Peter nunca imaginou que esconder um segredo fosse mais legal do que imaginava.
Sendo a figura santificada que era, ele não conseguia se lembrar de sequer uma vez em que escondeu alguma verdade da família. Ele era como um livro aberto, o que deixava seus pais tranquilos com o fato de cofiarem inteiramente no menino. Fosse lidar com uma grande responsabilidade ou contar a verdade, Peter nunca havia falhado nisso.
Entretanto, sempre havia uma primeira vez para tudo.
— Café da manhã, querida! – Richard Parker chama a esposa pelo transmissor da cozinha.
A mulher que estava enfurnada em seu laboratório desde o dia anterior, esperava conseguir destravar uma das grandes armas que poderiam ser usadas contra o anti-cristo em alguns meses. Por melhor que fosse no trabalho, armas, vacinas e qualquer coisa que envolvesse estudos e estágios, não eram feitos do dia para a noite.
— Estou indo. – A mulher confirma, porém, o homem espera por mais de 20 minutos e nada dela.
Quando Peter desce em seu horário programado, com o uniforme, os cabelos alinhados e um sorriso no rosto, o homem sente o coração mais acalentado só em ver sua figura. Ele amava o filhinho. Por maior que fosse o coração de Mary, Richard sempre teria favoritismo por Peter. Ele era seu menininho. Aquele que o seguia, ainda com dois anos de idade, pelo laboratório; aquele que havia falado “papai” primeiro do que “mamãe”; aquele que adorava fingir ser um cientista e sempre arrastava Richard para uma brincadeira nova quando o homem mais estava cansado, mas que nunca recusava, só pela sensação que o brilho do sorriso do filho espalhava em seu peito. Ser pai não era uma das prioridades da lista de Richard, mas por causa de Peter, ele amava esse seu ‘trabalho’.
— Filho. – O anjo aproveita que o garoto passa a sua frente e beija o topo de sua cabeça. – Tudo bem? Como vai o colégio?
Apesar de confiar plenamente em Peter para lidar com tudo, Richard não podia dizer que ficou feliz quando seu filho trocou o colégio de anjos por uma academia em terras mundanas. O homem não entendia os motivos, mas jamais questionaria a decisão do filho. Esse era o tipo de confiança que Peter tinha em sua própria casa.
— Tudo sim, pai. E você? O colégio está muito melhor do que eu sequer poderia imaginar. – Peter responde com uma cara plana e um sorriso simples, mas todos os seus ‘divertidamentes’ estavam correndo por seu cérebro tentando ao máximo evitar que ele desse um risinho indevido por “estar aproveitando o colégio” de maneiras diferentes da imaginada. – E o seu trabalho? Algum avanço na última cobaia?
— Não diria avanços, mas novas perspectivas? – O pai parecia mais querer se convencer de que isso era uma resposta boa, as coisas não deviam andar bem com o experimento de sua vida. – É uma pena que nossa principal cobaia tenha se tornado inviável. Ele era tão promissor, Peter, você teria adorado conhece-lo.
Peter sente todos os pelos das asas eriçarem. Teria adorado? Mesmo? Até depois de saber o que anjos eram capazes de fazer? Como poderia adorar quando sabia que uma “cobaia” havia perdido tudo, feito Eddie? O anjo respirou minimamente para não entregar seu descontentamento. O antigo Peter teria adorado mesmo. O antigo Peter teria implorado para o pai deixa-lo conhecer e trabalhar com esse espécime, dar uma visão diferente ao trabalho do pai.
— hahaha, sério? – Ele ri meio forçado, tentando fazer parecer natural. – Imagino o quão especial a cobaia devia ser. É realmente uma droga que ela tenha ficado inviável. Tem certeza de que não podem fazer nada? Eu conheço um cientista promissor que poderia te dar um conselho.
— Ah é, quem? – O pai pergunta interessado.
— Aposto que conheço esse cientista. – Mary Parker apareceu na cozinha retirando o jaleco. – Me deixe adivinhar, ele deve ter essa altura, cabelos castanhos e se chamar Peter Parker, certo?
A mulher de olhos cansados – de muitas noites viradas em claro – abriu um sorriso para o filho. Conhecia Peter como a palma de sua mão, poderia até mesmo adivinhar o que ele falaria a seguir.
— Ah, mãe! Não tem graça! – Ela repetiu em uníssono com Peter.
— Qual é! – Peter viu a mãe repetir. – Mãe!
— Ok, ok, parei. – Ela ri, dando um beijo nos seus homens. – Mas você devia pedir desculpas a seu pai, ele realmente tinha acreditado.
Peter só então percebe que os ombros do pai haviam caído um pouco. Ele realmente tinha caído nessa, como era possível? Peter quis soltar um risinho, mas se sentiu mal.
— Desculpa, pai. Mas não é uma oferta tão ruim, é? Eu sei que não posso saber de arquivos confidenciais, mas não deveria ter problema me contar o problema geral. – Peter passa a finalmente se servir agora que a mãe havia chego.
Ambos Parkers mais velhos se entreolham. Seu filho estava sim no último ano do colégio, era um dos alunos mais avançados e havia 99% de chances de que trabalhasse no mesmo ramo que ambos os pais. Por fim, Mary deixou a decisão para Richard. Era seu projeto e, como qualquer outro cientista maluco, eles queriam decidir todos os passos, inclusive quem podia ou não dar pitaco em seus progressos.
— Ok, mas sem qualquer informação extra. – O homem concordou e assumiu uma posição séria, como se estivesse prestes a contar um segredo de estado para um inimigo. – O objeto principal que ficou inviável, esteve em observação todo esse tempo e, apesar de não termos confirmações clinicas, temos confirmação visual de que talvez ele controle a besta.
— Isso é promissor. – O garoto morde uma torrada. – O que tem de errado então?
— Confiamos na confirmação e testamos o experimento novamente, mas os resultados são...inconclusivos. – Richard parecia até mesmo envergonhado em finalmente admitir que havia perdido no controle contra outra besta.
Seu pai era como um domador de leões, porém ao invés de trabalhar em um circo, ele entrava no laboratório todos os dias e tentava controlar a mente de bestas e monstros criados laboratorialmente. Sua taxa de sucesso era praticamente 100%, por isso, Richard ficava mais do que incomodado em admitir que havia algo errado. Muito errado.
— Inconclusivos como? – Peter quis se aprofundar no assunto, agora deixando o café completamente de lado.
— O experimento parece ter tomado conta do hospedeiro completamente. Ele é perigoso, poderoso, mas muito perigoso. – O fato de seu pai ressaltar uma palavra duas vezes, só mostrava o quão consternado ele estava. – É impossível controla-lo, nem mesmo com barreiras que chegaram a controlar o experimento antigo. Parece impossível termos qualquer avanço.
— Hum.
Peter passou a pensar, aquilo era sim algo que chamava a atenção de seu cérebro cientista. Causas sem uma possível recuperação eram os favoritos do castanho. Devia se imaginar de onde vinha o senso quebrado para se apaixonar logo pelo cara que queria mata-lo. Bom, não queria de verdade. Peter dá um risinho. Ele mal conseguia acreditar que tudo aquilo era realmente um mal-entendido.
Wade nunca quis mata-lo, ele o amava! Peter queria gritar para o mundo, mas a sensação de guardar essa informação só para si enquanto via os outros quebrarem a cara com expectativas erradas era algo que ele estava começando a apreciar.
— Do que você está rindo? – Mary quis saber e só então Peter percebeu que estava deixando suas emoções transparecerem.
— E-Eu estou imaginando... – Peter procurava palavras que pareciam não existir. Rápido! Precisava de algo para salvá-lo! – Quentin!
O garoto se levanta na mesma hora que ouve os passos do irmão no corredor. A mãe se levanta em seguida para abraça-lo, enquanto Richard não faz questão de olhar para cima, infeliz por ter tido seu momento com Peter interrompido.
— Anjinho. – Quentin fica surpreso com a recepção calorosa, achou que Peter ainda estaria com uma cara azeda pelo encontro que teve com Wade no cemitério. O mais velho coloca a mão no pescoço com a lembrança. – Tudo bem? Que tal uma carona para o colégio?
Peter normalmente declinaria o convite, porém nunca se sentiu tão inclinado a aceitar só para fugir do olhar cientista da mãe. Ela parecia analisa-lo assim como fazia com uma amostra: no microscópio.
— Hum, acho que vou. – Peter fez cara de pensativo, encarnando seu melhor ator. – O treinador me pediu para ajudá-lo com as anotações dos progressos dos alunos.
— Não vamos querer te atrasar então. – Quentin parecia radiante por ter o convite aceito. – Aqui, Mary, isso é para você. Confidencial e isso, é para você Richard.
— Obrigada, querido. – A mulher lhe abraçou novamente, logo incluindo Peter no conjunto, sentia muita falta de ter duas criancinhas em casa.
Ela conseguia sentir uma mudança muito sutil em Peter, mas não sabia dizer exatamente o que era. Fato de que anjos também tinham uma fase adolescente, mas não se comparava e nada com os reais adolescentes humanos. Mary se questionou se talvez Peter não estivesse ficando emotivo demais ao ficar tão perto de outras raças. Talvez devesse leva-lo ao médico.
— O que acham de voltarem ambos para o jantar essa noite? – Ela questionou, seria sua primeira folga em seis meses, gostaria de aproveitá-la para se reconectar aos filhos. – Posso fazer o favorito de vocês.
Peter sentiu a boca salivar em antecipação. Mary raramente cozinhava, somente Richard fazia questão de tomar café da manhã juntos quase todas as manhãs, o que fazia as comidas preferidas de Peter – que eram todas feitas pela mãe – só serem realizadas uma vez ao ano e olhe lá. Mary na cozinha era quase um evento histórico.
— Qualquer coisa vinda dessas mãos preciosas são bem aceitas, mãe. – Quentin concordou em comparecer.
A expectativa recaiu sobre Peter quando Richard disse que se faria disponível.
— Bom, eu tenho aula. – O garoto declarou, estava com saudades de passar um tempo com a família, mas não fazia uma semana direito desde seu momento na nuvem com Wade, ele só queria poder ficar grudado no demônio 24/7. – E tutorias, talvez eu possa chegar um pouco atrasado.
— Começamos a tempo de você pegar o prato principal, o que acha? – Mary quase saltitou de felicidade, por mais que seus pés continuassem bem firmes ao chão.
— Pode ser. – Peter tentou abrir um sorriso, ser um homem atarefado não era tão fácil quanto faziam parecer.
— Perfeito. – Quentin comemorou e passou a arrastar Peter dali. – Nos vemos a noite então.
O garoto mal teve tempo de agarrar sua mochila e o irmão o puxou para fora da casa.
— Ai meu Deus, o que é isso? – Peter fez uma cara de espanto para o carro esportivo e novo do espião. – Quer dizer, uau! Um carro novo!
— Lindo, certo? – Quentin tinha os olhos brilhando, enquanto abria a porta.
— Hum. – O castanho dá uma risadinha, o que não confirma nada, então se livra da culpa de mentir.
Quentin podia ser muito bom em tudo, mas ele tinha um gosto péssimo para carros humanos. Carros esses que já eram esquisitos, mas que pareciam ficar piores pelos incrementos necessários para transportá-los pelos céus. Às vezes, com sorte, o carro era só um susto inicial e com o tempo, você se acostumava com o estilo, mas claro, o susto nunca era dispensado.
— Phantom Corsair. – Quentin fala o nome do carro como se explicasse tudo sobre o que Peter claramente não entendia. – Vamos.
O castanho balança a cabeça, pelo menos tinha sido tirado de uma situação constrangedora.
Não demora muito para que Quentin comece a falar pelos cotovelos, fossem assuntos do trabalho ou opiniões que pouco importavam para Peter. Ele usa um de seus poderes e se desliga de Quentin por alguns minutos. Ele respira fundo e sorri, acenando com a cabeça, como se estivesse escutando tudo. O sorriso genuíno que Quentin solta de volta é aprovação o suficiente para Peter saber que deu certo.
Ele ainda pode ver a boca de Quentin se mexendo quando sua mente voa para outro lugar.
Não havia mentido para os pais, o treinador realmente havia pedido sua ajuda. Como se ele precisasse de mais um trabalho para sua agenda lotada. Peter jamais conseguiria negar ajuda, claro, mas não conseguia deixar de ficar ressentido.
Quantas malditas horas passaria naquele treino, sendo que poderiam ser horas de estudos com Wade? Claro, naquela semana mais haviam ficado de risos bobos e momentos constrangedores do que estudos, estava difícil até para Peter se concentrar sabendo que o cara que ele gostava estava ali em sua frente.
Queria enfiar a cara na areia toda vez que começava a explicar algo e seus olhos simplesmente não conseguiam se manter nos olhos de Wade. Qual era o seu problema em querer encarar a boca do loiro o tempo todo? Aliás, ele devia ter algum problema em querer ficar reproduzindo seus beijos de despedidas o tempo inteiro, certo?
Peter havia sim quase explodido em tons de rosa e vermelho quando Wade insinuou que queria beijá-lo na hora de ir embora, mas agora que havia pego gosto pela coisa, não conseguia parar de pensar sobre isso. A cada dia, quanto menos tempo podia ficar com os lábios ligados ao do demônio, mais irritado ele ficava por parecer ter menos horas de estudos.
Peter não entedia o que era essa frustação e isso só o frustrava ainda mais.
Por mais incrível que fosse o sentimento de ter um namorado secreto, às vezes, ele não sabia o que era aquele sentido avassalador de querer escalar Wade e ficar preso em si como um coala. Ele só queria poder fazer o que quisesse com o garoto, a hora que quisesse.
Ele fecha os olhos, sentindo seu cérebro dar um nó. Vontades e desejos eram uma das últimas prioridades para os anjos, mas sempre que estava perto de Wade, queria e muito realizar cada um desses desejos e vontades arrebatadoras. Quando um suspiro fino sai de seus lábios, o poder se liberta e ele volta a ouvir Quentin.
— ...e eu realmente espero que você não me faça de mensageiro pessoal igual a mamãe e o papai. – Quentin dá um risinho. – Eu sou um espião pelo amor de Deus, não um garoto de recados.
— Achei que você entregava os arquivos porque queria. – Peter questiona com o cenho franzido.
— Bom, não exatamente. – Quentin revira os olhos, encabulado. – Mas quer saber de uma coisa? Eu tomo meu pagamento em olhando algumas das informações. Muita coisa é só dados, mas as vezes temos informações até que interessante. Só não conta para eles.
— O que? Você olha arquivos confidenciais? – Peter o olha chocado. – Mas não, não pode! Como você... a coragem... o que...
Quentin gargalha, parecia ter quebrado Peter. Ele dá de ombros.
— Eu sei, anjos, certo? – Ele sorri ladino. – Mas vem cá, que eu vou te contar outro segredo, contanto que você se convença de que é para um motivo maior, seu cérebro de anjo não entende como uma violação. É meio complicado, mas é um treinamento básico que temos lá na academia, por mim todos teriam o mesmo tipo de treinamento, para o bem maior, sabe?
Peter o encarou boquiaberto. Agora muito mais coisa fazia sentido.
Como Quentin nunca parecia lutar internamente quando tomava uma decisão difícil. Se convencer era como um truque para driblar o senso de justiça angelical. Parecia errado, mas quando Peter pensava “no bem maior”, tudo parecia realmente mais fácil de ser decidido.
Olhar os arquivos? Errado, mas e se fossem informações de espionagem do outro lado? O correto para o “bem maior” seria dar uma olhada, certo? Seu cérebro aprovava a ação. Peter ficou realmente surpreso em perceber que também podia começar a pensar assim e aquilo o assustava.
— Mas, shiu, segredos de irmão ok? – Quentin dá um sorrisinho estacionando. – Entregue.
— Hum, obrigado. Até de noite. – Peter começa a sair do carro, quando Quentin o interrompe.
— Qual é, você nem quer saber o que tem de interessante naqueles envelopes? – Quentin instiga e sabe que a curiosidade de Peter vai ser acionada.
O menino vira o olhar uma vez, mas tenta sair do carro. Ele ainda um pouco, para e então é quase possível ver a frustração em seu corpo quando ele volta e se inclina na janela abaixada.
— Só para eu saber se meus pais não são espiões. – Ele garante seu “bem maior” em voz alta, odiando fazer isso logo que aprendeu.
— Sabia. – Quentin dá um risinho. – Mas fique tranquilo, eles não são espiões. É realmente arquivos dos experimentos deles, eu nunca decoro nada porque papo cientista é uma chatice, o que eu lembro é de um nome engraçado, Venom, sério, que nome de experimento pode ser esse?
O riso de Quentin fica surdo a volta de Peter. Ele conhecia um Venom. Ele conhecia um Eddie que tinha um Venom. O monstro simbionte, que havia se rebelado e ‘destruído’ os estudos dos anjos. O cara que havia aberto os seus olhos para algumas das verdades que anjos omitiam.
Peter se questionou se todos que estavam envolvidos no caso haviam aprendido a mesma técnica de Quentin. Todos eles se convenciam de que torturar um demônio era um bem maior? Por um segundo Peter realmente odiou todos eles, por um segundo Peter não percebeu o que estava logo em sua frente.
Quando o carro de Quentin se afastou, Peter sentiu a verdade se arrastar por sua garganta.
“O soldado que matou minha família, me fez de arma, Peter.” As palavras de Eddie ressoaram em sua mente. Peter sentiu ter sido jogado no meio de uma tempestade no oceano. Tudo a sua volta parecia longe demais para ser seguro e tudo o que estava perto, não passava de uma torrente perigosa de água, o lavando com verdades que ele jamais teria imaginado conhecer.
Seu pai, aquele que o havia colocado por anos na cama, que lhe fazia café da manhã quase todos os dias, aquele que havia lhe confiado alguns detalhes de sua pesquisa, também era o mesmo pai que havia matado Annie e seu bebê a sangue frio? Que havia visto um homem perder tudo, lutar e desejar morrer, mas ainda assim usá-lo como cobaia?
As palavras desse mesmo pai pareciam fazer mais sentido. Uma cobaia inviável. Uma cobaia vigiada. Um novo experimento que havia dado errado. O estomago de Peter se embrulho. Quem estava sendo torturado agora? E porque ele sentia como se isso também fosse sua culpa?
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