Sentia um zumbido familiar no meu ouvido, que ficou tão estupidamente irritante ao ponto de me fazer despertar de um sono profundo. Forcei um pouco a vista, tendo uma grande quantidade de luz me cercando. Olhei ao redor, percebendo que a luz era presente devido à grande claridade do local, totalmente branco e com uma pequena janela. Perto da janela se encontrava um sofá e, ao meu lado, uma tela que mostrava alguns dados provavelmente sobre a minha saúde.
Tentei me movimentar, mas senti uma enorme dor na barriga e nas costas, me fazendo desistir de sair dali. Porém, ao colocar minha mão sobre o lugar dolorido, todas as memórias anteriores me vieram à cabeça. A aula de defesa, a luta contra Touma, ela...
De repente, meu coração acelerou e eu comecei a sentir uma pequena falta de ar. Levei minhas mãos até meu pescoço, como se estivesse sufocando e esse ato fosse me ajudar em algo. Mas eu sabia que não iria. Não estava sufocando de verdade, estava sufocando com os sentimentos ruins que ela me trazia.
Eu queria apenas acabar com tudo. Com todas essas sensações péssimas, o sofrimento que causei e as pessoas que matei. Na minha cabeça apenas se passavam imagens dela matando pessoas queridas para mim, com minhas mãos. Ela sabia que eu veria tudo e me sentiria culpada, por isso seu prazer era enorme.
E, enquanto tentava regular minha respiração e questionava do por quê de eu ter acordado novamente, ouvi algumas vozes desconhecidas passando pelo corredor externo ao meu quarto.
-Você acha que ele irá sobreviver?...
-Eu não sei... A diretora tentou de tudo, mas o máximo que ela conseguiu foi prolongar um pouco sua vida. Demônios são realmente fortes e apenas um deles consegue retirar aquele tipo de veneno.
-E por que ela não chamou alguém para ajudá-la? A diretora deve conhecer vários demônios aqui da região.
-Ela até conhece, mas eles estão se preparando para o conselho anual, lembra?
-Ah... É verdade...- Então, as vozes diminuíram até um ponto em que eu não conseguia mais escutá-las.
-Touma...- O nome da pessoa que mais me irritava e que eu apenas queria manter distância, saiu de meus lábios. Agora sabia que ele estava vivo, mas não por muito tempo, aparentemente. Fechei os olhos para tentar organizar meus pensamentos e, quanto mais eu pensava, mais claro ficava o meu verdadeiro desejo. Era fato que aquele menino estava na escola exclusivamente para me perturbar, mas também tinham outras duas coisas que eu não poderia negar. Primeiro, ele não merecia passar por tudo isso. Segundo, o garoto que eu mantenho distância era a pessoa que eu mais queria por perto nesse momento.
Precisava salvá-lo, e era agora.
-Parece que foi você quem se machucou, né?- Murmurei enquanto tentava me levantar. A dor em minha barriga ainda era muito forte, então eles provavelmente cancelaram minha regeneração com medo que eu me curasse e ela voltasse. Materializei uma espada para me ajudar em meus movimentos, já que tinha uma leve dificuldade em me movimentar. Porém, quando meus pés tocaram o chão, a tela ao meu lado começou a apitar. –Ah, você só pode tá de sacanagem comigo!
-Paciente número 42 está saindo de seu devido lugar. Repito, paciente número 42 está saindo de seu devido lugar. Repito...
-É, eu to bem ferrada.- Falei, pensando que esse aviso já deve estar indo direto aos ouvidos da diretora. Fui até a porta em passos acelerados. Me xinguei mentalmente por não ter um plano pronto.
E se alguém me parar no caminho? E se a diretora aparecer? Merda... Eu também não sei onde ele tá...
Olhei para os dois lados do corredor, tentando arrumar uma solução rápida. O local antes atacado deu uma pontada de dor, fazendo-me encolher levemente. Não poderia desistir agora, então usei essa dor como motivação, afinal, essas pontadas não devem estar doendo nada perto do que Touma está sentindo.
Ou sei...?
-Ela está fora de seu quarto!- Alguém gritou, me assustando. Estava cansada e ainda precisava me recuperar da luta, mas me forcei a usar um feitiço de paralização na pessoa que me viu, apenas para ganhar algum tempo. Fechei os olhos, me concentrando no sinal que queria sentir. Afinal, se a cobra ainda estava no corpo de Touma, conseguiria senti-la e descobrir onde ele estava. E, por sorte, ele não estava longe.
Quando comecei a andar em direção ao final do corredor, outras pessoas apareceram para virem atrás de mim também. Falei alguns palavrões baixinho, tanto pela perseguição como pelas minhas dores a cada passo que eu dava. Acelerei um pouco, até o corredor virar à direita e eu entrar no primeiro quarto que me apareceu. Fechei a por silenciosamente e me abaixei para não ser vista.
-Ela deve ter se teletransportado mais para frente, vamos!- Ouvi do lado de fora e suspirei de alívio.
-Babacas...- Aproveitando que já estava ali, passei os olhos pelo quarto. Ele era idêntico ao meu, a única mudança era o menino que estava deitado na cama. Levantei e me aproximei do garoto coberto de fios por todo seu corpo. Ele estava extremamente pálido e, com seus cabelos brancos para ajudar, parecia um verdadeiro fantasma. Olhei rapidamente em sua ficha, procurando saber o que ele tinha para ficar em um estado tão grave. –Meu Deus... Ele está aqui faz quatro anos! E por causa desconhecida, como assim? Não é possível que não saibam o que ele tenha...- Senti uma pequena pontada em meu peito, como se estivesse com dó do menino. Imaginei a quantidade de memórias que ele poderia ter todo esse tempo que ficou nesse quarto. Ninguém merecia isso. –Realmente espero que você melhore...- Depositei um simples beijo em sua testa, em sinal de motivação, antes de voltar à minha missão inicial.
Depois de andar durante uns cinco minutos, cheguei perto do quarto em que Touma estava. Já estava me preparando para ter que lutar contra a diretora ou com um quase exército, mas não tinha ninguém lá. Arqueei uma sobrancelha.
Ou eu sou muito dramática, ou tem alguma coisa errada...
Abri a porta calmamente, olhando para os dois lados antes de entrar. E, quando pus meus olhos sobre o corpo imóvel de Touma, senti outra pontada em meu peito e uma tristeza enorme me invadiu. Minha espada escorreu pela minha mão, fazendo um grande barulho ao colidir com o chão. Me aproximei dele, observando seu estado. Igual o menino que eu acabei de visitar, suas cores haviam sumido, com a diferença que algumas partes de seu corpo estavam sendo tomadas por um tom de preto. Por baixo de sua blusa, consegui ver a grande região preta sobre seu coração, que já bombeava o veneno para todo o corpo. O tom rosado e natural de seus lábios agora dava lugar para um roxo quase preto, me dando aquela sensação ruim novamente. Porém, junto com essa sensação, também vinha esperança. Pela primeira vez eu tinha a oportunidade de salvar alguém que ela fez mal. Ou era assim que eu pensava.
-Senhora, ela já está lá dentro!- Vozes vieram de fora, atrapalhando meu momento de quase concentração.
-EU JÁ DISSE QUE NÃO SOU SENHORA, QUE SACO!- A voz dessa vez eu reconhecia muito bem, era a diretora. –E se ela está lá dentro, é só abrir a porta, qual a dificuldade?
-Agora não!- Falei, bem no momento em que a maçaneta girava. Usei mais um pouco de minha energia para trancar a porta e fazer uma barreira em toda a extensão daquele lado do quarto. Mesmo se eles quebrassem a porta ou a parede, ainda teriam que passar pela minha barreira.
Voltei minha concentração ao menino em minha frente, me ajoelhando ao seu lado na cama. Inclinei-me em sua direção, sentindo uma leve tontura. Não consegui me recuperar da luta devido ao estado que me colocaram enquanto dormia, sem regeneração, então era óbvio que me cansaria ao fazer alguns feitiços.
-Touma... Aguente mais um pouco, okay?- Segurei sua gélida mão e me coloquei a fazer o que deveria.
Abri sua boca com a mão livre, aproximando meu rosto do dele e ouvindo a porta ser arrombada. Meu coração pulou em meu peito ao sentir a resistência sobre minha barreira. Usei meus anos de estudo e treino para dividir minhas forças entre manter a barreira forte e chamar a serpente de volta para mim. Poucos segundos depois, senti uma movimentação no corpo de Touma. Era como se algo dentro de si revirasse e começasse a andar pelo corpo do albino, deixando um leve volume na pele por onde estava passando.
-Mayu Tsuki, eu recomendo que você quebre essa barreira agora, se não terei que tomar medidas drásticas e...- Nesse mesmo minuto, a serpente saiu pela boca de Touma e voltou para dentro de mim, me fazendo fraquejar um pouco. Apoiei minha cabeça sobre seu peito, respirando fundo e não deixando a escuridão me consumir. Se a diretora não estivesse tão focada em me dar uma lição de moral, ela teria quebrado facilmente meu feitiço e me parado naquele momento. Mas eu não a culpo. Afinal, eu também estava tão concentrada em completar meu objetivo que nem percebi que as investidas contra a barreira pararam.
-Só mais um pouco...- Eu suava enquanto colocava minha mão sobre seu coração e retirava o sangue negro de Touma. Repetia palavras sem parar, vendo o preto de seu corpo desaparecer aos poucos e dando espaço ao tom suave que encaixava perfeitamente nele. Aqueles curtos minutos pareceram uma eternidade a meu ver, entretanto, valeram a pena. Suspirei cansada quando meu trabalho ali terminou, me deixando descansar um pouco. –Eu não poderia deixar você morrer, idiota.- Falei, sorrindo. Então, sem que eu pudesse impedir, minha visão escureceu e eu desmaiei ali mesmo, segurando sua mão.
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