❝Nada consegue suprimir a curiosidade de um humano❞
— Eren Jaeger
O esquadrão Asas da Liberdade continuou com sua investida contra o galpão dos restauracionistas e já haviam apreendido os homens que mais cedo dispararam contra suas cabeças em busca de proteger o fogo que já queimava os documentos importantes e entorpecentes em seringas de vidro com cor arroxeada. Passos próximos anunciaram a aproximação de Levi e a Tenente Zoe, que logo chegaram à cena onde toda a equipe já estava reunida mantendo a vigilância nos meliantes presentes. As esmeraldas de Eren pousaram quase que imediatamente na figura do Ackerman e suas botas negras pesadas, engolindo em seco para não crispar seus lábios e correr o risco de evidenciar ainda mais seu desgosto mal disfarçado.
– Sabemos que grande parte do grupo criminoso está fugindo pela floresta a pé na direção da cidade. Não podemos deixar que a droga chegue à Sina – Hange informou aos soldados antes de se voltar de maneira breve para Christa, a encarregada por catalogar quaisquer evidências úteis para a investigação – Alguma ampola sobrou para análise?pll
– Nenhuma resistiu às chamas, Tenente – A moça respondeu retirando as luvas de proteção que impedia que suas digitais alterassem a composição comprometedora da cena.
Aquela notícia era horrível de muitas maneiras para os ouvidos dos oficiais presentes na cena, pois significava que uma droga de efeitos desconhecidos estava naquele momento sendo levada em grandes quantidades para Sina, onde se encontrava o maior índice de ricos festeiros que abrigavam incontáveis entorpecentes ilegais em suas festas e obviamente colocariam todas aquelas ampolas para circularem rapidamente. Se caso a droga viesse a se tornar popular rapidamente, logo haveriam cópias fajutas a cada esquina e seria ainda mais difícil rastrear a origem do produto.
O Ackerman suspirou para conter a vontade de esfregar a sola de sua bota negra contra as faces medonhas e sujas de cada um daqueles porcos malditos – reunidos na parede oposta a onde os soldados estavam posicionados – que dificultavam sua vida como pedras gigantescas em seu caminho. Sempre inventando novas versões daquela droga e nunca sobrava uma única gota para análise quando os militares conseguiam intercepta-los.
– Equipe ofensiva, acompanhem a mim e a Tenente Hange Zoe na busca a pé pela floresta – Ele ordenou de maneira firme e todos os integrantes do esquadrão que estavam sobre as ordens de Mikasa durante a invasão se levantaram, porém assim que Eren seguiu para a porta lateral do cômodo em que estavam, a mão pesada de Levi repousou contra seu peito e o impediu de caminhar – Você não, Jaeger.
– Com todo respeito Capitão Levi, mas eu faço parte da equipe ofensiva.
– Tenho plena ciência deste fato, soldado. Mas você vai ficar aqui com o restante do pelotão.
Um grunhido chateado deixou o fundo da garganta do moreno após ser dispensado da missão de maneira tão crua como aquela e na frente de todo o pelotão, que o assistia com olhos curiosos principalmente por ser de conhecimento público o incidente entre ele e o oficial durante a formatura no dia anterior. Jean Kirstein – que tinha cabelo curto, castanho claro, com os lados e atrás mais escuro cortados mais curtos do que o topo – riu de maneira propositalmente mais alta que o normal e isto fez a chama da raiva de Eren se acender ainda mais. Eles não haviam se visto em algumas semanas por conta de uma folga especial que o Kirstein havia solicitado.
Infelizmente suas mãos não podiam envolver o pescoço do oficial de feições alvas, mas Jean era um bom substituto. Tal qual a velocidade de uma bala ele se virou e avançou na direção do bicolor, lhe alcançando com demasiada facilidade a face levando em conta o elemento surpresa de seu ataque pois Jean não esperava uma reação tão exasperada antes de trocarem farpas como era o rotineirodas interações entre eles. Após o ataque de seu punho fechado disparado contra o rosto do outro soldado ele pôde sentir os braços de Mikasa o segurando para que não pudesse continuar a avançar contra o colega de equipe, que caiu para trás por conta da força aplicada por Eren no golpe.
– Você ficou maluco, Jaeger!? – Ele cuspiu sangue enquanto se mantia em pé de maneira trêmula com o apoio de seus dois amigos, que impediram que seu corpo tombasse em direção ao solo.
Eren se manteve em silêncio, soltando-se com brusquidão do aperto de Mikasa para se recolher contra a parede mais próxima rangendo os dentes, resultado da raiva que estava contendo de maneira falha.
– Marco, leve o Eren para fora da sala e espere com ele até que o Comandante chegue para levar vocês de volta para Shiganshina ou que retornemos da missão de recuperação dos fugitivos. O que ocorrer primeiro – A ordem foi autoritária saindo dos lábios do Ackerman e sem opção alguma, o soldado fez e reverência padrão antes de caminhar para junto do Jaeger. Mikasa se adiantou para seguir os passos do amigo e lhe alcançar a mão, mas a voz do irmão a impediu – Mikasa, volte para a formação, vamos partir agora.
Nos olhos dela brilharam as chamas da relutância enquanto fitava as esmeraldas verdes cobertas parcialmente com as sombras que a cortinas de fios chocolate causavam em sua face, mas este apenas permaneceu ali parado sem lhe estender a destra e convidar que hle seguisse.
– Sim senhor – Ela finalmente se pronunciou, mesmo que de maneira hesitante antes de acompanhar o grupo para fora do galpão pela porta dos fundos.
– Eren, vamos até o lado de fora esfriar a cabeça, sim? – Ele ofereceu de maneira gentil e segurou o braço moreno do outro soldado e o encaminhou para o lado exterior daquele cômodo.
Eren abaixou os olhos verdes para fitarem o chão de cimento enquanto Marco o guiava para a sala logo ao lado onde um bebedouro simples possuía um garrafão azul contendo bastante água. Aquela era provavelmente uma cozinha levando em conta a disposição dos móveis existentes ali.
– Talvez haja algo nas prateleiras – Bodt pontuou.
Mesmo não muito esperançoso, o Jaeger anuiu com sua cabeça e se juntou ao rapaz de pele alva e sardinhas em suas bochechas na procura por algum item comestível. Os armários estavam praticamente vazios, porém na geladeira havia um pote de sorvete de sabor napolitano. Havia pelo menos metade do conteúdo.
O putro soldado retornou comt duas colheres metálicas em suas mãos – Uma para ele e outra para Eren – e deixou o pote contendo o sorvete entre os dois, afundando a sua colher no sabor de baunilha, erguendo-a e levando um pedaço considerável da sobremesa até seus lábios, deixando que o doce gelado descesse por sua garganta. Um murmúrio de satisfação escapou por sua boca enquanto assimilava o gosto.
– Já se passou tanto tempo desde a última vez que provei esta sobremesa e de que não sinto o gosto do sorvete que poderia chorar de tanta felicidade agora mesmo.
– Nem mesmo nos dias em que Sasha trazia comida clandestina para a cozinha? – O moreno indagou curioso antes de servir sua língua com o agradável gosto do chocolate.
– Oh não, minha consciência não me permite infringir as regras assim então eu ficava apenas na vontade mesmo.
Ele concordou apenas com um murmúrio pois sua boca estava ocupada demais usando força nos dentes para mastigar os pedaços mais congelados da sobremesa, aliviando seu estresse a cada colherada que conseguia com sucesso derreter em sua boca e engolir. Seus punhos ainda estavam manchados do sangue que havia escorrido do nariz de Jean após o golpe que acertou o rosto do rapaz de cabelos bicolores. Kirstein era uma pedra em seu sapato desde que havia entrado no programa de recrutas especiais do governo para proporcionar soldados para os esquadrões de elite de Eldia, onde ingressavam aos quinze anos de idade e se formavam aos dezoito anos. O projeto era para abrigar crianças pobres e órfãs, porém haviam certos casos especiais como Eren.
Não havia sido opção dele estar ali entre estranhos tão hostis sendo que poderia estar em casa desfrutando da vida confortável de sua mansão e participando de uma escola onde poderia se formar e assumir os negócios do pai um dia e que agora estava morto. Tudo havia sido deixado nas mãos de seu irmão mais velho que possuía o aspecto autista, e seu coração doía de preocupação só de pensar que havia passado três anos sem poder ver Zeke. Mas Jean o olhava com desprezo e sempre o tratou como, a criança rica que não tinha problemas algum na vida mas quis descer do pedestal de diamante para se juntar a pobre ralé, retirando a chance de ser alguém na vida daqueles que realmente precisavam. Era o que ele sempre repetia a cada novo sermão que sentia-se no direito de dizer aos ouvidos do moreno.
– Eren, não coloque essa expressão tão chateada em tua face. Assim, vai deixar que os outros percebam facilmente quais botões apertar para te colocar em uma saia justa – Marco se pronunciou por notar que o Jaeger estava apertando a colher de maneira demasiada forte.
– Mas é tão difícil quando se trata daquele idiota e seus relinchos incompreensíveis.
– No teu caso creio que seja difícil controlar a raiva quando se trata de qualquer pessoa que respira nesta nossa querida terra.
– Eu não sou um encrenqueiro – O moreno uniu as sobrancelhas e o que parecia um bico emburrado enfeitou suas feições.
– As minhas palavras não tinham esta intenção mas se a definição te agrada, que posso eu fazer?
Uma risada anasalada soou pela sala escapando dos lábios rosados do moreno enquanto este era observado atentamente pelo par de olhos castanhos de Marco.
– A propósito, Jean não é de todo mal – Marco notou o moreno se emburrar novamente apenas de ouvir o nome do colega de esquadrão – Eren você só precisa dar uma chance aos seus ouvidos só invés de seus punhos.
– Eles são tudo o que tenho.
– Nunca pensou em procurar métodos mais eficazes para lidar com seu temperamento?
O soldado com adoráveis sardas nas bochechas claras se levantou para exibir a amarração especial do DMT em sua perna esquerda onde as lindas adagas que ele havia passado a manhã inteira limpando estavam lindamente posicionadas para serem usadas em combate.
– Por que está me mostrando isso?
– Eu também tinha problemas de raiva como você e sinceramente, seus dedos não podem sair machucados toda hora – Marco tirou uma das adagas de cabo prateado e deixou que o Jaeger a sentisse contra as mãos.
Eren roçou a ponta de seus dedos contra a lâmina metálica e admirou os detalhes existentes moldados no metal brilhante, refletindo seu rosto moreno e os olhos esmeraldinos brilhando contra o metal fino da adaga de dois gumes. Marco recebeu de volta a arma em mãos para guardar no lugar dela, a amarração vazia em sua perna esquerda.
– Praticar atirar minhas adagas contra alvos de madeira me ajuda com a raiva e problemas que podem afetar meu desempenho em campo – Marco disse sentando novamente ao lado de Eren – Você deveria vir treinar comigo assim que estiver livre.
– Bem amanhã mesmo eu estou livre durante o treino de aperfeiçoamento de habilidade pessoal. Eu não tenho uma – O Jaeger disse esperançoso.
– Tem certeza que amanhã vai estar livre? Pela cara que o Capitão fez quando você agrediu o Jean, provavelmente vai passar a noite na cadeia de novo.
Eren se arrepiou e crispou os lábios com desgosto ao ouvir o nome de Levi e Jean na mesma frase. O ditador com meio metro de altura e o idiota com cara de cavalo conseguiam despertar com facilidade a chama de sua raiva, e tudo que podia fazer era suspirar de desgosto. A cadeia militar era fria e úmida, tão desconfortável que sua coluna ainda sentia os efeitos de ter dormido contra a cama metálica da cela feita de tijolos de cimento.
Um suspiro cansado levou junto a nova dose de Dopamina que havia sido descarregada em seu cérebro ao ouvir sobre a proposta de Marco de lhe ensinar a manipular adagas, substituindo a química de seu cérebro com doses de corticotrofina com cortisol e estrogênio.
– Ele vai me mandar passar mais tempo na cadeia militar?
– Muito provavelmente. Neste ritmo que as coisas estão seguindo, você e Marlowe vão virar amigos bem próximos levando em conta o tanto de tempo que está passando na cadeia por causa do seu comportamento explosivo – Marco não pôde conter uma risada de escapar de seus lábios.
Para consolar a mente pela quantidade de dopamina perdida, Eren mergulhou a colher prateada que estava em suas mãos na camada fina do sorvete napolitano onde o sabor era o de baunilha – e que já se derretia – e ao final trouxe o doce gosto para sua boca e assim acalmar a tempestade de fumaça que saia por suas orelhas por conta de sua raiva eminente.
Doces sempre conseguiam acalmar seu estado de espírito de alguma forma. Bolos para quando estava triste e pizzas doces para quando precisava chorar e extravasar os seus sentimentos, macarons para dias em que ficava doente e chocotortas com creme belga.para dias chuvosos ou quente demais, pois o gosto gelado e refrescante era mais do que único.
– Agora que está mais calmo, temos que voltar para o saguão porque pelos sons que ouço, a equipe que saiu com o capitão já retornou.
Realmente, do lado exterior a agitação retornava junto do murmurar de ordens e dos carros militares estacionando para alinhar todos os prisioneiros e os levar de volta aos campos de Shiganshina na imponente muralha Maria. Era a hora de encarar os olhos do Capitão Ackerman novamente e arcar com a – provável – grande punição que receberia.
Marco aceitou ficar para trás e recolher os potes enquanto Eren aguardou do lado de fora, as costas morenas contra a parede fria de concreto enquanto aguardava pelo Ackerman que rapidamente surgiu vindo do corredor lateral. As botas negras de cano alto dele soaram contra o chão de cimento batido até que a figura de Levi surgisse na frente do moreno, com as mãos nos bolsos da calça de estampa militar.
Os olhos dos dois se encontraram como um choque entre pólos opostos cuja força de repulsão não podia ser superior à força de atração. As esmeraldas dos olhos de Eren, com seus pequenos pontos azuis e dourados completavam a tempestade chuvosa que se chocava contras ondas revoltas completamente formadas de um pesado chumbo. Era como ser sugado para o mar daquelas íris cansadas que Eren tinha quase certeza de que as cores se misturavam quanto mais você olhava.
– Estou impressionado de que você não teve que ser amarrado para não seguir atacando o resto dos colegas de equipe com os seus punhos.
– Não sou como um animal selvagem – O Jaeger rosnou.
A atitude do moreno de rosnar mediante a provocação – tal qual um animal selvagem faria – fez com que o canto da boca do Capitão se elevasse para que um sorriso enviesado surgisse em suas feições pálidas junto do arquear de uma de suas sobrancelhas
– Provavelmente os animais selvagens ficariam ofendidos se colocados no mesmo nicho que o seu. Erro meu te comparar com tipos de vida com uma capacidade de serem pacíficos muito mais alta que você.
– Se são selvagens não podem ser pacíficos. Por exemplo, um lobo não é um animal que eu tomaria como um símbolo de pacificidade.
– Um lobo conseguiria proteger sua matilha e não atacar os seus e isso é o suficiente de pacificidade que alguém precisa ter nesse mundo – Levi cruzou os braços – Mesmo que sempre existam lobos solitários que sejam as exceções problemáticas.
Eren ficou com os lábios entreabertos por alguns segundos para recuperar o fôlego perdido por conta do golpe que as palavras de Levi sempre causavam em seu ego com suas respostas rápidas. A sensação que percorria em seu organismo era a de estar preso em um labirinto fugindo de um caçador que bloqueava cada um de seus passos e o arrastava para cada vez mais longe da saída, cortando seus caminhos e o mantendo entre as paredes de corredores infinitos de possibilidades.
– Lobos solitários se afastam de suas alcateias e passam a viver sozinhos, mesmo sabendo que desta maneira suas expectativas de vida são reduzidas por serem criaturas feitas para viverem em comunidade como os humanos e tantos outros organismos da natureza. Eu me pergunto por que são tão teimosos – O oficial disse com sarcasmo pingando em sua frase final.
– Agora é aquele momento em que você vai começar um grande sermão e me dizer que sou um lobo solitário que deveria aprender a me integrar à sociedade, e minha grande matilha é o esquadrão? Eu preferia que poupasse seu tempo e meus ouvidos.
– Você não é de todo inútil para entender metáforas. Por um momento pense de que eu teria que explicar tudinho para que o seu cérebro petulante pudesse assimilar – O sorriso enviesado sumiu para que Levi pudesses suspirar pela dor de cabeça que era conversar com alguém tão fechado em seu mundo – Mas eu não ia te comparar a um lobo solitário.
Eren se ajeitou de maneira desconfortável contra a parede após ser encurralado de novo pelas palavras de Levi, seus olhos se estreitando na direção da figura do oficial que o analisava atentamente antes de prosseguir com suas palavras
– Você é mais como um filhote de cachorro que está sozinho na chuva à procura de seu dono, de um lar para descansar novamente e já está assim há tanto tempo que não consegue mais controlar toda essa raiva que borbulha aí dentro. Morde a mão de qualquer um que tenta te ajudar nessa urgência louca de se manter seguro e eventualmente de tão cansado de procurar um lar diferente para se apoiar, se permitiu fugir da realidade e permanece preso ao que antes tinha – O Ackerman disse levando as mãos para descansarem nos bolsos de sua calça novamente, assistindo em silêncio enquanto a fúria no olhar de Eren tremulava com um brilho marejado que ele não tardou em esconder ao virar sua face para a direção oposta.
Com estas palavras o oficial fez com que as de Eren morressem em sua garganta para ceder o lugar para a expressão de surpresa que tomou conta das feições morenas de seu rosto, tal ato fazendo as esmeraldas se arregalarem antes de perfurarem a figura a sua frente a procura de respostas.
– Quem pensa que é para saber algo sobre como me sinto?
– Alguém bom em ler pessoas.
– Eu não sou um livro. Se quer ler vá até uma biblioteca – Ele retrucou.
Na visão do Ackerman até os fios de cabelo do moreno estavam ouriçados como se ele fosse um filhotinho de cão tentando mostrar os dentes em rosnados assustadores para se mostrar mais valente perante qualquer oponente que a vida lhe trouxesse. Eren já havia passado por muita coisa pra se render tão facilmente diante do primeiro que aparecesse lhe oferecendo apoio e por isso não se encaixava nem mesmo nos grupos que ele próprio formava.
– É a segunda vez que tenta me cortar com esta tua língua afiada hoje – Ele retirou a espada esquerda de seu DMT e apoiou a lâmina contra a lateral do pescoço moreno onde se podia ver a veia de sangue pulsar pela pressão aplicada. Pela grossura podia se notar que era uma das artérias – A tua insolência parece não possuir limites.
Os olhos esmeraldinos faíscaram com o ódio que só lhe crescia no peito ainda mais, pois apenas de ver tais olhos o encararem como se soubessem de cada pensamento que cruzava sua cabeça o deixava desesperadamente assustado. Ninguém nunca o tinha lido como uma criatura fragilizada e incoscientemente havia se apegado aquela auto imagem delicadamente construída de seus pedaços quebrados. Que direito tinha aquele homem de chegar e martelar todo seu árduo trabalho e o derramar no chão em cacos ainda menores?
Marco saiu da cozinha em que antes ele e Eren compartilharam o sorvete espanando as mãos uma contra a outra, assobiando uma suave melodia quando se deparou com a cena de seu Capitão de espada em mãos e com esta posicionada contra a garganta do Jaeger, que olhava sem temor algum para Levi, como se o desafiasse a ter coragem e cortar-lhe a carne com a lâmina de metal e assim encerrar seus dias na terra.
O elemento que mais lhe assustava era a pura determinação que havia em ambos de levar adiante um debate entre eles e conhecendo um pouco de cada lado, Marco podia sentir em seus ossos que apenas desgraças poderiam nascer de um embate entre os dois militares de gênios fortes. Apressou o seu passo para chegar no espaço entre ambos os dois homens e colocou sua mão no cabo da espada em riste, abaixando a lâmina para baixo e longe da pele morena do pescoço do Jaeger. Desta maneira o olhar do Ackerman pousou na figura de Marco.
– Se reúna com os soldados nos caminhões que estão partindo de volta para o quartel, Marco. O Eren vai retornar comigo para que eu o entregue na cadeia militar novamente está noite – Ele disse resoluto enquanto recobrava a calma roubada pelas afrontas daquele pirralho que nada mais era que um ser completamente petulante.
– Capitão, o senhor tem certeza?
– Não me questione, cumpra as ordens que lhe dei e siga para os caminhões antes que tenha de ficar para trás e ir a pé até a base militar.
Marco fez uma reverência simples, levando a mão espalmada até a testa e batendo continência antes de dar meia volta e romper em marcha para seguir até a saída principal, onde do lado externo os caminhões já estavam abrigando os outros membros do Esquadrão Asas da Liberdade.
– Vamos, vou lhe escoltar até a cadeia, e para não perder o olho em você no caminhão vamos no transporte dos oficiais – Levi informou, levando sua mão a se fechar no pulso do soldado, que murmurou para reclamar da brusquidão – Aproveite que ainda tenho alguma paciência e colabore antes que eu pense em te dar uma boa surra por causa destes teus rompantes.
– Começo a pensar que tu és o único selvagem por aqui.
– E tu pensas? Achei que nem mesmo cérebro tu tinhas – O Ackerman alfinetou enquanto subia no veículo negro onde Erwin e Hange já estavam acomodados – Porém levando em conta todas as merdas que faz podemos chamar seu cérebro de inútil.
A Tenente Zoe levantou os olhos castanhos dos arquivos toxicológicos que lia com o auxílio de seus óculos de aros arredondados, para colocar sua atenção no oficial que entrava acompanhado de Eren. Levi não dispensou atenção alguma a ela ou ao superior de cabelos loiros que também estava antes lendo um documento importante. Ao invés disso, ele buscou por um par de algemas prateadas.
– Estenda os dois braços para a frente, Jaeger.
O moreno rangeu os dentes antes de cumprir a ordem do Capitão, em relutância estendendo ambos os membros superiores com teimosia lhe queimando nos olhos enquanto encarava a face do Ackerman que lhe retribuía o sentimento, trancando ambos os pulsos de Eren na algema com brusquidão em seus atos.
Sentou-se ao lado de Eren e permaneceu em silêncio conforme o caminhão começava a seguir seu curso de volta para o quartel general, as rodas girando pela estrada de terra e esmagando pedrinhas e gravetos em seu trajeto.
– O que houve entre vocês dois desta vez? – Erwin se pronunciou enquanto massageava suavemente a têmpora esquerda com a ponta de seus dedos, aliviando a dor de cabeça que havia sentido ao se desgastar lendo tantos documentos horas a fio.
– Nada além do que já está se tornando rotineiro.
– Se você não fosse me procurar apenas para me pisar com essa sua pose de oficial mandão, podíamos ter nos entendido muito melhor, Capitão – Ele pronunciou a última palavra embebida em puro escárnio, e quando ambos se voltaram para se encarar, era como se estivessem rosnando.
– Estás a ver o que tenho aturado Erwin? É o segundo dia dele sob meu comando e também a segunda noite que vai passar na cadeia por desacato e desrespeito.
Hange levou a costa da mão até os lábios para conter a risada enquanto seus finos dedos seguravam uma das pernas de seu óculos, estreitando os olhos para a dupla de homens que agiam como suas crianças birrentas brigando por quem seria o líder da brincadeira. O comandante se resignou a alternar o olhar entre um e outro, questionando a si mesmo como podiam ser tão explosivos. Nunca havia visto Levi tão descontroladamente raivoso fora do campo de batalha. Corrigindo-se, nunca havia visto Levi descontrolado de qualquer maneira se não fosse em uma luta onde estivesse a usar de demasiada raiva como combustível para sua força.
Era quase como se, o ato de discutir com aquele rapaz dez centímetros mais alto que ele o fizesse soar mais humano, e apenas a possibilidade da existência de tal fato era assustadora.
– Não fale com os outros sobre mim como se eu não pudesse te ouvir, Le-vi.
Um arrepio subiu por sua espinha ao ouvir o modo como seu nome saiu por entre os lábios cheios do rapaz a seu lado, com a entonação melódica se achegando ao corpo do oficial como se aquelas palavras fossem veludo macio contra sua pele. A sensação foi habilmente disfarçada com sua ação de estreitar os olhos na direção de Eren, que por sua vez retribuiu sua encarada com a costumeira dose de petulância que fazia Levi sentir uma vontade irrevogável de enlaçar seus dedos ao redor do pescoço delgado e sentir a pele macia se contorcer.
– É Capitão Ackerman para você. Não me chame pelo primeiro nome – Ele informou de maneira firme para manter a compostura.
– Tudo bem Levi, não vou te chamar pelo primeiro nome.
O Ackerman rangeu os dentes com força enquanto a risada de Hange ecoou pelas paredes metálicas do interior do transporte militar que os conduzia pelo caminho de volta ao quartel, a moça de cabelos acastanhados lutando para conter-se e de inútil maneira ela mordia os lábios.
Eles pareciam atraídos para o conflito assim como uma mariposa se aproximava da luz, porque gostavam da adrenalina de estarem sentindo-se vivos assim que o sangue se esquenta pelas chamas borbulhantes da raiva. Era notório a qualquer espectador que dedicasse alguns segundos a olhar para a dupla que aquela era uma guerra de egos.
Assim que o caminhão parou no pátio do quartel, Levi foi o primeiro a empurrar as pesadas portas duplas e metálicas, o ranger dela incomodando alguns pares de pássaros que voaram assustados para longe. Ele não hesitou em saltar para fora e assim que suas botas se fincaram contra o chão empoeirado do pátio principal, estendeu a mão de maneira automática para ajudar o rapaz algemado.
Este quis optar por recusar a ajuda, descendo pelo caminho lateral e ignorando a mão oferecida, porém desta maneira que estava o seu corpo se desequilibrou sem as mãos para servirem de apoio. Como um gato que tivesse a calda amputada já depois de tanto tempo acostumado a se guiar por ela. Para sua sorte o capitão agarrou seus braço e o colocou de pé.
– Vamos, tenho que entregar você pessoalmente ao Marlowe.
Eren seguiu resmungando atrás do Ackerman, porém não tinha opções disponíveis além daquela de seguir o capitão e deixar para trás o restante do esquadrão que o encarava em silêncio, parando de se locomover para assistir com olhos curiosos enquanto o Jaeger era levado à prisão militar pela segunda vez consecutiva.
Não tardou para que a ala prisional surgisse em frente a dupla, e lá estava Marlowe na entrada do corredor de celas com um pacote de donuts enquanto uma jovem senhora estava dobrando os lençóis e travesseiros que os prisioneiros usavam. Eren não havia recebido um antes pois a senhorinha não estava na construção no dia anterior e Marlowe por ser novato ainda não sabia onde estavam.
– Você já retornou, Eren? – Ele disse surpreso enquanto fechava o livro de registros em suas mãos – Isso foi assustadoramente rápido.
– Leve ele para a cela Marlowe, pela manhã eu venho buscar este filhote rebelde – Levi alfinetou antes de sair do edifício, onde um Eren muito chateado com ele permanecia.
Marlowe inseriu o nome de Eren no livro de registros junto com o horário de sua entrada e também o tempo solicitado de sua estadia em uma unidade de celas. Assim que pousou suavemente caneta contra o papel amarelado, ele sorriu agarrando sua caixa de donuts.
– Eu pude ouvir o som dos caminhões chegando agora pouco e presumo que não comeu nada – O jovem de cabelos negros cortados em um formato de cuia entregou duas unidades de rosquinhas de chocolate bem grande com granulados nas mãos morenas – Para agradecer pelo cupcake de amendoim. Por favor siga a Bella, ela vai levar você até a cela 01.
A senhorita que estava a terminar de dobrar a última peça de roupa de aproxikou sua mão gelada e de dedinhos pequenos envolveu a quentura da destra de Eren, puxando suavemente o braço e lhe apontando o corredor.
– Ela quer que você a siga – Marlowe informou antes de voltar para a mesa.
Aparentemente, Bella era muda. Com passos lentos e ritmados ela conduziu ele até a primeira cela e abriu com uma chave prateada. Desta vez a cama estava forrada com um colchão, algo que já constava como um início, e um travesseiro e cobertas. Alguém que ate no chão já havia dormido, de nenhum modo podia reclamar.
Ele não gostava nenhum pouco de dormir e ter de sonhar porém de tão exausto que estava por ter discutido tantas vezes com o Ackerman em um curto espaço de tempo, e ter encontrado a réplica do escritório de seu pai, Eren não pôde resistir a força do sono e não tardou a se jogar sobre a faixa de metal e adormecer de maneira completa contra o colchão improvisado.
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