- Caraca, não sabia que você tinha uma sala de música! – disse Harry, assim que eu destranquei a porta do meu cômodo preferido naquela casa – Eu até tentei entrar aqui, mas estava trancado.
Ele adentrou a sala, analisando tudo minuciosamente. Percebi que seus olhos estavam um pouco arregalados, e brilhavam.
- Sempre deixo trancada – comentei, dando de ombros e passando os olhos por todos os cantos da sala – Todos os meus bens mais preciosos estão aqui, sabe. Eu sou muito protetora.
Harry assentiu com a cabeça, mas não acho que ele realmente havia escutado. Seus olhos estavam fixos no meu piano situado bem no centro da sala. Ele chegou perto, acariciando o teclado.
- É um Yamaha – disse eu, olhando preocupada para Harry, que ainda tocava no meu piano. E se ele arranhasse? – Muito bonito, não? Ganhei de presente da minha madrinha.
- É lindo – ele parou de acariciar meu piano e voltou seus olhos pra mim – Você que escolheu?
- Não. Minha madrinha sabe dos meus gostos. – sorri ao lembrar-me dela – Ela já sabia que eu queria um piano preto, e com cauda. A marca foi ela que escolheu.
- Não deve ter sido barato – disse ele, arqueando as sobrancelhas.
- Com certeza não – concordei – É um Yamaha! Mas ela me ameaçou se eu não aceitasse.
Harry sentou-se no banquinho e deu dois tapinhas ao seu lado, convidando-me para se juntar a ele. Sentei-me então, completamente ciente de nossa proximidade.
- Quando você ganhou? – ele perguntou, olhando para mim.
Seus olhos me desconcentravam. Isso não é justo.
- Eu... – balancei a cabeça – Eu tinha 7 anos.
- Você já tem ele há todo esse tempo? – seus olhos verdes estavam incrivelmente arregalados – Mas não tem nenhum arranhão!
- Harry, esse piano é o meu xodó – o empurrei mais para o lado – É como um filho pra mim, entende? Eu lustro ele a cada duas semanas e todo mês chamo um técnico para ver se está tudo bem com a minha Jabuticaba.
Harry levantou suas sobrancelhas pra mim e eu arregalei os olhos, percebendo que havia falado demais.
- Jabuticaba?
- Ah, bom... – senti minhas bochechas esquentarem – Eu tinha 7 anos, Harry, e eu morava em uma fazenda que cultivava Jabuticabas. Eu era uma criança!
Harry começou a rir, jogando a cabeça para trás em alguns momentos.
- Ok, então – ele soltou um último risinho – Por que o chama de Jabuticaba ainda?
Dei de ombros.
- Velhos hábitos demoram a se perder.
Ele riu mais uma vez e levou suas mãos – que eram bem grandes, por sinal – ao teclado, tocando a clássica Do ré mi fá.
- Isso é o máximo que sei – ele deu de ombros – Porque não toca alguma coisa?
- O que, por exemplo? – perguntei.
- Não sei... Qual sua banda preferida?
- Beatles – respondi prontamente.
Harry sorriu minimamente.
- Toca alguma deles então. Você canta?
Comecei a rir com a possibilidade. Eu cantando? Provavelmente iria explodir um passarinho, como a princesa Fiona fez em Shrek.
- Não , não – sacudi a cabeça negativamente – Eu apenas toco. Tanto é que o meu trabalho da universidade é compor apenas a melodia.
- Hum, ok – ele pareceu um pouco chateado – Toca Hey Jude, então.
Empurrei Harry para o lado mais uma vez, tomando um espaço considerável. Comecei os primeiros acordes da música clássica e a voz de Harry logo preencheu a sala.
Hey, Jude, don't make it bad
Take a sad song and make it better
Remember to let her into your heart
Then you can start to make it better
Me surpreendi no momento, e por pouco não perdi o tom. Harry tinha uma voz rouca e atrativa, que com certeza chamava atenção. É claro que eu já havia ouvido músicas deles antes, mas nunca parei para tentar distinguir as vozes.
Hey, Jude, don't be afraid
You were made to go out and get her
The minute you let her under your skin
Then you begin to make it better
And anytime you feel the pain
Hey, Jude, refrain
Don't carry the world upon your shoulders
For well you know that it's a fool
Who plays it cool
By making his world a little colder
Na na na na na na na na
Parei de tocar naquele momento, fazendo Harry me olhar confuso.
- Por que parou? – perguntou ele, franzindo as sobrancelhas.
- A música é um pouco comprida – dei de ombros, tentando disfarçar – E eu tenho que começar logo a composição.
Lógico que eu não ia admitir que eu havia parado simplesmente porque sua voz me desconcentrava. E que estava com vontade de agarrá-lo. Não era minha culpa. Harry era incrivelmente bonito, claro que as mulheres viviam caindo aos seus pés.
Mas eu não serei uma dessas mulheres.
Também não o culpava por ter ficado com aquela loira na festa. Harry era jovem, solteiro e merecia viver sua vida. Tenho certeza de que o fato de dizerem que ele é super mulherengo e tal é um exagero da mídia.
E eu não estava apaixonada por ele, disso eu tenho certeza. Ninguém se apaixona por alguém que conheceu a menos de um mês. Bom, pelo menos eu não. Sempre fui complicada com relacionamentos.
O que eu sentia por Harry era atração. Provavelmente o mesmo que ele sentia por mim.
- Lucy? – senti uma dorzinha pequena em minha têmpora e voltei a realidade, olhando para o lado e vendo um par de olhos verdes me encarando preocupadamente.
- Ah, me desculpe – corei um pouco – Acabei viajando um pouco. Você me deu um peteleco? – desviei o assunto.
- Queria te acordar! – disse ele, revirando os olhos – Mas e aí, como quer fazer?
- Como assim? – arqueei as sobrancelhas.
- A música que você tem que compor – explicou ele pacientemente – Vai ser de que tipo? Lenta, romântica, animada...?
Bom, agora ele me pegou. O que eu faria?
- Eu não sei... – olhei pela janela do outro lado da sala – Talvez um acústico mais suave... Alguma coisa parecida com Beethoven, entende? Gosto das composições dele.
- Hum. Acho que só conheço uma dele – Harry olhou para a janela também – Não sei ao certo como são suas composições.
- São mais suaves. – eu disse, passando lentamente os dedos pelo teclado – Extremamente calmantes, pelo menos para mim.
- Ok, então – ele disse entusiasmado – Vamos compor a lá Beethoven!
- Vamos não, eu vou – o corrigi, sorrindo largamente – Vou começar com alguma coisa um pouco animada, depois passo para algo mais suave e lento. E já vou lhe avisando: vai demorar.
Olhei para ele, perguntando-me se ele desistiria e iria embora logo depois. Mas ele apenas sorriu e me incentivou, pegando minhas mãos em cima do meu colo e colocando-as no teclado.
Bom, ele sabia como conquistar uma mulher.
Comecei a tocar, várias vezes não atingindo o tom desejado e começando tudo novamente. Harry já havia saído do banquinho e estava sentado em um puf gigante ao lado do piano.
Confesso que a sua presença – e os seus olhares – me incomodavam um pouco, fazendo-me atrapalhar na melodia. Eu parava algumas vezes, para fazer a anotação no meu caderno das notas que eu havia gostado. Assim eu aproveitaria mais tarde para acrescentar ou tirar alguma coisa na música.
- Já estamos aqui há quase duas horas – fui interrompida pela voz de Harry, o que me assustou, pois eu estava completamente distraída com as notas do possível refrão.
Lancei a ele um olhar mortal.
- Não me atrapalhe – voltei a atenção para o piano – Você acha que é fácil compor uma música?
- Eu sei que não é – ele disse risonho. O safado estava se divertindo às minhas custas.
- Então deixe-me terminar, sim? Já estou na parte preparatória para o final, eu acho. – estava um pouco incerta quanto a isso.
O pouco do que eu já tinha feito me agradava, mas sempre tenho aquela neura de que não vai agradar aos ouvidos do meu professor.
- Está muito bom, sabe – comentou Harry, levantando-se e se dirigindo à janela, aonde parou e ficou observando o lado de fora – Vai chover.
Desviei minha atenção do piano, anotando rapidamente minhas últimas notas e levantando-se para ir até a janela. Olhei por ela e percebi que o tempo estava bem fechado, com as nuvens carregadas e uma aura meio acinzentada.
- Droga – resmunguei baixinho.
- O que foi? – Harry me perguntou.
- Eu pretendia sair hoje à noite.
- Pensei que ia ficar o dia inteiro em casa – ele arqueou as sobrancelhas.
- O dia não, a noite. Preciso ir à casa de Lily – comentei, abrindo um pouco a janela e sentindo a brisa – Tenho que contar o que ela aprontou, antes que o Henry descubra de alguma maneira. Às vezes acho que aquele homem é um agente infiltrado da CIA.
Harry soltou uma risada baixa e fechou a janela, pois o vento já estava ficando gelado.
- Vai ser uma noite fria – observei, enquanto passava as mãos pelos meus braços para esquentar – Acho melhor você ir embora.
Ele pareceu decepcionado. Harry não achou que eu iria convidá-lo para dormir aqui, achou? Bem, eu não faria isso.
- Eu converso com a Lily amanhã na universidade.
- Okay, então – ele pareceu conformado – Promete que vai me mostrar a música depois?
- Claro – concordei, imaginado que Harry Styles voltaria a minha casa só para ouvir uma canção.
- Então tenha uma boa noite.
Ele se curvou sobre mim, e eu fiquei um pouco apreensiva, mas Harry me deu apenas um beijo demorado na bochecha. Ignorei a pontinha de decepção que me atingiu. Se tivesse sido um pouco mais para o lado...
- Boa noite – sussurrei com uma voz um tanto rouca.
Harry dirigiu-me um sorrisinho malicioso e virou as costas, andando até a porta e a fechando assim que saiu.
Ufa! Ainda bem que eu sei me controlar.
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