Quando ele aparece em sua frente, com aqueles olhos de uma cor que você nunca viu antes, parece mentira, porque honestamente, o que outro humano estaria fazendo por estes lados da cidade?
Já fazem meses que você não se depara com nenhum humano, há tempos sua reação instintiva tem sido atacar antes de fazer perguntas, porque mesmo os que ainda não foram completamente transformados atualmente agem de maneira violenta, não é seguro arriscar. Nesse momento, também as suas mãos agem como se tivessem vida própria, seguras no pedaço de madeira que fez de arma improvisada, já pronto para o inevitável confronto.
Mas a pessoa grita alguma coisa e o seu cérebro idiota sempre precisa atender imediatamente a demandas desse tipo, os bons modos que foram, literalmente, socados em você sempre levam o seu melhor. É besteira responder a alguém que sabe que irá precisar matar, cedo ou tarde, mas você grita qualquer coisa de volta, não consegue mais nem lembrar-se o que foi e então seu corpo inteiro paralisa no local onde está. A sensação é como estar preso dentro de si mesmo, alerta a todo o ambiente ao seu redor, mas incapaz de mover-se. Como estar preso num pesadelo. Você nunca teria esperado que a sua morte viria dessa forma, mas este parece o único desenvolvimento possível para essa situação.
O outro indivíduo em sua frente parece aterrorizado, uma reação suficientemente humana, mais ainda quando vocês ouvem algo similar a um grunhido, um dos monstros está se aproximando, mas seus dedos não se movem, parecem ter grudado na madeira e o pânico parece crescer a cada instante.
É isso, esse será o seu fim. Ele vai te deixar aqui, porque é essa a única possibilidade neste lugar. Você ou eles.
Alguém presumivelmente do outro lado grita alguma coisa. Seria possível mesmo que fosse outro humano? Você nem tem certeza se este em sua frente é um, pode apenas desejar que seja, talvez exista um conforto em morrer pelas mãos de um igual, em oposto a sofrer uma morte visceral e ter seu corpo destroçado ou rasgado de dentro para fora.
Um tiro dispara ao longe, então dois. Você teria se encolhido, se pudesse mover-se. Sempre odiou o som de armas de fogo, os tiros faziam você se lembrar de lições estúpidas com seu velho idiota no meio da floresta e nas pequenas vidas de animais inocentes que você foi forçado a tirar, apenas para provar algo tão vulgar quanto sua masculinidade. Só assim seria um homem, digno e viril, aos olhos dele. Mas agora as armas são úteis e para o seu mais absoluto desgosto, a habilidade de usá-las também é uma vantagem, embora seja raro encontrar armas de fogo por aqui.
O estranho em sua frente se aproxima, se a distração momentânea daqueles dois segundos de tensão te compraram algum tempo, agora estava tudo acabado, fim da linha para você.
— Não é seguro aqui. — Surpreendentemente, é o que ele diz. — Você precisa vir comigo. — Sua voz soa muito mais incerta do que esperava, mas o pior não é isso. O pior são as suas pernas se movendo, contra o seu melhor julgamento. Você se sente uma marionete e nem pode fazer nada quando ele toca o seu braço para te ajudar a caminhar, nem gritar você pode e também, que bem isso faria? Neste lugar, todos estão largados à própria sorte, berrar como uma criança em perigo não vai te salvar ou assegurar um destino menos terrível.
Alguém corre na direção de vocês, um rapaz loiro de olhos azuis intensos, há um corte em seu supercílio que parece recente, mas não é como o corte na testa que aparece naqueles que foram infectados. A esse ponto, tudo o que pode fazer é esperar. Ele te olha como se você fosse uma das criaturas e, sem dizer nada, encara o outro de olhos estranhos. Parece que os dois são íntimos o bastante, já que não precisam de muitas palavras para que um entenda o que o outro quer dizer.
— Você... — O de cabelos roxos começa, mas o outro o interrompe prontamente.
— …Era um deles. — Suspira. — Eu dei um jeito nele, não se preocupe. — O loiro crispa os lábios, sem deixar de te encarar com escárnio. Aquele que parece ser seu amigo, abandona um suspiro pesado em seguida.
— Sei o que está pensando, Neito. Mas eu não tive escolha, a-aquilo… Aconteceu de novo. Eu não podia abandoná-lo. Não nesse estado. Se ele morrer aqui, você sabe que eu jamais poderia me perdoar.
O tal de Neito te encara de cima à baixo com total desprezo.
— Assim que o efeito passar, ele vai ter que se mandar. Nós não podemos acolher mais um, Hitoshi, você sabe disso.
O olhar do outro é resignado e você se sente novamente como uma criança assistindo aos seus pais tomando decisões importantes para a sua vida, sem consultar a sua opinião, enquanto se vê incapaz de sequer causar uma cena para rebelar-se. Tudo que pode fazer é aceitar passivamente o que o destino te reservou.
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