, sinto a agua morna cair em minha cabeça, ecaro a parede de azulejos azuis a minha frente e sinto novamente minha mente se encher de perguntas.
Oque vc faria se no meio de tanto barulho uma pessoa lhe estendesse a mão? Oque vc faria? Devo ter começado essa história de um modo tanto quanto errado. Não disse meu nome e muito menos o motivo pelo qual eu estaria tão perdida e cheias de dúvidas. Balanço a cabeça tentando me concentrar no banho, lavo meus cabelos e faço minha higiene. Saio do box após desligar o chuveiro, me enxugo e deixo meus cabelos escorrendo. Vou até a pia e me encaro no espelho.
OK! Vcs podem estar perdidos assim como eu, então vou começar de um jeito melhor. Meu nome é Ária Miller, tenho 19 anos, sou uma garota simples e sem graça do Condado de Jackson no estado do Kansas, perdi meu pai aos 17 anos e minha mãe a exatas 2 semanas atrás.
***
Depois de um banho bem quente, visto a primeira roupa que encontro no closet e me deito em uma das duas cama de solteiro que havia no quarto de Andressa. Me cubro e me deito, sentindo finalmente meus músculos relaxarem, fito o teto acima de mim e minha cabeça volta a trabalhar. Respiro fundo e passo a mão no rosto.
— Tente esquecer Ária.— digo a mim mesma.
Escuto alguem bater na porta e em seguida vejo os cachos loiros de Andressa. Ela sorri amigavelmente e entra.
— Vc não vai comer?— ela pergunta sentando na beira da cama.
— Não to com fome.— respondo.
— Olha não sei se é hora para isso, mas aquela mulher a Constance ligou varias vezes hoje perguntando por vc.— ela diz.
— Oque ela queria?— pergunto me ajeitando na cama.
— Ela perguntou se vc tinha pensado no que ela te falou.— ela diz cautelosa.
Encaro a parede atrás de Andressa pensativa. Me lembro bem de Constance. Baixa, com longos cabelos brancos, rugas no rosto, porém era de uma beleza incrível.
Flashback on
Já era a décima rosa branca que eu via ser jogada encima do caixão de madeira envernizada da minha mãe. Minha mãe. A única pessoa que eu tinha no mundo, havia partido me deixando totalmente sem chão e sem rumo. Um trágico acidente de carro que a pequena cidade de Holton levaria um tempo para esquecer. Tudo ajudava naquela dia: pista molhada, pneus carecas e um inconseqüente atravessando a pista contrária. Numa segunda feira, nublada e fria eu me encontrava sentada de frente para o caixão já fechado. Os coveiros já o ajeitava no pequeno "elevador" que o desceria até o buraco recém cavado. Ao meu redor todos os nossos amigos e poucos parentes que nos restará, estavam aglomerados, alguns choravam como crianças outros se lamentavam em baixo tom.
Já eu? Estava em completo estado de choque. Havia chorado a noite toda, meus olhos quase não pareciam estar abertos de tão inchados, minhas bochechas estavam vermelhas e minha cabeça latejava sem parar. Vestida num sobretudo preto, meias calças, luvas e uma sapatilha das mesmas cores, sinto o vento frio bater em meu rosto e jogar meus cabelos cacheados para trás. Escuto o padre dar suas ultimas palavras e lamentar pela última vez, depois ele faz o sinal da cruz com a mão e fecha a bíblia. Um dos coveiros aperta um botão e o caixão começa a se mover indo em direção para o fundo do buraco.
Não tenho reação, não tenho nem se quer mais nenhuma lágrima para deixar sair. Fico ali olhando para a pessoa que um dia me disse inúmeros "eu te amo", inumeras brigas e discussões que valeram a pena. Mais e mais fundo o caixão se vai, até que o perco de vista. Logo depois os coveiros tiram as faixas grossas que levaram ele para dentro e desmontam o pequeno elevador. Eles se retiram e logo um aparece com uma pá e começa a jogar a terra na cova. E em questões de minutos a cova já está totalmente tampada, o coveiro se retira assim como todos que estavam por ali e finalmente fico sozinha.
Sentada em frente as duas covas. Antes era órfã de pai, agora sou de ambos. Olho para a lapide de mármore com o nome de meu pai.
"Robert Miller. Amado pai e esposo, sentiremos saudades."
Meu pai, o único homem que eu amei e realmente o único que eu acho que irei amar. Aos meus 17 anos o perdi para um câncer no estômago. Era lindo, com seus 1,70 de altura, cabelos castanhos e olhos azuis, ele havia me ensinado tudo oque sei hoje, amávamos calvagar e cuidar dos cavalos no haras em que trabalhávamos. Ele era tudo pra mim.
Direciono meu olhar para a lápide de minha mãe recém colocada ao lado esquerdo.
"Marita Miller. Amada mãe e esposa, sentiremos saudades."
Minha mãe, a mulher mais incrível desse mundo. Com um sorriso contagiante que nunca saia de seu rosto, seus cabelos longos e castanhos e com um coração do tamanho do universo. Era a mulher mais destemida e decidida que já vi na vida, não parava a vida por um simples "não", só parava quando via que aquilo não valeria a pena. Era uma mulher de um coração enorme onde sempre cabia mais um.
Eramos somente nos três. Não eramos ricos e nem pobres, não eramos exageradamente felizes, porém não deixamos a tristeza nos pegar, juntos eramos fortes e corajosos, mas agora, os dois haviam ido embora me deixando sozinha.
Perdida no meio dos meus pensamentos, sinto alguem se sentar ao meu lado. Olho em sua direção e vejo uma mulher de cabelos longos tão brancos quanto sua pele, olhos azuis e com algumas rugas perto deles. Quando ela me olha, percebo que seu rosto era um pouco familiar para mim.
— Olá Ária.— ela diz quebrando o silêncio.
— Olá.— digo.
— Vc se lembra de mim? Meu nome é Constance Leto.— ela diz cautelosa.
E é ai que sei quem aquela mulher era.
— Sim, a senhora era amiga da minha mãe?— pergunto baixinho.
— Sim querida, isso mesmo.— ela diz fazendo uma pausa.— Como vc sabe eu e ela fomos amigas desde bebês, fomos criadas juntas, praticamente irmãs. — ela diz sorrindo de leve.
— Ela falava muito da senhora.— digo cabisbaixa.
— Ela era e sempre vai ser minha melhor amiga.— Constance diz com a voz embargada.
— Obrigada por ter vindo.— digo.
— Vim para mais uma coisinha meu amor.— ela pausa chegando mais perto de mim e pegando em minha mão.— Semana passada, sua mãe me ligou e conversamos por varias horas e logo depois ela me pediu algo que eu jamais recusaria nem em um milhão de vidas.
— E oque é? — pergunto um pouco curiosa.
— Ela me pediu para que cuidasse de vc.— ela diz serena.
— Mas... Como assim?— pergunto franzindo o cenho.
— Eu também não entendi, mas ela disse que estava sentindo algo estranho como se algo fosse acontecer com ela.— Constance começa a se explicar.— Ela chegou a me implorar Ária e eu disse que sim que cuidaria de vc com o maior prazer do mundo.
— Não espera isso ta estranho.— digo tirando minha mão da sua.
— Eu sei minha querida que está sendo difícil isso, mas Ária vc não tem mais ninguém aqui, sua mãe pediu a mim isso pq eu sou a única pessoa em quem ela confia para ficar com vc.— ela diz.
— Ta mas eu não sou menor de idade, eu tenho idade para cuidar de mim mesma.— digo um pouco alto.
— Ária querida! Sua mãe não queria que vc ficasse sozinha aqui nessa cidade, entenda. Olha eu moro em Los Angeles, uma cidade grande cheia de oportunidade para uma garota linda como vc, vem comigo, sim?— ela pergunta.
Encaro seu rosto pensativa. Como minha mãe pode pedir isso? Como ela já sentia que algo iria lhe acontecer? É estranho isso. Uma mulher que mal vi na vida pedindo para que eu vá para um lugar totalmente diferente daqui, se bem que meu sonho era sair daqui. Mas não é uma mulher qualquer, de fato sim, ela e minha mãe eram grandes amigas. Olho para Constance que me encarava com uma expressão de curiosidade.
— Olha dona Constance realmente é um pedido e tanto, mas tenho que pensar sabe?! Acabei de perder a minha mãe e não tenho nem como ir para lá. — digo sem graça.
— Primeiro: eu te entendo e sei que é super estranho eu ter te pedido isso, então tire o tempo que quiser para pensar ta? E segundo: se vc disser que sim, não se preocupe que sua viagem eu mesma irei pagar, faço de tudo pra ter vc perto de mim Ária, eu te vi nascer, te vi crescer e tenho a maior certeza do mundo que se fosse os meus filhos passando por isso, sua mãe iria fazer oque estou fazendo agora.— ela diz serena.— Aqui está o meu número, me ligue quando tiver sua resposta tudo bem?
— OK, eu te ligo sim.— respondo.
— Eu tenho que ir querida.— ela diz e nos levantamos.— Vc se parece muito com ela, tão linda! Pense bem ta bom, vc vai amar Los Angeles.— ela diz e eu assinto.
Ela me puxa para um abraço e me aperta de forma carinhosa em seus braços. Fecho os meus olhos ao sentir aquilo, era uma abraço tão bom e tão familiar.
— Obrigada dona Constance, irei pensar com carinho.— digo e ela assente.
Flashback off
Aquele abraço foi um dos melhores que ganhei naquele dia, era tão aconchegante, era o tipico abraço de mãe.
— Ária? Estou falando com vc.— escuto a voz de Andressa me despertar.
— Oi?
— Vc viajou agora hein?! Perguntei se vc já pensou no que ela te pediu.— ela pergunta.
— Eu não sei Andressa, esse pedido é muito sério.— respondo colocando uma mexa de cabelo atrás da orelha.
— Ai, olha Ária eu sou sua amiga e é meu dever te dar conselhos mesmo que vc não me escute.— ela diz se sentando de frente para mim e pegando minha mão.— Doe oque doer. Amiga, sua vida não é mais aqui, vc infelizmente perdeu tudo, vc não tem mais ninguém... A não ser eu e minha mãe. Olha é difícil aceitar, mas sua vida está mais além dessa cidade cheia de lama, sua mãe vivia dizendo isso a vc.
— Eu sei Dressa, mas como posso aceitar um convite de uma estranha?— pergunto franzindo a testa.
— Sua mãe não teria pedido isso a ela se e fosse uma estranha Ária. Pensa comigo! Sua mãe tem parentes em Nova York e em Louisiana, ela poderia ter pedido pra qualquer um da sua família pra cuidar de vc, mas não! Ao invés disso ela pediu a uma amiga de infância. Ária sua mãe não era louca e eu tenho certeza absoluta de que ela estava ciente do que estava fazendo.— Andressa diz olhando no fundo dos meus olhos.
— Mas... E vc? Não quero te deixar.— digo com os olhos marejados.
— Eu sempre estarei ao seu lado, não importe o quão vc esteja longe.— minha amiga diz tocando eu rosto.— E além do mais, terei um motivo pra conhecer a cidade dos anjos.— ela diz num tom divertido arrancando um sorriso de mim.— Vá minha amiga, faça pelo menos um teste, ganhe o mundo, vc é jovem e sei que sua mãe não iria querer te ver assim.
Assinto e volto a me deitar. Andressa se levanta e vai para o banheiro. Talvez ela esteja certa. Nunca fui tão fã dessa cidade. Pra ser sincera, nunca fui a garota mais popular da escola, nunca fui de ter minha rodinha de amigos era somente eu e Andressa, as duas esquisitas da escola. Nunca fui uma garota tão vaidosa assim, não que eu fosse um machão, mas sempre fiz coisas que todos os homens insistiam em dizer que eu não daria conta, para mim o único lugar em que eu amava ficar era o haras onde eu e meu pai trabalhávamos, cuidar de todos os cavalos era minha terapia e hobbie favorito. Mas isso tinha mais sentido quando eu tinha uma familia e agora não me sobrou mais nada. Então oque havia de errado em conhecer uma cidade nova? Ou em tentar uma vida longe dessa cidade? Nada estava me impedindo. E se minha mãe realmente sabia oque estava fazendo é pq ela sabia exatamente que lá eu teria a vida que ela sempre almejou para mim.
Olho para meu lado esquerdo e vejo meu celular no criado mudo e ao seu lado, o cartão com o número de Constance. Pego os dois. Desbloqueio meu celular e começo a discar os números e sem pensar duas vezes ponho para chamar. Toca várias vezes e por fim já estava achando que ela não iria me atender. Não está tão tarde assim! Penso comigo mesma. Quando estou prestes a desligar, ela atende:
— Alô?
— D-dona Constance?— pergunto gaguejando.
— Sim? Ária é vc?— ela pergunta.
— Sim sou eu!
— Ai que bom que ligou querida, te liguei hoje cedo mas não me atendeu.— ela diz docemente.
— Desculpe! Sai e acabei esquecendo ele.— minto.
— Ah sim! Então a que devo a honra?— ela pergunta.
— Por acaso aquele convite ainda está de pé? — pergunto sem jeito.
— Claro que sim, pq?
É agora ou nunca Ária. Respiro fundo e finalmente digo:
— Pq eu aceito morar com a senhora.
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