Wade já havia tido muitos momentos críticos em sua vida, mas aquele com certeza pertencia ao top 5 coisas mais burras que havia feito.
Podia culpar o cansaço, a raiva, o medo, a exasperação, não importava o que fosse usado para mascarar aquilo, ter atacado um anjo agente do governo nunca pareceria um bom sinal caso alguém lhe descobrisse. No pior dos casos, deixariam esse pequeno detalhe de lado se descobrissem que ele na verdade era um mestiço, filho de uma assassina, mas não uma assassina qualquer, um anjo que assassinava outros anjos. Coisa fácil de se digerir com um copo de café em mãos e partir para a próxima grande revelação.
O que poderia ser pior do que aquilo? Talvez descobrir ser parente do anti-cristo, mas Wade - por mais inseguro que estivesse sobre seu próprio passado - acreditava piamente que ele não tinha qualquer relação com o monstro do outro lado da cerca.
O garoto boceja desejando que o café faça seu trabalho mais rápido ao mantê-lo acordado, já que a carga de adrenalina da noite anterior já havia sumido a algum tempo. Ele fecha os olhos por um segundo, descansando as pálpebras. Uma boa noite de sono sempre nos ajuda a ver o amanhã com um novo olhar e Wade saberia disso, se sequer tivesse pregado os olhos naquele dia.
— uuuuugh. - O loiro com asas solta um barulho longo, exasperado.
Steve o encara, havia ido buscar o café após ajudar Wade a trazer Quentin Beck - a única informação que ele havia conseguido arrancar de Wade em horas - para um de seus covis. Vampiros talvez fossem ainda melhores do que os lobos ao se tratar de esconder um corpo, e Steve se considerava o melhor nesse sentido. Mas após trazerem o anjo até ali, não haviam sequer trocado uma palavra, Wade parecia ter uma carga nos ombros, pois não parava de murmurar coisas para si mesmo e bufar, como se pensar muito estivesse lhe matando aos poucos. Steve podia não conhecer o loiro a mais de 48 horas, mas esconder um corpo juntos era o tipo de coisa que se fazia entender que eles estavam amarrados um ao outro, querendo ou não. E, se fossem ficar próximos dessa forma, que pelo menos ele soubesse das coisas pela boca do estudante.
— Sério, eu estou ouvindo você gemer de desprazer a noite inteira, eu preferia ouvir outra coisa. - O loiro vampiro finalmente quebra o silêncio.
O mestiço olha para o novo ‘colega’ e balança os pesos em sua mente sobre o que ele poderia contar a Steve em troca do grande favor que ele estava lhe fazendo. Wade sabia que antes já era difícil se manter fora de radares e encrencas, mas sendo um mestiço - o que ele foi a vida toda, mas ter conhecimento disso era completamente diferente - qualquer coisa que saísse de sua boca era ainda pior. Porém, ele não sabia explicar, mas tinha essa sensação em seu peito de que Steve não o deduraria mesmo sob tortura. Talvez fosse o sorriso brilhante ou os olhos claros e rosto perfeito, mas ele parecia confiável.
Wade olha para seu café e depois para um Quentin desacordado e fortemente amarrado com correntes de aço. As manchas pretas de energia demoníaca não pareciam dispostas a desaparecer tão cedo e muito menos permiti-lo acordar. Wade olha para a mão vermelha sarando aos poucos, talvez tenha lhe batido um pouco forte demais.
— Tudo bem. - O mestiço concorda por fim. - Vamos jogar um jogo.
— Santo Drácula. - O loiro revira os olhos, mas sorri, como se aquilo lhe lembrasse de algo bom. - Você é igualzinho ao meu pelotão. Tudo bem, o que vamos jogar?
— Eu pergunto algo e você me responde, você pergunta algo e eu respondo.
— Tem alguma outra regra?
— Tente não mentir. - O loiro sorri e se levanta da posição anterior. - Já estou em desvantagem, pois você pode ouvir meu coração submundano batendo.
— Ok. - Steve concorda. - Você tem uma cruz?
Wade o olha com o semblante franzido. Ele havia concordado com isso, pois queria saber mais de Steve, e precisava de um pouco mais de tempo para acertar tudo dentro de sua mente, mas agora o vampiro ia tentar convertê-lo para o cristianismo? Será que ele sabia que ele era parcialmente demônio? Pisar em uma igreja era sua chance mais alta de morrer queimado como em uma fogueira, então ter uma cruz era como desejar sofrer.
— Pergunta estúpida. - O vampiro realiza. - Acho que ambos temos problemas com cruzes.
Ele sorri, mas dá uma revirada no local e então, com todo o cuidado que Wade já viu vindo de um vampiro, ele agarra a pontinha de uma cruz velha, gasta e torta.
— Au, au, au. - O vampiro reclama, mas consegue pendurar a cruz, que imediatamente cai de ponta cabeça, mas depois se estabiliza ao meio.
Por um momento, Wade estremeceu. A cruz só ficava ao meio na presença de um anjo e outro ser do submundo. Ele já prepara o discurso de como aquilo devia estar errado, quando se lembra que Quentin também estava na sala.
Como se pensasse o mesmo, Steve leva seu olhar ao anjo desacordado.
— Ugh, anjos. - Ele faz uma careta, mas logo volta a sorrir e olha para Wade. - Vampiros não podem mentir diante a presença de uma cruz em seu campo de visão. É como uma espécie de laço da verdade, e caso você não saiba, o laço da verdade pertence a-
— Mulher Maravilha. - O outro loiro completa. - Quem não conhece a melhor super-heroína?
— Você tem um bom gosto, rapaz. - Steve avalia. - Ok, você começa?
— Como você me conhecia? - Wade questiona sem rodeios.
— Você é famoso, Wade. - Steve responde meio incerto, aquilo não era óbvio? - O Prometido? Não tem ninguém nas forças armadas que não te conheça.
— Então você é um soldado?
— Minha vez. - Wade fecha a boca já aberta com outras perguntas e deixa o vampiro questionar. - Porque Quentin Beck está desacordado no meu covil?
— Ele é um empecilho. - Wade descreve com dificuldade, mas consegue ver a dúvida nos olhos do outro. - Ele me ameaçou. E sim, eu consigo ver a descrença no seu olhar, Steve. Mas sim, um oficial do governo me ameaçou, ok? Talvez de onde você venha oficiais não sejam assim, mas-
— Não é descrença. - Steve esclarece rapidamente. - É surpresa na verdade, você conseguiu revidar muito bem pra um adolescente e praticamente o derrubou. Eu entendo, sim, eu sou do exército, mas ainda sei como os anjos agem, nada milagrosamente mudou desde aquele tratado foi assinado. Eu sei disso melhor do que ninguém.
Wade sente o seu instinto de sobrevivência cair um pouco. O tom de Steve deixava claro que ele realmente sabia o que isso significava para eles.
Por vezes, e por motivos inusitados, encontrava-se espécies que defendiam anjos com unhas e dentes como se eles não entendessem que sua precária situação se deviam às decisões desses mesmo anjos. Claro, por mais que nem todos tivessem o poder decisivo, isso não os impedia de serem maléficos com outras espécies. Wade já havia perdido a conta de quantas vezes havia assistido anjos continuarem a se acharem superiores mesmo após o tratado ser assinado. Um professor, um aluno, um colega, não importava o título, anjos sempre se sentiram no direito de comandar e punir quem desejassem. Então ele sabia exatamente do que Steve estava falando.
— Acredite, não foi difícil derrubá-lo. Quentin e eu temos um passado… conturbado, para dizer o mínimo. Você já ouviu falar do Massacre dos Beck? - O vampiro assente. - Lhe apresento o último Beck sobrevivente.
— Uau. - Steve encara Quentin com olhos completamente novos, sendo do exército, ele devia ter acesso a informações privilegiadas, mas após o massacre, com o medo de que alguém voltasse para terminar o serviço assassino ao saberem do último sobrevivente, várias famílias tiveram seus nomes alterados para que, se necessário, nunca se tivesse a certeza de quem era o último Beck de verdade. Então por mais que o boato do último Beck existir, aqueles que não conheciam a real história de Quentin, não saberiam como reconhecê-lo como o último sobrevivente. - Isso é… - Steve se calou por um momento. - Bem triste pra falar a verdade. Um anjo com a família massacrada, não me surpreende que ele tenha tanta raiva engarrafada dentro de si mesmo. E sentimentos bem…conflitantes, Pelas Presas, esse garoto é uma bagunça completa.
Wade acha o comentário esquisito até perceber a mudança nos olhos de Steve, ele estava lendo a aura de Quentin. E pelo jeito, a aura do anjo era uma bagunça completa.
O mestiço tentou achar qualquer traço de culpa dentro de si, se Quentin estivesse correto, sua família era responsável por acabar com a dele, mas não existia. Ele se sentia compadecido com a situação de Quentin, mas culpa vivia longe de seu coração, mesmo que suspeitasse de que tudo isso era trabalho direto de sua mãe biológica. Ele devia se sentir culpado? O loiro suspira cansado, ele realmente não sabia o que sentir agora além de um cansaço gigantesco.
— Pelas barbas de Drácula isso me dá até dor de cabeça. - O vampiro coloca as mãos nas têmporas e dá uma voltinha no covil indo até a geladeira e enchendo um copo com o seu líquido vermelho. - Ok, acho que ainda é você.
— O que você faz nas forças armadas?
— Capitão Rogers da XV Infantaria do projeto “Apocalipse”, ao seu dispor. - O vampiro bate uma continência. - Bom, Capitão de férias, na verdade.
— Achei que vocês não tiravam férias em meio a guerra. - Wade estranhou.
— E achou corretamente. - O vampiro toma um gole do sangue e abre o sorriso triste. - Mas quando eles acham que você vai enlouquecer em campo de batalha porque todo o seu pelotão morreu, eles conseguem abrir exceções.
— Oh.
Wade não sabe como reagir. Em comparação com Steve, ele ainda perdia na maturidade e na idade, mas não imaginou que eles chegariam a se equiparar sob situações de ver os mais próximos de si em perigo tão grande que a morte parecia a única resposta. Na verdade, Steve ainda estava levando a pior, mas ele só conseguia acreditar que estavam na mesma sintonia, o vampiro o entendia sem realmente precisar de palavras.
— Imagino que não adianta nada eu dizer ‘sinto muito’. - O mestiço continuou. - Mas eu sinto muito.
— Bom, eu também. - O loiro respirou fundo olhando para a pequena brecha de sol que se abria no covil escurecido, ele se afasta dela. - Minha vez, o que você pretende fazer com o anjo?
Wade abre a boca, mas nada sai dela. Se dependesse completamente de si nesse momento, ele só tentaria manter Quentin preso a aquilo e arranjar uma forma de ele esquecer que Wade era responsável pelo ataque, mas seu lado racional lhe dizia que, não só Peter ia odiá-lo (mesmo que um pouco) por isso, mas ele também não conseguiria se perdoar completamente. Wade não era um mestiço do mal, nunca fora e não queria começar a ser um agora. Ele estava assustado, constatou. Mais do que sempre estava e isso era tão brutal dentro de si, que ele só queria abafar aquela voz rouca e crescente dentro de sua mente e seu peito lhe dizendo que não havia forma de escapar disso. Ele era um sinal ambulante de perigo e não podia se livrar dessa sensação.
Se decidisse se livrar de Quentin, era um passo dado para um caminho mais sombrio.
Mesmo nas situações mais críticas, todos tinham escolhas. Fosse ela escolher entre o pior e o mais pior ainda, e nesse momento, Wade não estava disposto a escolher o ‘mais pior ainda’. Pelo menos não por enquanto.
— Eu vou soltá-lo. - O mestiço suspira, sabendo que faria isso desde o ínicio. - Eu fui impulsivo, só preciso de tempo para entender como fazer isso sem que ele acabe com a minha vida.
— Ele pode ficar comigo pelo tempo necessário. - Steve oferece. - Mas ele é um agente, Wade. Vão procurá-lo se ele sumir sem explicação.
— Eu sei. - O loiro assentiu e chegou próximo ao corpo para achar o celular do anjo, ele não demorou em mandar uma mensagem para o departamento de Quentin. Tinha comprado pelo menos uma manhã para si mesmo antes de ter que lidar com mais daquela bagunça. Ele joga o celular em Quentin novamente e então olha para Steve. - O que foi?
— Não sei. - O vampiro sorri se sentando, deixando suas presas a mostra. - Por pior que a situação seja, é surreal estar aqui com você. Você é literalmente uma lenda lá em cima, já tentaram pendurar sua foto uma dezena de vezes no setor administrativo, mas os superiores não querem que os soldados deixem todas as expectativas em você, o que não dá muito certo, todo o exército já se inspira em você. E, não é por menos, sem treinamento algum até onde eu saiba, e você derrubou um agente do governo altamente treinado. É simplesmente, uau, com todo o respeito.
Wade sente um calor subir até seu rosto, mas tenta não demonstrar, receber um elogio de Steve era como receber uma estrela de bom comportamento, mesmo quando havia feito algo ruim, mas que ainda assim era apreciado pelos motivos certos. Ele tenta se livrar dessa sensação de orgulho no peito, passar a ver o vampiro como alguém a se espelhar podia ser perigoso. Além disso, por mais que estivesse recebendo ajuda, ele não conhecia Steve realmente. Podiam ter essa conexão estranha e imediata, mas ele não sabia muito sobre o loiro, e Wade tinha a sensação de que, por algum motivo não devia confiar em ninguém.
— Ei. - O mestiço o chama. - Minha vez de novo. Porque você está me ajudando?
O vampiro olha para a cruz e toma alguns minutos em silêncio.
— Eu tenho um senso de serviço, seja com a minha espécie, com a sua espécie, com a dele e quais mais existirem. Eu tenho um trabalho e sempre fiz de tudo por ele. - Steve esclarece. - Mas mesmo depois de mais de 20 anos de serviço impecável, até onde chegamos? Eu sempre fiz tudo pelas regras e aqui estamos, perdendo cada vez mais terreno para o anticristo.
O vampiro se levanta e o copo em suas mãos, já vazio, está completamente amassado. Steve tinha opiniões fortes sobre a guerra, já que vivia nela a maior parte de sua vida, e era possível perceber que a perduração dessa guerra por mais de décadas, próxima a completar um século, não o deixava satisfeito.
— Ele quer mudar o ciclo, Wade. - O vampiro confessa em um breve sussurro. - O anticristo quer destruir o sistema e sinceramente? Eu não acho que ele esteja errado.
Wade se exaltou no mesmo momento. Ele realmente não conhecia Steve Rogers.
— Como você pode sequer pensar nisso?! - O loiro se exalta e uma mancha negra toma conta de seu pescoço, onde uma veia pulsa. - Seu pelotão, tantos pais e filhos, irmãos e até mesmo meu melhor amigo foram para a guerra! Como você pode querer defendê-lo?
— Eu não estou. - Steve não muda seu tom calmo. - Eu não gosto de ver pessoas morrendo por motivos fúteis como uma guerra, Wade. Você pode pensar que, por eu ser um vampiro, é como viver no paraíso, mas não é. Todos os seus sentidos ficam sobrecarregados, cansados e ao mesmo tempo alertas, você surta assim que volta de uma missão porque não tem sequer as plaquetas de seus soldados para entregar a suas famílias, eu sei disso, mais do que qualquer pessoa. Eu perdi pessoas na guerra. E não acho que ela seja a resposta, mas não quero negar o que está na minha frente. Esse sistema em que vivemos? Ele está a ponto de se autodestruir. A fome, o descaso, a pobreza, o submundo, os anjos agindo como ditadores. Já vimos muito disso no mundo humano para saber que não existem saídas melhores para esse tipo de situação do que uma mudança de sistemas e, o anti-cristo propõe isso.
Antes que Wade sequer pudesse abrir a boca para revidar, Steve ergue a mão pedindo que ele escute.
— Ele propõe, sim, mas não com a ferramenta correta. Guerra nunca é a resposta e eu sei disso. Posso ter sido criado para ser um guerreiro, mas eu luto guerras, não desejo elas. - Ele esclarece. - Você me perguntou porque estou ajudando? É por isso, eu devo ser o capitão que mais conhece a sua história Wade, eu estudei seus arquivos, seus poderes, seus potenciais e eu sei que algumas pessoas não nasceram para guerrear, mas eu nasci para isso e não quero mais entrar em campo por pessoas que eu não acredito. Eu quero ajudá-lo, porque acredito que você seja nossa resposta. Você pode ser aquele que destrói o inimaginável e carrega o ar de mudança.
Steve se junta ao seu lado, apertando seu ombro.
— Só imagina. - O vampiro pede.- Um demônio que derrota o maior pesadelo de todas as espécies, o que você acha que vai conquistar do povo se conseguir colocá-los ao seu lado? Se você trabalhar pelo real motivo correto? Você se tornaria um símbolo, Wade e é nesse símbolo que eu quero acreditar. Chega de anjos no comando e sangue nas mãos, é hora de um novo sistema e eu acredito que ele seja você.
Wade está estático. Aquilo era diferente do que tinha imaginado. Talvez Steve fosse só um carinha legal que o cobraria um pote de sangue por dia para pagar por sua boca quieta, mas pelo jeito ele queria mais do que sangue. Ele queria o rosto de Wade para a representação de um novo sistema, um sistema que destruiria o antigo e com certeza geraria tanto caos quanto o primeiro. Porém Wade sequer queria virar um símbolo. Ele estava disposto a lutar na guerra e ser completamente esquecido depois, isso era o melhor, isso era o correto para sua segurança.
Ele não era somente um demônio derrotando o mal. Não, ele era um mestiço, uma raça nova e que injetava esse mesmo medo de mudança ruim na mente das pessoas. Aquilo era perigoso demais e ele só tinha 17 anos.
O garoto sente que vai vomitar o café borbulhando em seu estômago.
Steve com certeza era bom em discursos, mas aquilo era demais, ele estava acordado a tempo demais. Isso, ele só precisava fechar os olhos e fugir de tudo aquilo, mesmo que só por algumas horas.
Só por algumas horas ele queria voltar a um local quente e seguro. Ele já sentia falta de Peter. Ele só queria se sentir salvo e em casa.
O mestiço suspira e não comenta sobre os desejos de Steve, ele promete voltar para ver Quentin em algumas horas e pensar na ideia de Steve - que o assegura que continuará lhe ajudando não importa o que -, mas ele só quer ir para sua cama o mais rápido possível.
Ele quer voar, mas decide tomar o metrô, precisava de tempo para pensar, muito tempo.
Mas a única coisa que sua mente faz durante toda a viagem é ficar em completo silêncio, ele literalmente não sabe mais o que pensar. Era como se estivesse estudando a tanto tempo, que as palavras já não faziam mais sentido em sua mente. Ele só queria fechar os olhos e sumir, deixando todos esse caos para trás, mas por algum motivo, quando fechava os olhos, a única coisa que via era uma praia sendo banhada em uma chuva de sangue e o sentimento ruim no peito de que algo estava errado.
— Por Lúcifer, queria que Peter estivesse aqui.
[...]
O mestiço nunca havia ficado tão feliz em ver as portas da Mansão Demoníaca, muita coisa estava diferente desde que saíra no dia anterior.
Naquela época - ontem, literalmente - ele era só um demônio, indo conhecer os sogros sem que eles soubessem que eram seus sogros, com a intenção de descobrir mais coisas sobre eles, mas o tiro havia saído completamente pela culatra e agora Wade tinha mais dúvidas sobre o próprio piso que estava andando do que certezas de qualquer coisa no mundo.
O loiro julga estar tão cansado, que acha estar vendo a ilusão de Eddie, com olhos borrados de um vermelho claro vindo em sua direção. As palavras parecem mortificadas quando saem da boca de Eddie, a ponto de não chegarem realmente aos ouvidos do mestiço. Ele franze a sobrancelha sem entender, mas não precisa de muito esforço, aquilo era uma imagem que já havia aparecido muito em seus piores pesadelos.
Quando Eddie aponta para atrás de si, Wade consegue vê-los com clareza.
Colossus, o cara grande e alegre, que apesar de repreendê-lo, acabava sempre embarcando nas piores ideias de Wade. O cara que estava com o rosto neutro, como se fosse difícil saber o que realmente sentia, o que era irônico vindo do pacificador que lidava com todos os outros sentimentos das outras pessoas. Ele abraçava Vanessa, sua amiga e ex-namorada, que era tão alegre quanto - ou mais - do que o pacificador. Porém hoje, não está. As asas quase chegando ao chão pelos ombros completamente curvados, a maquiagem preta sempre forte borrando o rosto em todos os sentidos, os chifres tingidos de um vermelho tão forte e tão vívido que seria fácil confundir que ela estava loucamente apaixonada, mas vermelho não era necessariamente uma cor feliz por ser quente. Às vezes, cores quentes podiam ser mais frias do que o tradicional gélido azul.
Os próprios chifres de Wade ficam completamente azuis, seus olhos escurecem e marejam com pequenas lágrimas, seu queixo treme e ele só entende que seus joelhos cederam quando sente o chão realmente frio daquela mansão em contato com eles.
Se Colossus e Vanessa já não eram sinais o suficiente, Ellie, o anjo mais bonzinho que Wade já havia conhecido por tantos anos, tinha os olhos negros envoltos de um vermelho tão forte que os professores a expulsariam de uma sala de aula alegado que ela havia fumado o maior e mais pesado dos baseados, mas Wade sabia qu Ellie não era desse tipo, só uma coisa a fazia ficar assim: chorar. Chorar muito. Chorar tanto que fosse impossível disfarçar em seu rosto pálido, coisa que a garota odiava, por isso ela nunca chorava.
Mas seus olhos ainda estavam molhados.
Wade pode sentir as lágrimas quando ela o abraçou e o envolveu em um manto negro.
O loiro não precisou ver o que estava escrito, ele sabia de cor, pois temia ver um daqueles de verdade.
— Enquanto for amado pelos que ficam, o soldado que se foi, nunca desaparecerá por completo. - Wade recita a mensagem padrão que os familiares recebem quando nem mesmo uma parte do soldado pode ser resgatada.
O manto preto era sempre a pior mensagem.
— Quando? - Wade não dirige a pergunta a ninguém em específico.
Enquanto Ellie o abraça e chora e Colossus não consegue formar uma palavra, é Vanessa quem toma a frente.
— Essa noite. - A voz da garota está em frangalhos, então Wade sabe que foi ela quem recebeu a faixa. - Tentamos te ligar, mas você não atendia.
O loiro fechou os olhos, sentindo o peso o atingir. As ligações dos amigos, as mensagens no grupo e também no privado, ele não devia tê-las ignorado, mesmo que estivesse com o corpo de um anjo desacordado a sua frente.
Ah, aquele anjo.
“E, conselho amigo, se eu fosse você ia logo embora, você tem novidades aguardando em casa.” Era o que Quentin havia lhe dito a ponto de lhe tirar do sério.
Ele sabia.
Quentin sabia que Dopinder tinha morrido.
Ele sabia.
Uma raiva incandescente se acende em Wade e Eddie é o único que parece notar que há um fogo incomum nos olhos do loiro. Ele, sendo o menos afetado pela morte, sente o perigo de longe.
“Oh, boy.” Ele capta até mesmo Venom não gostando do rumo daquilo.
Ele se prepara para tentar mediar qualquer conflito, mas o fogo nos olhos de Wade se apaga com as enormes lágrimas que brotam em seus olhos. O fogo é completamente extinguido por uma avalanche de água escura e sombria.
Wade havia admitido para si mesmo o que não queria dizer.
Dopinder havia morrido.
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