Naquela manhã, quando Theo entrou no quarto eu já estava acordado e vestido, ele me serviu o café da manhã e ajeitou uns mínimos detalhes da minha roupa.
— Theo, onde exatamente estamos? — perguntei finalmente enquanto o seguia para o café da manhã servido na sala de jantar.
— No solar particular do príncipe. Ele mandou que trouxessem o senhor para cá ontem e disse que o solar está à sua disposição sempre que precisar. — Em teoria o solar fica na quinta ilha de Volpe, mas como a ilha é muito pequena acabou fazendo parte da ilha Orenji.
Seguindo Theo, eu podia ver pelas janelas que a ilha realmente não era muito grande, tinha a casa e um espaço para um jardim, algumas árvores de frutas, então pedras e a água batendo suavemente. O solar em si não era muito grande, pelo que eu podia notar tinha quatro ou cinco quartos, um escritório, uma biblioteca, uma grande sala de estar, a cozinha e a sala de jantar, além de um deque com área de lazer do lado de fora.
Vernon e Erica, que estavam na sala de jantar, levantaram apressados assim que me viram, fizeram milhares de perguntas, mas Stiles não estava ali.
— Você está muito quieto, ainda está preocupado? — Erica perguntou quando saímos do solar prontos para embarcar no carro e seguir viagem.
— Stiles estava no meu quarto de madrugada e conversou comigo. Então, eu ainda estou preocupado sim, mas não da mesma forma. — respondi vendo um empregado atravessar a pequena ponte correndo até nós, diferente da ponte que ligava Portocale a Orenji, aquela era uma ponte pequena com porte apenas para carros e pedestres, também era de altura quase do nível da água e dava para perceber que ficava submersa quando a maré subia.
O empregado chegou perto de nós e fez uma reverência, respirou fundo algumas vezes para recuperar o fôlego e finalmente deu o seu recado.
— Alteza, o príncipe Stiles pediu que entre, vista roupas de montaria e o espere. Ele está vindo buscá-lo.
— Roupas de montaria? — perguntei surpreso olhando para o outro lado da ponte, a estrada por ali era de terra, e havia um longo prado de grama verde perfeito para cavalgar, mas não havia nenhum cavalo ou estábulo por ali.
— São as ordens do príncipe, senhor. — foi tudo o que o empregado disse antes de fazer uma nova reverência e retirar-se para dentro do solar.
— Hum… parece que tenho um encontro. — Erica balançou a cabeça e eu voltei para dentro da casa. Ainda da varanda vi o carro partir com meus amigos, entrei e encontrei Theo separando minhas roupas de montaria.
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Theo também embarcou em um carro e foi embora, ficando apenas eu e os empregados do solar por quase vinte minutos até que o som de cascos galopando chamou minha atenção e me levantei do banco da varanda onde estava.
Dois cavalos holsteiner de puro sangue se aproximavam. O da frente era branco com manchas pretas nas quatros patas, que subiam e paravam antes de chegar à barriga do animal, que era montado por Stiles Stilinski, vestindo roupas de montaria com certeza feitas sob medida. O segundo cavalo era um garanhão todo preto com apenas uma mancha branca ao redor do olho esquerdo, que eu conhecia muito bem e vinha sendo puxado pela guia na mão do príncipe.
Respirei fundo e atravessei a ponte correndo, sem acreditar no que eu estava vendo, fazia quase um ano que eu não o via, desde que meus pais o tinham vendido. Na época me falaram que eu já não o via com frequência e seria melhor para ele o vender, mas hoje eu sabia que a venda tinha sido motivada pelos gastos que o cavalo gerava e o que o valor que ele custava podia manter nossas contas por algum tempo.
— Summer. — gritei e o cavalo relinchou de forma amigável. Stiles soltou a guia e o animal veio em minha direção. Passei a mão no pêlo da cara do cavalo e sorri. — Eu estava com tanta saudade, amigão. Me desculpa não ter impedido que te vendessem. Na verdade, quando eu soube já tinham até te entregado e não me contaram para quem era… — olhei para Stiles parado a poucos metros de nós, me analisando com seus olhos dourados. — Não sabia que você era o comprador…
— Seus pais sabiam que eu crio cavalos, acharam que eu podia querer um antigo campeão de hipismo e eles não estavam errados, eu quis dois campeões. — ele abriu um pequeno sorriso e piscou um de seus olhos de estrelas para mim, senti meu rosto esquentar e abaixei a cabeça.
— E os dois pelo mesmo motivo. — resmunguei lembrando porque eu estava ali e porque Summer estava ali.
— Você não está aqui só para fins reprodutivos, você vai ser governante desse país tanto quanto eu. Se valorize um pouco mais, Hale. — Stiles deu a volta com o cavalo e começou a se afastar.
Montei em Summer e o fiz galopar alguns metros até alcançar o príncipe.
— Sabe o mais interessante? — ele me perguntou enquanto eu o seguia.
— Não? — perguntei em dúvida e o príncipe riu antes de responder.
— Eu tenho Winter, Spring e Autumn. São duas éguas e um cavalo, todos já participaram de competições, mas apenas regionais, não chegaram a ser campeões mundiais como você e Summer, mas o interessante é que agora tenho as quatro estações do ano.
— E os filhotes deles vão se chamar como? Flower, Fall, Snow e Sun? — perguntei com um pouco de deboche, fazendo o príncipe me encarar com os olhos dourados brilhando em divertimento.
— É uma possibilidade. — ele respondeu. — Spring e Autumn estão grávidas já, os pais são Summer e Winter, é claro. — ele indicou os dois cavalos em que estávamos montados.
— Na internet não falam que você é tão interessado em criação de cavalos.
— Não costumo falar muito sobre isso, poucas pessoas fora do meio sabem. Mas o mundo todo conhece Derek Hale como campeão mundial de hipismo por dois ciclos olímpicos seguidos.
— E vice-campeão uma vez também. — O meu tempo como atleta olímpico já tinha alguns anos. Eu praticava hipismo desde a infância e com 16 anos fui para a minha primeira olimpíada. Fui vice-campeão naquele ano, com 18 anos entrei para o exército de Krypton e com o histórico que eu tinha fui colocado na cavalaria onde continuei meu treinamento. Dos 19 aos 24 anos fui campeão na modalidade em todas as competições que participei, incluindo 2 olimpíadas e a última olimpíada foi o encerramento. Depois disso encerrei tanto a carreira militar, como capitão da cavalaria, quanto a carreira atlética, como bicampeão mundial e olímpico. Dali fui para a faculdade de economia e, bem, agora com 30 anos eu estava ali, um economista vendido pela família para um casamento porque estavam falidos. Irônico, não é? — Mas poucas pessoas acompanham hipismo, eu sou mais reconhecido como um nobre gay ex-herdeiro de um ducado e noivo de um príncipe importante.
— Acho que nesse ponto não posso discordar. Mas eu também não sou exatamente muito bem conhecido pelos meus feitos, sou só o príncipe trans que vai casar com outro cara, “então, por que não continuou mulher?” Juro, eu li essa pergunta tantas vezes na internet que até me questionei se alguém entende a diferença entre gênero e sexualidade.
— Também li umas coisas bem desagradáveis sobre isso. — concordei fazendo careta.
— A maior parte do meu povo não se importa com o fato de eu ser trans ou cis, se vou casar com homem ou mulher. Você viu isso ontem. Se fazemos bem ao povo, a maioria do povo gosta de nós, mas… uma minoria bem barulhenta adora falar coisas sobre o que não sabe. — Eu entendia um pouco sobre isso, claro. Tinha observado por muito tempo como o povo reagia à família real do meu próprio país, se as coisas iam bem, a maioria não se importava com o que eles faziam, mas sempre havia algumas pessoas que não suportavam a família real e se dedicavam a criticar tudo o que eles faziam.
— Acho que vamos ter que aprender a ignorar essa minoria. — comentei um tempo depois. Era a única coisa possível de se fazer, afinal. A outra era desistir e bem, não íamos fazer isso.
— Tem razão, só temos que deixar eles para trás… exatamente como vou fazer com você agora. — ele riu e incitou o cavalo a começar a correr. Sorri e comecei a segui-lo com Summer. Era ótimo poder correr novamente. Fazia muitos anos que eu não tinha esse tipo de liberdade, só Summer e eu contra o vento.
*-*-*-*-*-*-*-*-*-*
Corremos juntos pelos campos verdes de Orenji. Algumas vezes o príncipe desacelerava e me fazia acompanhá-lo, indicando lugares, o pasto das vacas, o pasto das ovelhas, o galinheiro, a estufa com uma horta, o pomar, algumas casinhas onde moravam os empregados e suas famílias e um grande jardim que pertencia a sua mãe. E, finalmente, os estábulos, ainda a um ou dois quilômetros de distância do castelo. Por causa dessa distância embarcamos em um tipo de carrinho, como os de golfe, mas todo preto com vidros blindados e bandeirinhas reais. Dessa forma seguimos o restante do caminho.
O castelo da família real de Beacon era enorme. Contei cinco pisos ao total, mas havia algumas torres, então poderia ser mais alto que isso. Todas as paredes eram feitas de pedras laranjadas com detalhes em branco e as telhas azuis. Bem no topo da torre mais alta a bandeira Beaconiana dançava ao vento, como se acenasse para mim. A única recepção que eu teria e a única que eu queria.
— Bem vindo ao seu novo lar. — o príncipe me disse quando desci do carrinho logo atrás dele.
Subimos as escadas em silêncio, eu não sabia muito bem o que dizer. O castelo era lindo, as terras eram lindas, tudo era lindo. Saber que meu cavalo estava ali e que eu teria acesso a ele quando quisesse também, mas ainda era estranho pensar que aquele era o meu novo lar, minha casa para sempre. O dia em que eu morresse meu corpo seria enterrado em um cemitério reservado aos membros da família real de Beacon em algum lugar daquela ilha, eu nunca mais sairia dali.
— Aqui é o saguão. — o príncipe indicou, então.
O saguão era amplo e alto. Haviam alguns vasos de flores, quadros, bancos com estofados alaranjados e uma grande escada que se dividia em duas e levava aos andares superiores.
— Por ali fica o salão de festas e uma sala de estar. E do outro lado tem o salão de jantar e o salão de reuniões, também ficam as cozinhas e para trás alguns alojamentos para os empregados. A maioria mora aqui na ilha, mas alguns moram em Portocale e por isso precisam dos alojamentos. Esses são os espaços sociais do castelo, porém só os usamos para receber convidados e tratar negócios. Os andares superiores são os que realmente usamos no cotidiano. Existe uma ala apenas com apartamentos de hóspedes para as visitas, o resto é nosso lar. Salas de estar, bibliotecas, sala de jantar e apartamentos para o conforto e comodidade da família real. — ele quase parecia um vendedor imobiliário enquanto ia subindo as escadas comigo logo atrás.
— Sabe, eu já vou morar aqui, você não precisa fazer toda essa propaganda. — comentei rindo, virando à esquerda na escada com ele.
— Bom, não custava nada tentar fazer você gostar do castelo. — Stiles deu de ombros e seguiu em frente. — Nesse corredor ficam os aposentos do rei e da rainha, no momento meu pai é o único residente dessa ala, um dia seremos eu e você. — falou apontando para um corredor a direita que levava a mais uma escada. — Ali ficam as áreas comuns. Biblioteca, sala de jantar e duas salas de estar, a verde e a azul. — indicou outro corredor enquanto avançava, mas sem parar realmente. — Ali ficam os apartamentos dos “agregados”. — ele fez aspas com as mãos. — No momento são meu primo, minhas tias e os seus amigos. Mas tem mais cômodos para os filhos deles e outras pessoas que podem vir morar aqui. — continuou explicando até chegar a uma nova escada. — Essa é a nossa torre. Do príncipe herdeiro e do seu cônjuge. Existem mais 9 torres para os outros possíveis herdeiros, mas nunca chegamos a ter tantos e espero que não cheguemos agora. — ele torceu um pouco o rosto e eu ri. — Está rindo porque não é você que vai parir. — resmungou começando a subir as escadas.
— Desculpa, acho que foi mesmo um pouco inapropriado, mas você tem razão. Seu útero, seu corpo, você que manda nos números. — E isso era algo que eu tinha pensado muito nos últimos dois meses. Quantos filhos eu queria ter? Eu queria ter algum filho? Não importava realmente, não era eu que ia carregar e não ia adotar. Então quem mandava na quantidade de filhos e no quando eles iriam vir, era Stiles. E não era sobre ele ser o futuro rei, era sobre ser ele quem iria carregar os bebês.
— Ainda tem a ala das crianças, mas vou te mostrar outro dia, ou pode pedir para alguém ir até lá com você, é muito grande e exige mais tempo para ser visitada.
Chegamos no topo da torre, e havia duas portas, sendo ambas duplas e de madeira escura, uma de cada lado do corredor.
— A minha é a da esquerda e a sua a da direita. — o príncipe informou avançando pelo corredor até a porta da direita. — Oficialmente é chamado de suíte da princesa, mas acho que no momento precisa de um nome novo. — ele deu de ombros e abriu as portas me dando espaço para entrar primeiro.
Entrei na suíte antes dele e dei uma olhada meio confuso. Era um ambiente grande e meio circular, o que parecia fazer sentido, estávamos em uma torre, mas não havia mobília. As paredes, janelas, portas e teto eram completamente brancos e sem decoração. Não parecia um quarto, parecia apenas um salão muito grande e vazio. Com certeza dava para realizar um baile ali dentro. As únicas coisas que tinham ali, era a grande janela que dava para a sacada e duas portas duplas, uma na parede à esquerda e uma na parede à direita.
— Nas próximas duas semanas você terá a melhor equipe de decoração à sua disposição para deixar o quarto do jeito que você quiser. — informou Sti andando pelo cômodo vazio.
— O que são aquelas portas? — perguntei apontando para uma porta dupla na lateral direita e depois para a outra porta dupla na lateral esquerda.
— Aquela é o closet. — apontou para as portas a direita e andou até elas as abrindo e revelando o espaçoso closet vazio. Apenas gavetas, prateleiras e cabides, brancos e sem nada. — Lá no fundo fica o banheiro. — ele continuou a andar, abriu uma porta de correr e me mostrou o banheiro, que era tão grande quanto o closet.
Havia uma banheira grande, um box simples com porta de vidro, uma pia dupla com um enorme espelho em cima, uma longa bancada e tudo branco, como todo o resto do quarto.
— Como eu disse, nas próximas duas semanas você vai trabalhar com a equipe de decoração mais competente do reino e este quarto vai ser decorado como você desejar. Esperamos que esteja pronto até o nosso casamento. — ele se virou e voltou andando para o quarto, enquanto eu ainda estava meio confuso com o fato de ter um quarto só para mim e com tudo o que ele ia falando. — E esta... É a porta para... O meu quarto... — ele ficou vermelho ao segurar a maçaneta e suspirou.
— Porque não vamos dormir juntos? — disparei antes de conseguir segurar minha língua.
Ele me olhou com o cenho franzido e em seguida assentiu para si mesmo.
— É verdade, eu havia me esquecido que o seu reino está quebrado e que lá até o casal real divide o quarto. — franzi o cenho, ofendido, e ele deu de ombros largando a maçaneta. — Geralmente os casamentos reais de Beacon são arranjados e rápidos. — ele riu fraco e eu quase o acompanhei. — Diferente dos casamentos plebeus, não temos muito tempo para nos conhecer e mesmo que a gente se odeie vamos ter que permanecer casados pelo bem do povo e da aliança entre nossos reinos. Não existe divórcio para a realeza. Então os quartos são separados, se a gente se odiar... Podemos trancar a porta e acabou.
— E se a gente se gostar? — perguntei me aproximando dele, ficando logo atrás de seu corpo, estendendo meu braço para a maçaneta da porta, vendo ele abaixar um pouco a cabeça.
— A gente pode dividir um quarto ou... Frequentar os dois quartos... — murmurou e eu abri a porta.
Ele tremeu quando toquei sua cintura e o incentivei a seguir em frente. Hesitante, ele adentrou o próprio quarto. Era um cômodo tão grande quanto o anterior, mas as paredes eram decoradas em laranja sobre o fundo pardo, o chão era todo de carpete. Ao lado da porta que levava à minha futura suíte, estava uma estante de livros e do outro lado uma escrivaninha lotada de papéis e livros, com um computador portátil fechado. A cama era enorme e poderia dormir um batalhão nela, estava arrumada, assim como todo o quarto. As cortinas dançavam com o vento e próxima a janela estava uma mesa pequena, redonda e com duas cadeiras, para as refeições privadas. Um jogo de sofás estava arrumado em frente a uma lareira e a uma televisão enorme. Também havia um par de portas duplas que eu imaginei levar ao closet e banheiro dele. Sorri ao notar alguns posters de astros do esporte nas paredes e estrelas no teto. No fim das contas, ele parecia tão preparado para aquele casamento quanto eu.
— Você tem um quarto muito bonito. — toquei seu braço e sorri. Se eu não o tocasse, já notei que ele não o faria.
— É meio... Infantil... — murmurou e vi seu rosto, já rosado, ficar completamente vermelho e meio retorcido em uma careta.
Ri e toquei sua bochecha, esperando que ele repelisse o toque, mas no fim apenas ficou paralisado.
— É normal... Você gosta dessas coisas… — em meio aos vários posters havia alguns com cavalos e um meu ao lado de Summer com a medalha da minha última olimpíada.
— É o único lugar onde posso ser quem eu sou, sem… sem ser o príncipe e ter tantas responsabilidades. — confessou voltando a andar pelo próprio quarto.
— Acho que entendo, eu não tinha tantas responsabilidades quanto você, mas ser um membro da família real e da nobreza sempre limita um pouco nossa personalidade e nossas atitudes.
Ele concordou com a cabeça e pigarreou.
— O meu pai... Está nos esperando… na verdade todos estão, já é hora do almoço e depois temos que mandar fazer sua roupa para o casamento e logo você vai começar a decorar seu quarto. — e então ele começou a listar uma infinidade de coisas que ele e eu tínhamos que fazer, a maioria separados. Pelo visto, o meu encontro com o príncipe tinha acabado.
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