Higuruma suspirou, fechando a pasta do caso. Não era um dos casos mais impossíveis que já recebeu, mas estava dando uma boa dor de cabeça.
O julgamento estava cada vez mais próximo e sua tese de defesa ainda estava incompleta. O acusado do caso também não era de muita ajuda, um dos típicos que só sabia piorar a sua situação a cada vez que abria a boca.
Massageou as têmporas, um leve estímulo desesperado para afastar a enxaqueca que o atormentava desde a manhã, provavelmente decorrente do pouco sono ou do excesso de trabalho.
No entanto, qualquer cansaço ou percepção de dor sumiu quando ouviu a porta de seu escritório abrir. Um sorriso sincero se abriu quando viu o rapaz entrar no cômodo, coisa que ele mesmo nem percebeu que havia feito. Mesmo se percebesse, o advogado já estava caído demais para se importar em não demonstrar.
— Doutor Higuruma, acho que o senhor deveria fazer uma pausa. — O cabeludinho se aproximou da mesa, deixando a bandeja que trazia consigo sobre ela e se sentando na ponta.
O mais velho olhou-o com um olhar zangado, mas que não durou muito, se desmanchou ao observar a gargalhada divertida que o baixinho soltou. Odiava ser chamado de senhor, mas não podia resistir à gargalhada gostosa.
— Você tá preso nesse escritório desde manhã, tem que comer alguma coisa. — Pegou a xícara de café da bandeja e deixou-a em sua frente. — Te trouxe um cafézinho, mas você ainda precisa comer.
Hiromi abriu um sorriso sincero, tocado pela preocupação dele.
— Não precisa se preocupar comigo. — Deu um gole no café, fazendo uma pequena careta ao sentir o gosto adoçado.
O jovem soltou um suspiro frustrado, murmurando um palavrão baixinho em sua língua materna.
— Droga, eu esqueci de novo. Você toma sem açúcar, né? Eu pego outro… — Estendeu a mão, mas o advogado terminou de beber o conteúdo da xícara antes que ele pudesse pegá-la.
— Não tem problema. — Suspirou pesadamente, aliviando a tensão dos ombros. Colocou de novo a xícara na bandeja. — Mas eu aceito se você me trazer mais uma xícara.
O rapaz sorriu atentado.
— Volto num instante.
Higuruma deitou a cabeça na mesa, esperando. Tirou um pequeno cochilo, sendo acordado 15 minutos depois com o toque delicado do jovem em suas costas.
— Doutor Higuruma… — Ele chamava baixinho enquanto o tocava tão levemente que era como se ele estivesse com medo de acordá-lo de fato.
Hiromi soltou um sonzinho de puro sono, mas a intenção era ter dito alguma coisa (que ele mesmo havia esquecido, ainda inebriado de sono). Esfregou os olhos e se espreguiçou, se sentindo culpado por ter pego tão fácil no sono.
— Ia pedir desculpas pela demora, mas valeu a pena se você tirou um cochilo. — Colocou a bandeja sobre a mesa, o olhar curioso de Higuruma pousando sobre tudo o que não era uma xícara de café. — Pensei que seria justo você tomar um café decente, já que nem almoçou. E também pensei que seria justo tomar café com você. — Sorriu, um daqueles sorrisos que derretiam Higuruma por inteiro.
Ele era realmente um anjo.
Hiromi não tentou argumentar contra, pois sabia que ele tinha razão. Pacificamente, pegou a xícara de café, sorrindo ao sentir o delicioso aroma do café recém passado.
— Obrigado.
— Não há de quê. — Lançou-lhe uma piscadela.
O rapaz pegou um dos objetos da bandeja, os olhos atentos de Hiromi seguindo seus movimentos com a latinha verde. Quando ele abriu a latinha e bebeu o primeiro gole, o mais alto pode ver o rótulo e teve a certeza: era um Monster de chá de limão.
— Você não tinha dito que ia tomar “café”?
O cabeludinho soltou uma risadinha graciosa.
— É jeito de falar! E, no final das contas, tem cafeína, então tem o mesmo resultado.
O mais velho soltou um suspiro frustrado, sabendo que aquilo não levaria a lugar nenhum.
— Você toma isso demais, não acha? É viciado em energético.
— E você trabalha demais, não acha? É viciado em trabalho. — Tomou mais um gole, lento como se estivesse torturando o mais velho. — Cada um tem o direito de estragar a própria vida do jeito que quiser, sempre acreditei nisso.
Hiromi soltou outro suspiro frustrado, bebericando o café, dessa vez sem açúcar.
— Eu percebi, fui seu advogado de defesa, caso já tenha esquecido.
O rapaz soltou uma risadinha, alcançando o pacote de bolachas em cima da bandeja e dando mais um gole na latinha verde. Higuruma usou a deixa para alcançar o bolo de fubá, seu favorito desde que havia experimentado pela primeira vez — recomendação do jovem cabeludo, é claro.
Provou a primeira garfada do bolo, sentindo o estômago dar uma leve bronca por essa ser sua primeira refeição do dia. O jovem sorriu vendo a forma que ele franziu o cenho, pegando um potinho e colocando em sua frente. O advogado também abriu um pequeno sorriso vendo o potinho com banho maria.
— Você não acha que me conhece um pouco demais?
O mais novo soltou um risinho e jogou o torso para trás, pegou mais uma bolacha e respondeu num sussurro antes de levá la a boca:
— De nada.
Quando terminaram o café, o cansaço pareceu bater três vezes mais pesado em Higuruma. Os olhos piscavam pesados, ele sentia vontade de bocejar a cada 1 minuto e nem mesmo uma boa espreguiçada tinha o dado energia o suficiente para que ele decidisse abrir novamente a pasta para trabalhar no caso.
Os olhinhos culpados adornados por olheiras miraram a pasta, enquanto ele rezava mentalmente a qualquer divindade que pudesse existir para que uma inspiração divina lhe fosse dada para finalmente completar a tese de defesa.
Talvez suas preces tivessem sido ouvidas, afinal os dedinhos curiosos do diabinho com cara de anjo sentado em sua mesa alcançaram o objeto.
Higuruma observou atencioso enquanto ele folheava as páginas com um olhar julgador.
— Que caso é esse? E o que fala esse tal Artigo 121?
Hiromi soltou um riso anasalado, ganhando um bico como resposta.
— Você é o pior secretário que eu já tive, sabia?
Ele gargalhou, a risada adorável enchendo o peito do mais velho com aqueles sentimentos que ele antes havia se esquecido como eram.
— Mas tem algo em que eu sou o melhor. — Deu uma piscadela, soltando mais uma risada ao ver o advogado corar. — Que safadinho, eu nem disse que era nada assim.
— Eu te conheço o suficiente pra saber. — Levou a mão até o rosto, não acreditando no que estava prestes a fazer. — Me dê sua opinião, quem sabe assim não consigo terminar logo essa tese…
O cabeludinho apenas meneou um sim com a cabeça, observando-o com curiosidade. Hiromi pegou a pasta de suas mãos com delicadeza, separando algumas páginas em específico.
— Os detalhes do caso estão aqui. — Sorriu, pensando no quão fofo o jovem ficava enquanto lia. — Como você defenderia ele? Os álibis, as motivações, etc…
Desde que haviam se… aproximado — e era essa a palavra que Higuruma dizia a si mesmo —, o advogado já havia falado muito sobre o próprio trabalho e como ele formulava suas teses de defesa. De alguma forma, falar com o rapaz — que havia praticamente platinado o código penal — dava um ar diferente para as coisas e ele conseguia formular teses melhores e mais rápido.
— “Vossa Excelência, ele fez porque ele quis”?
Mesmo que ele nem sempre fosse de grande ajuda.
Higuruma suspirou e logo depois soltou um riso anasalado.
— Péssima defesa. Condenado.
— Qual foi? — Bufou. — Não é uma defesa válida?
— Claro que não! — O advogado riu, a voz grossa soando tão graciosa para os ouvidos do rapaz. — Mas obrigado por tentar…
— Ah, eu posso fazer melhor do que isso, doutor Hiromi! — Franziu o cenho, agarrando os papéis com mais força como se isso fosse fazer 5 anos de faculdade de Direito e mais alguns de especialização fosse entrar em sua cabeça. Higuruma sorriu, achando o jovem adorável e esperando. — Tenho certeza que consigo, saca só!
Dedicou-se a estudar o caso como se entendesse de fato. Pulava os números dos Artigos, os termos especializados e qualquer coisa que parecesse difícil demais, mas dedicou-se na medida do possível.
Os minutos passavam, o cabeludinho continuava focado e o advogado esperava com paciência e um sorriso doce e sincero. Levantou-se da mesa, parando próximo de onde o jovem estava, destacando algumas partes do texto. Então, enquanto ele continuava a pensar, o doutor dedicou-se a um trabalho que ele amava ainda mais do que ser um operador direito: fazer cafuné na cabeleira castanha do jovem.
Afundou os dedos pelos fios, um carinho gostoso que quase distraiu o mais baixo, mas, com muita fé e força de vontade, ele continuou focando-se na bendita defesa que tanto queria formular. Ao menos, de primeiro momento.
O mais velho adorava seus momentos de carícias com o rapaz desde… o acontecido. Eles não tinham nenhum nome e nem palavras declaradas — o rapaz era do tipo que gostava de ser pedido ao invés de pedir e Higuruma era medroso; morria de medo de perdê-lo e tinha medo que isso fosse afastá-lo. Não fosse por isso, não demoraria muito para colocar um anel em seu dedo. Sim, ele era do tipo emocionado. —, mas também não saíam do lado um do outro.
Desde o dia do julgamento do rapaz, ele havia sido absolvido de todos os seus pecados e ganhado a mais tentadora das indulgências: a companhia de Higuruma.
Já o advogado havia perdido um pedaço de inocência que jamais recuperaria: ainda era difícil entrar em um julgamento sem sentir o gosto azedo da culpa de ter usado meios escusos. Mas depois vinha o gosto doce com os beijos, as carícias, as outras coisas que faziam, e Hiromi, apesar de tudo, não se arrependia de nada, senão o rapaz ganharia uma sentença de morte e não poderia estar ali com ele. Era uma relação com gosto doce azedo, mas assim eram as melhores coisas e o doutor ficava mais do que satisfeito.
O rapaz, embora com a ficha criminal e a péssima fama de demônio, havia chegado como um verdadeiro anjo em sua vida.
Com ele, os dias eram menos cansativos e as noites eram como o paraíso, especialmente quando eram quentes como o inferno. Com ele, os dias de trabalho eram mais curtos e proveitosos e os de folga eram mais divertidos e ele sentia-se verdadeiramente motivado a fazer algo que não fosse ficar enfiado no sofá, ou trabalhar mesmo na folga como era tão habitual. Com ele, Higuruma sentia que podia ter uma vida, uma daquelas do tipo pessoal e não profissional.
E por essas e outras, que o coração do advogado batia mais forte e se enchia de mil e um sentimentos a mais do que ele estava acostumado sempre que ele estava perto, sempre que eles se tocavam. E por isso o cafuné não era tão somente um cafuné, um carinho doce e inocente nos fios castanhos compridos. Era também uma jura silenciosa de algo que Hiromi achava que poderia finalmente chamar de amor, pela primeira vez na vida.
E por isso o cafuné virou um abraço, os braços do advogado o rodeando por trás e seu rosto se afundando em seu ombro. O aroma do condicionador de chocolate dos fios enchendo seu peito de um conforto ainda maior agora que estava coladinho nele.
E por isso o abraço virou uma série de beijinhos atrevidos, mas nem tão mal intencionados assim, no pescoço. Roçou o nariz de maneira manhosa e terrivelmente açucarada em seu pescoço, causando uma risadinha e um leve arrepio.
— Ai, doutor Higuruma! Assim eu não vou conseguir me concentrar pra formular uma defesa!
Hiromi riu, com o rosto ainda colado em seu pescoço.
— Não precisa. Eu já consegui. — Depositou mais um beijinho em seu pescoço. — Mas obrigado pela ajuda.
— Mas, doutor Higuruma… eu não fiz nada. — Franziu o cenho, confuso, enquanto guardava os papéis na pasta.
— Você fez muito mais do que imagina. — E sorriu, mais uma vez enterrando a cara em seu ombro, enquanto uma das mãos desajeitadamente voltava a fazer cafuné.
Higuruma, embora almejasse ternos e sapatos mais caros vez ou outra, era um homem muito simples. Pedia muito pouco para viver, contentava-se com quase nada do que pedia e achava que metade disso era o que chamavam de essencial — e cabe aqui mais um “embora”: embora ele achasse que cada um precisasse de uma quantidade diferente dessas essencialidades.
Dentro de seu peito não haviam tantos sonhos, e talvez justamente por isso o sentimento houvesse o pegado com um solavanco tão forte. De repente, tudo o que era nada virou tudo, e o que era tudo antes, agora podia ser nada.
Das condições essenciais para Higuruma, naquele momento bastava apenas uma: que Nathaniel estivesse ali. E talvez essa fosse a única condição sine qua non de verdade daquele momento em diante.
Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.
Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.