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História Sol da Meia-Noite - 5. Convite - História escrita por xharmonyz - Spirit Fanfics e Histórias
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História Sol da Meia-Noite - 5. Convite


Escrita por: xharmonyz

Capítulo 5 - 5. Convite


Ensino médio. Não mais um purgatório, e sim um verdadeiro inferno. Suplício e fogo... Sim, eu tinha o pacote completo.

Comecei a fazer tudo certo. Cada i com seu pingo, cada t com seu traço. Ninguém podia reclamar que eu estivesse fugindo de minhas responsabilidades.

Para agradar Clara e proteger minha família, permaneci em Forks. Voltei à minha antiga rotina. Não caçava mais do que os outros. Todos os dias, frequentava a escola e brincava de ser humana. Todos os dias, ficava atenta a qualquer novidade sobre os Jauregui, mas nada surgiu. A garota não disse nada sobre suas suspeitas. Repetiu sempre a mesma história – eu estava ao lado dela e a tirei do caminho da van –, até que os ávidos ouvintes se cansaram e pararam de buscar mais detalhes. Não havia perigo. Meu ato precipitado não ferira ninguém.

A não ser a mim mesma.

Eu estava determinada a mudar o futuro. Não era a tarefa mais fácil à que alguém se propusesse, mas eu não via outra opção para a minha vida.

Lucy disse que eu não seria forte o suficiente para me afastar da garota. Eu provaria que ela estava enganada.

Achei que o primeiro dia seria o mais difícil. Ao final do dia, tive certeza. Era eu quem estava enganada, não Lucy.

Era de cortar o coração saber que eu magoaria Camila. Consolei-me com o fato de que sua mágoa não passaria de uma pequena chateação – uma picadinha de rejeição –, comparada com a minha. Camila era humana, e sabia que eu era alguma outra coisa, alguma coisa danosa, ameaçadora.

Provavelmente ficaria mais aliviada do que magoada quando eu virasse o rosto e fingisse que ela não existia.

— Oi, Lauren.

Foi assim que ela me cumprimentou na aula de biologia. Sua voz estava amável, amistosa, em uma guinada de cento e oitenta graus em relação à última vez que nos faláramos.

Por quê? O que significava aquela mudança? Será que ela se esqueceu? Será que concluíra ter imaginado todo o episódio? Será que talvez tivesse me perdoado por não ter cumprido minha promessa?

As dúvidas me golpeavam e me dominavam, como a sede que me acometia cada vez que eu respirava.

Apenas um instante para olhar nos olhos dela. Apenas para ver se eu conseguiria ler as respostas ali dentro...

Não. Não podia me permitir nem mesmo isso. Não se eu estava disposta a mudar o futuro.

Movi meu queixo um centímetro na direção de Camila sem desviar o olhar da frente da sala. Foi um único movimento com a cabeça, e depois virei o rosto para a frente.

Ela não voltou a me dirigir a palavra.

Naquela tarde, assim que saí da escola e parei de representar meu papel, corri meio caminho até Seattle, como havia feito no dia anterior. Parecia que voar bem acima do solo me fazia lidar com a dor de um modo ligeiramente melhor, transformando tudo a minha volta em um grande borrão verde.

Esse passeio se transformou em um hábito diário.

Será que eu amava Camila? Talvez não. Ainda não. Porém, o futuro que Lucy vislumbrara continuava vivo na minha mente, e percebi como seria fácil me apaixonar por Camila. Seria como cair: não era preciso esforço. Não me permitir amar Camila seria o oposto: impelir-me despenhadeiro acima, uma mão após a outra, com a mesma dificuldade que teria se só contasse com a força dos mortais.

Passou-se mais de um mês, e a cada dia ficava ainda mais difícil. Não fazia sentido para mim – eu ainda esperava superar aquele sentimento, esperava que aquilo se tornasse mais fácil, ou no mínimo menos difícil. Provavelmente Lucy se referira a isso quando previra que eu não conseguiria me manter afastado da garota. Ela vislumbrara a escalada da dor.

Mas eu conseguiria controlar a dor.

Eu não destruiria o futuro de Camila. Se meu destino era amar Camila, evitá-la não era o mínimo que eu podia fazer?

No entanto, evitá-la era o máximo que eu conseguia suportar. Podia fingir ignorá-la e nunca olhar para ela. Podia fingir não ter nenhum interesse. Mas ainda perdia o fôlego a cada vez que ela respirava, a cada palavra que falava.

Não podia observá-la com meus olhos, então o fazia com os olhos dos outros. A maioria dos meus pensamentos orbitava em torno dela, como se ela fosse o centro de gravidade da minha mente.

À medida que esse inferno me oprimia, passei a agrupar meus suplícios em quatro categorias.

Os dois primeiros eram conhecidos. O cheiro e o silêncio de Camila. Ou melhor – para assumir minha própria responsabilidade –, minha sede e minha curiosidade.

A sede constituía o principal dos meus suplícios. Eu já me acostumara a parar de respirar completamente nas aulas de biologia. Claro, sempre havia exceções – quando eu tinha que responder a uma pergunta e precisava respirar para falar. Cada vez que eu experimentava o ar em torno de Camila, era a mesma sensação do primeiro dia – desejo e necessidade, uma violência brutal, desesperada para explodir. Era difícil me apegar, mesmo que de leve, à razão e ao controle nesses momentos. E, exatamente como naquele primeiro dia, o monstro dentro de mim urrava, quase chegando à superfície.

A curiosidade era o mais constante dos meus suplícios. Uma pergunta nunca saía de minha cabeça: O que ela está pensando agora? Quando eu a ouvia suspirar em silêncio. Quando ela enroscava uma mecha de cabelo em volta do dedo, distraidamente. Quando colocava os livros na mesa com uma força maior do que de costume. Quando entrava correndo na sala de aula, atrasada. Quando batia o pé no chão com ar impaciente. Cada movimento que minha visão periférica captava era um mistério enlouquecedor. Quando ela conversava com outros alunos humanos, eu analisava cada palavra e tom de voz. Ela falava o que pensava ou o que achava que deveria falar? Muitas vezes me parecia que ela tentava dizer aquilo que a plateia esperava. Tal atitude me fazia lembrar de minha família e de nossa cotidiana vida de ilusões – nós éramos mais bem-sucedidos nessa tarefa do que Camila. Mas por que ela tinha que interpretar um papel? Camila era como o restante do grupo, uma adolescente humana.

Só que... às vezes ela não se comportava como tal. Por exemplo, quando o Sr. Banner passou um projeto de grupo na aula de biologia. Em geral, ele deixava os alunos escolherem os parceiros. Como sempre acontecia nesses casos, os alunos ambiciosos e mais corajosos – Beth Daws e Nicholas Laghari – logo perguntaram se eu queria fazer parte do grupo deles. Dei de ombros, aceitando. Eles sabiam que eu faria minha parte com perfeição, e a deles também, se não a concluíssem.

Não foi surpresa o fato de Amber se juntar a Camila. O que pareceu inesperado foi a insistência de Camila em chamar Tara Galvaz para fazer o trabalho com eles.

Quase sempre o Sr. Banner tinha que inserir a garota em algum grupo. Tara se mostrou mais perplexa do que contente quando Camila lhe deu um tapinha no ombro e perguntou, meio sem jeito, se queria fazer o trabalho com ela e Amber.

— Tanto faz – respondeu Tara.

Quando Camila voltou para a mesa, Amber sibilou:

— Essa menina vive chapada. Não vai fazer nada do trabalho. Acho que vai ser reprovada em biologia.

Camila balançou a cabeça e sussurrou:

— Não se preocupe. Eu faço a parte dela, se precisar.

Amber não se conformou:

Por que você fez isso?

Era a mesma pergunta que eu morria de vontade de fazer, embora não no mesmo tom.

Tara de fato ia ser reprovada em biologia. O Sr. Banner começou a pensar nela, tão surpreso quanto comovido pelo gesto de Camila.

Ninguém nunca dá uma oportunidade a essa aluna. Que gesto simpático de Mila.

Será que Camila percebia como o restante da turma isolava Tara? Eu não conseguia imaginar nenhum outro motivo além de bondade para justificar a atitude de Camila, principalmente levando em conta sua timidez. Fiquei imaginando o nível de desconforto que aquilo lhe causara, e cheguei à conclusão de que devia ser bem maior do que qualquer outro ser humano ali se prestaria a enfrentar, ainda mais por causa de um estranho.

Como Camila dominava a matéria, fiquei pensando se a nota desse projeto chegaria a salvar Tara de uma reprovação, pelo menos em biologia. E foi exatamente isso o que aconteceu.

E depois houve a vez no almoço, quando Hailey e Andressa conversavam sobre suas viagens dos sonhos. Hailey escolheu a Jamaica, mas logo em seguida foi desbancada por Andressa, que rebateu com a Riviera Francesa. Tyler entrou na conversa e escolheu Amsterdã, pensando no famoso Red Light District, e outros alunos começaram a dar seus palpites. Esperei ansiosamente pela resposta de Camila, mas, antes que Amber (que gostava da ideia de ir para o Rio de Janeiro) pudesse perguntar-lhe, Austin disse em tom animado que seu sonho era ir para a Comic-Con, e a mesa explodiu em gargalhadas.

— Que ridículo – murmurou Andressa.

Hailey riu baixinho.

— Com certeza.

Tyler revirou os olhos.

— Você nunca vai arranjar uma namorada – disse Amber para Austin.

Camila, falando em um tom acima do seu habitual volume tímido, se intrometeu na confusão:

— Não, é legal. Também é para onde eu queria ir.

Amber imediatamente mudou de opinião.

— Quer dizer, acho que algumas fantasias são legais. – Devia ter ficado de boca fechada.

Hailey e Andressa se entreolharam, fazendo careta.

Argh, pelo amor de Deus, pensou Andressa.

— A gente devia ir – disse Austin, entusiasmado com o interesse de Camila. — Quer dizer, depois de guardar dinheiro para os ingressos. – Comic-Con com a Mila! É ainda melhor do que ir à Comic-Con sozinho...

Camila ficou desconcertada por um segundo, mas, depois de um rápido olhar para Andressa, resolveu insistir.

— Com certeza. Quem dera. Mas deve ser caro demais, não é?

Austin começou a detalhar os preços dos ingressos e a comparar a hospedagem em um hotel com a opção de dormir no carro. Hailey e Andressa retomaram sua conversa prévia, enquanto Amber escutava Austin e Camila, incomodada.

— Você acha que a viagem leva dois ou três dias de carro? – perguntou Austin.

— Não faço ideia – respondeu Camila.

— Bom, quanto tempo leva daqui até Phoenix?

— Dá para fazer em dois dias – respondeu ela, confiante. — Se quiser dirigir quinze horas por dia.

— San Diego deve ser um pouco mais perto, não?

Eu parecia ser a única a reparar que a expressão de Camila sugeria que ela estava perdida.

— Ah, é, San Diego é mais perto, claro. Mas, ainda assim, dois dias de viagem com certeza.

Ficou evidente que ela nem sabia a localização da Comic-Con. Só tinha entrado na discussão para evitar que zombassem de Austin. A atitude revelava seu caráter – minha lista sempre aumentava –, mas agora eu nunca saberia que destino ela teria escolhido. Amber também não estava nada satisfeita, mas parecia ignorar a real motivação de Camila.

Isso acontecia com frequência: ela nunca saía de sua zona de conforto e tranquilidade, a não ser que percebesse que alguém precisava de ajuda; mudava de assunto sempre que seus amigos humanos eram cruéis demais uns com os outros; agradecia a um professor pela aula se ele parecesse desanimado; trocava seu armário da escola por outro num lugar pior, para que dois melhores amigos pudessem ser vizinhos; abria um sorriso, mas nunca para os amigos cheios de si, e sim para alguém que estivesse magoado. Pequenas coisas que nenhum de seus conhecidos ou admiradores parecia notar.

Por causa de todas essas pequenas coisas, fui capaz de acrescentar à minha lista a mais importante e reveladora de todas as suas qualidades, tão simples quanto rara. Camila era boa. Todo o restante se resumia a essa qualidade. Generosa e modesta, desprendida e corajosa – ela era boa em todos os sentidos. E parecia que ninguém se dava conta disso além de mim, apesar de Amber certamente observá-la tanto quanto eu.

E logo ali à frente estava o mais surpreendente dos meus suplícios: Amber Heard. Quem, algum dia, poderia sonhar que uma mortal tão comum e entediante pudesse ser tão insuportável? Verdade seja dita, eu deveria sentir algum tipo de gratidão; mais do que os outros, Amber fazia com que Camila falasse. Aprendi muito sobre ela por meio dessas conversas, mas a colaboração de Amber nesse quesito me irritava ainda mais. Eu não queria que fosse ela a pessoa a desvendar os segredos de Camila.

Ajudava ver que Amber nunca percebia as pequenas revelações de Camila, seus breves deslizes. Amber não sabia nada sobre ela. Criara em sua mente uma Camila que não existia: uma garota tão comum quanto ela. Não observara o desprendimento e a coragem que a distinguiam dos outros seres humanos, não ouvia a maturidade incomum de seus pensamentos enunciados. Não percebia que, quando ela falava da mãe, soava mais como uma mãe falando de uma filha, e não o contrário – amorosa, indulgente, ligeiramente divertida e extremamente protetora. Não ouvia a paciência na voz de Camila, quando ela fingia interesse em suas histórias confusas, e não enxergava que havia compaixão por trás daquela paciência.

Essas descobertas proveitosas, porém, não me tornaram mais complacente com Amber. O modo possessivo como ela via Camila – como se ela fosse um objeto a ser adquirido – me exasperava quase tanto quanto as fantasias grosseiras que a envolviam. Com o passar do tempo, Amber também foi ganhando mais confiança, pois Camila parecia preferi-la àqueles que ela considerava seus rivais: Tyler Crowley, Austin e até, esporadicamente, eu mesma. Ela costumava se sentar ao lado de Camila em nossa mesa antes de a aula de biologia começar, puxando conversa, incentivada por seus sorrisos. Sorrisos educados apenas, eu dizia para mim mesma. Ainda assim, eu frequentemente me divertia ao me imaginar golpeando-a e lançando-a na parede do outro lado da sala. Provavelmente não chegaria a matá-la...

Amber não me via como rival. Após o acidente, tivera receio de que Camila e eu ficássemos mais próximas graças à experiência compartilhada, mas obviamente aconteceu o contrário. Antes ela ainda tinha se incomodado por eu ter escolhido Camila como objeto de atenção, em detrimento das outras meninas. Agora, porém, eu a ignorava tanto quanto as outras, e ela achou que o jogo estava ganho.

O que ela estaria pensando nesse momento? Estaria apreciando a atenção que Amber lhe dispensava?

E, finalmente, o último dos meus suplícios, o mais doloroso: a indiferença de Camila. Assim como eu a ignorava, ela me ignorava. Nunca mais tentou falar comigo. Pelo que eu percebia, nunca mais nem pensou em mim.

Isso teria me deixado louca – ou, pior, teria abalado minha determinação –, exceto pelo fato de que às vezes ela me encarava, como acontecia antes. Eu não via isso com meus próprios olhos, pois não podia me permitir olhar para ela, mas Lucy sempre nos avisava; minha família ainda tinha receio do quanto ela sabia.

Aliviava um pouco a dor perceber que ela me olhava a distância de vez em quando. É claro que provavelmente estaria apenas imaginando que tipo de aberração eu era.

— Mila vai encarar Lauren em um minuto. Ajam normalmente – disse Lucy em uma terça-feira de março, e os outros atenderam e mudaram de posição.

Eu prestava atenção na quantidade de vezes que ela olhava em minha direção. Fiquei feliz, embora não devesse, ao notar que a frequência não diminuía à medida que o tempo passava. Eu não sabia o que seus olhares significavam, mas isso me deixava um pouco melhor.

Lucy soltou um suspiro. Eu gostaria que...

— Não se meta, Lucy – falei, séria. — Não vai acontecer nada.

Ela ficou emburrada. Lucy estava ansiosa para concretizar sua suposta amizade com Camila. Estranhamente, sentia saudades da garota que não chegara a conhecer.

Tenho que admitir, você tem um talento. Está novamente diante de um futuro todo enrolado e sem sentido. Espero que esteja contente.

— Faz todo o sentido para mim.

Ela bufou.

Tentei me desvencilhar, impaciente demais para conversar. Meu humor não estava dos melhores – eu estava mais tensa do que deixava transparecer. Apenas Veronica percebia meu nervosismo, sentindo a tensão irradiar de mim com sua capacidade única de tanto sentir quanto influenciar o humor das pessoas. Contudo, ela não compreendia os motivos por trás do meu estado e – já que nos últimos dias eu me irritava constantemente – não deu atenção.

Aquele seria um dia difícil. Mais difícil do que o anterior, como de costume.

Amber Heard iria convidar Camila para sair.

Estava prestes a acontecer um baile e seria tarefa das meninas o convite. Amber nutrira fortes esperanças de que Camila a convidaria. O fato de ela ainda não ter feito isso abalara sua confiança. Agora Amber se encontrava em uma situação desconfortável – eu me deleitava com seu desconforto mais do que deveria –, porque Hailey havia acabado de convidá-la. Amber não queria aceitar, ainda torcendo para que Camila a escolhesse (e ela exibisse sua vitória para os outros supostos pretendentes), mas também não queria dizer não e acabar perdendo o baile. Hailey, magoada com a hesitação de Amber e supondo o motivo por trás disso, lançava adagas imaginárias na direção de Camila. Novamente, tive o instinto de me colocar entre Camila e os pensamentos furiosos de Hailey. Passei a entender melhor esse instinto, o que apenas me deixava mais frustrada por não poder interferir nele.

E pensar que eu tinha chegado a esse ponto. Estava totalmente obcecada pelos dramas insignificantes de adolescentes que eu tanto desprezara.

Amber tentava controlar o nervosismo enquanto seguia ao lado de Camila para a aula de biologia.

Escutei seus conflitos enquanto esperava as duas chegarem. Amber era fraca. Ela havia esperado por esse baile de propósito, com medo de confessar a Camila sua paixão antes de ela demonstrar uma preferência óbvia por ela. Amber não queria arriscar uma rejeição, preferindo que ela tomasse a iniciativa.

Amber se sentou à nossa mesa novamente, e imaginei como seria o som de seu corpo atingindo a parede com força suficiente para quebrar todos os ossos.

— Mas aí – disse Amber para Camila, os olhos voltados para o chão. —, a Hailey me convidou para o baile de primavera.

— Isso é ótimo – respondeu Camila de imediato e meio sem entusiasmo. Foi difícil não sorrir quando Amber notou seu tom de voz. Ela esperava um pouco de consternação. — Você vai se divertir muito com a Hailey.

Com dificuldade, ela procurou pela resposta correta.

— Bom... – Ela hesitou e quase tirou o time de campo. Depois se reanimou. — Eu disse a ela que ia pensar no assunto.

— Por que fez isso?

A voz de Camila mostrava desaprovação, mas também transmitia uma pitada de alívio. O que significava aquilo? Uma fúria inesperada e intensa fez minhas mãos se fecharem com força.

Amber não notou nada. Seu rosto ficou vermelho – pelo modo como repentinamente fiquei furiosa, aquilo me pareceu um convite óbvio para o baile –, e ela voltou a olhar para o chão ao falar.

— Eu estava me perguntando se... Bom, se você tinha a intenção de me convidar.

Camila hesitou.

Naquele momento, vi o futuro com mais clareza do que Lucy jamais vira.

A garota poderia dizer sim para a pergunta implícita de Amber, ou poderia dizer não. De qualquer modo, algum dia, em breve, ela diria sim para alguém. Camila era linda e instigante, e os humanos não ignoravam esse fato. Quer se contentasse com alguém daquela turma sem graça, quer esperasse até se livrar de Forks, chegaria o dia em que ela diria sim.

Visualizei a vida de Camila como fizera antes: faculdade, carreira... amor, casamento. Vi-a novamente de braços dados com o pai, em um vestido branco diáfano, o rosto corado de felicidade enquanto avançava ao som da marcha nupcial.

A dor que senti ao imaginar esse futuro me lembrou da agonia da transformação. Ela me consumia.

E não apenas a dor, mas uma ira avassaladora.

A raiva pedia algum tipo de catarse física. Embora Amber talvez não fosse aquela a quem Camila diria sim, eu ansiava em fazê-la pagar como representante de quem quer que fosse.

Eu não entendia essa emoção – era uma tremenda confusão de dor e raiva, desejo e desespero. Nunca a sentira antes; não conseguia nomeá-la.

— Amber, acho que devia dizer sim a ela – falou Camila, a voz suave.

As esperanças de Amber caíram por terra. Eu teria apreciado a cena sob outras circunstâncias, mas estava perdida no choque e no remorso que a dor e a raiva provocaram em mim.

Lucy tinha razão. Eu não era forte o suficiente.

Naquele exato momento, ela estaria observando o futuro girar e revirar, ficar confuso de novo. Será que estaria satisfeita?

— Já convidou alguém? – perguntou Amber, de cara fechada, e deu uma espiada em mim, desconfiada pela primeira vez em várias semanas.

Percebi que eu havia me traído; minha cabeça se inclinava na direção de Camila.

A inveja enfurecida que havia nos pensamentos de Amber – inveja de quem Camila preferira em detrimento dela – subitamente deu um nome à minha emoção.

Eu estava com ciúme.

— Não – disse ela, com um traço de humor na voz. — Não vou a baile nenhum.

No meio de toda a ira e o remorso, suas palavras me trouxeram alívio. Era errado, até perigoso, considerar Amber e os outros mortais interessados em Camila como rivais, mas eu tinha que admitir que era exatamente isso que haviam se tornado para mim.

— E por que não? – perguntou Amber, áspera.

Fiquei incomodada ao ouvi-la usar esse tom com ela. Contive um rosnado.

— Vou a Seattle no sábado – respondeu Camila.

A curiosidade não era tão malévola quanto teria sido antes – diante da minha atual e total determinação em descobrir as respostas para tudo. Em breve eu saberia o motivo por trás dessa nova revelação.

A voz de Amber se tornou desagradavelmente bajuladora.

— Não pode ir em outro fim de semana?

— Não, desculpe. – Camila agora soava mais ríspida. — Então você não devia fazer a Hailey esperar mais tempo... É grosseria.

Sua preocupação com os sentimentos de Hailey agitaram as chamas de meu ciúme. Era óbvio que aquela viagem a Seattle era uma desculpa para dizer não – será que ela recusara apenas por lealdade à amiga? Era desprendida o suficiente para tomar tal atitude. Será que, na verdade, desejava poder aceitar? Ou ambos os palpites estavam errados? Será que ela estava interessada em outra pessoa?

— É, tem razão – resmungou Amber, tão desmoralizada que quase senti pena dela. Quase.

Amber baixou os olhos, bloqueando minha visão do rosto de Camila através dos pensamentos dela.

Eu não ia tolerar aquilo.

Virei-me para ler o rosto dela por conta própria, pela primeira vez em mais de um mês. Senti um grande alívio ao me permitir esse gesto. Imaginei que seria a mesma sensação de pressionar gelo em uma queimadura latejando. Um cessar brusco da dor.

Ela estava de olhos fechados, com as mãos encostadas no rosto e os ombros curvados, em uma postura defensiva. Balançou a cabeça bem de leve, como se estivesse tentando enxotar algum pensamento.

Frustrante. Fascinante.

A voz do Sr. Banner a despertou do devaneio, e seus olhos se abriram devagar. Ela me fitou imediatamente, talvez sentindo meu olhar. Encarou-me com a mesma expressão perplexa que me assombrava havia tanto tempo.

Não senti remorso, culpa ou raiva naquele segundo. Sabia que esses sentimentos voltariam, e logo, mas durante aquele instante experimentei uma sensação estranha e tensa. Como se eu tivesse triunfado, e não perdido.

Ela não desviou o olhar, embora eu a encarasse com uma intensidade inconveniente, tentando em vão ler seus pensamentos através de seus suaves olhos castanhos. Estavam carregados de perguntas, mais do que de respostas.

Eu via o reflexo dos meus próprios olhos, escuros de sede. Já fazia quase duas semanas desde minha última caçada. Não estávamos no dia mais seguro para a minha força de vontade sucumbir. No entanto, a escuridão não pareceu amedrontá-la. Ela não desviou o olhar, e um tom rosado suave e irresistivelmente atraente começou a colorir sua pele.

No que você está pensando agora?

Quase fiz a pergunta em voz alta, mas naquele momento o Sr. Banner chamou o meu nome.

Selecionei a resposta correta dentro da cabeça dele e olhei brevemente em sua direção, aproveitando para respirar.

— O ciclo de Krebs.

A sede queimava minha garganta – retesando meus músculos e enchendo minha boca de veneno –, então fechei os olhos, tentando me concentrar e afastar o desejo que me devastava por dentro, desejo pelo sangue de Camila.

O monstro estava mais forte do que nunca, regozijando-se. Ele acolhia esse futuro duplo que lhe dava uma chance de cinquenta por cento de obter aquilo pelo que ansiava tão cruelmente. O terceiro futuro, instável, que tentei construir somente por meio da força de vontade, ruíra – destruído, surpreendentemente, por ciúme –, e o monstro cada vez mais se aproximava de seu objetivo.

O remorso e a culpa agora queimavam junto com a sede, e, se eu tivesse a capacidade de produzir lágrimas, elas teriam surgido em meus olhos naquele momento.

O que eu fiz?

Sabendo que a batalha já estava perdida, não parecia haver razão para resistir ao meu desejo. Virei-me para encarar a garota de novo.

Ela se escondera atrás dos cabelos, mas dava para ver que sua face estava de um vermelho intenso.

Dessa vez ela não retribuiu meu olhar, mas enroscou uma mecha do cabelo escuro nos dedos, com ar de nervosismo. Seus dedos delicados, seu pulso fino – tão quebradiços, como se minha respiração fosse capaz de rompê-los.

Não, não, não. Eu não podia continuar. Ela era frágil demais, boa demais, preciosa demais para merecer aquilo. Eu não podia permitir que minha vida colidisse com a dela, que a destruísse.

Contudo, tampouco conseguia ficar longe dela. Lucy tinha razão quanto a isso.

O monstro dentro de mim sibilava, contrariado, enquanto eu me debatia.

Meu breve período ao lado dela passou rápido demais, enquanto eu vacilava entre a cruz e a espada. O sinal tocou, e ela começou a juntar as coisas sem me dirigir o olhar. Fiquei desapontada, mas não podia esperar nada diferente. A maneira como a vinha tratando desde o acidente era imperdoável.

— Camz? – chamei, incapaz de me conter.

Minha força de vontade estava destroçada.

Ela hesitou antes de me fitar. Quando se virou, sua expressão estava cautelosa, receosa.

Lembrei a mim mesma que ela tinha todo o direito de desconfiar de mim. Que deveria desconfiar.

Ela esperou que eu continuasse, mas apenas a encarei, lendo seu rosto. Puxei golfadas rasas de ar em intervalos regulares, lutando contra a sede.

— Que foi? – perguntou ela finalmente, o tom de voz áspero. — Já está falando comigo de novo?

Não tinha certeza de como responder à pergunta.

— Na verdade, não – afirmei.

Ela fechou os olhos, o que só tornou as coisas mais difíceis. Bloqueou meu melhor canal de acesso aos seus sentimentos. Ela inspirou profunda e demoradamente e falou, ainda de olhos fechados:

— Então o que você quer, Lauren?

Certamente não era assim que os seres humanos conversavam. Por que ela estava fazendo aquilo?

Mas como responder?

Com a verdade, decidi. Dali em diante, eu seria o mais franca possível. Eu não queria merecer a desconfiança dela, mesmo que ganhar sua confiança fosse impossível.

— Desculpe – disse-lhe. Eu estava sendo mais verdadeira do que ela jamais poderia imaginar. Infelizmente, pela segurança da minha família, só podia me desculpar pelo mais superficial. — Tenho sido muito rude, eu sei. Mas é melhor assim, pode acreditar.

Ela abriu os olhos, ainda com uma expressão de cautela.

— Não sei o que quer dizer.

Tentei transmitir-lhe um aviso, o máximo que poderia me permitir.

— É melhor não sermos amigas. – É óbvio, isso ela conseguiria entender. Era uma garota brilhante. — Confie em mim.

Ela estreitou os olhos, e me lembrei de que eu já lhe dissera essas mesmas palavras – logo antes de quebrar uma promessa. Seus dentes se cerraram com um clique cáustico – claramente ela também se lembrava.

— É péssimo que você não tenha chegado a essa conclusão antes – disse ela, com raiva. — Podia ter se poupado de todo esse arrependimento.

Encarei-a em estado de choque. O que ela sabia a respeito dos meus arrependimentos?

— Arrependimento? Arrependimento do quê? – indaguei.

— De não deixar simplesmente que aquela van me esmagasse.

Fiquei estática, atordoada.

Como ela podia pensar aquilo? Salvar sua vida foi a única coisa aceitável que eu tinha feito desde que a conheci. A única coisa da qual não me envergonhava, que me deixava contente pela minha própria existência. Tinha me empenhado em mantê-la viva desde o primeiro momento em que senti seu cheiro. Como ela podia duvidar de meu único ato decente no meio de toda aquela confusão?

— Acha que me arrependo de ter salvado você?

— Eu sei que se arrepende – retrucou ela.

Sua avaliação de minhas intenções me tirou do sério.

— Você não sabe de nada.

Como a mente dela funcionava de um modo desconcertante e incompreensível! Sua forma de pensar devia ser absolutamente diferente da de outros seres humanos. Essa devia ser a explicação para seu silêncio mental. Ela era completamente distinta.

Camila virou o rosto com um movimento brusco, voltando a cerrar os dentes. Suas bochechas estavam coradas, dessa vez de raiva. Empilhou seus livros, agarrou-os com força e saiu porta afora, batendo os pés e sem olhar para trás.

Por mais exaltada que me sentisse, algo em sua raiva atenuou meu aborrecimento. Eu não tinha certeza do que exatamente tornava a raiva de Camila de certa maneira... encantadora.

Ela caminhou tensa, sem olhar para onde ia, e seu pé bateu no batente da porta. Todas as suas coisas se estatelaram no chão. Em vez de se curvar para recolhê-las, ela permaneceu de pé, rígida, sem nem olhar para baixo, como se não soubesse se valeria a pena recuperar os livros.

Ninguém estava ali para me observar. Fui rapidamente até ela e juntei seus livros antes mesmo que ela examinasse a bagunça.

Quando ela fez menção de pegar os livros, me viu e ficou paralisada. Entreguei-lhe tudo, tomando o cuidado de não encostar minha pele gélida na dela.

— Obrigada – disse, com uma voz cortante.

— Não há de quê.

Minha voz ainda estava rouca da irritação que eu sentira, mas, antes que eu pudesse pigarrear e tentar de novo, ela se esticou de repente e saiu com passadas pesadas em direção à aula seguinte.

Observei-a até não conseguir mais avistar sua figura raivosa.

A aula de espanhol passou sem que eu me desse conta. A Sra. Goff nunca questionava minha falta de atenção – ela sabia que meu espanhol era melhor que o dela e não me importunava –, deixando-me em paz para pensar.

Então eu não conseguia ignorar a garota. Isso era evidente. Mas será que significava que eu não tinha opção senão destruí-la? Esse não podia ser o único futuro disponível. Tinha que haver uma alternativa, algum equilíbrio. Tentei pensar em uma saída.

Não prestei muita atenção em Troy até o fim das aulas. Ele estava curioso – Troy não era excessivamente intuitivo acerca das nuances dos humores dos outros, mas conseguia perceber a óbvia mudança no meu. E pensava no que tinha acontecido para remover a carranca impiedosa de meu rosto. Esforçava-se para definir a mudança, e afinal concluiu que eu parecia esperançosa.

Esperançosa? Era assim que o mundo exterior me via?

Refleti sobre essa ideia enquanto caminhávamos até o Volvo, imaginando o que exatamente eu deveria esperar.

Não tive, no entanto, muito tempo para refletir. Sensível como eu era a pensamentos que envolvessem a garota, o som do nome de Camila na cabeça dos seres humanos que eu não deveria considerar como rivais captou minha atenção. Austin e Tyler, tendo ouvido falar – com muita satisfação – do fracasso de Amber, se preparavam para avançar.

Austin já estava posicionado, apoiado na caminhonete de Camila, onde ela não poderia evitá-lo. A aula de Tyler se alongava com uma tarefa que o professor resolveu passar, e ele estava desesperado para correr e alcançá-la antes que ela escapasse.

Eu tinha que ver aquilo.

— Espere pelos outros aqui, tudo bem? – murmurei para Troy.

Ele me fitou desconfiado, mas depois deu de ombros e concordou.

A Lauren perdeu o juízo, pensou, achando graça.

Camila estava saindo do ginásio, e esperei em um local onde não pudesse me ver. Quando ela se aproximou da emboscada de Austin, saí andando e ajustei minha velocidade para passar por ali no momento oportuno.

Quando Camila avistou o garoto à espera, percebi que seu corpo se retesou. Parou por um instante, mas depois relaxou e prosseguiu.

— Oi, Austin. – Eu a ouvi dizer com uma voz amistosa.

Fiquei brusca e inesperadamente ansiosa. E se, de alguma maneira, ela gostasse desse adolescente desengonçado com a pele pouco saudável? E se o fato de ter sido generosa com ele mais cedo não tivesse sido apenas altruísmo?

Austin engoliu em seco fazendo um barulho alto, o pomo de adão saliente.

— Oi, Mila.

Ela parecia não perceber o nervosismo do rapaz.

— E aí? – falou ela, destrancando a caminhonete sem olhar para a expressão amedrontada de Austin.

— É... eu só estava pensando... se você gostaria de ir ao baile de primavera comigo. – A voz de Austin falhou.

Finalmente ela ergueu os olhos. Será que estava surpresa, ou satisfeita? Austin não conseguia retribuir o olhar, o que não me permitiu ver o rosto de Camila na mente dele.

— Pensei que as meninas é que deviam convidar – disse ela, soando incomodada.

— Bom, é – concordou ele, cabisbaixo.

Esse rapaz digno de pena não me irritava tanto quanto Amber Heard, mas eu não conseguia me sentir solidária com sua aflição até Camila lhe responder, com uma voz gentil:

— Obrigada por me convidar, mas vou a Seattle nesse dia.

Ele já ouvira aquilo. Ainda assim, foi uma decepção.

— Ah – murmurou ele, mal ousando erguer o olhar para encará-la. — Bom, quem sabe na próxima?

— Claro – concordou ela.

Em seguida, Camila mordeu o lábio, como se estivesse arrependida por ter aberto uma brecha. Isso me deixou contente.

Austin deu alguns passos e se afastou, seguindo na direção errada, para longe de seu carro, sua única rota de fuga planejada.

Passei por ela naquele momento e ouvi seu suspiro de alívio. Ri antes de conseguir me controlar.

Ela se virou ao ouvir minha risada, mas fixei o olhar diretamente à frente, tentando evitar que meus lábios se franzissem, achando graça.

Tyler estava atrás de mim, quase correndo, tamanha a pressa de alcançá-la antes que ela desse partida no carro. Ele era mais ousado e confiante do que os outros dois. Só havia esperado tanto tempo para se aproximar de Camila porque respeitava o interesse prévio de Amber.

Eu torcia para que ele conseguisse alcançá-la por dois motivos. Se, como eu estava começando a suspeitar, toda essa atenção aborrecia Camila, eu queria observar sua reação. Porém, se não fosse o caso – se o convite de Tyler fosse o que ela esperava –, eu também queria saber.

Considerei Tyler Crowley um rival, ciente de que se tratava de uma atitude censurável. Ele me parecia entediante, medíocre e comum, mas o que eu sabia das preferências de Camila? Talvez ela gostasse de pessoas comuns.

Estremeci ao pensar nisso. Eu nunca seria alguém comum. Que estupidez a minha me colocar como candidata ao amor de Camila. Como ela poderia algum dia se interessar por alguém que, para todos os efeitos, era a vilã da história?

Ela era boa demais para se interessar por uma vilã.

Embora eu devesse deixá-la de lado, minha curiosidade indesculpável me impedia de fazer a coisa certa. De novo. Mas e se Tyler perdesse sua oportunidade naquele momento e a procurasse mais tarde, quando eu não teria como saber o resultado? Avancei com meu Volvo para a pista estreita, bloqueando a passagem de Camila.

Meus irmãos já se aproximavam, mas, como Troy lhes descrevera meu comportamento esquisito, caminhavam devagar, me encarando, tentando decifrar minhas ações.

Observei a garota pelo retrovisor. Ela fitava a traseira do meu carro furiosa, sem retribuir meu olhar, com um ar de quem preferiria estar dirigindo um tanque de guerra em vez de um Chevy enferrujado.

Tyler correu até seu carro e tomou o lugar na fila atrás dela, grato por meu ato inexplicável. Fez um sinal na direção de Camila, tentando chamar sua atenção, mas ela não reparou. Ele esperou um minuto, depois desceu do carro, forçando um andar descontraído enquanto se aproximava da janela do carona. Deu um tapinha no vidro.

Ela levou um susto e o fitou com um ar desconcertado. Após um segundo, desceu o vidro manualmente, com certa dificuldade.

— Desculpe, Tyler – disse, a voz irritada. — Estou presa atrás da Jauregui.

Falou meu sobrenome com uma voz carregada.

— Ah, eu sei – comentou Tyler, indiferente ao mau humor de Camila. — Só queria perguntar uma coisa enquanto estamos atolados aqui.

Ele abriu um sorriso convencido.

Fiquei satisfeito pelo modo como ela empalideceu diante da óbvia intenção de Tyler.

— Vai me convidar para o baile de primavera? – perguntou ele, sem nem pensar no risco de derrota.

— Eu não estarei na cidade, Tyler – respondeu Camila, a voz ainda obviamente irritada.

— É, a Amber me contou.

— Então por quê... – começou a perguntar.

Ele deu de ombros.

— Eu esperava que você só estivesse se livrando dela do jeito mais fácil.

Os olhos de Camila faiscaram e depois se abrandaram.

— Desculpe, Tyler – disse ela, embora não parecesse nem um pouco arrependida. — Eu estarei mesmo fora da cidade.

Dada sua habitual tendência de colocar as necessidades dos outros acima das próprias, fiquei um pouco surpresa com a determinação de Camila no que se referia ao baile. De onde vinha aquela atitude?

Tyler aceitou a justificativa, mantendo sua autoconfiança inabalada.

— Tudo bem. Ainda temos o baile de formatura.

Todo empertigado, caminhou de volta ao carro.

Foi bom que eu tivesse esperado para ver aquilo.

A expressão horrorizada no rosto de Camila era impagável. E me mostrou o que eu não deveria estar tão desesperada para saber: ela não se interessava por nenhuma dessas pessoas que desejavam cortejá-la.

Além disso, sua expressão talvez tenha sido a coisa mais engraçada que já vi.

Então minha família chegou, confusa ao me ver gargalhando, e não com a cara fechada para tudo e todos ao meu redor.

Qual é a graça?, quis saber Troy.

Só balancei a cabeça enquanto Camila fazia rugir seu motor barulhento. Mais uma vez ela pareceu desejar que seu carro fosse um tanque de guerra.

— Vamos logo! – sibilou Cara, impaciente. — Pare de ser idiota. Se você conseguir.

As palavras dela não me irritaram; eu estava de muito bom humor. Mas fiz o que pediu.

Ninguém falou comigo no caminho até em casa. Continuei rindo sozinha de vez em quando, ao me lembrar da cara de Camila.

Quando virei na entrada – aumentando a velocidade, já que não havia mais testemunhas por perto –, Lucy arruinou meu humor.

— Então, agora posso falar com a Mila? – perguntou ela de repente.

— Não – disparei.

— Não é justo! Estou esperando o quê?

— Não decidi nada ainda, Lucy.

— Ah, tanto faz, Lauren.

Na mente de Lucy, os dois destinos de Camila estavam claros de novo.

— Qual o sentido de se tornar amiga dela? – murmurei, subitamente mal-humorada. — Se eu simplesmente vou matá-la?

Lucy hesitou por um segundo.

— Tem razão – admitiu.

Fiz a última curva fechada a quase cento e cinquenta quilômetros por hora e parei cantando pneu a centímetros da parede traseira da garagem.

— Boa corrida para você – disse Cara, com ar convencido, enquanto eu me lançava para fora do carro.

Mas eu não fui correr naquele dia. Em vez disso, fui caçar.

Os outros planejavam caçar no dia seguinte, mas eu não podia me dar ao luxo de ficar com sede naquele momento. Eu me excedi, bebendo mais do que o necessário, me fartando novamente – um pequeno grupo de alces e um urso-negro que tive a sorte de encontrar naquela época no ano. Fiquei tão cheia que me senti desconfortável. Por que aquilo não podia ser suficiente? Por que o cheiro dela tinha que ser mais forte do que tudo?

E não apenas o cheiro – havia alguma coisa nela que atraía a tragédia. Ela estava em Forks havia apenas poucas semanas e já se aproximara de uma morte violenta em duas ocasiões. Até onde eu sabia, naquele exato momento ela poderia estar enveredando por uma trilha que levaria a outra sentença de morte. O que seria dessa vez? Um meteorito atravessando o telhado da casa e esmagando-a na cama?

Eu não conseguia caçar mais, e ainda faltavam algumas horas para o sol nascer. Então me ocorreu que era difícil descartar a ideia do meteorito e outros possíveis perigos. Tentei ser racional, avaliar a probabilidade de todos os desastres que eu podia imaginar, mas não adiantou. Afinal de contas, quais eram as chances de uma garota como ela vir morar em uma cidade com uma porcentagem considerável de residentes vampiros? Quais eram as chances de ela se tornar uma atração perfeita para uma deles?

E se algo acontecesse com ela durante a noite? E se eu fosse para a escola no dia seguinte, com cada sentido e sentimento concentrado no espaço que ela deveria ocupar, e seu lugar estivesse vazio?

De súbito, o risco pareceu inaceitável.

A única maneira de garantir que Camila estaria segura era ter alguém pronto para agarrar o meteorito antes que caísse nela. Aquela inquietação me dominou novamente, e me dei conta de que estava indo ao encontro de Camila.

Passava da meia-noite, e a casa dela estava escura e silenciosa. A caminhonete estava estacionada junto ao meio-fio, a viatura do pai na entrada. Não havia nenhum pensamento consciente nas redondezas. Fiquei vigiando a casa da escuridão do bosque que a margeava a leste.

Não havia nenhum sinal de qualquer espécie de perigo... além de mim mesma.

Prestei atenção e escutei o som de duas pessoas respirando dentro da casa, dois corações batendo em ritmo regular. Então tudo devia estar bem. Apoiei-me no tronco de um pinheiro jovem e me acomodei à espera de meteoritos errantes.

O problema era que esperar liberava a mente para todo tipo de especulação. Obviamente o meteorito não passava de uma metáfora para todas as coisas improváveis que poderiam dar errado. Porém, nem todo perigo riscaria o céu com um esguicho de fogo brilhante. Eu conseguia enumerar muitos perigos que chegariam sem avisar, ameaças que poderiam se infiltrar sorrateira e silenciosamente na casa às escuras, que poderiam inclusive já estar lá dentro.

Eram preocupações ridículas. A rua não tinha encanamento de gás natural, então um vazamento de monóxido de carbono era improvável. Eu duvidava de que usassem carvão com frequência. A península de Olympic oferecia poucos perigos em termos de vida selvagem. Eu era capaz de ouvir todos os animais de grande porte. Não havia serpentes venenosas, escorpiões ou lacraias, só algumas aranhas, nenhuma mortal para um adulto saudável, e mesmo assim quase nunca entravam nas casas. Ridículo. Eu sabia disso. Sabia que estava sendo irracional.

Contudo, me sentia ansiosa, inquieta. Não conseguia espantar os cenários nefastos de minha mente. Se ao menos eu pudesse vê-la...

Eu ia dar uma olhada.

Em apenas meio segundo eu havia cruzado a frente e escalado a lateral da casa. A janela de cima devia dar para um quarto, provavelmente o quarto principal. Talvez eu devesse ter começado na parte de trás. Ficaria menos visível. Pendurada por uma das mãos no beiral da janela, olhei pelo vidro e fiquei sem ar.

Era o quarto dela. Dava para vê-la na cama pequena, as cobertas no chão e os lençóis enroscados nas pernas. Ela estava muito bem, claro, como meu lado racional já sabia. Segura... mas não em paz. Enquanto eu observava, ela se mexeu, agitada, e jogou um braço sobre a cabeça. Não dormia profundamente, pelo menos não nessa noite. Será que sentia que o perigo estava próximo?

Senti desprezo por mim mesma ao observá-la se agitar de novo. Por que eu seria melhor do que algum tarado doente? Eu não era melhor. Era muito, muito pior.

Relaxei os dedos, prestes a me deixar cair. Mas antes me permiti fitar seu rosto durante um longo tempo.

Ainda intranquila.

Seus lábios tremeram e então se entreabriram.

— Tudo bem, mãe – murmurou.

Camila falava dormindo.

A curiosidade se acendeu, subjugando o autodesprezo. Havia tanto tempo que eu tentava ouvi-la em vão. A atração por aqueles pensamentos desprotegidos, ditos de forma inconsciente, era extremamente tentadora.

Afinal de contas, o que as regras dos seres humanos representavam para mim? Quantas delas eu ignorava todos os dias?

Pensei na quantidade de documentos ilegais de que minha família precisava para vivermos do nosso jeito. Nomes falsos e históricos falsos, carteiras de identidade que nos garantiam a matrícula em escolas e diplomas que permitiam que Michael atuasse como médico. Documentos que faziam com que nosso estranho grupo de adultos de idades muito próximas fosse percebido como uma família. Nada disso seria necessário se não tentássemos passar por breves períodos de estabilidade, se não preferíssemos ter um lar.

E, é claro, havia a forma como custeávamos nossa vida. Leis de informações privilegiadas não se aplicavam a seres com poderes de vidência, mas certamente o que fazíamos não era honesto. E heranças passadas de um nome inventado para outro tampouco estavam de acordo com a lei.

E, além do mais, havia todos os assassinatos.

Não lidávamos com essa questão de modo leviano, mas obviamente nenhum de nós nunca foi punido em júris humanos pelos crimes que cometera. Nós os encobríamos – o que também era crime.

Então por que eu deveria me sentir tão culpada por um delito leve? As leis humanas nunca tinham se referido a mim. E essa nem era minha primeira invasão de domicílio.

Eu sabia que poderia fazê-lo com segurança. O monstro estava inquieto, mas acorrentado.

Eu manteria uma distância cautelosa. Não a machucaria. Ela nunca saberia que estive ali. Só queria garantir que ela estava a salvo.

Tudo isso eram racionalizações, argumentos malévolos oriundos do diabinho em meu ombro esquerdo. Eu sabia disso, mas não tinha nenhum anjo no lado direito. Eu me comportaria como a criatura aterrorizante que eu era.

Tentei abrir a janela. Não estava trancada, mas emperrada devido à falta de uso. Respirei fundo – pela última vez durante o tempo em que eu ficasse perto dela – e deslizei devagar a vidraça, me contorcendo a cada leve ruído do batente de metal. Finalmente a janela se abriu o suficiente para eu passar com facilidade.

— Mãe, espera... – murmurou ela.

O quarto dela era pequeno – desorganizado e atulhado, mas não sujo. Havia livros empilhados no chão ao lado da cama, as lombadas gastas viradas para o lado oposto ao meu, e CDs espalhados perto do aparelho de som barato; no topo da pilha havia apenas uma capa transparente vazia. Montes de papéis cercavam um computador que parecia pertencer a um museu dedicado a tecnologias obsoletas. Havia sapatos espalhados pelo piso de madeira.

Eu queria muito ler os títulos dos livros e dos CDs, mas estava determinada a não correr mais nenhum outro risco. Em vez disso, fui me sentar em uma cadeira de balanço na extremidade do quarto. Minha ansiedade abrandou, os pensamentos nefastos sumiram e minha mente ficou clara.

Será que algum dia eu realmente a vira como uma garota de aparência comum? Pensei no primeiro dia e no meu desprezo pelos rapazes que ficaram tão fascinados por ela. Porém, quando me lembrei do rosto dela na mente dos rapazes naquela ocasião, não consegui entender por que não a achei linda desde o início. Parecia algo óbvio.

Naquele exato momento – vestindo uma camiseta puída cheia de furos e uma calça de moletom surrada, o cabelo escuro despenteado e embaraçado em torno do rosto pálido, os traços relaxados em seu estado de inconsciência, os lábios grossos entreabertos –, ela me deixou sem fôlego. Ou teria deixado, pensei com ironia, se eu estivesse respirando.

Ela não falou mais. Talvez o sonho tivesse terminado.

Fitei seu rosto e tentei pensar em algum modo de tornar o futuro suportável.

Magoá-la era insuportável. Será que isso significava que minha única opção era tentar partir novamente?

Minha família não me convenceria do contrário novamente. Minha ausência não colocaria ninguém em perigo. Não haveria suspeitas, nada que pudesse ligar a desconfiança de alguém com o acidente.

Estremeci da mesma forma que tinha acontecido naquela tarde, e tudo pareceu impossível.

Uma pequenina aranha marrom saiu da madeira da porta do armário. Minha chegada devia tê-la perturbado. Eratigena agrestis – uma aranha errante; pelo tamanho, um macho jovem. Antes era considerada perigosa, mas estudos científicos mais recentes demonstraram que seu veneno era inofensivo para seres humanos. No entanto, a picada ainda era dolorosa... Estiquei o dedo e a esmaguei sem fazer barulho.

Talvez eu devesse ter deixado a criatura viver, mas pensar que alguma coisa poderia machucar Camila era intolerável.

E então, de repente, todos os meus pensamentos se tornaram igualmente intoleráveis.

Porque eu podia matar todas as aranhas de sua casa, podar os espinhos de todas as roseiras que algum dia ela viesse a tocar, bloquear todos os carros em alta velocidade a um raio de um quilômetro dela, mas não havia nenhuma atitude que eu pudesse tomar para me tornar inofensiva. Fiquei olhando para minha mão branca e pétrea – tão pouco humana que se tornava grotesca – e me desesperei.

Eu não poderia almejar competir com garotas e rapazes humanos, quer ela se interessasse por eles, quer não. Eu era a vilã, o pesadelo. Como ela poderia me ver de outra forma? Se ela soubesse a verdade a meu respeito, sentiria medo e repulsa. Como a vítima em potencial de um filme de terror, ela fugiria gritando, apavorada.

Lembrei-me dela no primeiro dia, na aula de biologia... e soube que aquela era exatamente a reação apropriada.

Era uma estupidez imaginar que, se fosse eu a convidá-la para aquele baile tolo, ela teria cancelado seus planos arquitetados às pressas e teria concordado em ir comigo.

Não era eu a predestinada a quem ela diria sim. Seria outra pessoa, um ser humano de sangue quente. E quando ela dissesse sim algum dia, eu não poderia nem mesmo me permitir caçá-lo e matá-lo, porque ela o merecia, fosse quem fosse. Ela merecia viver a felicidade e o amor com a pessoa que escolhesse.

Fazer a coisa certa era algo que eu devia a ela. Eu não podia mais fingir que estava apenas correndo o risco de amar aquela garota.

Afinal de contas, não importava se eu fosse embora, porque Camila nunca poderia me ver como eu gostaria. Nunca poderia me ver como alguém digna de ser amada.

Poderia um coração congelado e morto se partir? Parecia que o meu sim.

— Lauren – disse Camila.

Fiquei paralisada, encarando seus olhos fechados.

Será que ela tinha acordado e me visto ali? Ela parecia estar dormindo, embora sua voz tivesse soado muito clara.

Ela soltou um suspiro silencioso e mais uma vez se remexeu na cama, virando-se de lado, ainda dormindo e sonhando.

— Lauren – murmurou ela de modo suave.

Estava sonhando comigo.

Poderia um coração congelado e morto voltar a bater? Parecia que o meu estava prestes a fazê-lo.

— Fique. – Ela suspirou. — Não vá. Por favor... não vá embora.

Ela estava sonhando comigo, e nem era um pesadelo. Queria que eu ficasse com ela, lá no sonho.

Esforcei-me para nomear os sentimentos que me invadiram, mas não havia palavras fortes o suficiente para contê-los. Por um longo instante, mergulhei neles.

Quando emergi, não era a mesma mulher de antes.

Minha vida era uma meia-noite constante e interminável. Por necessidade, sempre seria meia-noite para mim. Então como era possível que o sol estivesse raiando em meio à minha meia-noite?

Na época em que me tornei vampira, ao trocar minha alma e mortalidade pela imortalidade na dor lancinante da transformação, eu realmente tinha sido congelada. Meu corpo se tornara algo mais próximo da pedra do que da carne, permanente e imutável. Meu ser também tinha sido congelado – minha personalidade, preferências e aversões, humores e desejos; tudo se tornara inalterável.

O mesmo ocorreu com os outros membros da minha família. Éramos todos imutáveis. Como pedras vivas.

Quando uma mudança acontecia para um de nós, tratava-se de uma coisa perene e rara. Vi acontecer com Michael, e uma década depois com Cara. O amor os transformara de maneira eterna, de forma que nunca desvaneceria. Mais de oitenta anos haviam se passado desde que Michael encontrara Clara, e ele ainda a fitava com o olhar incrédulo do primeiro amor. Sempre seria assim para eles.

Sempre seria assim para mim também. Eu sempre amaria aquela frágil garota humana, pelo resto da minha existência sem fim.

Observei seu rosto inconsciente, sentindo meu amor por ela se instalar em cada parte de meu corpo pétreo.

Naquele momento ela dormia mais serena, com um leve sorriso.

Comecei a fazer planos.

Eu a amava, e por isso tentaria encontrar forças para deixá-la. Sabia que ainda não tinha essa força. Eu me empenharia nisso. Mas eu talvez fosse forte o suficiente para driblar o futuro de outra maneira.

Lucy vira apenas dois futuros para Camila, e agora eu os compreendia.

Amá-la não me impediria de matá-la se eu não me controlasse e acabasse cometendo erros.

No entanto, eu não conseguia sentir o monstro naquele momento, não conseguia encontrá-lo em nenhum lugar dentro de mim. Talvez o amor o tivesse silenciado para sempre. Se eu a matasse, não seria intencional, apenas um terrível acidente.

Eu teria que ser muito cuidadosa. Não poderia nunca, jamais, baixar a guarda. Teria que controlar cada respiração. Teria que manter uma distância prudente a todo momento.

Não cometeria nenhum erro.

Finalmente entendi o segundo futuro. Fiquei aturdida com aquela visão. O que poderia acontecer para levar Camila a se tornar prisioneira daquela vida incompleta e imortal? Desolada pelo desejo que sentia por aquela garota, eu enfim consegui entender como poderia, em um ato de egoísmo imperdoável, pedir a meu pai esse favor. Pedir que ele tirasse sua vida e sua alma para que eu pudesse mantê-la para sempre comigo.

Ela merecia mais do que aquilo.

Entretanto, eu via um outro futuro, uma corda bamba sobre a qual talvez eu conseguisse andar, se mantivesse o equilíbrio.

Será que eu conseguiria? Estar com ela e deixá-la permanecer humana?

Num gesto deliberado, sujeitei meu corpo a uma imobilidade perfeita, deixando-o estático, e respirei fundo. Depois respirei de novo, e de novo, permitindo que o cheiro de Camila me invadisse como um incêndio incontrolável. O quarto estava inundado com seu perfume, que se instalava sobre cada superfície. Minha cabeça girava de dor, mas lutei contra a tontura. Teria que me acostumar com isso se quisesse tentar me manter próxima dela de alguma forma. Outra respiração profunda e ardente.

Fazendo planos e respirando aos poucos, observei-a dormir até o sol se erguer atrás das nuvens ao leste.

*

Entrei em casa logo após os outros terem saído para a escola. Troquei-me depressa, evitando o olhar desconfiado de Clara, que viu a luz febril em meu rosto e sentiu tanto preocupação quanto alívio. Minha melancolia prolongada a afligia imensamente, e ela estava contente de ver que talvez eu estivesse melhor.

Corri para a escola, chegando alguns segundos depois de meus irmãos. Eles não se viraram, embora ao menos Lucy devesse saber que eu estava ali, no bosque denso que margeava a calçada. Esperei até que ninguém estivesse olhando e caminhei descontraída, saindo das árvores e chegando ao estacionamento cheio de automóveis.

Ouvi a caminhonete de Camila dobrando a esquina com um rugido e fiz uma pausa atrás de uma Suburban, onde poderia observar sem ser vista.

Ela entrou no estacionamento, encarando meu Volvo por um bom tempo antes de estacionar em uma das vagas mais distantes com uma expressão séria.

Era estranho lembrar que ela provavelmente continuava zangada comigo, e por um bom motivo.

Eu queria rir de mim mesma, ou me dar um chute. Tudo o que eu imaginara e planejara seria completamente irrelevante se ela não gostasse de mim, certo? Talvez ela tivesse sonhado com uma situação corriqueira qualquer. Eu era uma estúpida arrogante.

Bom, seria tão melhor para ela não gostar de mim. Isso não me impediria de ir atrás dela, de tentar. Mas eu escutaria quando ela dissesse não. Eu devia isso a ela. Devia mais ainda. Devia a verdade que não tinha a permissão de lhe dar. Então eu lhe daria o máximo de verdade que pudesse. Tentaria alertá-la. E, quando ela confirmasse que eu nunca seria a pessoa a quem diria sim, eu sairia de cena.

Caminhei em silêncio, imaginando a melhor maneira de abordá-la.

Ela facilitou. Quando saiu do carro, deixou a chave da caminhonete escorregar por seus dedos e cair dentro de uma poça funda.

Ela se abaixou, mas fui mais rápida e peguei a chave antes que ela tivesse que enfiar os dedos na água fria.

Apoiei-me na caminhonete, e ela levou um susto.

— Como é que você faz isso? – perguntou, endireitando-se.

Sim, ainda estava zangada.

Ofereci-lhe a chave.

— Faço o quê?

Ela esticou o braço, e deixei a chave cair na palma de sua mão. Respirei fundo, aspirando seu perfume.

— Aparece do nada desse jeito – esclareceu.

— Camz, não é culpa minha se você é excepcionalmente distraída.

As palavras eram irônicas, quase uma piada. Havia alguma coisa que ela não percebesse?

Será que ela ouviu minha voz enroscar-se no nome dela como uma carícia?

Camila me olhou de cara fechada, sem apreciar meu senso de humor. As batidas de seu coração se aceleraram. Seria raiva? Medo? Depois de um instante, baixou os olhos.

— Por que o engarrafamento de ontem? – perguntou ela, sem me encarar. — Pensei que você ia fingir que eu não existo, e não me matar de irritação.

Ainda furiosa. Eu ia precisar me esforçar para acertar as coisas com ela. Lembrei-me de minha determinação em falar a verdade.

— Aquilo foi pelo Tyler, e não por mim. Tive que dar uma chance a ele.

E então eu ri. Não consegui evitar, pensando na expressão dela no dia anterior. Concentrar-me tão intensamente em mantê-la a salvo, em controlar minha reação física diante dela, me deixava com menos recursos para lidar com minhas emoções.

— Você...

Ela engoliu em seco e depois hesitou, parecendo brava demais para terminar a frase. Lá estava: a mesma expressão. Abafei outra risada. Ela já estava irritada demais.

— E não estou fingindo que você não existe – arrematei.

Pareceu correto manter um tom descontraído, brincalhão. Eu não queria amedrontá-la ainda mais. Tinha que ocultar a intensidade de meus sentimentos e manter uma atitude leve.

— Então está tentando mesmo me matar de irritação? Já que a van do Tyler não fez o serviço?

Uma rápida centelha de fúria pulsou dentro de mim. Como ela poderia acreditar sinceramente naquilo?

Era irracional eu me sentir tão ofendida. Ela não sabia de todo o esforço que eu despendera para mantê-la viva, não sabia que eu havia brigado com minha família por causa dela, não sabia da transformação que acontecera da noite para o dia. Mas fiquei zangada mesmo assim. Emoção não controlada.

— Camz, você é completamente absurda – disparei.

Seu rosto enrubesceu. Ela virou as costas para mim e começou a se afastar.

Remorso. Minha raiva era injusta.

— Espere – pedi.

Ela não parou, então a segui.

— Desculpe, foi grosseria minha. Não estou dizendo que não é verdade. – Só que era absurdo imaginar que eu queria vê-la magoada. — Mas, de qualquer forma, foi uma grosseria dizer aquilo.

— Por que não me deixa em paz?

Seria esse o meu não? Era isso o que ela queria? Falar meu nome no sonho tinha sido insignificante?

Lembrei-me perfeitamente do tom de sua voz, da expressão de seu rosto ao me pedir para ficar.

Mas se ela agora dissesse não... Bem, então tudo acabaria ali. Eu sabia o que precisava fazer.

Vá com calma, disse para mim mesma. Poderia ser a última vez que a veria. Se assim fosse, teria que deixá-la com a recordação certa. Então eu desempenharia meu papel de garota humana normal. E, mais importante, lhe daria uma escolha e depois aceitaria a resposta.

— Quero perguntar uma coisa, mas você está me evitando.

Uma possível estratégia tinha acabado de me ocorrer, e dei uma risada.

— Você tem distúrbio de personalidade múltipla? – perguntou ela.

Provavelmente eu parecia ter. Meu humor estava inconstante como nunca, com tantas novas emoções me atravessando.

— Lá vem você de novo – observei.

Ela suspirou.

— Tudo bem, então. O que quer perguntar?

— Eu estava me perguntando se, no sábado que vem... – Percebi o choque estampado em seu rosto e contive outra risada. — Sabe como é, no dia do baile de primavera...

Ela me interrompeu, finalmente retribuindo meu olhar.

— Está tentando ser engraçadinha?

— Quer, por favor, me deixar terminar?

Ela aguardou em silêncio, mordendo o delicado lábio inferior.

Essa cena me distraiu por um segundo. Reações estranhas e desconhecidas se revolviam no meu esquecido âmago humano. Tentei afastá-las para continuar desempenhando meu papel.

— Eu a ouvi dizer que vai a Seattle nesse dia, e estava pensando se você queria uma carona – sugeri.

Percebi que, melhor do que apenas descobrir os planos dela, eu poderia participar deles. Se ela dissesse que sim.

Ela me encarou, perplexa.

— Como é?

— Quer uma carona para Seattle?

Sozinha dentro de um carro com ela... Minha garganta ardeu só de pensar naquilo. Respirei fundo. Vá se acostumando.

— Carona de quem? – perguntou ela, confusa.

— Minha, é claro – respondi devagar.

Por quê?

Era tão chocante saber que eu queria a companhia dela? Ela devia ter interpretado meu comportamento anterior da pior forma possível.

— Bom – falei, tentando soar muito natural. — Eu pretendia ir a Seattle nas próximas semanas e, para ser sincera, não tenho certeza se sua caminhonete vai aguentar.

Parecia mais seguro provocá-la do que me permitir ficar séria demais.

— Minha caminhonete funciona muito bem, obrigada por sua preocupação – rebateu ela com o mesmo tom de surpresa.

Voltou a andar, e eu a acompanhei no mesmo ritmo.

Não era uma rejeição explícita, mas quase. Será que ela estava sendo educada?

— Mas sua caminhonete pode chegar lá com um tanque de gasolina?

— Não vejo como isso pode ser da sua conta – resmungou.

Seu coração estava acelerado de novo, a respiração, mais rápida. Pensei que falar em tom de brincadeira poderia deixá-la mais à vontade, mas talvez eu a estivesse assustando mais uma vez.

— O desperdício de recursos não renováveis é da conta de todos.

Minha resposta soou normal e descontraída, porém não consegui avaliar se ela interpretou da mesma maneira. Sua mente silenciosa sempre me deixava insegura.

— Francamente, Lauren... Eu não consigo entender você. Pensei que não quisesse ser minha amiga.

Uma emoção me invadiu quando ela falou meu nome, e me vi de novo em seu quarto, ouvindo-a me chamar, me pedindo para ficar. Eu queria poder viver naquele momento para sempre.

Àquela altura, contudo, apenas a sinceridade era aceitável.

— Eu disse que seria melhor se não fôssemos amigas, e não que eu não queria ser.

— Ah. Obrigada, agora está tudo muito claro – disse, sarcástica.

Ela parou e me encarou de novo. Seu coração batia de modo irregular. De medo ou raiva?

Escolhi as palavras com cuidado. Ela precisava ver. Entender que era do interesse dela me manter longe.

— Seria mais... prudente para você não ser minha amiga. – Fitando as profundezas de seus olhos, perdi totalmente minha pretensão de ir com calma. — Mas estou cansada de tentar ficar longe de você, Camz.

As palavras pareciam ter saído de minha boca queimando, como fogo.

Ela prendeu a respiração, e o segundo que levou para retomá-la me fez entrar em pânico. Eu realmente a deixara apavorada, não deixara?

Melhor ainda. Receberia meu não e tentaria suportá-lo.

— Vai comigo a Seattle? – perguntei, sem rodeios.

Ela fez que sim com a cabeça, seu coração batendo alto e forte.

Sim. Ela disse sim para mim.

E então senti um peso na consciência. O que isso lhe custaria?

— Você realmente devia ficar longe de mim – alertei.

Será que ela me ouviu? Será que ela fugiria do futuro arriscado que eu estava lhe propondo? Será que não havia nada que eu pudesse fazer para salvá-la de mim?

Vá com calma, gritei para mim mesma.

— Vejo você na aula – falei.

E na mesma hora me lembrei de que não a veria na aula. Ela embaralhava meus pensamentos completamente.

Tive que me concentrar para não sair correndo enquanto fugia dali.



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