"Eu estou assustada
Eu tenho observado você por algum tempo
Não posso parar de olhar para seus olhos de oceano
[...]
Eu nunca caí de tão alto
Caindo em seus olhos de oceano
Esses olhos de oceano"
- Billie Eilish, Ocean Eyes
- Agora, levanta os braços - Perrie pediu e eu obedeci. Calmamente, ela puxou um alfinete da almofadinha em seu pulso e o espetou no tecido sob meu braço esquerdo. Então espetou outro mais embaixo - A gente vai ter que dar um jeito nesse aqui. Essa coisa ficou enorme nela.
- Não tinha outro? - Leigh-Anne chegou carregando duas sacolas abarrotadas de roupas.
Perrie negou com a cabeça:
- Não, não do jeito que o professor quer.
- Então, temos que nos virar para fazer um figurino decente. De novo.
- Exato. Agora, pode se virar - Perrie pediu gentilmente e eu obedeci, observando-a repetir a mesma sequência sob o braço direito - O que você trouxe aí? - ela se voltou mais uma vez para a outra garota.
- Oh, basicamente, o que eu achei lá nos bastidores e umas coisinhas que eu consegui emprestadas. Vou chamar os outros que estiverem desocupados para vir experimentar as roupas.
- Isso, temos que adiantar essa parte. Imagina só se acontece algum imprevisto como no ano passado...
- Nem me fala uma coisa dessas. Faltaram várias peças e tivemos que virar a noite para dar um jeito. Esse ano vai ser diferente.
- Pronto - Perrie deu um passo para trás e analisou seu trabalho - eu vou buscar mais alguns alfinetes, não demoro. Só... Tente não se espetar, okay?
Assenti e as duas saíram do ambiente. A srta. Gomez havia concordado em ceder seu horário para os ajustes da peça e avaliar pontos extras nessa aula, então todos estavam cooperando, de um jeito ou de outro.
Andei até o enorme espelho que ficava em um canto e olhei a garota metida em um vestido horrível e enorme. Estava hilária. Ri sozinha por um momento, me imaginando lá na frente, no palco, interpretando. Ainda não havia comunicado meus pais sobre a peça mas tinha que fazê-lo logo, seria bom ver rostos conhecidos me apoiando da plateia.
Virei-me de repente ao ouvir um barulho atrás de mim. Lauren segurava um punhado de pincéis e uma caixa pequena de madeira e sorriu sem jeito ao me ver:
- Ah, você estava aí? Eu nem reparei, me desculpe.
- Estava me espionando? - ela ficou vermelha - Desde quando?
- Espionando? Eu? Não! Eu só vim pegar umas... Coisas pra... Pintar - ela ergueu as mãos - E você estava aí e...
Eu ri.
- Santo Deus, você é péssima em mentir.
- E você está ótima nesse vestido - ela murmurou e foi a minha vez de ficar vermelha até a raiz dos cabelos. Como é que é? - Quer dizer, não que você não seja mas, sabe, está mais.
- Estou nada, é... Só um vestido velho e largo demais - estiquei a barra da saia e me curvei levemente, em uma saudação mal feita, tentando aliviar o clima meio esquisito que se instalara ali. Lauren riu. E então o silêncio pairou entre nós e apenas ficamos nos encarando, meio sem jeito. Tinha alguma coisa naqueles olhos, alguma coisa que me fazia querer me afastar e me aproximar ao mesmo tempo. Confuso? É, claro que é. De outro modo, não seria sobre mim.
- Ei, o que está acontecendo aqui?! - Dinah praticamente berrou, com as mãos nos quadris, encarando a nós duas. Corei ainda mais, se é que era possível. Minha melhor amiga alternou o olhar entre Lauren e eu, um sorriso divertido tomando conta de seu rosto. E então explodiu em uma gargalhada que deixou tudo ainda mais esquisito.
Lauren fez menção de sair:
- Eu só vim pegar o material de pintura e já estava indo. Passar bem, Camz. Até mais, Dinah.
- Hum... Até - Dinah a observou se afastar e então se virou para mim - Chancho, o que foi isso? Camz? Eu perdi alguma coisa importante aqui e exijo saber o que foi.
- O que foi isso o quê? - me embolei ao tentar fugir do assunto.
- Essa cena. E esse apelidinho. A Leigh-Anne me mandou vir ajudar com a roupa mas eu acabei encontrando vocês duas se olhando e tipo, uau.
- Uau? - me virei de costas para ela - China, você bebeu?
- É, pode ser, por que o que eu vi só pode ter sido uma puta de uma alucinação, Camila.
- Não aconteceu nada.
Dinah riu e apoiou as mãos em meus ombros:
- Karla Camila, ela te chamou de Camz. Somos melhores amigas. Tem algo que eu deva saber? Ou que eu queira muito, muito, muito saber?
- Não, claro que não - tinha? Eu mesma não fazia a mínima ideia.
- Espero que não mesmo, por que você outro dia deu chilique só pelo fato de eu conversar com ela.
- Dinah!
- Certo, certo - ela deu de ombros - Mas agora é sério, se tiver algo pra dizer, não faça cerimônia, Walz. Sabe que pode confiar em mim.
- Chee? - chamei. Ela arqueou as sobrancelhas - Você está me deixando sem jeito.
Ela deu de ombros mas aquele sorriso ainda estava ali. Procurei algo para dizer, algo que fizesse sua atenção se desviar de mim:
- Você também não teria algo para me contar, teria?
- Eu?
- Sim. Tipo, qual foi o real motivo do bolo que você deu em mim e na Ally ontem.
Seu rosto foi do branco do ao vermelho e do vermelho ao roxo em um milésimo de segundo. Te peguei, Dinah Jane.
Ela abriu a boca mas a fechou novamente. Então pareceu pensar melhor e soltou:
- Ainda não vou contar.
- Por quê? - me virei para olhá-la nos olhos.
- Por que não quero me decepcionar.
Oh. Certo.
- Então eu espero. Mas não demora muito por que eu não sou tão paciente.
- Você vai ser a primeira a saber, Chancho.
- Promete?
- Ahã. A primeira - Dinah se inclinou e tocou meu nariz com o seu, me fazendo rir. Fiz menção de abraçá-la, mas ela me afastou - Nem pense nisso, não curto esse lance de acupuntura.
- Ah, é mesmo - me lembrei dos alfinetes que seguravam minha roupa e deixei escapar uma risada.
~☪~
Lauren desenhara uma borboleta em um pedaço de papel e passara para mim discretamente - ela também mudara de lugar, estava na carteira à minha frente, mas eu não me senti incomodada dessa vez. A borboleta dizia "Hey Camz, o que há de novo?"
"Sem novidades"
"Jura? Você parece ser alguém tão interessante. Tipo, a cada passo, uma nova aventura."
"Minha vida é tão interessante quanto assistir uma corrida de tartarugas em câmera lenta."
"Não acredito. Pelo menos não é essa a impressão que eu tenho.", Lauren se virou o suficiente para que eu pudesse olhá-la nos olhos após ler o papelzinho. Olhos de oceano.
Aquele maldito sorriso convencido e superior estava de volta.
"Por quê?"
"Em uma semana você conseguiu agitar a minha vida mais do que eu conseguiria sozinha em um ano."
- Que exagero - murmurei.
Ela arqueou as sobrancelhas:
- Não acho.
- Certo - mordi a ponta da caneta, pensando - Que tal agitá-la mais um pouco?
A expressão de Lauren passou rapidamente de surpresa ao que eu identifiquei como "expectativa contida":
- Como?!
- Vou te ensinar a andar de bicicleta.
Ela fez uma careta:
- Não. Qualquer coisa menos isso.
- Qual o problema? - perguntei com falsa inocência.
- Já te falei.
- Mas você não parecia com medo quando nós voltamos - alfinetei, lembrando-me do episódio, o que fez meu rosto corar de vergonha com o que eu acabara de dizer e também um sorriso presunçoso surgir em seus lábios.
- Por que você estava comigo.
Abaixei o olhar.
- Eu também vou estar lá, só que você é quem vai guiar a bicicleta. Sozinha.
Ela ficou em silêncio por tanto tempo que eu acabei erguendo os olhos para checar se ela ficara chateada.
(seus olhos de oceano)
Lauren me analisava cuidadosamente:
- Isso é sério?
- O quê?
- Você vai estar lá? Vai estar lá quando eu precisar?
Por que de repente essa conversa assumiu um tom tão sério? Assenti, sem entender realmente sobre o que diabos ela estava falando.
- Sim - sua expressão se suavizou mas ainda havia um vinco entre suas sobracelhas. E eu não fazia ideia da magnitude do que eu acabara de afirmar com uma palavra tão simples.
- Só não vale rir de mim - ela soltou de repente, parecendo mais uma criança do que nunca e eu tive que me controlar para não rir.
~☪~
Lauren me entregara sua jaqueta e me olhava como se tudo aquilo fosse uma grande pegadinha.
- Pode subir - gesticulei com a cabeça para a bicicleta.
A entojada mordeu o lábio inferior mas obedeceu. Eu apoiava o guidão com a mão livre.
- Certo, e agora? - ela passara uma perna sobre o selim.
- Agora você pedala.
- Não deveria haver algo como, sei lá, rodinhas?
- Lauren. Rodinhas são para crianças. Você tem dezessete anos.
- Dezoito - ela me corrigiu e eu arqueei as sobrancelhas - Perdi um ano na escola quando me mudei para cá. No fundamental.
Ah, bem esclarecedor.
Amarrei sua jaqueta na minha cintura e fui até suas costas.
- Tudo bem, você vai pedalar. Devagar, até que você se acostume. Mas não tão devagar, por que você cairia, entendeu? - Lauren assentiu.
A empurrei delicadamente e ela seguiu, desajeitada no início - o que me causou uma ponta de apreensão pela minha bicicleta - mas pegou o jeito rápido. Foi até o fim da rua - ainda estávamos na escola - e voltou, parando de forma um tanto rude ao meu lado.
- Parabéns - eu ri - Conseguiu dar uma volta sem se matar ou machucar alguém. Só precisa se familiarizar mais com os freios - enfatizei a palavra ao apontar para eles.
- Muito engraçado - ela revirou os olhos, descendo da bicicleta - Mas já deu para mim.
- Ah, tão cedo? - ironizei.
A entojada se sentou na calçada e me fitou:
- Eu estava pensando em uma coisa.
- Em quê?
- Se lembra da primeira vez que a gente se viu?
Engoli em seco e assenti. Como esquecer aquilo? Lauren continuou:
- Parando pra pensar, foi até engraçado.
- Está de brincadeira, né? Você quase morreu.
- Eu não quase morri - ela torceu o nariz - Foi só uma reação alérgica.
- Não foi o que a diretora disse que a sua mãe disse para ela.
Lauren abanou a mão, descartando o comentário:
- Minha mãe exagera às vezes. É algo natural dela. Se bem que foi insuportável e em algum momento eu tive vontade de arrancar a minha própria pele na unha mas...
- Lauren.
- O quê?
- Pare, por favor. Está me deixando mal.
- Oh, hum... Certo. De qualquer jeito, eu deveria ter feito uma coisa lá atrás que talvez tivesse mudado algumas coisas que vieram depois.
- Não estou entendendo - a fitei, confusa. Seus olhos
(olhos de oceano)
estavam tão... Intensos.
- Me desculpe.
- Pelo quê?
- Por não ter aceitado as suas desculpas antes.
- Ah, hum, está meio tarde para isso - resmunguei.
- Será que você não pode só, sei lá, aceitar e fingir que está tudo bem agora?
- Certo - bufei - Desculpas aceitas com sucesso.
Ficamos em silêncio por um tempo, fitando a rua, os carros passando. Talvez eu tenha me acostumado com sua presença, por que ela já não era tão incômoda quanto antes. De algum modo, ela acabou estando bem ao meu lado, o braço roçando suavemente o meu, causando leves ondas de arrepios.
- O q... - comecei, mas a frase morreu e eu apenas deixei que o silêncio continuasse seu trabalho. Ela também não disse nada.
Talvez palavras não fossem mesmo necessárias.
~☪~
- E agora? - Harry perguntou, analisando um dos frascos que tínhamos sobre a nossa bancada do laboratório, cujo líquido assumira uma coloração azul. Anotei em meu caderno a classificação da substância. Aulas de Química definitivamente não eram as minhas favoritas.
Dei de ombros:
- Acho que agora é essa aqui - apontei a substância seguinte no livro. Estávamos fazendo alguns testes com indicadores ácido-base e eu me confundia a todo momento com que cor indicava acidez ou basicidade. Harry não ajudava em nada, tagarelando alguma coisa sobre um novo jogo que ganhara de aniversário.
Ele me passou um frasquinho - que aparentemente era igual aos outros - e eu gotejei o líquido sobre uma nova dose do indicador ácido-base. Ele ficou roxo. Mandei Harry anotar o resultado e só então me permiti relaxar. Aquele fora o último.
- Certo - ele concluiu - Agora a gente se livra disso, como o professor falou.
Colocamos tudo sobre uma bandeja e limpamos o tampo de granito da nossa bancada.
- Você devia amarrar esses cadarços primero. Vai acabar caindo - observei. De fato, ambos os tênis de Harry estavam com os cadarços soltos e ele parecia não dar a mínima importância. Negou com a cabeça:
- Relaxa, eu tenho um ótimo equilíbrio. Agora, vamos lá - pegamos a bandeja com o máximo de cuidado e fomos em direção às pias, que eram específicas para esse tipo de descarte.
Estávamos quase lá quando Harry tropeçou nos próprios pés - eu avisei, não avisei?! - e a bandeja literalmente voou das nossas mãos. E literalmente caiu em cima de uma certa líder de torcida, que - veja só, que coincidência - estava próxima a nós.
Houve um breve momento de choque, em que o laboratório caiu em um silêncio tão pesado que os menores ruídos pareciam estardalhaços.
E então Lauren Jauregui iniciou o maior chilique do século.
Ela surtou pra valer e eu fiquei sem reação diante da cena. O resto do nosso trabalho de Química caíra todo em Lauren e quando o sr. Mendes chegou, eu podia jurar que a pele dela - pálida como um pedaço de papel - estava ficando vermelha, claramente uma reação alérgica. Entrei em pânico.
- Calma, srta. Jauregui, acalme-se, por favor - o sr. Mendes pediu, tentando se aproximar mas sem realmente tocá-la, o que só a fez aumentar o chilique.
- Está queimando!
Ai meu Deus, o que eu fiz?
- Eu sei, venha comigo, vou levá-la para a enfermaria - relutante, Lauren se deixou levar. Quando eles estavam na porta, o professor se virou para a turma: - Ninguém sai da sala, eu já volto.
E todos os quinze pares de olhos naquela sala se voltaram para nós e eu nunca quis tanto matar o Harry estrangulado com aqueles malditos cadarços quanto naquele momento.
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- Como ela está? - perguntei à sra. Grant, cerca de dois dias depois do incidente, após doses cavalares de coragem.
Ela me fitou por um instante antes de responder:
- A sra. Jauregui disse que não está lá muito bem.
Oh, merda. Meu coração apertou. Eu serei a responsável por matar uma aluna no meu primeiro ano nessa escola. Que ótimo.
- Mas - a diretora continuou - Ela está fora de perigo, não precisa se preocupar, embora tenha sido uma reação alérgica forte. Provavelmente daqui a uma semana, a srta. Jauregui já estará de volta ao colégio.
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E voltou mesmo. Uma semana exata mais tarde, lá estava ela, metida em seu uniforme verde e preto, a pele da lateral do rosto e do pescoço começando a descascar. Como uma cobra, pensei incoerentemente, enquanto ela realizava seu desfile diário pelos corredores, acompanhada de perto por seu séquito de trouxas, a tal da elite do HHS. Ninguém ousava sequer ficar observando-a por mais tempo que o necessário, quanto menos comentar sua atual situação.
Quando passaram por mim, seu olhar frio pousou em mim por um segundo a mais e senti os joelhos um tanto fracos. Então ela empinou o nariz e continuou andando. Mas eu precisava falar com ela.
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Tentei arrastar Harry comigo, mas ele fugiu como o diabo foge da cruz, logo eu teria que pedir desculpas por nós dois. As coisas estavam só melhorando.
Lauren estava parada sozinha em frente ao seu armário, concentrada em procurar alguma coisa e nem notou a minha presença. Pigarreei. Ela levou um instante para me perceber ali e quando o fez, seus olhos se estreitararm até se tornarem praticamente duas fendas verdes:
- O que você pensa que está fazendo aqui?
- Eu, hum... Eu vim pedir desculpas.
A entojada me analisou atentamente antes de jogar a cabeça para trás e soltar uma sonora gargalhada - que não tinha o mínimo resquício de humor, diga-se de passagem.
- Você quase me matou.
- Não foi bem assim...
- E agora espera que eu aceite um pedido de desculpas?
- Foi um acid...
- Escuta aqui, garota - ela se inclinou um pouco em minha direção, mas me recusei a mostrar meu nervosismo - Você não tem ideia da besteira que fez. Mas eu vou te fazer lembrar, sempre que eu puder - sua voz baixou até se tornar um sussurro - Por que eu vou fazer da sua vida um inferno.
Então ela fechou seu armário com um gesto brusco e se afastou, me deixando completamente sozinha no corredor.
E as coisas não melhoraram muito dali em diante.
~☪~
Estava quase caindo no sono, embalada pelo ressonar baixinho de Sofia na cama ao lado - um som tão calmante e reconfortante para mim -, quando me lembrei de algo pela milésima vez naquela noite.
Meus olhos pousaram na jaqueta dos Hilltop Hawks jogada no encosto da cadeira e todo o meu dia me passou pela cabeça como um flashback confuso.
Eu devia ter me lembrado de devolvê-la, devia mesmo.
Mas nem a própria dona se lembrou da peça de roupa ao se despedir e seguir seu caminho, emoldurada pelos raios de sol do final da tarde, e a jaqueta ficou na minha cintura. Só me dei conta quando cheguei em casa e mamãe perguntou de quem era.
- O quê? - olhei para baixo e me deparei com o tecido ao redor da minha cintura - Ah, bem, uma amiga me pediu para guardar... Só por hoje - Essa foi péssima, Camila. Nem se eu fosse minha mãe acreditaria.
Mas ela apenas deu de ombros:
- Não esqueça de devolver.
- Não irei - prometi. Não mesmo.
Não posso me esquecer, pensei com incoerência, quase despencando para o abismo do sono, a imagem da jaqueta flutuando em minha mente. Verde como os olhos del...
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